sábado, 4 de abril de 2020

Taxa de Utilização do Sistema de Comércio Exterior da Receita Federal do Brasil - SISCOMEX


Poe Francisco Alves dos Santos  Júnior

Na decisão que segue, debate-se um problema recorrente no direito tributário brasileiro: o Legislador cria  tributo em valor fixo e, na  Lei instituidora, permite-se que seja  atualizado monetariamente pelo  Ministro da Fazenda, sem dizer qual o índice que esse Ministro tem que adotar, exigência essa decorrente  do princípio constitucional da legalidade tributária,  prevista no inciso I do art. 150 da vigente Constituição da República. E a indicação do índice teria que ser feita na Lei, porque, como se sabe, temos no Brasil uma infinidade de índices de atualização monetária,  IPCA, IPCA-E, TR, etc. 
E então isso gera inúmeeras ações na Justiça, por falta de cautela do Legislador Federal. 
No caso sob exame, o Ministro da Fazenda exagerou e não fez apenas uma  atualização, mas sim aumentou exageradamente o valor do tributo, aumento esse que foi considerada inconstitucional pelas  duas Turmas do Supremo Tribunal Federal, exatamente porque feriu a referida regra constitucional. 
Leia a decisão infra e entenda o caso. 
Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0800194-80.2020.4.05.8312 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: A I , C I E EXPORTACAO LTDA
ADVOGADO: G S R G De S e outro
AUTORIDADE COATORA: INSPETOR CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


D E C I S Ã O


  1. Breve Relatório
A I, C, I E EXPORTAÇÃO LTDA, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança c/c Pedido Liminar em face do ILMO. SR. INSPETOR CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE/PE. Aduziu, em síntese, que seria empresa dedicada à atividade de importação de bens diversos, portanto, seria Contribuinte de tributos incidentes sobre a importação de produtos, quais sejam,  Imposto de  Importação - II (Decreto nº 37/66), Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI (Lei 4.502/64,  regulamentado pelo Decreto 7.212 de 2010), e as contribuições PIS/PASEP Importação e a COFINS Importação (Lei 10.865/2004); além dos referidos tributos, seria exigido o pagamento de taxas, entre elas a Taxa de Utilização do Sistema de Comércio Exterior da Receita Federal do Brasil - SISCOMEX; o SISCOMEX fora criado em 1992 para controlar e acompanhar as operações de comércio exterior, o que operacionaliza e integra as atividades de todos os órgãos aduaneiros e gestores do  comércio exterior nas etapas da importação e da exportação no país, sendo que em 1998 fora instituída cobrança da taxa de utilização com a edição da Lei nº 9.716/98, nos montantes ali descritos; em 20 de maio de 2011 fora editada a Portaria nº 257 do Ministério da Fazenda majorando o valor da taxa instituída; o reajuste pela referida ortaria do Poder Executivo teria majorado em mais de 500% o valor da taxa  de utilização do SISCOMEX, enquanto a inflação do período fora muito inferior. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, fosse concedida a medida liminar para determinar, imediatamente, que a Impetrada se abstivesse de exigir o valor da Taxa de Siscomex excessivamente majorado pela  Portaria 257/2011, aplicando unicamente correção monetária oficial acumulada no período, conforme  tabela disposta no Anexo 1, na forma e para todos os efeitos do art. 151, IV, do Código Tributário  Nacional. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir. 
2. Fundamentação
Pede-se, na bem elaborada petição inicial,  a concessão de medida liminar, suspendendo a exigibilidade da diferença entre o valor da Taxa de Utilização do SISCOMEX nos patamares fixados pela Portaria MF n. 257/2011, atualmente regulamentada pela IN RFB N. 1158/2011,  e que só possa ser cobrada no valor originário, fixado na Lei indicada na  mencionada petição com  reajuste dos índices no anexo 1 da mencionada petição. 
Pois bem.
Cinge-se a controvérsia sobre a constitucionalidade e legalidade do aumento da Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), instituída pela Lei nº 9.716/1998, por meio da Portaria nº 257/2011/MF, regulamentada pela IN RFB n. 1158/2011.
Nesse contexto, como bem relatado na  petição inicial, prevê o art. 3º da Lei nº 9.716/98:
"Art. 3o  Fica instituída a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, administrada pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.§ 1o  A taxa a que se refere este artigo será devida no Registro da Declaração de Importação, à razão de:  (Vide Medida Provisória nº 320, 2006)I - R$ 30,00 (trinta reais) por Declaração de Importação;II - R$ 10,00 (dez reais) para cada adição de mercadorias à Declaração de Importação, observado limite fixado pela Secretaria da Receita Federal.§ 2o  Os valores de que trata o parágrafo anterior poderão ser reajustados, anualmente, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX.".
Por sua vez, foi publicada a Portaria MF nº 257/11, reajustando o valor da Taxa de Utilização do SISCOMEX:
"O MINISTRO DA FAZENDA, no uso das atribuições que lhe conferem o artigo 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição Federal, considerando o disposto no artigo 6º, do Decreto-Lei No- 1.437, de 17 de dezembro de 1975, ratificado pelo Decreto Legislativo No- 22, de 27 de agosto de 1990, e no parágrafo 2º do artigo 3º da Lei No- 9.716, de 26 de novembro de 1998, resolve:Art. 1º Reajustar a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), devida no Registro da Declaração de Importação (DI), de que trata o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei No- 9.716, de 1998, nos seguintes valores:I - R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) por DI;II - R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadorias à DI, observados os limites fixados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação."
E, em cumprimento ao art. 1º, II, da aludida Portaria, editou-se a Instrução Normativa 1.158/2011, nos seguintes termos:
"O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 273 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 587, de 21 de dezembro de 2010, e tendo em vista o disposto no inciso II do art. 1º da Portaria MF nº 257, de 20 de maio de 2011, resolve:
Art. 1º O art. 13 da Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 13. A Taxa de Utilização do Siscomex será devida no ato do registro da DI à razão de: I - R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) por DI; II - R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadoria à DI, observados os seguintes limites: a) até a 2ª adição - R$ 29,50; b) da 3ª à 5ª - R$ 23,60; c) da 6ª à 10ª - R$ 17,70; d) da 11ª à 20ª - R$ 11,80; e) da 21ª à 50ª - R$ 5,90; e f) a partir da 51ª - R$ 2,95. [Links para os atos mencionados] ................................................................. ......................" (NR) Art. 2º O art. 1º da Portaria MF nº 257, de 20 de maio de 2011, aplica-se somente às Declarações de Importação (DI) registradas após a entrada em vigor desta Instrução Normativa.Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor em 1º de junho de 2011."
Pois bem.
Sobre a matéria, também como indicado  na petição inicial, a 1ª Turma do STF firmou o entendimento no sentido de que é "inconstitucional a majoração de alíquotas da Taxa de Utilização do SISCOMEX por ato normativo infralegal", porque, "não obstante a lei que instituiu o tributo tenha permitido o reajuste dos valores pelo Poder Executivo, o Legislativo não fixou balizas mínimas e máximas para uma eventual delegação tributária" (RE 959.274 AgR, Min. Rosa Weber, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJE 13/10/2017).
Nesse sentido, confira-se, na íntegra, o aresto do referido julgado:
"Direito Tributário. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário. Taxa de utilização do SISCOMEX. Majoração por Portaria do Ministério da Fazenda. Afronta à Legalidade Tributária. Agravo regimental provido. 1. É inconstitucional a majoração de alíquotas da Taxa de Utilização do SISCOMEX por ato normativo infralegal. Não obstante a lei que instituiu o tributo tenha permitido o reajuste dos valores pelo Poder Executivo, o Legislativo não fixou balizas mínimas e máximas para uma eventual delegação tributária. 2. Conforme previsto no art. 150, I, da Constituição, somente lei em sentido estrito é instrumento hábil para a criação e majoração de tributos. A Legalidade Tributária é, portanto, verdadeiro direito fundamental dos contribuintes, que não admite flexibilização em hipóteses que não estejam constitucionalmente previstas. 3. Agravo regimental a que se dá provimento tão somente para permitir o processamento do recurso extraordinário". 
RE nº 959.274/SC-AgR, Primeira Turma, Relator para o acórdão o Ministro Roberto Barroso, DJe de 13/10/17.
No mesmo sentido, decidiu a 2ª Turma  dessa Suprema Corte,  no julgamento desse RE nº 1.095.001/SC, ocorrido em 06/03/18, em cujo acórdão assentou-se que seriam razoáveis os critérios da Lei, mas que a delegação restou incompleta ao não fixar um limite máximo dentro do qual o regulamento poderia trafegar em termos de subordinação.
Mesmo diante da incompletude da norma, vê-se que as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal considerou  válida a taxa SISCOMEX e inválido o ato infralegal, no caso a Portaria MF nº 257/2011, cujos valores exorbitaram, em muito, os índices oficiais de correção monetária.
Não se contesta o critério de reajuste adotado pelo Legislador, mas firmou-se, na Suprema Corte, que a atualização não pode superar os índices oficiais da inflação.
Ocorre que há vários índices oficiais de inflação e a Suprema Corte não indicou qual deveria ser aplicado. 
Então, enquanto o Ministério da Fazenda não baixar outra Portaria, adotando um índice à luz do entendimento da Suprema Corte, tenho que mencionada taxa só poderia ser cobrada nos valores originários, fixados na referida Lei.
No entanto, pede a Autora/Impetrante que referida taxa seja cobrada "aplicando unicamente correção monetária oficial acumulada no período, conforme tabela disposta no Anexo 1, na forma e para todos os efeitos do art. 151, IV, do Código Tributário Nacional;".
Não é o critério legal, como penso ter demonstrado acima, mas, no sentido do pedido da Autora/Impetrante,  já decidiu o TRF da 5ª Região:
"TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE UTILIZAÇÃO SISCOMEX. LEI 9.716/98. MAJORAÇÃO DA  ALÍQUOTA  POR ATO INFRALEGAL. PORTARIA MF N° 257/11. IN RFB 1.158/11. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ATUALIZAÇÃO DO VALOR MONETÁRIO DA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DESTA CORTE REGIONAL. REMESSA OFICIAL. PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Remessa oficial em face de sentença que, em ação mandamental, concedeu a segurança para: a) reconhecer a inconstitucionalidade da majoração da taxa de utilização do SISCOMEX, promovida pela Portaria MF nº 257/2011; b) determinar que a ré se abstenha de exigir da impetrante o recolhimento da taxa Siscomex com base na majoração realizada pela Portaria MF n° 257/2011, nos termos da fundamentação; c) declarar o direito da impetrante à compensação ou restituição dos valores indevidamente recolhidos, no período compreendido dentro dos cinco anos anteriores à propositura desta demanda, em razão da majoração da taxa de utilização do SISCOMEX, promovida pela Portaria MF nº 257/2011, aplicando-se exclusivamente a taxa SELIC a título de atualização monetária e juros de mora, devendo a identificação dos valores indevidamente recolhidos e a respectiva compensação ser realizada, no âmbito administrativo, na forma preconizada no art. 74 da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei 10.637/02, e somente após o trânsito em julgado desta decisão.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da majoração da Taxa de Utilização do SISCOMEX por ato normativo infralegal. Precedentes: RE 1130979 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/03/2019; RE 1095001 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018; RE 959274 AgR, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 11-10-2017 PUBLIC 13-10-2017.3. Conforme esclarecido por aquela Corte, a delegação contida no art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.716/98, restou incompleta, na medida em que não foi estabelecido pelo legislador o desenho mínimo que evitasse o arbítrio fiscal.4. Em que pese referida conclusão, a Corte Suprema fez ressalva expressa quanto à possibilidade de o Poder Executivo atualizar os valores desde que em percentual não superior aos índices oficiais de correção monetária. Isso se deve ao fato de que a atualização do valor monetário da base de cálculo não se confunde com o aumento desta, o que afasta a incidência da reserva legal.5. Sendo assim, a ilegalidade da cobrança da Taxa do SISCOMEX com base na Portaria MF n. 257/2011 e na IN RFB 1.158/11 abarca apenas a importância que transbordar os índices inflacionários.  Neste sentido: PROCESSO: 08003897220184058300, APELREEX - Apelação/Reexame Necessário - , DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1º Turma, JULGAMENTO: 30/10/2019; PROCESSO: 08060406920194058100, APELREEX - Apelação/Reexame Necessário - , DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 28/10/2019; PROCESSO: 08073467320194058100, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 08/10/2019; Processo nº 0808950-85.2018.4.05.8300, Relator: Desembargador Federal ROBERTO MACHADO, 1ª Turma, Data de Julgamento: 02/05/2019; PROCESSO: 08002586120184058312, APELREEX - Apelação/Reexame Necessário -, DESEMBARGADOR FEDERAL EDÍLSON NOBRE, 4ª Turma, JULGAMENTO: 29/04/2019).6. A sentença está correta quando impõe à autoridade impetrada a abstenção da prática de qualquer ato destinado à cobrança da SISCOMEX em valor superior ao instituído pelo art. 3º da Lei 9.716/98, e sem o reajuste promovido pela Portaria MF 257/2011 e IN RFB 1.158/11. Contudo, olvidou-se quanto à possibilidade de que tal valor seja atualizado monetariamente, desde que em percentual não superior aos índices oficiais.7. Remessa oficial parcialmente provida para reconhecer a ilegalidade da Portaria MF n. 257/2011 tão somente na parte em que majorou a Taxa do SISCOMEX além dos índices inflacionários, restringindo a não submissão do contribuinte e o consequente direito à restituição/compensação àqueles valores que extrapolarem os limites do art. 3º da Lei 9.716/98, atualizados monetariamente pelos índices oficiais.". [1]
Diante de tal contexto, merece ser parcialmente concedida a pleiteada medida  liminar.

3. Dispositivo
Ante o exposto, defiro parcialmente a medida liminar e determino que a DD Autoridade Impetrada cobre a mencionada Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX sem aplicar a atualização da mencionada Portaria 257, de 2011, do  Ministro da Fazenda, podendo, todavia, diante da ausência de outra Portaria desse Ministro, observando o entendimento da Suprema Corte,  que faça a atualização dos valores originários, fixados na Lei base, os índices do anexo 1 da Petição Inicial, que deve estar à luz do referido entendimento da Suprema Corte, qual seja, com base nos índices oficiais de correção monetária.
Notifique-se a DD Autoridade apontada coatora, para prestar as informações legais, em 10 (dez) dias (Lei n.º 12.016/2009, art. 7.º, I), bem como para cumprimento do acima decidido, sob as penas do art. 26 dessa Lei.

Determino, também, que a União (Fazenda Nacional), por seu órgão de representação judicial próprio, a Procuradoria da Fazenda Nacional em Recife-PE, seja cientificada desta decisão, para os fins do inciso  II do art.  7º da Lei referida  no parágrafo anterior.

No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Intimem-se. Cumpra-se com urgência.

Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE

__________________________________________
[1] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. PROCESSO: 08110386220194058300, APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - , DESEMBARGADOR FEDERAL GUSTAVO DE PAIVA GADELHA (CONVOCADO), 3ª Turma, JULGAMENTO: 07/02/2020,  sem indicação de veículo de publicação.





Acesso em 03/04/2020

sexta-feira, 3 de abril de 2020

QUANDO A PARTE VENCEDORA É CONDENADA NAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior
         Quando Maria, proprietária do imóvel, não providencia o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis competente, deixando esse imóvel registrado no nome de João, um dos proprietários anteriores,  caso seja penhorado a pedido de Credor de João, se Maria propuser a respectiva Ação de Embargos de Terceiro, mesmo sendo vencedora, arcará com os ônus da sucumbência judicial, por ter dado causa à penhora(princípio da causalidade, com precedente do STJ).
          Na sentença que segue, ocorreu esse fenômeno judicial.
          Boa  leitura.

Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques. 



EMBARGANTE: M C M e outro 
EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A.

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA SOBRE IMÓVEL.
-Embora o contrato de compra e venda do imóvel penhorado não esteja devidamente registrado no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, diante da comprovação da compra bem antes da respectiva penhora e da comprovada boa-fé da Embargante, o pedido procede.
-O MPF, ora Embargado, por meu de sua sensível Procuradora da República, concordou com o pleito, ressalvando a responsabilidade da Embargante pelas verbas de sucumbência, porque causadora da penhora e da origem desta ação.
-Procedência e condenação da Embargante de Terceiro nas verbas de sucumbência, com suspensão da respectiva exigibilidade, calcada no § 3º do art. 98 do vigente CPC.


Vistos, etc.
1- Relatório
M C M, qualificada na Petição Inicial,  assistida pela Defensoria Pública da União,  em 29/04/2019 ajuizou esta Ação de Embargos de Terceiro em face do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Requereu, inicialmente,  a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e alegou, em síntese, que seria legítima possuidora do imóvel em questão há mais de dez anos, razão pela qual teria legitimidade para figurar no polo ativo desta ação; teria sido realizada penhora sobre o mencionado imóvel, situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº A-1-2, andar térreo do bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, consoante o respectivo auto de penhora que estaria anexando; teria comprado o imóvel de Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho em 27/02/2008, mediante Contrato de Compra e Venda; antes disso, o imóvel teria sido comprado por Inês Aguiar Cavalcante de Carvalho a Isaura Maria Bonifácio de Farias em 25/02/2007, que por sua vez o teria comprado, em 17/03/2005, a E da C L, parte executada do processo ora embargado, tombado sob nº 0800903-35.2017.4.05.8308; o imóvel não teria sido registrado em seu nome, em razão da existência de pendência na documentação do imóvel; salientou que a execução teria sido ajuizada em 23/08/2017, em data bem posterior à realização do Contrato de Compra e Venda. Teceu outros comentários, e requereu: "a)     Concessão dos benefícios da gratuidade de justiça a terceira embargante, nos termos do art. 98 e seguintes do CPC; b)    a observância de todas as prerrogativas da Defensoria Pública da União, em especial a intimação pessoal de todos os atos processuais com entrega dos autos com vista e a contagem dos prazos em dobro, na forma do art. 44 da Lei Complementar nº. 80/94; c)     Seja citado o embargado para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, ficando, desde logo, ciente de que, se não forem impugnados os fatos alegados, estes serão presumidos como verdadeiros; d)    Que não sejam tomadas medidas de caráter expropriatório;  e)     por fim, seja deferida a manutenção da posse do bem penhorado em favor da embargante, desconstituindo-se o Auto de Penhora referente ao imóvel Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE. f)       Caso não reconhecido o direito sobre a propriedade do imóvel, que seja considerado procedente a extinção da penhora, por tratar-se de bem de família; g)    A condenação dos réus em custas processuais e honorários advocatícios em favor da DPU, a serem depositados no fundo específico para estruturação da Defensoria Pública da União, nos termos da LC 80/94, com redação conferida pela LC132/2009." Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa e juntou documentos
Decisão na qual foi reconhecida a prevenção acusada pelo sistema PJE, desta ação com o Cumprimento de Sentença tombado sob o nº 0800903-35.2017.4.05.8308, movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de E DA C L; concedeu-se, provisoriamente, o benefício da Justiça Gratuita; recebeu-se a ação de Embargos de Terceiro; e determinou-se a citação do Embargado.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/Embargado não opôs resistência ao pedido da EMBARGANTE de levantamento da indisponibilidade sobre o imóvel identificado como o "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE", porque, segundo afirma, embora o citado imóvel esteja registrado, ainda, em nome do executado E da C L, nos termos do art. 1.245, §1º, do Código Civil), não se poderia fechar os olhos para a necessidade de proteção do direito de possuidor de boa-fé, e detentor de justo título; transcreveu a Súmula nº 84 do E. STJ que admite o manejo de Embargos de Terceiro por promitente comprador, independentemente de registro do instrumento; a boa-fé da Embargante de Terceiro é extraída pelo fato de a Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, com presumida quitação integral do preço do imóvel ter sido formalizada em 2008, muito antes da prolação da sentença condenatória que originou o débito exequendo; mais do que isso, a referida Escritura Pública seria bem anterior ao ajuizamento da ação civil pública, ocorrida em 09 de agosto de 2013; em tais situações, o E. Superior Tribunal de Justiça estaria admitindo o levantamento da penhora dos bens, consoante junlgados que transcreveu; ponderou que, admitir a pretensão de levantamento da penhora não implicaria reconhecer a condenação do Embargado nos ônus sucumbenciais, pois, em tese, a constrição teria se dado por inércia da Embargante em proceder ao regular registro do bem, e que os ônus processuais deveriam ser suportados pela Parte Embargante, conforme requereu.
É o relatório, no essencial.
Fundamento e decido.

2. Fundamentação
2.1- Trata-se de Embargos de Terceiro distribuídos por dependência ao Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, que tramita nesta 2ª Vara Federal/PE, cujo respectivo título judicial que a embasa foi constituído na Ação de Improbidade Administrativa nº 0000828-68.2013.4.05.8308, que tramitou neste Juízo.
Acerca dos Embargos de Terceiro assim estabelece o Código de Processo Civil:
"Art. 674 - Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.(...)Art. 678.  A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido."
Como visto, é possível determinar a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos Embargos quando suficientemente provado o domínio ou a posse por pessoa (Terceiro) que não é parte no processo.
No caso em análise, a Ação de Improbidade Administrativa promovida pelo MPF em face de S J dos S e E DA C L foi ajuizada em 08 de agosto de 2013 (Id. 4058308.3784213); o respectivo Cumprimento de Sentença proposto pelo MPF em face de E DA C L foi distribuído em 23 de agosto de 2017 (Id. 4058308.3784182); e o Mandado de Penhora e Avaliação foi expedido, nos autos do Cumprimento de Sentença, em 10/12/2018.
Ocorre que os documentos anexados aos autos pela ora Embargante comprovam, de forma satisfatória, que o imóvel em tela foi vendido pelo Sr. E n da C L, muito antes da existência da ACP e do respectivo Cumprimento de Sentença.
A Escritura Pública de Compra e Venda anexada sob o Id. 4058300.10433808 comprova que o referido imóvel foi vendido pelo Sr. E DA C L para a Srª ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS em 17/03/2005.
Já a Escritura Pública de Compra e Venda anexada sob o Id. 4058300.10433764 comprova que o imóvel em tela foi vendido pela Srª ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS para a Srª INÊS AGUIAR CAVALCANTI CARVALHO  em 25/05/2007.
E a Escritura Pública de Compra e Venda do Imóvel na qual está registrada a compra e venda do "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE", comprova a venda do referido imóvel da Srª Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho, para a  Srª MARIA CARLOS MARINHO, ora Embargante, em 19/03/2008, data também bem anterior à distribuição da Ação de Improbidade Administrativa ajuizada no ano de 2013, e ao respectivo Cumprimento de Sentença distribuído em 2017.
Mencionadas Escrituras, ainda que não levadas a registro no Cartório de Registro de Imóveis, apenas registradas em Cartório de Ofício de Notas, induzem presunção de efetiva alienação informal do imóvel, devendo-se, portanto, preservar a posse da ora Embargante de Terceiro, ainda mais no presente caso em que não há indício de fraude no mencionado negócio jurídico.
Saliente-se que a Embargante esclareceu não ter condições financeiras de fazer o registro do Cartório de Imóveis porque recebe apenas um salário mínimo de aposentadoria, e os custos do registro são elevados.
Portanto, existindo nos autos documentos que demonstram a celebração do Contrato de Compra e Venda do Imóvel em data anterior à distribuição da Ação de Improbidade Administrativa e ao ajuizamento do respectivo Cumprimento de Sentença e que a Embargante detém a posse do imóvel desde 19/03/2008, tal como revelam os documentos acima aludidos e a fatura de conta de energia elétrica do mencionado imóvel em seu nome, merece prosperar o pedido da Embargante de Terceiro deduzido na Petição Inicial, devendo ser desconstituída a penhora que se efetivou nos autos executivos, ocorrida mais de dez anos da venda do bem imóvel pelo Sr. ERILSON DA COSTA LIRA, e quase dez anos após a aquisição do bem pela ora Embargante de Terceiro.
Ressalte-se que tais documentos também são hábeis a demonstrar a boa-fé da Embargante, que se encontra impossibilitada, por razões econômico-financeiras, de providenciar a lavratura, perante o Cartório de Registro de Imóveis, da mencionada Escritura de Compra e Venda do Imóvel.
E a d. Dra. Sílvia Regina Pontes Lopes, Procuradora da República, representando o  Ministério Público Federal, ora Embargado e Autor da Ação de Improbidade Administrativa e do respectivo Cumprimento de Sentença, demonstrando grande sensibilidade social e conhecimento das deficitárias práticas cartorárias dos cidadãos brasileiros de baixa renda, como a ora Embargante, não se opôs ao requerimento de levantamento da indisponibilidade do imóvel em questão, nos seguintes termos:
"À luz do relato e dos documentos mencionados na inicial, não há resistência à pretensão de levantamento da indisponibilidade sobre o imóvel identificado como "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE". (Id. 4058300.10834344).
Portanto, ante o acima exposto, e a concordância expressa do MPF/Embargado com o pleito formulado na Petição Inicial, é de ser determinada a desconstituição do Auto de Penhora referente ao imóvel Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE, pois deve ser protegida a boa-fé da Embargante/Adquirente e a sua posse.
2.3 - Dos honorários advocatícios sucumbenciais
O MPF ressalvou, na sua manifestação, que não poderia  ser condenado em verba honorária, porque foi a ora Embargante que deu motivo a penhora do seu imóvel e à origem desta ação de embargos de terceiros, em face da sua desídia em não ter efetuado o registro do imóvel no Cartório de Registros de Imóveis próprio.
À luz do princípio da causalidade, tem razão o MPF.
Ademais, a esse respeito, o E. STJ pacificou o entendimento na Súmula nº 303, no sentido de que, em Embargos de Terceiro, quem deu causa à constrição indevida, deve arcar com os honorários advocatícios.
Ou seja, como a ora Embargante foi a causadora da penhora e o advento desta ação, será responsabilizada pelas verbas de sucumbência. 
2.4 - Do reexame necessário
Tendo em vista que o valor da dívida consignada no Mandado de Penhora e avaliação, na cifra de R$ 84.842,99, é inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, esta Sentença não será submetida ao reexame necessário, e o faço com fundamento no art. 496, §3º, I, do CPC.

3. Dispositivo
POSTO ISSO, julgo procedente o pedido formulado pela Embargante de Terceiro, desconstituo a penhora efetivada sobre o imóvel situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº A-1-2, andar térreo do bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, que foi efetivada nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T e reconheço a manutenção da posse do mencionado Imóvel em favor da Embargante (CPC, art. 681),  e extingo este processo, com resolução do mérito (CPC, art. 487, I), para todos os fins de direito.
Outrossim, condeno a Embargante nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor atualizado dado a esta casa, mas submeto a respectiva exigibilidade à condição suspensiva  do § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil, por estar a Embargante no gozo do benefício da Justiça Gratuita, suspensão essa pelo prazo de cinco anos, como consta do referido dispositivo legal, após o que, se a condição não for implementada, essa obrigação será extinta, para todos os fins de direito.

Deixo de submeter esta Sentença ao reexame necessário, porque o valor da causa não atinge a quantia indicada no  inciso I do § 3º do art. 496 do vigente  Código de Processo Civil.
Traslade-se cópia desta Sentença para os autos do Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, para que, nos mencionados autos, produza os efeitos legais de desconstituição da penhora ora deferida, oficiando-se o Registro de Imóveis competente para o seu cancelamento; ademais, na hipótese de ter havido restrição via CNIB do imóvel em tela, deverá a Secretaria do Juízo providenciar o seu imediato cancelamento.
R.I.
Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE


terça-feira, 31 de março de 2020

FILHA, MAIOR E CASADA, DE EX-COMBATENTE, FALECIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 8.059, DE 1990, CUJA GENITORA TAMBÉM FALECEU, NÃO FAZ JUS À REVERSÃO DA RESPECTIVA PENSÃO ESPECIAL.

Por Francisco  Alves dos  Santos Júnior

O direito de filha maior à pensão especial de falecido Genitor, que tenha sido ex-Combatente, depois do advento da Lei  nº 8.059, de 1990, sofreu grandes modificações limitadoras desse direito. Na decisão que segue, essa matéria é minudentemente  examinada. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0806775-50.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: A M C DE A C
ADVOGADO: S X B
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
 

DECISÃO




1. Breve Relatório


A M C DE A C ajuizou esta Ação de Reversão de Pensão Especial de Ex-Combatente c/c Pedido de Antecipação de Tutela em face da UNIÃO FEDERAL. Inicialmente, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou, em síntese, que: a) seria filha do Ex-Combatente Wilson C de A C; b) com o falecimento do Militar, seu Genitor, ocorrido em 23.04.2000, a viúva do ex-combatente, a sua Genitora passara a perceber o benefício da Pensão Especial de Ex-Combatente, correspondente ao Soldo de um Segundo Tenente; c) a viúva do ex-combatente veio a óbito em 13.05.2010, tendo a Autora, em 05.08.2019, requerido administrativamente a sua habilitação à pensão; d) contudo, teria tido sua pretensão indeferida pela Administração Castrense, em 07.10.2019; e) assim, pleiteia a Autora que lhe seja revertida a integralidade da Pensão Especial, em virtude do falecimento de sua genitora, a viúva do ex-Combatente. Teceu comentários, citou a legislação pertinente, apresentou documentos e ao final requereu a concessão da Tutela Antecipada de Urgência pleiteando a imediata reversão da referida pensão.


Vieram os autos conclusos.


2. Fundamentação


 2.1. Da Tramitação Prioritária do Feito e do Pedido de Justiça Gratuita


2.1.1 - Inicialmente, merece ser deferido o pedido de prioridade na tramitação do feito, uma vez que a Autora atende aos requisitos da Lei nº 10.741/2003.


2.1.2 - O pedido de concessão do benefício da Justiça Gratuita será concedido provisoriamente, porque a seu respeito a Requerida deverá manifestar-se expressamente  na sua contestação.

E será provisória essa concessão, porque consta que a Autora é casada e exerce a importante atividade de Dentista, o que pressupõe tem renda familiar que possa afastar a direito a esse benefício.


Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, pois estas são exclusivas de Defensor Público ou de quem ocupe cargo equivalente.


2.2. Da Tutela de Urgência


Os requisitos para o deferimento da tutela provisória de urgência antecipada estão elencados no art. 300 do CPC, verbis:


"Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.".


Portanto, devem estar sempre presentes para a concessão da tutela de urgência antecipada: a probabilidade do direito alegado, que surge do confronto entre as alegações da parte autora provas constantes dos autos, baseada em uma cognição sumária; e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, quando houver uma situação de urgência que não possa aguardar o desenvolvimento natural do processo, sob pena de ineficácia ou inutilidade do provimento final.


No caso dos autos, pretende a Autora, em sede de concessão liminar de tutela provisória  de urgência de antecipação, a reversão, a seu favor, da pensão especial de ex-Combatente que sua genitora, falecida em 2010, recebia.


De plano, registro que o art. 14, I, parágrafo único, da Lei 8.059/90, vigente à época do óbito do Pai da Autora, 23.04.2000, o instituidor da pensão, aplicável ao caso em comento, em caso de morte de Pensionista, veda a reversão de cota-parte.

O Legislador admitiu, na  mencionada Lei, a reversão apenas da Pensão Tronco, a originária, recebida pelo ex-Combatente, em cotas-partes, entre os seus Dependentes(art. 2º, IX, e art. 6º da referida Lei), mas vedou a reversão de cota-parte de Pensionista que venha a falecer a favor do(s) Pensionista(s)  supérstite(s).

E o filho e/ou a filha só fazem jus à cota-parte da pensão se menores de 21(vinte e um) anos de idade ou inválido(s)(art. 5º, III, c/c art. 14, III, da mencionada Lei).

As filhas maiores de 21(vinte e um) anos, solteiras e sem emprego público, que tinham esse direito na  vigência da Lei nº 4.242, de 1963, mediante aplicação dos arts. 30 e 31 da Lei nº 3.765, de 1960, deixaram de gozar desse direito, porque o art. 30 e respectivo Parágrafo Único da Lei nº 4.242, de 1963, que outorgava esse direito, foi revogado expressamente pelo art. 25 da Lei 8.059, de 1990.

A ora Autora,  quando o seu Pai faleceu, em 23.04.2000, já era maior de 21(vinte e um) anos de idade, pois nasceu em 12.01.1955, conforme cópia da sua cédula de identidade, acostada sob id 4058300.13997074.

Então,  nem mesmo naquela data fazia jus a alguma cota-parte.


Ausente, pois, a probabilidade do direito, como exigida pelo acima invocado art. 300 do vigente CPC. 


3. Dispositivo


Posto isso:


3.1. Defiro o pedido de tramitação prioritária, porque preenchido o requisito legal;


3.2. Concedo, provisoriamente, o benefício da Justiça Gratuita, concessão essa que poderá ser reapreciada depois da contestação;


3.3. Indefiro o pedido de concessão liminar de tutela provisória de urgência  de antecipação;


3.4. Deixo de designar audiência de conciliação, pois os interesses em tela não são susceptíveis de harmonização (art. 334, §4º, II, CPC);


3.5. Cite-se a Requerida, por seu órgão de representação judicial próprio, na forma e para os fins de direito, inclusive para se manifestar expressamente sobre o acima  referido pedido de concessão do benefício da Justiça Gratuita. 

Na oportunidade, a Requerida também deverá trazer aos autos todo e qualquer registro administrativo que possua, relativamente ao objeto do presente litígio, com o fim de facilitar o trabalho judicante.

Cumpra-se. Intimem-se.

Recife, 31.03.2020.



Francisco Alves dos Santos Jr.

 Juiz Federal, 2ª Vara-PE

domingo, 29 de março de 2020

EXPRESSÕES HOMOFÓBICAS NO FACEBOOK. EXCLUSÃO POR ORDEM JUDICIAL.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

O direito constitucional brasileiro não admite o uso de expressões homofóbicas na rede social e nem em qualquer outro meio  de comunicação. 
A decisão abaixo trata desse assunto.
Boa leitura.


PROCESSO Nº: 0806597-04.2020.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL
AUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCÃO DE OLINDA-PERNAMBUCO
ADVOGADO: Paulo Joviniano Álvares Dos Prazeres
RÉU: FACEBOOK S O DO B LTDA. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

DECISÃO

1-Relatório

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Subsecção Olinda-PE, representada por seu presidente Paulo Joviniano Alvares dos Prazeres, ajuizou esta AÇÃO CIVIL PUBLICA COM PEDIDO LIMINAR, em face de FACEBOOK S O DO B LTDA., e de G C DE A C, na qual objetiva, em sede de tutela de urgência antecipada, que os Réus sejam compelidos a remover ou suspender a URL discriminada no corpo da Petição inicial, dentro do prazo de ate 24 (vinte e quatro) horas da intimação, sob pena de multa.


Alegou, em síntese, que: o Réu G C DE A C, entre os dias 20 e 24 do corrente mês, teria se utilizado da rede de comunicação Facebook, que seria de responsabilidade da primeira demandada, e realizado postagens públicas e de teor preconceituoso e homofóbico, o que causaria instabilidade e comoção em razão da repulsa do conteúdo de sua postagem. Transcreveu as mensagens e destacou que ser Gay não perfaria xingamento, tampouco ofensa, e não corresponderia a nenhum tipo de desvio de caráter ou ofensa; as referidas mensagens ultrapassariam o mero preconceito e não perfariam o enquadramento de exposição de opinião, pois proliferariam ódio e incitariam cultura de homofobia, o que não se admitiria de nenhum cidadão, muito menos de um advogado, de quem se poderia supor conhecimento das leis e guardião da cidadania; a manutenção de tais assertivas teriam o condão de perpetrar a discriminação, e deveriam ser retiradas do ar; além disso, seria patente a agressividade empregada na transmissão da mensagem, marcada pela utilização de temos injuriosos como "viado", "parte militonta", "xingando de Gay", "Seja feliz e não torça por bandidos, ou vai dizer que viadagem também desvia caráter", entre outros, em referência aos homossexuais; as escolhas lexicais reforçariam o intuito de discriminar, ofender, e estimular a violência contra este grupo; além disso, seria notório o potencial da internet como instrumento difusor de informações, propagando conteúdo instantaneamente e em ampla dimensão; a utilização da rede mundial de computadores conferiria à prática e aos danos gerados um carácter transnacional. Teceu outros comentários, e requereu: "a) O deferimento da tutela de evidencia para determinar que os Réus sejam compelidos a remover ou suspender a URL discriminada no corpo da exordial, dentro do prazo de ate 24 (vinte e quatro) horas da intimação, tudo sob pena do pagamento de uma multa diária a ser estabelecida por V. Exª, em valor adequado para realização da devida reprimenda; b) a citação dos Réus para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia; c) A inclusão do Ministério Publico para que figure como litisconsorte ativo nos termos do art 5 da lei 7.347/85, ou caso entenda a entidade ministerial, na condição de custos legis. d) a isenção do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nos termos do que dispõe a Lei nº 7.347/85; e) Condenação dos réus a retirar a postagem e o correspondente conteúdo descritas no item I da presente demanda; f) a condenação do Réu, ao final, ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização por danos morais coletivos, devendo o montante ser destinado ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da Lei nº 7.347/85), estando sujeito o valor à atualização monetária e juros; g) a condenação do segundo Réu a publicar, no serviço mundial FACEBOOK de retratação pelo comentário que originou a presente demanda, especificando tratar-se de condenação judicial imposta nos autos desta ACP, devendo a referida postagem permanecer no ar por, pelo menos, 1 (um) ano. h) a condenação do réu ao pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas e custas processuais, recolhendo os valores ao Fundo de que trata a Lei nº 7.347/85." Protestou o de estilo e juntou documento.


2- Fundamentação

2.1- Da prevenção

Os fatos historiados na Petição Inicial aconteceram em data recente (entre 20/03/2020 e 24/03/2020), e as ações indicadas pelo sistema de prevenção do PJE foram ajuizadas nos anos de 2017 e 2018, razão pela qual não existe a apontada prevenção.

2.2 - Inicialmente, importante consignar que o I. Advogado, Dr. Paulo Joviniano Alvares dos Prazeres, de fato, é o atual Presidente da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Subsecção Olinda-PE, razão pela qual reconheço a sua legitimidade para representar a Parte Autora nestes autos.

2.3 - A Lei nº 7.347/85 prevê a possiblidade de concessão de medida liminar, de natureza cautelar ou de antecipação da tutela (art. 12), e estabelece os requisitos que devem estar presentes para a concessão da medida: relevância da fundamentação e receio de ineficácia do provimento final.

O art. 300 do CPC/2015 exige a presença concomitante dos requisitos probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, para a concessão liminar da tutela provisória de urgência antecipada.

No presente caso, tenho que estão presentes os requisitos legais para a concessão liminar da tutela provisória de urgência antecipada.

Consta do preâmbulo da vigente Constituição da República que o Estado Democrático de Direito Brasileiro está estruturado em valores supremos, tais como exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, os quais buscam a formação de uma SOCIEDADE FRATERNA, PLURALISTA E SEM PRECONCEITOS, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacíficas das controvérsias.

Nesse norte, a liberdade de expressão do pensamento, assegurada no  inciso  IV do art. 5º da mencionada Carta Republicana,  não é absoluta e nessa própria Carta, além das orientações do seu preâmbulo, veicula várias regras que figuram como verdadeiros limites ao exercício dessa liberdade, dentre as quais destaco duas que são bem próprias para o caso em foco,  saber: o inciso IV do seu art. 3º veda manifestações preconceituosas de qualquer natureza;  o inciso III do seu art. 1º, no qual se proíbe comportamentos violadores da dignidade da pessoa humana.
Eis o que postou no FACEBOO o Sr. G C DE A C:
"Pq tem viado que não gosta de Bolsonaro? Tu acha que teus pais queriam que você fosse gay, caso pudessem escolher? Seja feliz e não torça por bandidos, ou vai dizer que viadagem também desvia caráter?"
"Estou sendo severamente atacado por que falei que nenhum pai escolheria ter um filho gay, se pudesse. E verdade!!! Ninguém quer, mas isso não quer dizer que não se deve amar e respeitar
"A comunidade Gay esta com raiva de mim, e do que eles xingam? DE VIADO!!!!! Como assim???? Piada pronta. E pra ficar pior e so o povinho de esquerda nojento. Querem impor uma ditadura Gay."
"A parte militonta doente da comunidade gay esta me xingando de Gay!!! Acho que vou chorar. Rsrsrs.".
Amoldam-se àquelas orientações preambulares e regras estruturadoras da nossa Carta Magna tais mensagens postas no FACEBOO pelo Sr. G Ce de A C, entre os dias 20 e 24 do corrente mês deste ano, indicadas na petição inicial e comprovadas em documento que a instrui?

Respondo tranquilamente, óbvio que não!

Essas manifestações, além de denotar péssimo mau gosto, são chulas,  bestiais, e findam por ser claramente hostis e preconceituosas contra, não apenas às pessoas homossexuais, mas também contra todo o pensamento médio da comunidade brasileira, especialmente daquela que frequenta o FACEBOOK. 

Tais mensagens também são ofensivas à dignidade da pessoa humana, como um todo, e por isso não encontram amparo na liberdade de expressão, que foi uma  grande conquista da Sociedade Brasileira nos movimentos políticos que geraram, sob muita luta e dor,  a mencionada Carta Magna de 1988. 
O FACEBOOK, tão importante na geração de troca de ideias,  na veiculação de manifestações poéticas, políticas, humanas, não pode se deixar manchar com formas de expressão tão baixas e asquerosas como as cima referidas, porque, aqui no Brasil, como vimos, ferem o preâmbulo da nossa Constituição e vários dos seus comandos, pelo que, para restabelecer o respeito a tudo isso, é de ser concedida a tutela provisória de urgência antecipada para determinar que os Réus as removam ou as suspendam imediatamente. 


3- Conclusão

3.1- concedo a isenção de custas requerida pela Parte Autora na forma do art. 18 da Lei nº 7.347/85;

3.2- presentes os requisitos legais, concedo a tutela provisória de urgência e determino que os Réus FACEBOOK S O DO B LTDA. e G C DE A C suspendam, imediatamente, as mensagens transcritas na Petição Inicial, nos endereços informados no corpo da Petição Inicial, sob pena de, solidariamente, pagarem multa diária no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), que será destinado a Fundo próprio. 

3.3- Por mandado e com URGÊNCIA, citem-se os Réus, na forma e  para os fins legais, e os intimem, para cumprir a presente decisão, incontinenti, sob a pena pecuniária acima indicada, sem prejuízo da responsabilização na forma do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009, aqui aplicado integrativamente. 

3.4-  abra-se vista ao Ministério Público Federal,  para os fins legais (Lei nº 7.347/85, art. 5º, §1º).

Providencie a Secretaria do Juízo a exclusão do feito da anotação da Prevenção.
CUMPRA-SE COM URGÊNCIA.

Recife, 25.03.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE