sábado, 12 de março de 2011

DANO MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DE ENTE PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO

Cicratiz nas costas de uma jovem, deixada por ferimento feito com arma branca(estilete), tendo por agente um aluno de um Instituto Federal de Ensino, quando a jovem fazia uma visita cultural à sede desse Instituto.
Na sentença, discute-se o atual prazo de prescrição a favor de Ente que tem natureza jurídica de direito público, a partir de quando se conta a fluência do prazo, a responsabilidade objetiva e a indenização pelo dano material e moral.

Boa leitura.


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0018864-95.2007.4.05.8300 – Classe 29 – Ação Ordinária
Autor: M B C B
Adv.: S de S V – OAB/PE nº
Ré: ESCOLA AGROTECNICA FEDERAL DE PERNAMBUCO DE VITORIA DE SANTO ANTÃO
Procurador Federal

Registro nº ...........................................
Certifico que eu, .................., registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2011.


Sentença tipo A

Ementa: - DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. DANOS ESTÉTICO-MORAIS. INDENIZAÇÃO.

-A fluência do prazo de prescrição só se inicia a partir da violação de direito(art. 189 do Código Civil). O prazo de prescrição de direito, pleiteado perante pessoa jurídica de direito público, é de cinco anos(o art. 1º-C da Lei nº 9.494, de 1997, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001).

-Ferimento nas costas de jovem-mulher, deixando cicatriz de 290 mm, caracteriza dano estético-moral, passível de responsabilização do Estabelecimento de Ensino onde o dano ocorreu, pelo tratamento reparador e por indenização financeira por danos morais, em valor fixado pelo Juiz.

-Procedência parcial.


VISTOS ETC.

M B C B, qualificada na Inicial, ajuizou, em 11.10.2007, esta ação ordinária contra a ESCOLA AGROTECNICA FEDERAL DE PERNAMBUCO DE VITORIA DE SANTO ANTAO – EAFVSA, aduzindo, em síntese, que, em 14.10.2004, teria sido agredida por um aluno da escola Ré enquanto acompanhava os professores da mencionada escola para conhecer a sua estrutura; que ficou com uma deformidade permanente em função da cicatriz provocada pela agressão; que o aluno agressor teria tido sua fuga facilitada por um professor da Escola Ré; que a Escola Ré teria se empenhado para furtar-se à responsabilidade pelo dano causado. A Autora teceu comentários sobre a legislação aplicável à demanda. Colacionou julgados. Requereu: a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita; a citação da Escola Ré; oitiva de testemunhas; a procedência dos pedidos, para condenar a Ré ao pagamento do custeio da cirurgia plástica reparadora e indenização por danos morais, o qual pugnou que não fossem arbitradas em valor inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); a intimação do Ministério Público; a condenação da ré para pagamento das custas e honorários sucumbenciais. Fez protestos de estilo. Deu valor a causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com Procuração, Declaração de Pobreza e documentos de fls. 23/118.
À fl. 119, despacho deferindo os benefícios da justiça gratuita e determinando que a Parte esclarecesse o valor atribuído à causa, o que foi feito à fl. 122. Devidamente citada, a Ré apresentou Contestação às fls. 149/164, alegando, em síntese, que a Ré teria instaurado um procedimento Administrativo Disciplinar, que resultara na punição do aluno com a pena de expulsão, expulsão essa que não se concretizara porque o aluno pedira transferência da escola Ré; que houvera prestado assistência à vítima, ora Autora, conforme declaração assinada pela genitora desta; que a Autora espontaneamente se distanciara do grupo sob os cuidados dos professores da ESCOLA AGROTECNICA FEDERAL DE PERNAMBUCO DE VITORIA DE SANTO ANTAO e do COLEGIO NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, mesmo tendo sido convidada a permanecer junto ao grupo; que a agressão teria ocorrido quando a visita já houvera terminado; que a escola Ré e a mãe do aluno agressor teriam prestado assistência à Autora e teriam custeado as despesas com medicamentos indicados pelo médico; que a Autora fora visitar a escola Ré para realizar uma pesquisa, sob monitoramento de duas professoras do Colégio Nossa Senhora das Graças e que no momento da visita haveria apenas um servidor administrativo para acompanhar a visita; que em nenhum momento a Ré agira com imprudência, negligência e/ou imperícia; que a pessoa jurídica, ente inanimado, não seria passível de dano moral. Teceu comentários sobre o quantum indenizatório. Ao final requereu o chamamento ao processo do COLEGIO NOSSA SENHORA DAS GRACAS para integrar a lide; a improcedência dos pedidos formulados pela Parte Autora ou, acaso não lograsse êxito na demanda, a condenação solidária do COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS; a condenação ao pagamento dos consectários legais, inclusive quanto à parte que viesse a sucumbir; a produção de provas testemunhais e depoimento pessoal da autora. Pediu deferimento. Juntou documentos às fls. 165/199.
A parte Autora apresentou Réplica (fls. 205/207). Às fls. 208/209, decisão indeferindo o pedido de chamamento ao processo requerido pela Ré e determinando expedição de ofício ao diretor do Hospital das Clínicas, com solicitação de listagem de médicos com especialidade em cirurgia plástica, para fins de designação de perícia.Às fls. 215/215 vº, a Ré agravou na forma retida a decisão que indeferiu o pedido de chamamento ao processo.
À fl. 223, despacho intimando o Perito médico Dr. Antônio Carlos Corte Real Braga da nomeação e convocação para apresentar Laudo. Às fls.225/226 vº, a Ré atravessou petição nos autos requerendo que o processo fosse extinto com resolução de mérito com base no art. 269, IV, do CPC, em virtude da ação ter sido ajuizada mais de três anos após a ocorrência do fato causador do dano. Por oportuno, indicou assistente técnico e elaborou e formulou quesitos para a perícia.Às fls. 230/231, a Ré apresentou quesitos suplementares aos anteriormente elaborados.À fl. 234, ato ordinatório intimando as partes acerca da designação da Perícia, inclusive incumbindo-as de se comunicarem com os assistentes constituídos.Apesar de intimada através de seu advogado por fax (vide fls. 235/236), o Hospital das Clínicas enviou ofício informado o não comparecimento da pericianda.
À fl. 243, certidão informando que a Autora deixou decorrer o prazo sem se pronunciar acerca do seu não comparecimento para a Perícia técnica.
À fl. 244, intimou-se novamente o Perito a fim de que indicasse data, horário e local para realização da perícia e partes acerca da nova data da perícia, advertindo-se a Parte Autora que, caso tornasse a não comparecer a perícia, tal fato seria considerado em seu desfavor quando do julgamento do feito.À fl. 249, foi agendada nova perícia, cujo laudo consta, à fl. 262, contra-indicação à cirurgia plástica.À fl. 269, o Perito respondeu aos quesitos formulados pelas Partes e Assistentes.Intimadas as partes para se manifestarem sobre o laudo, a Parte Autora quedou-se silente, conforme certidão de fl. 272, enquanto a Ré pronunciou-se às fls. 273, requerendo o julgamento do mérito da demanda para julgá-lo totalmente improcedente, além de aduzir a prescrição da reparação dos danos causados.
É o relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação

Não diviso a necessidade de realização de prova em audiência, pelo que julgo este processo de acordo com as provas dos autos(inciso I do art. 330 do Código de Processo Civil).

Preliminar

Inicialmente, verifico que a presente ação foi proposta contra a ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO.
Ocorre que, a partir de 2008, quando foi instituída a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, da qual faz parte o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (constituído por nove campi), referida Escola passou a denominar-se, então, Campus Vitória de Santo Antão do Instituto Federal de Pernambuco .
Ante tal situação, há de ser substituído o nome da parte ré ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE PERNAMBUCO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO por INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO – IFET/PE.

Exceção de Prescrição

O Instituto-réu, na petição de fls. 225-226-vº, levanta exceção de prescrição, alegando que os fatos ocorreram em 14.10.2004 e esta ação só fora ajuizada em 11.10.2007, por isso teria incidido a prescrição prevista no inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil, segundo o qual prescreve em três anos a pretensão de reparação civil.
Inicialmente, registro que o prazo prescricional não pode ser contado, no presente caso, a partir da data do fato(agressão sofrida pela ora Autora, dentro do estabelecimento de ensino do Réu), pois depois desse fato consta dos autos que o ora Réu custeou o tratamento médico da ora Autora, e o próprio ora Réu argumenta nesse sentido na sua defesa e comprova o pagamento do tratamento(v. documento de fl. 174 e final da folha 181, onde se encontra acostado o documento de fls. 181-182) de forma que até então não houvera violação do direito desta e a prescrição só se inicia depois que o direito é violado(art. 189 do Código Civil).
E o ora Réu não comprova, nos autos, a partir de que momento cessou o custeio do tratamento médico da ora Autora, de forma que se tem como momento do início do prazo da violação do direito à continuidade desse tratamento a data da propositura desta ação.
Dessa forma, não há que se falar em prescrição, ainda que se adote o prazo do inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil.
No entanto, tenho entendido que, quando no pólo passivo está uma pessoa jurídica de direito público, como o Instituto ora Réu, o prazo de prescrição não é regido por regras do Código Civil, porque há regras específicas para o caso.
A respeito desse assunto, nos autos do processo nº 2009.83.00.004758-5, Classe 29 -AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO), tive oportunidade de lançar a seguinte decisão:

“Recentemente, a 2ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro Castro Meira, o qual, invocando a lição doutrinária de um procurador do Estado do Pernambuco, Prof. Leonardo José Carneiro da Cunha, e de um Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Prof. José dos Santos Carvalho Filho, concluiu que o art. 10 do Decreto nº 20.910, de 1932, autorizaria a aplicação de prazo prescricional inferior ao prazo de 5(cinco)anos fixado no art. 1º desse antigo diploma legal, desde que “constantes das leis e regulamentos”.

Extrai-se da ementa, transcrita em nota de rodapé abaixo, que o d. Ministro entendeu que a intenção do Legislador do referido Decreto teria sido de favorecer ao Fisco, possibilitando a redução do prazo, desde que previsto prazo menor em Lei ou Regulamento específico.
1.2) Data maxima venia, esse entendimento, visivelmente favorável à Fazenda Pública, não pode prevalecer, pelas razões que seguem.
1.2-1) Primeiro, o mencionado vetusto Decreto, no que diz respeito a prazo prescricional contra a Fazenda Pública, foi derrogado pela Medida Provisório a nº 2.180-35, de 2001, que introduziu o art. 1º-C na Lei nº 9.494, de 1997, com a seguinte redação: “Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.”.
Note-se que, mutatis mutandis, aquele velho Decreto de 1932, editado pelo então Ditador Getúlio Vargas, em pleno estado pré-revolucionário, onde o Chefe do Executivo tudo podia, não se diferencia muito da autoritária Medida Provisória, pela qual o atual Chefe do Executivo pode quase tudo.
E, se for levar em consideração a “intenção do legislador”, tem-se que a mais recente é a consignada na referida Medida Provisória, pois a força do Legislador Executivo de hoje é a mesma do daquela época.
Com essa nova regra, não mais prevalece nenhuma regra de prazo prescricional do referido antigo Decreto nº 20.910, de 1932, de forma que não está em vigor o seu invocado(pelo d. Ministro Relator e referidos doutrinadores fazendários)art. 10, que possibilitava a aplicação de outro prazo prescricional específico, que fosse menor.
Agora há um único e exclusivo prazo prescricional de crédito de particulares frente à Fazenda Pública, no campo das indenizações: 5(cinco)anos.
1.2-2) Por outro lado, mesmo que não existisse essa nova regra geral, data maxima venia, não se poderia aplicar a prazo prescricional administrativo, que tem regras específicas, a regra geral do Código Civil, aplicável a demandas entre particulares.
Talvez, forçando muito, se pudesse aplicar os prazos prescricionais do Código Civil, quando o Estado estivesse no pólo passivo da obrigação, apenas naqueles casos em que se diz que o Estado abandona suas vestes estatais e passa a ser um particular, como quando firma contratos de fins eminentemente econômicos, verbi gratia, compra de mercadorias de particulares; compra de serviços de particulares, etc;.
Mas, nunca numa relação entre Servidor e Estado, como no presente caso e no caso que foi objeto do mencionado v. acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça, onde se fez presente situação típica de direito administrativo.
1.2-3) Aliás, há inúmeros julgados do próprio E. Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário ao do julgado ora analisado.
O próprio Ministro Castro Meira cuidou de indicar um v. julgado dessa E. Corte, no qual constou ser pacífico o entendimento dessa E. Corte de que o prazo prescricional de ação de indenização contra a Fazenda Pública é de cinco anos(AgREsp 1.073.796/RJ, Relator Ministro Humberto Martins, DJe de 01.07.2009).
Encontro outros inúmeros julgados da Primeira Turma desse E. Tribunal, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO.
1. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que é de cinco anos o prazo prescricional da ação de indenização proposta contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ. 1ª Turma. AGA 200301938189. Rel.: Min. Denise Arruda. Julg. 22.maio.2004, u., pub. 02.ago.2004, DJ, p. 320)".

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DO SOLDADO EM QUARTEL. PRESCRIÇÃO. DECRETO-LEI 20.910/32. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A existência de resposta informal a correspondência particular enviada pela autora da ação indenizatória não pode ser considerada como indeferimento de pedido administrativo apto a configurar a suspensão do prazo prescricional, nos termos do parágrafo único do art. 4º do Decreto 20.910/32.
2. O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de que é de cinco anos o prazo prescricional da ação de indenização proposta contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do decreto 20.910/32.
3. Provimento do recurso especial.
(STJ. 1ª Turma. RESP 416428. Rel.: Min. Denise Arruda. Julg. 19.set.2006, u., pub. 09.out.2006, DJ, p. 00259)".

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. MORTE COMO CONSEQUÊNCIA DE ACIDENTE EM SERVIÇO. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO A QUO. EFETIVA CONSTATAÇÃO DO ATO OU FATO QUE DEU ORIGEM. PAGAMENTO DE PENSÃO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. AUSÊNCIA DE NEGATIVA EXPRESSA DA ADMINISTRAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO-OCORRÊNCIA. ENUNCIADO Nº 85 DA SÚMULA DO STJ. CUMULAÇÃO COM PENSÃO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. BIS IN IDEM.
I - O art. 1º do Decreto 20.910/32 fixa como termo inicial da prescrição qüinqüenal a data do ato ou fato que deu origem à ação de indenização contra a Fazenda Pública. A pretensão indenizatória, pelo clássico princípio da actio nata, surge quando constatada a lesão e suas conseqüências, fato que desencadeia a relação de causalidade e leva ao dever de indenizar.
II - O fato que a Autora alega como gerador do dever de indenizar (morte do cônjuge, como conseqüência do acidente em serviço, pela falta de condições de segurança na execução das atividades de pedreiro), ocorreu em 14.04.1975 (data do falecimento), tendo sido por ela constatado efetivamente na ocasião do próprio óbito, encontrando-se extinta a pretensão condenatória para a compensação dos danos morais, vez que já exaurido o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 1 ° do Decreto n° 20.910/32. A ação foi proposta apenas em 16.06.1988, quando já decorridos mais de 13 (treze) anos da morte do servidor.
III - Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação, consoante o entendimento esposado no verbete n° 85 da súmula de jurisprudência do STJ.
IV- Depreende-se dos autos (documentação acostada, a fls. 32/33, anexa ao parecer do Ministério do Exército, fls. 28) que a Administração só tomou as providências necessárias ao enquadramento da pensão especial, introduzida pela Lei n° 6.782/80, a partir de agosto/85, sendo, portanto, devido o pagamento das parcelas compreendidas entre junho/83 e julho/85. Restam prescritas, assim, tão-somente as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.
V-O pagamento de pensão, a título de danos materiais, cumulativamente com o pagamento de pensão especial, é completamente descabido, eis que o pagamento desta última exclui o daquela primeira. Ao efetuar o pagamento de pensão especial estatutária, a Administração já satisfaz o cumprimento da obrigação referente à prestação de alimentos à(s) pessoa(s) a quem o morto os devia. O pagamento de nova pensão, sob o mesmo fundamento, consistiria em verdadeiro bis in idem. Inexistindo a demonstração de qualquer prejuízo pecuniário por fundamento diverso ao da obrigação de alimentos, não há que se falar em pagamento de pensão a título de indenização por danos materiais.
VI- Apelo a que se dá parcial provimento, para julgar procedente em parte o pedido e condenar a União a proceder ao pagamento das diferenças nos proventos devidos a título de pensão especial, introduzida pela Lei n° 6.782/80, no período compreendido entre junho/83 e julho/85, com incidência de juros de mora no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, contabilizados estes últimos desde a citação.
(STJ. 1ª Turma. RESP 673576. Rel.: Min. José Delgado. Julg. 02.dez.2004. u., pub. 21.mar.2005, DJ, p. 00285).”.

Assim, mesmo que já tivesse fluído o prazo de três anos, como alegado pelo Instituto ora Réu, o que, como demonstrado, não aconteceu, tenho que não merece acolhida a exceção de prescrição.

A Quaestio

A Autora pretende que o Instituto ora Réu seja condenado a custear-lhe uma cirurgia reparadora de cicatriz no seu corpo, decorrente de golpe de arma branca que sofrera de um aluno desse Instituto, dentro do estabelecimento escolar desse Instituto, e também a indenizá-la moralmente, pagando-lhe quantia mínima de R$ 300.000,00.

Mérito da Causa

Do Ferimento

Resta incontroverso que a Autora sofreu um longo ferimento nas costas, por meio de arma branca, desferido por um Aluno do Instituto-réu, dentro de um dos seus estabelecimentos de ensino, situação essa que torna esse Instituto objetivamente responsável, conforme § 6º do art. 37 da Constituição da República, posto que lhe cabia a responsabilidade pela segurança do lugar, no qual a jovem Autora foi violentamente agredida.
Nesse particular, o referido Instituto confessa, na sua contestação, especificamente à fl. 161 dos autos, e no documento de fls. 181-182, acostado com a defesa, que no lugar, não obstante o grande número de crianças e jovens visitantes, todos ficaram sob a segurança de apenas uma pessoa. E, como se não bastasse, há fortes indícios de que uma Professora do Instituto-réu facilitou a fuga do Aluno agressor.
A responsabilidade civil enseja a configuração de três elementos essenciais à sua existência: o ato ilícito, a lesão e o nexo de causalidade entre partes.
Esses três elementos, sem dúvida, exsurgem dos autos, relativamente aos fatos que deram origem a este feito.

Da Cicatriz

A fotografia de fl. 23, não impugnada na defesa do Instituto ora Réu, comprova que foi longa e feia a cicatriz deixada pelo acima mencionado ferimento sofrido pela ora Autora, ferimento esse também atestado no documento médico-policial de fls. 192-196.
Extrai-se do laudo do Sr. Perito Judicial de fl. 262 e da sua complementação à fl. 269 que, embora a ora Autora tenha sido submetida a uma cirurgia que, na visão do Médico Perito Judicial, foi de boa qualidade, a Autora ficou com uma cicatriz “importante”(na linguagem do referido Sr. Perito Judicial). Com efeito, ao quesito “-Trata-se de uma cicatriz importante?”, formulada pela Procuradora do Instituto-réu, o Sr. Perito Judicial respondeu “sim” .
Essa mesma Procuradora apresentou o seguinte quesito: “A cicatriz compromete a estética?”, que recebeu a seguinte resposta do Sr. Perito Judicial: “Considerando a cicatriz, do ponto de vista da Cirurgia Plástica, de boa qualidade estética”.
Ainda respondendo ao terceiro quesito dessa Procuradora, feito nos seguintes termos: “A cicatriz é passível de reparação por cirurgia plástica?”, o Sr. Perito Judicial respondeu: “Na nossa avaliação não podemos garantir que, um novo procedimento cirúrgico neste local, necessariamente fará com que a nova cicatriz tenha uma forma estética melhor do que a atual”(sic).
Extrai-se dessas quase obscuras respostas que a Autora ficou com cicatriz, não obstante a boa qualidade da cirurgia plástica à qual fora submetida.
E, como o Sr. Perito Judicial, nem nenhuma das Partes, trouxe para os autos cópia do local do corpo da ora Autora onde houve o ferimento, após a cirurgia, é de se concluir que mencionada cicatriz, que ainda resta, mesmo que amenizada pela noticiada cirurgia plástica, tenha no mínimo o tamanho da horrível cicatriz comprovada na acima mencionada fotografia de fl. 23.
Se ainda há cicatriz, cabe única e exclusivamente à jovem Autora decidir se deve ou não submeter-se à nova ou novas cirurgias, bem como a algum tratamento com laser, e caso a Autora opte por se submeter a qualquer desses tratamentos, o Instituto-reu terá que se responsabilizar pelo(s) respectivo(s) pagamento(s), em face da sua acima demonstrada responsabilidade objetiva diante do caso.
Obviamente, o Instituto-réu pode e deve, em ação própria, buscar ressarcimento perante a família do jovem rapaz que agrediu a ora Autora, ou perante ele mesmo, caso tenha recursos próprios.

Do Dano Moral

Os fatos aconteceram em 14.10.2004, quando a Autora ainda era menor, em plena adolescência, fase delicada da vida de qualquer jovem, principalmente se do sexo feminino, quando o corpo ainda está passando por grandes transformações, causando preocupações fortes e ao mesmo tempo delicadas. Um mínimo defeito pode trazer ao ou à jovem, nessa idade, traumas para o resto da vida. Imagine-se então a longa cicatriz como a comprovada na fotografia de fl. 23, a qual, segundo a petição inicial e a Denúncia do processo-crime nº 243.2005.001027-0, proposta na comarca de Vitória de Santo Antão, mede 290 mm(duzentos e noventa milímetros).
Visível o dano físico-estético e, sem dúvida, também psicológico, impedindo a Autora de gozar de qualquer tipo de lazer, no qual tenha que colocar, por exemplo, um biquíni, ou praticar um esporte com esse tipo de roupa.
Imagine-se então o drama da jovem Autora quando necessitar tirar a roupa perante o seu futuro esposo.
Dano físico-estético dessa natureza caracteriza-se, segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, como dano moral.
Como se sabe, o dano moral é aquele que afeta a honra e a imagem da pessoa, causando desconforto e preocupação, sem, todavia, atingir diretamente o patrimônio jurídico avaliável economicamente. Mas o fato de não atingir um bem jurídico com valor econômico não pode significar a impossibilidade de indenização, pois, como dito, a própria Constituição da República impõe o ressarcimento do dano moral.
O montante da indenização há de ser suficiente para representar uma reparação financeira em face dos danos morais sofridos, possibilitando a esta, com o respectivo montante em dinheiro, buscar formas de lazer e/ou de crescimento cultural, que lhe amenizem os tormentos desse tipo de dano, bem como para punir o responsável pela indenização, além do cunho didático, no sentido de forçar este a adotar medidas suficientes para que casos iguais ou semelhantes não voltem a acontecer.
Diante disso, tenho que o valor da indenização montará em R$ 150.000,00(cento e cinquenta mil reais), corrigidos monetariamente a partir do dia seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal-CJF, e acrescidos de juros de mora, à razão de 0,5%(meio por cento)ao mês, contados da data da citação da execução desta sentença(art. 730 do Código de Processo Civil) ou da data de evento semelhante, caso esse dispositivo legal venha a ser alterado, incidentes, todavia, sobre o valor já monetariamente corrigido.

Honorários advocatícios

A Autora pediu, na petição inicial, que o valor da indenização por danos morais fosse, no mínimo, de R$ 300.000,00.
Extrai-se, acima, que referido valor está sendo fixado em R$ 150.000,00.
Neste particular, a sucumbência será recíproca.
Mas, quanto à outra parte do pedido, tratamento médico da ora Autora, a sucmbência do Instituto-réu foi plena, cabendo pois sua condenação em verba honorária quanto a essa parte do pedido. Mas não se sabe qual o valor que o tratamento vai alcançar. Assim, a verba honorária a que faz jus a Autora incidirá apenas sobre o valor do tratamento médico futuro, a ser apurado oportunamente,

Conclusão

Posto isso, julgo parcialmente procedente os pedidos desta ação e condeno o Instituto-réu a custear o tratamento médico da ora Autora, na forma acima preconizada, bem como a lhe pagar indenização por dano moral, no valor de R$ 150.000,00(cento e cinqüenta mil reais), com correção monetária e juros de mora, calculados da maneira acima indicada, e ainda em verba honorária, que, considerando o esforço e dedicação do d. Patrono da Autora, Dr. Severino de Souza Vasconcelos, arbitro em 15%(quinze por cento)do valor do futuro tratamento médico, a ser apurado na forma do art. 475-B do Código de Processo Civil, ou por outra forma que venha a ser fixada no momento processual próprio.
Outrossim, condeno o Instituto-réu ao pagamento dos honorários periciais, os quais, se já pagos por esta Justiça Federal, em face da situação de pobreza da ora Autora, devem ser depositados a favor desta, para uso no pagamento de outros Peritos Judiciais em causas de Autores pobres, na forma da Lei.
Providencia a Secretaria o pagamento dos honorários do Sr. Perito Judicial, caso ainda não tenham sido pagos.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
Antes da publicação desta Sentença, remetam-se os autos à Distribuição para retificar o termo de autuação, substituindo o nome da parte ré ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE PERNAMBUCO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO por INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO – IFET/PE.

P.R.I.

Recife, 03 de março de 2011.


Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE