quarta-feira, 27 de novembro de 2019

FILHA SOLTEIRA, MAIOR E PENSIONISTA, DE FALECIDO MILITAR, NÃO FAZ JUS A PLANO PÚBLICO DE SAÚDE

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

As filhas solteiras, maiores, sem remuneração, de Militares, enquanto o Pai está vivo gozam dos benefícios da assistência médico-hospitalar. Se o Pai morre e a Mãe-viúva e Pensionista continua viva, persiste a mesma situação. Mas, quando a Mãe também falece, essas filhas solteiras passam a receber pensão militar, ou seja, passam a ter remuneração, pelo que perdem o direito ao gozo do  Plano de Saúde Público,  pois este, por Lei, só pode beneficiar essas filhas enquanto não têm remuneração. 
Na sentença que segue, explica-se por qual motivo essas Felizardas perdem esse benefício. 
Boa  leitura. 


2ª VARA FEDERAL - PE

PROCESSO Nº: 0812099-89.2018.4.05.8300 - TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE 

REQUERENTE: Q A DE M 
ADVOGADO: R N C De A 
REQUERIDA: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. 

SENTENÇA TIPO A.

EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO-PREVIDENCIÁRIO. MILITAR. AERONÁUTICA. ASSISTÊNCIA MÉDICA. FILHA PENSIONISTA. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA.



-A filha  solteira e sem remuneração faz jus à assistência médica da Aeronáutica apenas enquanto dependente do Pai Militar e, quando este falece, da Mãe-viúva e Pensionista.
-Após a morte dos Pais, como passa a receber pensão pública, logo passa a ter remuneração, perde o direito de continuar gozado de assistência médico-hospitar. 


- Não há Lei autorizando o custeio de assistência médico-hospitar para filhas solteiras de Militares que passam a receber a respectiva pensão militar.
-O Administrador Público, sob pena de sofrer pesadas penalidades administrativo-penais, não pode realizar despesa sem prévia autorização legal. 
-Não comprovado o alegado dano moral.

- Improcedência.



1. Breve Relatório
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c pedido  de indenização de Danos Morais e de Antecipação de Tutela, ajuizada por Q. A. DE M. em face da UNIÃO, pretendendo o restabelecimento da assistência médico-hospitalar que era patrocinada pela Aeronáutica. Alegou, em síntese, que: a) seria filha e pensionista, desde o óbito do seu genitor, Sub Oficial Sidrack Ferreira de Melo, do Ministério da Aeronáutica, usufruindo de pensão por morte deixada pelo seu genitor e da assistência médico-hospitalar prestada pela Aeronáutica; b) teria utilizado a assistência médico hospitalar da Aeronáutica por toda sua vida; c) teria sido comunicada pelo SAME, em fevereiro de 2018, que estaria impossibilidade de utilizar o plano de saúde da Aeronáutica; d) teria entrado em desespero por se ver sem condições de dar continuidade aos seus tratamentos, haja vista padecer de fascite plantar, fibromialgia e hérnia de disco, o que teria lhe causado danos morais. Juntou procuração e documentos e requereu a concessão da tutela de urgência para ser reintegrada aos quadros de beneficiários da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica e, no final, condenação da UNIÃO a lhe pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais).
Despacho de identificador 4058300.6067487, no qual foi determinada a intimação da Autora para regularizar sua representação processual e recolher as custas iniciais, o que foi cumprido pela petição de identificador 4058300.6070514.
A decisão de identificador 4058300.6168348 indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, determinando a citação da Ré.
Contra a r. decisão, o Autor apresentou pedido de reconsideração (Id. 4058300.6246197), o qual foi indeferido pela decisão de identificador 4058300.6261671.
Devidamente citada, a União apresentou contestação. Aduziu, em suma, que: as pensionistas da Aeronáutica não seriam dependentes do FUNSA, nos termos do § 2º do art. 50 da Lei 6.880/80; uma das condições para que uma pessoa possa se enquadrar na categoria jurídica dependente de militar é que não receba remuneração; que verbas oriundas de benefícios previdenciários que substituam o salário, tais como aposentadorias e pensões por morte, devem ser incluídas no conceito de remuneração do art. 50 da Lei nº 6.880/80, que exclui apenas as dos rendimentos não-provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres público, tais como LOAS e Bolsa- Família; o ônus da prova seria da Autora, mormente considerando a presunção de legitimidade dos atos administrativos; não havendo lei em stricto sensu que atribua às Organizações de Saúde das Forças Armadas o dever de arcar com os ônus de prover assistência de saúde aos seus militares e familiares, haveria que se reconhecer como hígida a decisão levada a efeito pelo dito recadastramento do FUNSA; não teria sido comprovada a existência dos danos morais alegados. Teceu outros comentários e, por fim, requereu a improcedência dos pedidos (Id. 4058300.6361720).
A Parte Autora não apresentou Réplica à Contestação (Id. 4058300.8536116).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
Na hipótese dos autos, pretende a Autora sua reinclusão no Sistema de Saúde da Aeronáutica, garantindo-lhe acesso à assistência médico-hospitalar da Força, bem como o pagamento de indenização por danos morais.
Pois bem.
2.1. Do Restabelecimento da Assistência Médico-Hospitalar
Da leitura do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80), conclui-se que enquanto o militar estiver vivo, a relação de dependência da filha solteira e sem remuneração está enquadrada no art. 50, §2º, III, da Lei nº 6.880/80, verbis:
"Art. 50. São direitos dos militares:
§ 2° São considerados dependentes do militar:
III - a filha solteira, desde que não receba remuneração;".
Após o falecimento do militar, que tenha deixado viúva, a filha solteira do caso, independentemente da idade, continua no quadro de dependente, desta vez da Mãe-viúva e Pensionista, verbis:  
"Art. 50. São direitos dos militares:
§ 2° São considerados dependentes do militar:
VII - a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva;" (Destaquei).
Assim, a permanência da "filha solteira e sem remuneração" nos quadros de beneficiários da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica não é ad aeternum, dependendo, por óbvio, da manutenção da condição de "solteira e sem remuneração", e que sua Genitora, a viúva do militar, esteja viva.
A partir do  momento do falecimento da Mãe-víúva e Pensionista, a própria filha passa a ser Pensionista, quando então passa a ter uma  remuneração, exatamente o valor da pensão, momento em que perde o direito de  continuar gozando da assistência médico-hospitalar, pois, para gozo dessa assistência exige-se que não tenha remuneração.
Ademais, não há Lei com regra expressa autorizando a UNIÃO a realizar despesa com plano de saúde a favor das filhas solteiras de falecidos Militares, maiores de 21(vinte e um) anos, que recebam pensão por força do inciso III do § 2º do art. 50 da 6.880/80.
Ora, sabe-se que o Administrador Público só pode realizar qualquer despesa pública com prévia autorização legal, conforme § 5º do art. 165 e 167, inciso  I, todos da vigente Constituição da República.
No mesmo sentido, o art. 15  da Lei Complementar nº 101, de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, verbis:
"Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17."
O Administrador Público que realiza despesa sem prévia autorização legal submete-se a pesadas penalidades políticas e penais, conforme reza o art. 73 dessa Lei Complementar, que tem a seguinte redação:
"Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.".
Filhas solteiras de falecidos Militares, que atingiram a maioridade, como a ora Autora, já são altamente privilegiadas com a percepção dessa pensão pública legal, de forma que seria um acinte à grande maioria dos brasileiros, que vivem sem emprego ou com emprego de baixa remuneração, com ausência quase total dos instrumentos básicos no campo educacional e de saúde pública, obrigar a UNIÃO a patrociná-las com mais uma benesse: um plano de saúde de alto custo.
E, como dito, se não há Lei específica autorizando essa despesa, não pode o Judiciário obrigar a UNIÃO a arcar com esse tipo de despesa, pois seria uma intromissão constitucional indevida do Judiciário nas atividades do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
Então, não há como se acolher o pleito da Autora.
2.2. Do Dano Moral
A Autora pleiteia, também, a indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por alegados danos morais, que lhe teriam sido causados por sua exclusão da assistência médico-hospitalar da Aeronáutica.
Não há qualquer comprovação de que a Autora tenha sofrido algum tratamento desrespeitoso ou degradante por parte da Autoridade Militar, não tendo a Requerente feito prova de tais fatos.
Por outro lado, como demonstrado acima, não houve o cometimento de nenhum ato ilícito por parte do Administrador Público Militar, vinculado à UNIÃO, ao excluir a ora Autora do mencionado benefício, posto que agiu dentro dos limites das normas constitucionais e legais. 
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1. Julgo improcedentes os pedidos autorais e dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC);
3.2. Condeno a Autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, os quais, em face da simplicidade da causa, serão arbitrados no percentual mínimo, previsto no §2º e 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor atualizado da causa.
Registre-se. Intimem-se.

Recife, 27.11.2019.

Francisco Alves dos Santos Júnior                            


Juiz Federal da 2ª Vara (PE)