quarta-feira, 14 de julho de 2010

Lançamento por Homologação e Retenção de parcela da cota-parte do FPM: um caso concreto.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


A Fazenda Pública, no lançamento por homologação, pode concretizá-lo sem necessidade de notificar o Contribuinte, desde que se valha dos dados declarados por este?
Quando é que a União não poderá reter da cota-parte do FPM do Município parcela de contribuição previdenciária não paga por este?
As respostas a essas questões estão na sentença que segue.
Boa leitura!


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA


Juiz Federal : Francisco Alves dos Santos Júnior
Proc. nº 2009.83.00.005721-9 Classe 29 Ação Ordinária
AUTOR: MUNICÍPIO DO JABOATÃO DOS GUARARAPES
Adv.: Renata Souza Sampaio, Procuradora do Município
RÉU: UNIÃO(Fazenda Nacional)
Adv.: Marcos Jatobá Lobo, Procurador da Fazenda Nacional

Registro nº. ......................
Certifico que registrei esta Sentença às fls............
Recife, ....../........../200...


Sentença tipo A



Ementa: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. COTAS DO FPM. RETENÇÃO

O Lançamento Tributário por Homologação pode ser concretizado pela Fazenda Pública com base em dados fornecidos pelo próprio Contribuinte(precedentes do C. Supremo Tribunal Federal).

A União tem autorização constitucional e legal para reter verbas previdenciárias, não pagas pelos Municípios, da cota-parte do FPM que é obrigada a repassar para estes(precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

Improcedência


O MUNICÍPIO DO JABOATÃO DOS GUARARAPES - PE propôs, em 15/04/2009, a presente “AÇÃO ORDINÁRIA DE SUSPENSÃO DE ATO ILÍCITO C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA” em face da UNIÃO. Alegou, em suma, que teria ajuizado ação cautelar objetivando, liminarmente, a suspensão do ato de retenção do FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM, pela União, efetivada no dia 10/03/2009, com o imediato repasse de ditas verbas que foram retidas além do limite estabelecido pelo §4º do art. 5º da Lei nº 9639/98; que, todavia, teria sido negado o pedido de concessão da liminar, sob o fundamento de que o Autor não teria demonstrado que o valor a que faz jus do FPM, que está retido, é maior que 15%(quinze por cento) de sua receita liquida; que, em decorrência da previsão constitucional de repartição das receitas tributárias, nos termos dos arts. 157 a 162 da CR/88, mensalmente, são repassadas verbas pela União para os municípios de todo o país, por meio do FPM, gerido pela União, nos dias 10, 20 e 30 do mês; que, no dia 10/04/2009, o Município-Autor teria constatado que nenhum valor lhe teria sido repassado pela Ré; que as retenções decorreriam de débitos do Município-Autor com a União e com suas autarquias, dentre elas o INSS, além de débitos relativos ao PASEP, FGTS, INSS e FUNDEB; que, dentre as retenções mencionadas, insurge-se contra as correspondentes ao INSS que, somadas, atingiriam o montante de R$1.426.214,55, correspondente a mais de 80% do valor total a ser repassado pela União ao Município-Autor; que as retenções teriam sido realizadas sem observância ao devido processo legal e sem que o devedor tivesse sido notificado acerca da existência do débito, o que teria ofendido o princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa, de modo que não teria conhecimento do objeto da dívida, o período de referencia e os juros cobrados; que, além disso, o valor retido a título de créditos previdenciários ultrapassaria os “15%”, limite a que estaria a União autorizada a reter de qualquer receita corrente líquida, nos termos da Medida Provisória nº 2.187/2001. Invocou o disposto no inciso LV do art. 5º da Constituição da República/88 e aduziu que, embora a CR/88 tenha possibilitado, no inciso I do parágrafo único do seu art. 160, que um ente federativo condicione o repasse das verbas decorrentes da participação tributária ao recebimento de seus créditos, esses créditos deveriam estar constituídos após processo administrativo regular, o que não teria ocorrido; que, analisando a Lei nº 10.522/02, depreender-se-ia, do seu art. 14-C, que, excepcionalmente, a exigibilidade do crédito da União sem a inscrição em dívida ativa ocorreria em caso de confissão de débito implícita, no pedido de parcelamento da dívida; que a norma teria razão de ser unicamente na garantia da ampla defesa, posto que, ao confessar uma dívida, o devedor notificado para apresentar defesa, estaria abrindo mão de confessar o débito, o que, não teria ocorrido no caso vertente; que, portanto, se um crédito da União somente poderia ser considerado líquido e certo no momento de sua inscrição em dívida ativa, seria ilegal sua cobrança antes da inscrição; que o Município-Autor possuiria parcelamentos perante o INSS, nos quais teria sido autorizada a retenção do FPM, nos meses de janeiro e fevereiro; que, no entanto, o débito utilizado como motivo para retenção não seria relativo aos parcelamentos, até porque atingiria valor superior àqueles, bem como teria sido lançado com uma rubrica diferente da rubrica dos parcelamentos; que seria impertinente a retenção de créditos previdenciários em percentuais superiores a 15% da Receita Corrente Líquida Municipal , nos termos do §4º do art. 5º da Eli nº 9.639/98. Teceu outros comentários, e requereu: a concessão da tutela antecipada, determinando a suspensão do ato de retenção realizado pela União acima do limite estabelecido pelo §4º do art. 5º da Lei nº 9.639/98, com o imediato repasse das verbas indevidamente retidas do FPM no dia 10/03/2009, bem como decretando a impossibilidade de novas retenções acima daquele limite até que seja definitivamente julgada a lide; confirmada a antecipação da tutela e julgado procedente o pedido para que seja suspenso definitivamente o ato de retenção. Protestou o de estilo. Deu valor à causa e juntou comprovante de inscrição e de situação cadastral, fl. 27.
À fl. 28, decisão determinando o apensamento deste autos aos autos da ação cautelar noticiada na Petição Inicial e determinando ao Autor que comprovasse o alegado na Inicial, sob as penas do parágrafo único do art. 284 do CPC.
Em cumprimento ao determinado à fl. 28, o Autor apresentou petição acompanhada de documentos, fls. 31 e 32/38.
Às fls. 39/40, decisão fundamentada indeferindo o pedido de antecipação da tutela.
À fl. 43, o Autor informou a este Juízo acerca da interposição do recurso de agravo de instrumento contra a decisão acima mencionada e juntou aos autos o respectivo comprovante, fls. 44/51.
À fl. 52, a decisão agravada foi mantida por seus jurídicos fundamentos.
Às fls. 54/62, a União apresentou Contestação, alegando, em suma, que deveriam ser afastadas as alegações do Autor no sentido de que a retenção das receitas insertas no art. 160 da CR/88 não dispensaria a observância do contraditório e da ampla defesa, com o procedimento de constituição e inscrição do crédito tributário e a prévia notificação do devedor do lançamento realizado; que, tal fundamento seria equivocado, porque decorreria da falsa premissa de que as despesas correntes seriam relativas a débitos ainda não formalmente constituídos; que, nessa hipótese, embora não se tenha o lançamento de ofício dos créditos previdenciários, com lavratura de auto de infração e notificação, ter-se-ia sua constituição formal de maneira bem simples, isto é, com base nas informações prestadas pelo próprio Município mediante GFIP – Guia de Informações à Previdência Social, o que dispensaria a notificação do devedor; que o E. STJ já teria reconhecido a validade dessa forma de constituição do crédito; que, portanto, a notificação do Município seria dispensável; que o E. TRF-5ª Região não estaria vislumbrando qualquer impedimento à retenção, no FPM, das despesas correntes, conforme ementas que transcreveu; que também não haveria desrespeito à regra que estabelece limite máximo para o valor a ser retido do FPM para quitação das obrigações previdenciárias correntes, tal como alegaria o Autor; que inexistiria respaldo legal para a pretensão do Autor de limitar a retenção de 15% apenas sobre o valor da sua cota do FPM e não sobre a totalidade da sua receita corrente líquida; que, nos termos da Lei nº 9.639/98(art. 5º, §4º), a retenção poderia ocorrer sobre 15% da Receita Corrente Líquida Municipal mensal; que a interpretação conferida pelo Autor ao referido dispositivo legal seria equivocada porque desprezaria a definição jurídica de “Receita Corrente Líquida” estabelecida na Lei Complementar 100/00, a qual englobaria o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidas as receitas relacionadas “nos incisos ‘a’, ‘b’ e ‘c’”(sic.), e observadas as orientações contidas nos parágrafos do mesmo dispositivo legal, de maneira a não deixar qualquer margem para interpretações tendentes a restringir o cálculo dessa retenção apenas sobre os valores relativos aos repasses do FPM, como se esta fosse a única fonte de receita do Município, tal como defenderia o Autor, nos termos das ementas de decisões judiciais que colacionou aos autos. Teceu outros comentários e requereu a improcedência dos pedidos e a condenação do Autor no ônus da sucumbência. Protestou o de estilo.

É o relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação

A decisão de fls. 39-40, na qual neguei a pretendida antecipação de tutela, foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em v. acórdão cuja cópia se encontra às fls. 72-75 dos autos da apensa ação cautelar, exatamente porque o Município ora Autor não comprovou o alegado no referido recurso e na petição inicial desta ação, que a retenção de parcela da sua cota-parte do Fundo de Participação dos Municípios-FPM corresponderia à quantia superior a 15%(quinze por cento)da sua receita corrente líquida.
Eis a fundamentação da decisão de fls. 39-40 destes autos:
"1. Os casos de dispensa de inscrição em dívida ativa do art. 18 da Lei nº 10.522, de 2002, referidos na petição inicial, dizem respeito a créditos de determinados tributos que o Judiciário Federal entendeu como inconstitucionais, então, de tanto ser vencida, a União providenciou essa Lei, não só dispensando a inscrição em dívida ativa, mas também sua constituição, que é prévia à referida inscrição.
Os Entes públicos, para cobrança judicial, também não necessitam inscrever em dívida ativa créditos decorrentes de decisões dos Tribunais de Contas, porque essas decisões têm força executiva(§ 3º do art. 71 da Constituição da República). No entanto, tenho que, embora não haja necessidade da extração de Certidão de Dívida Ativa-CDA para a ação de execução fiscal, mesmo depois de essa ação ter sido proposta, deve o Ente Público inscrever tais decisões em dívida ativa, porque esta figura como um controle de todos os créditos que a Fazenda Pública tem a receber, cujos prazos de pagamento já se encontram vencidos.
Mas, a cobrança administrativa não necessita ser precedida da inscrição em dívida ativa, principalmente com relação ao crédito em questão, relativamente ao qual a União recebeu autorização constitucional para realizar a retenção ora impugnada(inciso I do Parágrafo Único do art. 160 da Constituição da República).
Feita a retenção, deve o Município ou Estado que se sentir prejudicado requerer na via administrativa ou judicial o cancelamento da retenção e o repasse da sua verba, comprovando a impertinência da retenção e se realmente for impertinente, quer seja na via administrativa, quer seja na via judicial, haverá a liberação da sua cota FPM.
Portanto, não vejo ferimento ao devido processo legal, na retenção da cota FPM do Município-autor, feita pela União.
2. Data maxima venia, os 15% previstos no § 4º do art. 5º da Lei nº 9.639, de 1998, acrescido pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001, dizem respeito ao total da receita líquida do município, como delineada no art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 2000, e não apenas do valor do FPM ao qual o Município faz jus, como alega o Município ora Autor na sua peça inicial.
Data maxima vênia dos d. Julgadores das decisões invocadas na petição inicial, referido dispositivo legal é claríssimo a respeito desse assunto, não comportando qualquer outra interpretação, pois estabelece que a amortização(retenção)em questão, “acrescida das obrigações previdenciárias correntes, poderá, mensalmente, comprometer até quinze pontos percentuais da Receita Corrente Líquida Municipal”.
Esse dispositivo já é uma atenuante ao inciso I do Parágrafo Único do art. 160 da Constituição da República, pelo qual mencionada amortização, via retenção, poderia ser feita sem qualquer limite, de forma que não pode ser interpretado extensivamente, para abranger situações nele não delineadas.
3. Nessa situação, como não houve o alegado ferimento ao devido processo legal e o Município ora Autor não comprova o valor da sua receita líquida no período ora questionado, tenho que não se encontram presentes os requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.".
Todos os argumentos que utilizei nos itens “2” e “3” da decisão acima transcrita continuam presentes, cabendo acrescentar que, conforme bem demonstrado na contestação da União, o posicionamento acima declinado deste Magistrado é também o que vem sendo adotado no E. Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

“TRIBUTÁRIO – (...).
1. (...).
2. Em se tratando de tributo lançado por homologação, tendo o contribuinte declarado o débito através de Declaração de Contribuições de Tributos Federais – DCTF, Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP ou documento equivalente e não pago no vencimento, considera-se desde logo constituído o crédito tributário, tornando-se dispensável a instauração de procedimento administrativo e respectiva notificação prévia.
3. (...)
4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido”
(BRASIL. E. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. REsp 770613/PR. Relatora Ministra Eliana Calmon. DJ de 29.06.2007).

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. POSSIBILIDADE DE RETENÇÃO. DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. VALORES CORRENTES. APELAÇÃO DO IMPETRANTE IMPROVIDA.

1. Os Municípios, ao assinarem os termos de parcelamento, deverão permitir que os seus débitos previdenciários correntes sejam pagos com recursos retidos diretamente do FPM, garantido-se assim o pagamento das contribuições sociais para o financiamento da Seguridade Social, devidas pelos Municípios.
2. Não há nesse método de cobrança qualquer afronta à Constituição. Pelo contrário, a Constituição está ainda mais preservada na medida em que se concretiza o princípio da solidariedade no custeio da Seguridade Social.
3. No caso de despesas correntes, tem-se quea retenção é feita mediante informações fornecidas pela própria Municipalidade, através da GFIP.
4. Na hipótese de pagamento a maior, poderá o Município valer-se do instituto da compensação para reaver a quantia paga indevidamente.
5. Apelação do Município improvida”.
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região.2ª Turma. MAS 8813/CE. Relator Magistrado Federal de Segundo Grau Francisco de Barros e Silva. DJ de 03.05.2005).
Com referência à noticiada prática relativa ao lançamento por homologação, acima destacada, registro que ela tem base legal, de longa data, e já foi apreciada e tida por legítima pelo C. Supremo Tribunal Federal, conforme registrei na minha dissertação de mestrado, que foi publicada em livro pela Editora Renovar(RJ), verbis:
“,,,prática essa que conta com respaldo de v. acórdão do C.Supremo Tribunal Federal(AR/AI nº 144.609-9, 2ª Turma) e despacho no AI nº 217.280-5....”.(SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legisação. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 117).
Então, por todos os ângulos em que se examina a questão ora em debate, chega-se facilmente à conclusão que os pedidos desta ação não procedem.
Conclusão
Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno o Município-autor em verba honorária, que arbitro, à luz do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil e considerando o esforço e dedicação do Patrono da Ré, Dr. Marcos Jatobá Lôbo, em R$ 2.500,00(dois mil e quinhentos reais), que serão atualizados a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação(art. 730 do Código de Processo Civil)da execução desta Sentença, mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido.
Como o valor envolvido é superior a sessenta salários mínimos, tendo em vista o disposto no art. 475 do Código de Processo Civil, submeto, de ofício, esta sentença ao duplo grau de jurisdição.

P.R.I.

Recife, 14 de julho de 2010.


Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE