sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

FILHAS MAIORES DE MILITARES, A PENSÃO MILITAR E O PLANO DE SAÚDE.

Por Francisco  Alves dos Santos Júnior


Legislação militar permitia que as suas filhas, mesmo maiores, desde que não fossem casadas e não ocupassem  cargo público, tinham direito de receber pensão, quando da morte do Pai Militar e da viúva Pensionista. A partir do momento que essas filhas se tornaram Pensionistas passaram a ter remuneração. Então,  perderam o  direito de continuar gozando de plano de saúde pago pela UNIÃO. A sentença que segue discute essa matéria. 
Boa leitura. 

PROCESSO Nº: 0808149-72.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL AUTOR: D C P M DA S e outro 
ADVOGADO: F A G De L R Dos S e outros 
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



SENTENÇA



EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. MILITAR. AERONÁUTICA. ASSISTÊNCIA MÉDICA. FILHAS PENSIONISTAS. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA.
-As filhas solteiras e sem remuneração fazem jus à assistência médica da Aeronáutica apenas enquanto dependente do Pai Militar e, quando este falece, da Mãe-viúva e Pensionista.
-Após a morte dos Pais, como passam a receber pensão pública, logo passa a ter remuneração, perdem o direito de continuar gozado de assistência médico-hospitalar. 
- Não há Lei autorizando o custeio de assistência médico-hospitalar para filhas solteiras de Militares que passam a receber a respectiva pensão militar.
-O Administrador Público, sob pena de sofrer pesadas penalidades administrativo-penais, não pode realizar despesa sem prévia autorização legal. 
-Não comprovado o alegado dano moral.
- Improcedência.



Vistos, etc.
1. Breve Relatório
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c pedido de indenização de Danos Morais e de Antecipação de Tutela, ajuizada por D C P M DA S e M R P M DA S em face da UNIÃO, pretendendo o restabelecimento da assistência médico-hospitalar que era patrocinada pela Aeronáutica, bem como o pagamento de indenização por danos morais. Inicialmente, requereram a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Alegaram, em síntese, que: a) seriam filhas e pensionistas, desde o óbito do seu genitor, Sub Oficial A M da S, militar aposentado da Aeronáutica, usufruindo de pensão por morte deixada pelo seu genitor e da assistência médico-hospitalar prestada pela Aeronáutica; b) teriam utilizado a assistência médico hospitalar da Aeronáutica por toda sua vida; c) partir de janeiro/2018 as Autoras não mais tiveram descontado do contracheque o valor de R$17,28 que se destinava ao financiamento do Fundo de Saúde da Aeronáutica (FUNSA), sob a rubrica FAMHS, e teriam sido excluídas do Sistema de Saúde da Aeronáutica (SISAU); d) a atitude da Ré teria lhes causado abalo emocional e psíquico, o que teria lhe causado danos morais. Juntaram procuração e documentos e requereram a concessão da tutela de urgência para serem reintegradas aos quadros de beneficiários da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica e, ao final, a anulação do ato que excluiu as Autoras da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica e a condenação da UNIÃO a lhes pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais).
Despacho de identificador 4058300.5565952, no qual foi deferida a gratuidade de justiça e determinada citação da Ré, na forma e para os fins legais, e a sua intimação para se manifestar sobre o pedido liminar.
A União, em contestação, alegou que "a permanência da pensionista na condição de beneficiária do sistema de assistência médico-hospitalar não encontra guarida, conforme o estabelecido no art. 50, § 2º, III, da Lei n.º 6.880/80 - Estatuto dos Militares - c/c com os itens 5.1, letra "i", 5.2, 5.2.1 e 5.5 da NSCA 160-5 (Normas para Prestação da Assistência Médico-Hospitalar no SISAU), aprovada pela Portaria COMGEP n.º 643/2SC, de 12 de abril de 2017", porque as Autoras receberiam pensão por morte do seu genitor, recebendo, portanto, remuneração. Defendeu a inexistência dos danos morais alegados. Em manifestação sobre o pedido liminar, limitou-se a questionar e a considerar a pretensão da Autora, via decisão liminar, como manifesto efeito satisfativo de eventual decisão concessiva liminar da antecipação de tutela e arguir, genericamente, que não foram preenchidos os requisitos autorizadores da concessão de tal tutela, por ausência de probabilidade do direito e do periculum in mora (Id. 4058300.5650042).
A decisão de identificador 4058300.5693429 deferiu o pedido de tutela provisória de urgência e intimou a Parte Autora para Réplica.
Contra a r. decisão, a União interpôs agravo de instrumento (processo nº 0810456-67.2018.4.05.0000 - Id. 4058300.5733373), ao qual foi negado provimento (Id. 4050000.14243761).
A Parte Autora não apresentou Réplica à Contestação (Id. 4058300.5921051).
Intimadas para se manifestarem sobre a produção de provas, as Autoras (Id. 4058300.6257426) e a União (Id. 4058300.6259527) manifestaram seu desinteresse.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação

Na hipótese dos autos, pretendem as Autoras sua reinclusão no Sistema de Saúde da Aeronáutica, garantindo-lhes acesso à assistência médico hospitalar da Força, bem como o pagamento de indenização por danos morais.
Pois bem.

2.1. Do Restabelecimento da Assistência Médico-Hospitalar
Da leitura do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80), conclui-se que enquanto o militar estiver vivo, a relação de dependência da filha solteira e sem remuneração está enquadrada no art. 50, §2º, III, da Lei nº 6.880/80, verbis:

"Art. 50. São direitos dos militares:
§ 2° São considerados dependentes do militar:
III - a filha solteira, desde que não receba remuneração;".

Após o falecimento do militar, que tenha deixado viúva, a filha solteira do caso, independentemente da idade, continua no quadro de dependente, desta vez da Mãe-viúva e Pensionista, verbis:  

"Art. 50. São direitos dos militares:
§ 2° São considerados dependentes do militar:
VII - a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva;".

Assim, a permanência da "filha solteira e sem remuneração" nos quadros de beneficiários da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica não é ad aeternum, dependendo, por óbvio, da manutenção da condição de "solteira e sem remuneração", e que sua Genitora, a viúva do militar, esteja viva.
A partir do momento do falecimento da Mãe-viúva e Pensionista, a própria filha passa a ser Pensionista, quando então passa a ter uma remuneração, exatamente o valor da pensão, momento em que perde o direito de continuar gozando da assistência médico-hospitalar, pois, para gozo dessa assistência exige-se que não tenha remuneração.
Ademais, não há Lei com regra expressa autorizando a UNIÃO a realizar despesa com plano de saúde a favor das filhas solteiras de falecidos Militares, maiores de 21(vinte e um) anos, que recebam pensão por força do inciso III do § 2º do art. 50 da 6.880/80.
Ora, sabe-se que o Administrador Público só pode realizar qualquer despesa pública com prévia autorização legal, conforme § 5º do art. 165 e 167, inciso I, todos da vigente Constituição da República.
No mesmo sentido, o art. 15 da Lei Complementar nº 101, de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, verbis:

"Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17."

O Administrador Público que realiza despesa sem prévia autorização legal submete-se a pesadas penalidades políticas e penais, conforme reza o art. 73 dessa Lei Complementar, que tem a seguinte redação:


"Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.".

Filhas solteiras de Militares, que atingiram a maioridade, como a ora Autora, já são altamente privilegiadas com a percepção dessa pensão pública legal, de forma que seria um acinte à grande maioria dos brasileiros, que vivem sem emprego ou com emprego de baixa remuneração, com ausência quase total dos instrumentos básicos no campo educacional e de saúde pública, obrigar a UNIÃO a patrociná-las com mais uma benesse: um plano de saúde de alto custo.
E, como dito, se não há Lei específica autorizando essa despesa, não pode o Judiciário obrigar a UNIÃO a arcar com esse tipo de despesa, pois seria uma intromissão constitucional indevida do Judiciário nas atividades do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
Então, não há como se acolher o pleito das Autoras.

2.2. Do Dano Moral
As Autoras pleiteiam, também, a indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por alegados danos morais, que lhes teriam sido causados por sua exclusão da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica.
Não há qualquer comprovação de que as Autoras tenham sofrido algum tratamento desrespeitoso ou degradante por parte da Autoridade Militar, não tendo as Requerentes feito prova de tais fatos.
Por outro lado, como demonstrado acima, não houve o cometimento de nenhum ato ilícito por parte do Administrador Público Militar, vinculado à UNIÃO, ao excluir as ora Autoras do mencionado benefício, posto que agiu dentro dos limites das normas constitucionais e legais. 

3. Dispositivo
Posto isso:
3.1. Revogo a liminar anteriormente deferida e julgo improcedentes os pedidos autorais, dando o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC);
3.2. Condeno as Autoras ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, os quais, em face da simplicidade da causa, serão arbitrados no percentual mínimo, previsto no §2º e 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor atualizado da causa, submetida a respectiva cobrança à condição suspensiva do § 3º do art. 98 do CPC, pelo prazo de cinco anos ali fixado, por estarem as Autoras em gozo da gratuidade de justiça.
Registre-se. Intimem-se.

Recife, 21.02.2020.



Francisco Alves dos Santos Júnior                            

Juiz Federal da 2ª Vara (PE)