Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Importantes institutos de Direito Administrativo, referentes ao patrimônio imobiliário da UNIÃO, são debatidos na sentença infra, como terreno acrescido de marinha, regime de aforamento(enfiteuse pública), regime de ocupação, e ainda toda a jurisprudência atualizada quanto à ação de usucapião do domínio útil(do aforamento) e da posse direta e precária(da ocupação), com as respectivas conclusões.
Boa leitura.
Obs.: sentença montada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa Luna.
PROCESSO
Nº: 0805914-40.2015.4.05.8300 - USUCAPIÃO
AUTOR: A J F
ADVOGADO: L A Da S
PARTE RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
ADVOGADO: Heitor Gonçalves Guerra Medeiros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
AUTOR: A J F
ADVOGADO: L A Da S
PARTE RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
ADVOGADO: Heitor Gonçalves Guerra Medeiros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença registrada eletronicamente
Ementa:- USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA.
REGIME DE OCUPAÇÃO.
A jurisprudência firmou-se no sentido de que não se
pode usucapir posse direta em regime de ocupação de terreno acrescido de
marinha, em face da precariedade dessa posse.
Improcedência.
Vistos etc.
1. Relatório
ANTÔNIO JOSÉ FILHO, qualificado na petição inicial,
propôs, inicialmente na justiça estadual, esta "Ação de Usucapião
Extraordinária Qualificada", em face da Empresa
N A S/A. Alegou, em síntese, que: desde janeiro de 1999, seria
possuidor de um galpão, localizado na Avenida Dr. Dirceu Veloso Toscano de
Brito, nº 49, bairro Jardim Beira Rio, Pina , Recife/PE; que no ano de 1990
teria conhecido o diretor da Empresa Ré, Sr. Sérgio Colaferri Filho, época em
que a Ré teria começado a comercializar pescados na área de Brasília Teimosa,
local em que o Autor residiria e comercializaria a venda de pescados na sua
própria residência; em dezembro de 1998, o Sr. Sérgio, diretor da Empresa Ré,
teria feito a proposta de doação do Galpão usucapiendo, na condição de que o
Autor passasse a vender com exclusividade para a Empresa Ré; o Autor teria de
logo aceitado a proposta, tendo em vista a doação/posse imediata do imóvel que
serviria de moradia e de comércio, beneficiando o Autor e sua família; o Autor
então teria tomado posse do imóvel usucapiendo, como se proprietário fosse, em
janeiro de 1999; o Autor e sua família teriam estabelecido no imóvel sua
moradia habitual por aproximadamente 03 (três) anos e comercial até a data da
propositura da ação, de forma contínua e ininterrupta, por um período de 14
(catorze) anos; o Sr. Sérgio, diretor da Empresa Ré, no início de outubro de
2012 teria apresentado ao Autor um contrato de comodato, datado de 02/01/2006,
já com a assinatura dos sócios da empresa Ré, com o intuito de que o Autor
assinasse aquele documento; o Autor teria se recusado a assinar qualquer
documento referente ao imóvel, pois sempre o teria tido como sua propriedade; a
Empresa Ré teria notificado extrajudicialmente o Autor, através do 2º Ofício de
Registro de títulos e documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas, 2º
RTDPJ-Recife, simulando a Empresa Ré contrato de comodato inexistente entre a
Ré e o Autor; a Empresa Ré nunca teria tido a posse do imóvel usucapiendo; o
imóvel usuacapiendo não se encontraria escriturado ou registrado; conforme
certidão vintenária do 1º Ofício de Registro de Imóveis; o Autor nunca teria
sofrido qualquer tipo de contestação ou impugnação por parte de quem quer que
seja, sendo sua posse mansa, pacífica, contínua e ininterrupta durante todo
esse tempo (aproximadamente 14 anos). Teceu outros comentários. Requereu, a
final: a) citação do réu; b) citação de todos os confinantes; c) intimação, via
postal, dos representantes da Fazenda Pública da União, Estado e Município,
para que manifestem eventuais interesses na causa; d) intimação do Ministério
Público; e) que a sentença seja transcrita no Registro de Imóveis, mediante
mandado, por constituir esta título hábil para o respectivo Registro junto ao
Cartório de Registro de Imóveis (art. 945 do CPC c/c art. 1.241, do Código
Civil); f) intimação das testemunhas arroladas. Protestou o de estilo. Deu
valor à causa. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e documentos.
Inicialmente, a demanda foi proposta perante a
Justiça Estadual de Pernambuco, havendo sido determinada a citação pessoal dos
confinantes e do réu e, por via editalícia, os possíveis interessados ausentes,
incertos e desconhecidos. Ainda naquele Juízo, foi expedido e publicado o
Edital de Citação dos Terceiros Interessados, Incertos e Desconhecidos (id.
nº 4058300.1619243).
Notificadas, via postal, a Fazenda Nacional, a
Estadual e a Municipal.
A Empresa N A S/A apresentou
contestação. Preliminarmente, suscitou inépcia da inicial. No mérito, alegou,
em síntese, que: teria adquirido a posse do imóvel usucapiendo por meio de
Escritura Pública de Cessão e Transferência de Possuidor e de Compra e Venda de
Benfeitorias dos antigos possuidores do imóvel, Sr. Manoel de O S e
sua esposa, Josefa Tereza da Silva, com data de 19/04/2001; em 2004, teria
celebrado contrato de comodato verbal, por prazo indeterminado, para que o
autor se estabelecesse no imóvel a fim de adquirir pescados de terceiros e
revende-los com exclusividade para a empresa ré; teria notificado o Autor, em
29/10/2012, sobre o desinteresse na avença para fins de desocupação, o que não
teria ocorrido, motivando o ajuizamento de ação de reintegração de posse n.
0013217-11.2013.8.17.0001 (atualmente em curso nesta 2ª Vara Federal: nº
0808055-95.2016.4.05.8300). Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de
decisões judiciais. Pugnou, ao final: a) seja decretada a inépcia da inicial;
b) seja a ação julgada improcedente. Protestou o de estilo. Juntou procuração e
documentos.
A Parte Autora apresentou réplica à contestação da
Empresa NETUNO ALIMENTOS S/A.
A UNIÃO pronunciou-se, afirmando seu
interesse no feito, sob a alegação de que o imóvel em comento estaria situado
em terreno conceituado como acrescido de marinha, sendo, portanto, bem público
pertencente à União.
Declinada a competência para processamento e
julgamento do presente feito, foram os autos remetidos para esta Justiça
Federal, sendo os mesmos distribuídos para esta 2ª Vara.
R. despacho exarado em 18/11/2015 (id. nº
4058300.3237656), no qual se determinou a redistribuição deste feito para a
esta 2ª Vara, por dependência ao processo físico nº 0006198-81.2015.4.05.8300.
Despacho exarado em 09/12/2015 (id. nº
4058300.1554062), no qual foi concedido prazo à Parte Autora para dar nome
aos documentos anexados, nos termos do art. 2º, alínea "c", da
Portaria n. 182/2012, da Direção do Foro da Seção Judiciária de Pernambuco.
A Parte Autora, em atenção ao despacho supra,
requereu a juntada de documentos devidamente nominados (id. nº
4058300.1619165).
A Parte Autora atravessou petição, requerendo a
expedição de certidão narrativa (id. nº 4058300.1639530), sendo deferido tal
pleito (id. nº 4058300.1641895).
Expedida certidão narrativa (id. nº
4058300.1643321).
A Empresa N A S/A requereu habilitação
nos autos, pugnando, a final, seja designada audiência de instrução e
julgamento (id. nº 4058300.2469895).
R. decisão proferida em 27/11/2016 (id. nº
4058300.2507212), na qual foram convalidados os atos praticados na Justiça
Estadual; rejeitada a preliminar de inépcia da incial levantada pela Ré
N A S/A; deferida a habilitação do Advogado da Ré; deu-se a
UNIÃO por citada, determinando-se sua intimação; e vista ao Ministério Público
Federal.
O Ministério Público Federal ofertou o seu
r. parece esclarecendo o motivo pelo qual estaria devolvendo os autos sem
manifestação sobre o mérito da demanda, para o seu regular prosseguimento (id.
nº 4058300.2634010).
A UNIÃO apresentou Contestação (id. nº
4058300.2687724). Alegou, em apertada síntese, descabimento de usucapião
sobre bem público (terreno de marinha), inexistindo contrato de aforamento para
a área onde está situado o imóvel; o imóvel não teria sido concedido em
aforamento pela SPU; ocorreria, no caso, a simples ocupação, de modo que não se
poderia falar em usucapião, nem mesmo de "domínio útil", pois sequer
consta aforamento. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Pugnou, a final:
que sejam citados os confinantes; que a demanda seja julgada totalmente improcedente,
com a condenação do autor nos encargos de sucumbência. Protestou o de estilo.
A Parte Autora apresentou réplica (id. nº
4058300.2907667). Levantou, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da
União. No mérito, reafirma que detém a posse mansa e pacífica do bem desde o
ano de 1999; a União teria alegado que o imóvel constituiria terreno acrescido
de marinha, e que não existiria regime de aforamento; sequer existiria registro
imobiliário. Teceu outros comentários. Pugnou, a final, pela exclusão da União
do polo passivo da demanda, e, no mérito, seja julgada totalmente procedente a
Ação de Usucapião Extraordinário, ou, em pedido alternativo, caso entenda V.Exª
se tratar de terreno acrescido de marinha, que seja concedido ao autor a
Usucapião do domínio útil sobre o imóvel.
R. decisão proferida em 05/04/2017 (id. nº
4058300.2507212), na qual se determinou que a Secretaria certificasse nos
autos: se, na Justiça Estadual, foram remetidos ofícios para Fazenda Estadual e
Municipal, dando-lhes ciência desta ação e para que digam se têm interesse no
imóvel em questão, bem como se os eventuais terceiros interessados foram citados
por Edital e se teria decorrido o prazo para manifestação; bem como a respeito
dos confinantes, i.e., se foram regularmente citados e decorreu o prazo
para resposta; determinada também a intimação da União para apresentar nos
autos comprovação quanto à sua propriedade sobre o imóvel em questão.
Certificado nos autos o decurso de prazo do Edital
de citação dos eventuais terceiros interessados; bem como da citação dos
confinantes, sem manifestação nos autos. A Fazenda Pública Municipal,
notificada, não se manifestou, e o Estado de Pernambuco apresentou
manifestação, informando desinteresse no feito (id. nº 4058300.3174804 e nº
4058300.3244280).
A UNIÃO apresentou petição, juntando
documento (id. nº 4058300.3370202).
A Empresa N A S/A apresentou manifestação
(id. nº 4058300.3569998).
A Parte Autora atravessou petição, impugnando o
documento acostado pela União (id. nº 4058300.3572705)
A UNIÃO apresentou nova documentação (id. nº
4058300.3370202), juntando o Ofício nº 0753/2017-MP, em que certifica que o
imóvel em questão tem conceituação de acrescido de marinha e encontra-se
cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA), em regime
de ocupação, sob o RIP nº 2531.0028436-52, anexando o processo administrativo
nº 0480.001722/81-29, referente ao imóvel usucapiendo (id. nº
4058300.3570733). Nos documentos desse mesmo identificador, consta OFÍCIO DESSE DO SENHOR MANOEL
O DA S, DE 29.01.1981, PEDINDO OCUPAÇÃO, EM CARÁTER PRECÁTRIO DO
TERRENO EM DEBATE. CONSTA TAMBÉM OFÍCIO DA MARINHA, DE 23.04.1985, CONCORDANDO
COM O PEDIDO DO SR. MANOEL DE O DA S. FINALMENTE, CONSTA AINDA
DECISÃO, PELA QUAL. FOI CONCEDIDO, A TÍTULO PRECÁRIO, O DIREITO DE USO DO
TERRENO, COM BASE NO ART. 2º DO DECRETO-LEI Nº 1.561, DE 1977. EM 21.05.1985.
R. despacho exarado em 05/10/2017 (id. nº
4058300.4069703), no qual foi determinada a intimação da Parte Autora para
se manifestar sobre a petição da Ré N A S/A, bem como sobre o
Ofício nº 0753/2017-MP, acostado pela UNIÃO.
A Parte Autora atravessou petição, impugnando os
documentos juntados pela União (id. nº 4058300.4227282).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Passo a decidir.
2 - Fundamentação
2.1 O feito comporta julgamento antecipado, nos
termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há
necessidade de produção outras provas além das que já constam dos autos.
2.2 Preliminares
2.2.1 Inépcia da petição inicial
Inicialmente, esclareço que a preliminar de inépcia
da petição inicial, levantada pela Ré N A S/A, foi apreciada na
decisão interlocutória identificada sob o nº 4058300.2507212, contra a qual não
houve oposição de recurso, tornando-se preclusa a oportunidade processual para
fazê-lo.
2.2.2 Ilegitimidade passiva ad causam da
União
Adentrando no mérito, a Parte Autora suscita em sua
réplica (id. nº 4058300.2907667) a ilegitimidade da União para figurar
no polo passivo da presente ação de usucapião, sob o argumento de que o Ente
federal não teria comprovado a propriedade do bem usucapiendo, ante a ausência
de registro imobiliário do imóvel objeto da presente ação.
Tendo em vista que o exame dessa matéria exigiria
adentramento no mérito, deixo para apreciar tal pedido em momento oportuno.
2.3 Do mérito propriamente dito
2.3.1 - Pretende a Parte Autora usucapir o domínio
útil do imóvel (galpão), localizado na Avenida Dr. Dirceu Veloso Toscano de
Brito, nº 49, bairro Jardim Beira Rio, Pina, Recife/PE.
Argumenta que no ano de 1999, há aproximadamente 14
(catorze) anos da data do ajuizamento da presente ação, recebeu como doação do
Sr. Sérgio Colaferri Filho, diretor da Empresa N A S/A, ora Ré, o
imóvel usucapiendo, na condição de que o Autor passasse a comercializar
pescados, com exclusividade, para a Empresa Ré. Toda a transação, segundo narra
em sua peça inicial, teria sido verbal, e desde então (janeiro de 1999) tomara
posse no imóvel em apreço como se proprietário fosse, de forma contínua e
ininterrupta.
A Empresa N A S/A, ora Ré, em sua
contestação, impugna os fatos narrados na inicial pelo Autor, alegando que, em
2004, teria celebrado contrato de comodato verbal, por prazo indeterminado,
para que o autor se estabelecesse no imóvel a fim de adquirir pescados de
terceiros e revendê-los, com exclusividade, para a Empresa Ré. Afirma que, não
tendo mais interesse na avença, notificara o Autor, em 29/10/2012, para fins de
desocupação, o que não teria ocorrido, motivando o ajuizamento de ação de
reintegração de posse nº 0013217-11.2013.8.17.0001 (atualmente em curso nesta
2ª Vara Federal: nº 0808055-95.2016.4.05.8300).
A União, por sua vez, sustenta que seria
juridicamente impossível o pedido da Parte Autora porque não poderia ser objeto
de usucapião o terreno acrescido de marinha, em regime de ocupação, por se
tratar de bem público, de propriedade da União. Para tanto juntou ofícios
emitidos pela Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco - SPU, nos
quais constam a informação de que o imóvel em tela é conceituado como terreno
acrescido de marinha e encontra-se cadastrado no Sistema Integrado de
Administração Patrimonial (SIAPA), em regime de ocupação, sob o RIP nº
2531.0028436-52 (id. nº 4058300.3570728 e nº 4058300.3570733). Consta,
também, que foi concedido, em regime precário de uso ao Sr. MANOEL DE OLIVEIRA
DA SILVA, no ano de 1985.
Pois bem.
Alega a Parte Autora, em sua réplica (id. nº
4058300.2907667), que a União não teria comprovado a propriedade do bem
usucapiendo.
Aduz que de acordo com a certidão de propriedade e
ônus expedida pelo registro imobiliário competente, documento acostado nos
autos, inexiste qualquer registro imobiliário sobre o imóvel que se
pretende usucapir.
Segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal
de Justiça - STJ, o registro imobiliário não é oponível em face da União para
afastar o regime dos terrenos de marinha.
Nesse sentido, a súmula nº 496, do STJ, verbis:
"Os registros de propriedade particular de
imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União."
(Súmula 496, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012,
DJe 13/08/2012)
Assim sendo, a ausência de registro imobiliário do
imóvel usucapiendo, ao contrário do sustentado pela Parte Autora, não afasta o
regime dos terrenos de marinha, uma vez que a Constituição da República (art.
20, inc. VII) atribui originariamente à União a propriedade desses bens. Em
outras palavras, a informação registrada em cartório não se mostra suficiente
para afastar a propriedade do ente público sobre o terreno acrescido de
marinha.
Por outro lado, da análise da documentação
acostada, observa-se que a UNIÃO juntou o Ofício nº 0753/2017-MP,
dando conta que o imóvel em questão tem conceituação de acrescido de marinha e
encontra-se cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial
(SIAPA), em regime de ocupação, sob o RIP nº 2531.0028436-52, sendo anexado o
processo administrativo nº 0480.001722/81-29, referente ao imóvel usucapiendo (id.
nº 4058300.3570733).
O art. 20 da Constituição Federal estabelece,
expressamente, que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:
"Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus
acrescidos;"
A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo
Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):
"Desde a vigência do Código Civil os bens
dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião."
Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n
º 9.760/46:
"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual
fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.".
Ambos os institutos (aforamento e ocupação) são
disciplinados pelo Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de
imóvel público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação
(arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.
2.3.2 - Sobre a possibilidade de aquisição do domínio
útil de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria
firmou-se no sentido de é possível tal aquisição, desde que se trate do domínio
útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de
aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje
revogado.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª
Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:
"É possível a aquisição do domínio útil de
bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja
movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a
prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."
2.3.3 - Situação diversa, no entanto, é a dos
terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, de propriedade da UNIÃO, quando
esse terrenos encontram-se submetidos a regime de ocupação, diante
da natureza precária deste instituto, e que corresponde ao caso imóvel objeto
desta ação.
No aforamento(enfiteuse), o Beneficiáiro(aforador
ou enfiteuta) tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.
Já no regime de ocupação, o Beneficiário, mero
ocupante, não tem domínio, mas apenas a posse precária, de sorte que a
União se mantém com o domínio pleno do terreno de marinha, inviabilizando o
pleito de usucapião.
Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados do
E. TRF da 5ª Região:
"CONSTITUCIONAL. CIVIL. ADMINISTRATIVO.
USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Estando o imóvel sob regime de ocupação, não
é possível a aquisição de domínio útil por usucapião, em virtude do caráter
precário que rege o instituto, sendo necessário o anterior aforamento para tal
modalidade aquisitiva.
2. Deste modo, ainda que presentes o animus de
possuir e o fato concreto da ocupação pelo apelante há décadas, não pode
proceder a pretensão de conversão em propriedade, pois a posse é exercida sobre
bem público, insuscetível de aquisição mediante usucapião, conforme o disposto
no art. 183, parágrafo 3º da CF.
3. Vale salientar que, no caso em exame, a cópia da
escritura pública da aquisição do domínio útil do imóvel em questão, acostada
pela parte demandante, não tem o condão de caracterizar, por si só o regime de
aforamento, sobretudo, quando confrontada pelo extenso acervo probatório
enquadrando o referido imóvel em regime de ocupação.
4. Apelação improvida.
(PROCESSO: 08042402720154058300, AC/PE,
DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, 1º Turma, JULGAMENTO: 19/03/2017,
PUBLICAÇÃO: )"
"CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.
USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA.
INOCORRÊNCIA. ART. 183, PARÁGRAFO 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88.
1. Apelação interposta pelo particular em face da
sentença que julgou improcedente o pedido de aquisição, mediante usucapião, do
domínio do imóvel acrescido de marinha.
2. O magistrado tem o poder-dever de julgar
antecipadamente a lide, deixando de realizar a produção da prova pericial, caso
verifique que a prova documental trazida a tomo seja suficiente para
fundamentar o seu entendimento.
3. Foram acostados aos autos inúmeros
documentos, dentre eles o Ofício nº 1927/2015/SPU/PE, com os anexos referentes
à "planta do loteamento com a localização do imóvel e traçado da LPM (Doc.
1); ao traçado das Linhas de Marinha, onde foi extraída a planta dos terrenos
de marinha e alagados da propriedade Atapuz,(...), que deu origem ao loteamento
Atapuz (Doc. 2)"; além da informação de que o imóvel objeto desta ação
(...) se encontra inscrito na SPU/PE em nome da Sociedade Imobiliária do
Nordeste Ltda, sob o RIP nº 24230000090-03, em regime de ocupação, contendo os
lotes que não foram desmembrados da área original do loteamento pela referida
imobiliária (cadastro SIAPA - Doc. 3).", que foram suficientes para formar
o convencimento do Magistrado.
4. A jurisprudência tem admitido o usucapião de
domínio útil de imóvel da União que esteja sob regime de enfiteuse. Súmula nº
17 deste Tribunal.
5. O imóvel em questão - lotes 6, 8, 10 e 12
da Quadra "A29" do Loteamento "Praia de Atapuz", no
Município de Goiana/PE - é conceituado como terreno acrescido de marinha,
regendo-se sob o regime de ocupação, e não de aforamento, consoante se infere
do ofício nº 1040/2014/SPU/PE/MP, o que impossibilita a aquisição de
domínio útil através de usucapião, uma vez que a União mantém o domínio pleno
do terreno de marinha.
6. Apelação improvida. Honorários recursais,
previstos no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, a cargo da Apelante, devendo a
verba honorária sucumbencial ser majorada de R$ 1.000,00 (mil reais) para R$
1.200,00 (mil e duzentos reais), suspensa a sua exigibilidade, nos termos do
art. 98, parágrafo 3º, do CPC/2015.
(PROCESSO: 00000252320154058306, AC591820/PE,
DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, Terceira Turma, JULGAMENTO: 15/12/2016,
PUBLICAÇÃO: DJE 23/01/2017 - Página 138)".(GN)
2.3.4 - No caso dos autos, os documentos acostados
pela União, principalmente o ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da
União - SPU (ofício nº 0753/2017-MP e processo administrativo nº
0480.001722/81-29), demonstram que o imóvel em discussão é conceituado como acrescido
de marinha, sob regime de ocupação (id. nº 4058300.3570728 e nº
4058300.3570733).
Em que pese a alegação da Parte Autora de
existência de posse ininterrupta, por mais de 14 anos, o fato é que não se pode
reconhecer a usucapião do domínio útil, como pleiteado na petição identificada
sob o nº 4058300.2907667, uma vez que inexiste tal domínio útil a ser adquirido
por prescrição aquisitiva.
O Autor pode até ter o direito de continuar na
posse, ou receber alguma indenização, para a hipótese de ser desalojado
do lugar, mas isso é matéria para ser debatida e resolvida em ação própria.
Desse modo, como visto, o imóvel em apreço é
conceituado como terreno acrescido de marinha, sob o regime de ocupação, e não
de aforamento(enfiteuse pública), o que impossibilita a aquisição de domínio
útil mediante ação de usucapião, por inexistir nesse regime o domínio útil a
favor daquele que obteve a ocupação perante o Serviço de Patrimônio da União -
SPU, no caso, a Empresa Ré N A S/A, em virtude do caráter precário
da posse gerada por esse regime, pelo qual a UNIÃO pode retomar a posse direta
a qualquer momento, sem a obrigação de pagar qualquer tipo de indenização.
3. Dispositivo
Posto isso:
a) Julgo improcedente os pedidos desta ação
e extingo o processo com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do
Código de Processo Civil.
b) Condeno a Parte Autora ao pagamento de custas
processuais e em verba honorária, fixando esta no percentual de 10% (dez por
cento) do valor atualizado(correção monetária e juros de mora, na forma e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal) da causa (art. 85, § 4º, III c/c § 3º, I, do
CPC), que será rateada em partes iguais entre os Patronos das Partes que estão no polo passivo.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 04.07.2018
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz
Federal, 2ª Vara-PE.