sexta-feira, 5 de maio de 2017

VAGA EM UTI NEONATAL. DRAMA DA SAÚDE PÚBLICA. VERBA HONORÁRIA DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Na sentença abaixo, foi enfrentado um dos dilemas diários da população brasileira, a falta de lei em UTI NEONATAL para atendimento de emergência de criança nascida com sérios problemas de saúde. 
O Juiz deferiu o pleito liminarmente, via tutela provisória de urgência de antecipação,  e a UNIÃO e o Estado de Pernambuco findaram por dar-lhe cumprimento antes do advento da sentença. Esses Requeridos pediram a extinção do processo, sem resolução do mérito, porque o processo restaria sem objeto.  
Veja a solução que foi dada ao caso, tendo também sido resolvido, na sentença, o problema dos honorários sucumbenciais. 

Boa leitura. 

Obs.: parte da pesquisa foi efetuada, bem como foi elaborada parte da minuta da sentença pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque. 


PROCESSO Nº: 0808683-21.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTORA: M M R e outro
RÉUS: ESTADO DE PERNAMBUCO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


Sentença tipo B, registrada eletronicamente.

EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. NECESSIDADE DE LEITO EM UTI NEONATAL CONFIRMAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. ALTA MÉDICA. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

-Se houve decisão deferindo, liminarmente, a tutela provisória de urgência de antecipação, e essa decisão findou por ser cumprida, o seu cumprimento apenas esgota a futura execução, mas não gera superveniente falta de interesse de agir.

-A UNIÃO não pode ser obrigada a pagar verba honorária a sua Defensoria Pública(Súmula 421 do STJ), mas pessoas jurídicas de Direito Público fora da sua órbita administrativa, como o Estado de Pernambuco, ora Réu, são devedoras dessa verba(inciso XXI do art. 4º da Lei Complementar 80, de 1994, com redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 132, de 07.10.2009).

-Procedência, com ratificação da decisão que outorgou a tutela provisória de urgência de antecipação.

    Vistos, etc.
  1. Breve Relatório
   M I R DE L,  por meio de sua genitora Sra, MICAELA MARIA RAMOS, ajuizou a presente "Ação Ordinária com Pedido de Antecipação de Tutela" em face da União Federal e do Estado de Pernambuco. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que: a menor M I R DE L, por sua Mãe e representante, Sra. M M R, teria comparecido à Defensoria na data de hoje em busca de assistência; segundo relatado, sua filha teria nascido na Maternidade Bandeira Filho, no bairro de Afogados, nesta capital, no dia 12/12/2015 e estaria apresentando quadro convulsivo, necessitando de UTI Neonatal, tendo restado infrutífera a tentativa de obtenção de UTI na via administrativa, segundo relatório médico emitido pela DPU, seria necessária a transferência urgente para uma UTI Neonatal. Teceu outros comentários, notadamente acerca do direito à saúde.  Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, no sentido de determinar que a União e o Estado de Pernambuco promovam as medidas necessárias, no sentido de, atendidas as condições médicas para a transferência, providenciem a internação da assistida para a UTI Neonatal publica ou, às suas expensas, a mantenham em unidade privada hábil a fornecer o tratamento de que necessita.
   Foi deferido o pleito antecipatório (Id. 4058300.1588992).
   A União peticionou informando acerca da disponibilidade de leito no Hospital das Clínicas (Id. 4058300.1598387).
   A União opôs Agravo Retido (Id. 4058300.1598399).
   O Estado de Pernambuco noticiou a interposição de Agravo de Instrumento (Id. 4058300.1608338).
   O Estado de Pernambuco apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente, falta de interesse de agir, uma vez que tão logo deferida a tutela antecipada, determinando o internamento da paciente em leito de UTI, restou a mesma cumprida, com o internamento da Autora no dia 17.12.2015 na UTI do Hospital João Murilo e Policlínica de Vitória, conforme Ofício NAJ-SES/PE da Central de Regulação de Leitos.  No mérito, defendeu a indevida ingerência do Judiciário na administração da saúde e que a multa arbitrada seria exorbitante. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.1640880).
   A União apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente,  ilegitimidade passiva ad causam e ausência de interesse de agir, uma vez que o serviço de saúde teria sido prestado à paciente.  No mérito, defendeu falta de comprovação quanto à omissão do serviço. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pelo acolhimento das preliminares e pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.1644484).
   Exarada decisão mantendo as decisões agravadas e determinando a intimação da autora para apresentação de Réplica  (Id.4058300.1684574).
   A DPU apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (4058300.1743865).
   Em face da incapacidade civil da menor, os autos foram encaminhados ao MPF (4058300.2003492), que apresentou parecer opinando pela decretação de procedência dos pedidos (Id. 4058300.2044434).
   Determinada a intimação da Autora acerca da petição e documentos anexados pela União no dia 07/06/2016 (ID´s ns 4058300.2044813 e 4058300.2044814, respectivamente), e ainda informar a este juízo sobre o seu atual estado de saúde. (Id. 4058300.2342048)
   Noticiou-se a alta hospitalar da menor MARIA ISADORA RAMOS DE LIMA (Id. 4058300.2415389).
   Foi dado parcial provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Pernambuco apenas para reduzir o valor da multa diária para R$ 1.000,00 (um mil reais) id. 4050000.7035784.
   A União pugnou pela extinção do feito, em virtude da perda de objeto (Id. 4058300.250691).
   O MPF ratificou o parecer anteriormente apresentado (Id. 4058300.2523419).
  Certificado o trânsito em julgado do Agravo de Instrumento (Id. 4050000.7263798).
   É o relatório, no essencial.
   Passo a decidir.

   2. Fundamentação

   2.1. Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva ad causam levantada pela União
   Consoante a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça, assiste à União, aos Estados e aos Municípios responsabilidade solidária quanto às questões ligadas ao Sistema Único da Saúde - SUS, diante de sua própria estrutura e de seu regime constitucional. Cito, neste sentido, os precedentes a seguir:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.  RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ. 2. O reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso que tramita no STJ, mas de eventual Recurso Extraordinário a ser interposto. 3. A superveniência de sentença homologatória de acordo implica a perda do objeto do Agravo de Instrumento que busca discutir a legitimidade da União para fornecimento de medicamentos. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03.08.2010, DJE 14.09.2010).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SUS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento. 2. O acórdão a quo determinou à União fornecer ao recorrido o medicamento postulado, tendo em vista a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da ação. 3. A CF/1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda. 4. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 858.899/RS, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26.06.2007, DJ 30.08.2007 p. 219).
   Logo, mencionada preliminar da UNIÃO não merece ser acolhida, mantendo-se a atual composição do pólo passivo do litígio.
   2.2. Da preliminar de falta de interesse de agir.
   O Estado de Pernambuco e a União defenderam a ausência de interesse de agir, uma vez que o pleito teria sido atendido.
   Entretanto, percebe-se que o interesse de agir da Autora está devidamente caracterizado, uma vez que foi necessário o ingresso de demanda judicial para que lhe fosse assegurado o direito que lhe pertence, no caso, internamento em UTI neonatal (vide id. 4058300.1588992). E o seu pleito foi atendido liminarmente, via antecipação da tutela.
   Sendo assim, não merece guarida esta preliminar, sob pena de tornar sem efeito mencionada antecipação de tutela.
   2.3 - Mérito
   Conforme reconhecido pela Defensoria Pública a União, a menor obteve o tratamento requerido com respectiva alta médica (Id. 4058300.2415389).
   Então, como se tratou de concessão liminar de tutela provisória de urgência antecipatória,  que, ao ser cumprida,  esgotou a possível futura execução da sentença,  tenho que estamos diante de caso no qual deve-se ratificar a decisão que deferiu o pleito antecipatório,  com a consequente decretação de procedência dos pedidos e extinção do processo, com resolução do mérito, e fixação dos itens relativos à sucumbência.
   Não é caso, como já dito, de superveniente falta de interesse processual de agir, decorrente do esgotamento do principal objetivo do feito, porque isso só se faria presente se os Entes do polo passivo tivessem dado o atendimento médico-hospitalar necessário à Autora antes da referida decisão liminar.
   2.4 - Verba honorária
   Constato que o Patrono da Parte Autora faz parte da Defensoria Pública da UNIÃO, logo esta não pode ser condenada a pagar verba honorária, conforme sedimentado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, inclusive com precedente de efeito repetitivo da sua Corte Especial, que gerou a sua Súmula 421[1].
   Todavia, o Estado de Pernambuco há de ser condenado a pagar essa verba, que será destinada a fundo próprio da Defensoria Pública da União(art. 4º, XXI da Lei Complementar 80, de 80, de 12.01.1994, com redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 132, de 07.10.2009.
   E essa verba corresponderá à metade do seu total, uma vez que a UNIÃO é isenta da outra metade, que deverá ser fixada no percentual mínimo do § 2º do art. 85 do NCPC, por se tratar de matéria corriqueira, o que leva à suposição de que o(a) Procurador(a) que assina a petição inicial não deve ter tido necessidade de envidar grandes esforços, tampouco gastar muito tempo, na sua elaboração.
   Noto que o valor da causa se mostra capaz de servir como base de cálculo adequada para a fixação da verba ora sob análise(art. 85, § 4º, III, CPC).

   3. Dispositivo



   Diante de todo o exposto:
   3.1 - rejeito as mencionadas preliminares, ratifico a decisão acostada sob identificador nº  4058300.1588992, na qual, liminarmente, a tutela provisória de urgência de antecipação foi deferida,  e julgo procedentes os pedidos, nos termos da mencionada decisão, e dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, do CPC);
   3.2 - deixo de condenar a União em honorários advocatícios, por ser a parte autora representada pela Defensoria Pública da União[1];
   3.3 - condeno o Estado de Pernambuco a pagar 50% (cinquenta por cento) do valor dos honorários advocatícios, que arbitro no total de 10%(dez por cento)do valor atualizado da causa, observando-se, na atualização(correção monetária e juros de mora)os índices e a forma fixados no manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, verba essa que será destinada ao Fundo legal da Defensoria Pública da União - DPU, para os fins previstos no acima mencionado dispositivo da Lei Complementar nº 80, de 1994.
   Registre-se. Intimem-se.
   Recife, 05 de maio de 2017.

   Francisco Alves dos Santos Júnior

      Juiz Federal, 2ª Vara/PE
lsc

[1] . Brasil. Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial,  REsp nº 1199715/RJ, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgamento em 16.02.2011. Publicação no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 12.04.201, [por maioria)..
Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=1199715&repetitivos=REPETITIVOS&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR
Acesso em 05.05.2017, às 13:21 horas.

 Súmula STJ  421 - "Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença".