segunda-feira, 21 de março de 2022

VALOR DE INCENTIVO DO ICMS NÃO COMPÕE A BASE DE CÁLCULO DO IRPJ, NEM DA CSLL.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


   O valor de incentivo fiscal do ICMS, concedido pelo Estado de Pernambuco, ou por qualquer outro Estado, não pode entrar na base de cálculo do IRPJ e CSLL, tributos federais, pelas detalhadas razões da fundamentação da decisão que segue, adotadas pela Corte Especial(Plenário) e pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.  

   Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0804256-34.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: DINEL ALIMENTOS, BEBIDAS E DESCARTAVEIS LTDA
ADVOGADO: Mayara Gabriela Goncalves De Lima e outro
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


 D E C I S Ã O

 1. Breve Relatório
 
DINEL DESCARTAVEIS LTDA, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do Ilmo Sr.  DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE, vinculado à UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, representada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Aduziu, em síntese, que: seria empresa atuante no ramo do comércio varejista e atacadistas de materiais de construção em geral e estaria trabalhando incansavelmente para se manter no mercado diante do quadro de crise nacional - que só se agrava para o setor nos últimos 05 anos - sempre gerando empregos, renda e impostos; estaria pagando ilegal e inconstitucionalmente Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuições Sociais sobre o Lucro Líquido(CSLL) sobre o créditos presumidos em suas contabilidades, em especial sobre aqueles benefícios concedidos na Sistemática Especial do Decreto nº 38.455/2012 (Sistemática de Atacadistas); a discussão quanto à incidência ou não de IRPJ/CSLL sobre Créditos Presumidos de ICMS giraria em torno da interpretação da legislação tributária federal, baseando-se na distinção entre subvenção para investimento e para custeio, de maneira que a jurisprudência inicialmente teria se concentrado na identificação dos elementos necessários para a caracterização de uma e outra, culminando com a edição da Lei Complementar nº 160, de 2017, por meio da qual se pretendia sepultar a discussão, sem consegui-lo; a discussão,  contudo, teria ganhado um novo rumo com recentes decisões do STJ que teriam levado à superação da necessidade de apreciar tal qualificação, impedindo a tributação pela União da subvenção concedida pelos Estados por meio de crédito presumido de ICMS, sob o fundamento de que a incidência de IRPJ e CSLL violaria o pacto federativo, reconhecendo assim, imunidade recíproca sobre o caso; no presente caso, o Impetrante seria detentor da Sistemática de Atacadistas do Estado de Pernambuco;  para atrair investimentos, seria muito comum que os estados adotassem políticas de incentivos fiscais, concedendo isenção ou redução de impostos para empresas de determinados segmentos; essas isenções poderiam se configurar não só uma excelente oportunidade, mas um fator determinante para as empresas decidirem seu local de instalação, uma vez que desoneram de forma significativa os custos das beneficiadas, ampliando sua competitividade; nessa seara Pernambuco seria um dos Estados que se destacam pela forte política de incentivos fiscais e possuiria diversos programas de benefícios fiscais, tais quais o PRODEPE, PROEAUTO, PRODINPE E SISTEMÁTICA DE ATACADISTA; no presente caso, a Impetrante seria detentor da Sistemática de Atacadistas do Estado de Pernambuco; para atrair investimentos, seria muito comum que os estados adotassem políticas de incentivos fiscais, concedendo isenção ou redução de impostos para empresas de determinados segmentos; essas  isenções poderiam ser não só uma excelente oportunidade, mas um fator determinante para as empresas decidissem seu local de instalação, uma vez que desonerariam de forma significativa os custos das beneficiadas, ampliando sua competitividade; nesta seara, Pernambuco seria  um dos estados que se destacam pela forte política de incentivos fiscais e possui diversos programas de benefícios fiscais, tais quais o PRODEPE, PROEAUTO, PRODINPE E SISTEMÁTICA DE ATACADISTA. Sobre esta última, temos que a Lei nº 14.721/2012, entro em vigor a partir de 01/08/2012, regulamentada pelo Decreto n° 38.455/2012 e pela Portaria SF nº 166/2012, instituindo a sistemática de apuração e recolhimento do ICMS para os atacadistas de produtos alimentícios, de limpeza, de higiene pessoal, de artigos de escritório e papelaria e de bebidas do Estado de Pernambuco, a qual se enquadra o Impetrante. A sistemática consiste na antecipação, quando da aquisição da mercadoria, de uma parcela do imposto relativo à saída subsequente, da dispensa da antecipação nas aquisições interestaduais nos termos do Decreto nº 44.650/2017, bem como na concessão de crédito presumido de ICMS; o atacadista credenciado, ao adquirir mercadorias sujeitas à sistemática, deve efetuar recolhimento específico relativo à antecipação de parte do imposto correspondente à saída subsequente, nos seguintes percentuais calculados sobre o valor das respectivas operações de entrada, ou sobre o valor do preço de pauta, quando a mercadoria estiver sujeita à pauta fiscal, dos dois, o que for maior, nos percentuais ali descritos; o contribuinte deveria efetuar apuração normal do imposto, mantendo como créditos os legalmente admitidos inclusive os destacados na respectiva Nota Fiscal de aquisição, bem como o valor recolhido referente à antecipação, nas aquisições de mercadorias, com a finalidade de fomentar o comercio atacadista da região; apesar disso, o referido crédito conferido pelo estado seria tributado pela União, reduzindo inconstitucionalmente a benesse concedida; a concessão de incentivos ou benefícios fiscais, em seu sentido amplo, seria uma prerrogativa constitucional do Estado e do Distrito Federal (art. 24, 150, §6º) e poderia ser realizada com finalidades distintas, tanto para promover o desenvolvimento socioeconômico de determinada região, atraindo as empresas para que ali transferissem as suas instalações, ou, ainda, como forma de estímulo de determinado setor ou atividade; seria possível afirmarmos que crédito presumido de ICMS, reduções de alíquota, redução da base de cálculo ou diferimento de ICMS seriam espécies de incentivos fiscais concedidos pelo Ente Público para, de um lado, conferir determinada benesse aos contribuintes, mediante a renúncia do direito ao recebimento de determinado tributo (o que seria permitido também pelo art. 14 da LC 101/00 - Lei de Responsabilidade Fiscal - "LRF") e, de outra parte, alcançar a finalidade pretendida (seja ela de desenvolvimento econômico, regional, setorial); a concessão de tais benesses poderia gerar, do ponto de vista contábil, uma redução ou diminuição de custos e despesas diante da forma como o ICMS restaria devido; , haveria um suposto aumento do lucro a ser tributado a título de IRPJ e CSLL; essa interpretação, todavia, não seria a mais adequada e, no momento atual, existiriam fortes elementos jurídicos para se impedir qualquer pretensão de se tributar essa hipótese; o artigo 153 da Constituição Federal de 1988 outorgaria à União a competência para instituição do imposto de renda e proventos de qualquer natureza; no âmbito infraconstitucional, o referido tributo teria sido regulamentado pelo Código Tributário Nacional ("CTN"), sendo que o art. 43, incisos I e II, teriam previsto o fato gerador do mencionado imposto, relacionando-o ao conceito de acréscimo patrimonial, nos termos ali descritos;  o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de 8 de novembro de 2017, nos autos dos Embargos de Divergência 1.517.492/PR, tendo como relatora a ministra Regina Helena Costa, teria pacificado o tema na 1ª Seção, em favor dos contribuintes, nos termos ali descritos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela:

"a)           Concessão da Medida Liminar pretendida para que seja suspensa a inclusão - nos moldes do Art. 151 do CTN -  na base de cálculo da CSLL e do IRPJ, as receitas decorrentes de isenções ou benefícios fiscais concedidos pelo Estado de Pernambuco em relação ao ICMS, independentemente de sua natureza ( seja crédito presumido de ICMS, redução de alíquota ou redução da base de cálculo, ou diferimento de ICMS), especialmente àquele conferido pela Sistemática Especial do Decreto Nº 38.455/2012 (Sistemática de Atacadista), afastando-as, até julgamento definitivo da lide, devendo o IMPETRANTE abster-se de realizar cobranças, lançar o nome do contribuinte no CADIN e/ou impedir a renovação de certidão positiva com efeitos de negativa.

b)                 A expedição de ofício à Autoridade Coatora para que apresente as informações no prazo legal;

c)                  A intimação da Fazenda Nacional para se manifestar no feito;

d)                 A intimação do ministério Público para, querendo, se manifestar no feito;

e)                  Ao final seja concedida em definitivo a segurança para que seja decretada a ilegalidade e inconstitucionalidade da inclusão, na base de cálculo da CSLL e do IRPJ, os valores referente aos benefícios fiscais concedidos pelos Estados em relação ao ICMS, independentemente de sua natureza (crédito presumido, redução de alíquota ou redução da base de cálculo, ou diferimento de ICMS), especialmente àquele conferido pela Sistemática Especial do Decreto Nº 38.455/2012 (Sistemática de Atacadista), bem como a condenação do Impetrado na devolução ou compensação com as parcelas vincendas dos tributos administrados pela Fazenda Nacional / Receita Federal - incluso ou não em Dívida Ativa - dos valores pagos indevidamente pela IMPETRANTE, dentro do prazo prescricional de 05 anos, devidamente atualizados pela taxa Selic, nos termos autorizados pela legislação federal aplicável, determinando-se à Autoridade Coatora que se abstenha de efetuar qualquer ato ou procedimento administrativo de destinado a impedir o exercício de tais direitos, lançar o nome do contribuinte no CADIN e/ou impedir a renovação de certidão positiva com efeitos de negativa.

f)              Atribui-se a presente causa o valor de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais) para efeitos meramente fiscais.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.
 
 2. Fundamentação
 
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a presença simultânea dos dois pressupostos estabelecidos no inciso III do artigo 7º da Lei nº 12.016/2009, quais sejam, demonstração da relevância do fundamento (fumus boni iuris) e perigo da demora (periculum in mora).

Pugna a Impetrante pela concessão de medida liminar, determinando a suspensão da exigibilidade do IRPJ e CSLL sobre os valores correspondentes aos créditos presumidos ICMS, dos quais se beneficia a Impetrante em razão das legislações estaduais
 
 Inicialmente, registro que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no RE 1.052.277/SC, concluiu que:
 

"A controvérsia relativa à inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL não possui repercussão geral, tendo em vista sua natureza infraconstitucional" (Tema 957).

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), em seu art. 14, § 1º, por sua vez, dispõe que a concessão de crédito presumido configura renúncia de receita, o que caracterizaria, na verdade, uma espécie de incentivo à atividade empresarial, mediante transferência indireta de recursos públicos.
 
O crédito presumido em questão, por seu turno, é um benefício fiscal, de forma que não se configura como receita pura e simples. Corresponde a um mero crédito escritural que, frente ao princípio constitucional da não-cumulatividad, ao qual se submete o ICMS, implica redução do ICMS a ser pago para o Estado quando da apuração do ICMS a pagar.
 
Assim, esse incentivo impacta de forma negativa na receita do Estado de Pernambuco, relativa ao ICMS.

E, para compensar a perda de receita do Estado, nos Termos de Acordo firmado entre a ora Impetrante/Autora e o Estado, a ora Impetrante comprometeu-se à contrapartida econômico-social, consistente em fazer investimentos, manter um número determinado de Empregados etc. 

Ora, a legislação tributária não pode ser tão obtusa a ponto de permitir que o Estado de Pernambuco perca receita, para resolução de problema econômico-social, e a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL faça incidir, sobre a parcela de incentivo fiscal dada por aquele Esatado à ora Impetrante, IRPJ e CSLL, obrigando a ora Impetrante a incluir a parcela desse incentivo fiscal na base de cálculo desses tributos.

Essa pretensão da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, prima facie, fere o princípio federativo e a autonomia das pessoas políticas. 

Além disso, permitir o enquadramento do crédito presumido do ICMS, decorrente de incentivo fiscal ao setor econômico privado, com a finalidade de reduzir os negativos impactos sociais decorrentes do desemprego e da crise econômico-financeira do País, seria carrear para os cofres da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL parte desse incentivo fiscal estadual.

Se assim fosse, haveria violação do pacto federativo e da autonomia dos Estados, que são membros da Federação tal qual a UNIÃO o é. 

Não seria razoável que a perda de receita pelo Estado implicasse em aumento de receitas da UNIÃO, sobretudo quando se sabe que a crise econômico-financeira, que o referido incentivo fiscal estadual, visa amenizar esse crise causa, no fundo, por gestão não apropriada dos recursos Públicos por parte da UNIÃO. 

E, finalisticamente, corresponderia em indireta transferência de recursos do Estado para as burras da UNIÃO, numa inadmissível e inconstitucional inversão de valores.
 
Por outro lado, o incentivo fiscal em questão não gera aumento de patrimônio , nem produz receita ou lucro, na medida em que há, por parte da ora Impetrante, a noticiada contrapartida econômico-social. 

Logo, não ocorre o fato gerador do IRPJ, tampouco da CSLL, conforme se extrai do art. 43 e respectivos incisos do Código Tributário Naconal. 

Os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp n. 1.517.492/PR, em 08.11.2017, DJe 01.02.2018do, ratificado por esse mesmo Órgão desse mesmo desse mesmo E. Tribunal, mais recentemente, em aresto de abril de 2021, cuja ementa transcrevo parcialmente,  verbis:

"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. CRÉDITOS DO REINTEGRA. INCIDÊNCIA DE IRPJ E DA CSLL. DIVERGÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. INVIABILIDADE. TRIBUTAÇÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE IMPONÍVEL. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO COM O MISTER DE CONFORMAR O ACÓRDÃO EMBARGADO À TESE JÁ FIXADA E CONSOLIDADA DESTE STJ.
I - (...).

II - (...).
III - Ausente a integral similitude fática entre os acórdãos embargado e paradigma, porquanto esse último cinge-se à apreciação da inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, silenciando quanto ao montante concernente ao REINTEGRA.
IV - A discussão cognoscível cinge-se à exclusão de crédito presumido do ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, tema já pacificado por esta Seção na apreciação do EREsp n. 1.517.492/PR, de minha relatoria para o acórdão, julgado em 08.11.2017, DJe 01.02.2018, e reafirmado por tal órgão jurisdicional, inclusive com referência expressa pela inaplicabilidade da cláusula de reserva de plenário no AgInt nos EDv nos EREsp n. 1.603.082/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 03.12.2019, DJe 05.12.2019.
V - O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL; já o segundo considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.
VI - Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
VII - Tal orientação leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.
VIII - O modelo federativo abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
IX - Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
X - A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
XI - A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo.
Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
XII - A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
XIII - O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, CR).
XIV - Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XV - O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceitos legais, aumentando o preço final dos produtos especificados.
XVI - A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XVII - Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/2009, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores, em espécie, pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços.
XVIII - O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento de que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.
XIX - O crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL.
XX - Recurso que cumpre o singelo mister de conformar o acórdão embargado à tese já fixada e consolidada deste Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 1.517.492/PR).
XXI - Embargos de Divergência conhecidos em parte e, nessa extensão, providos."[1].

Diante de tal contexto, reputo presentes o requisito do fumus boni iuris. 

Presente também o requisito do periculum in mora, pois se não concedida a medida liminar, a Empresa, ora Impetrante, ficará obrigada a ofertar à tributação do IRPJ e da CSLL o valor do ICMS incentivado, conforme acima demonstrado, com prejuízo jurídicos e econômico-financeiro de difícil recuperação.

3. Dispositivo
 
Posto isso:

3.1 - concedo a pretendida medida liminar e suspendo a exigibilidade do IRPJ e da CSLL sobre o descrito valor do  incentivo do ICMS concedido pelo Estado de Pernambuco à ora Impetrante, que fica autorizada a não incluir esse valor na base de cálculo de tais tributos federais e determino que a DD Autoridade apontada como coatora abstenha-se de autuá-la por essa prática, até ulterior decisão judicial, sob as penas do art. 26 da Lei 12.016, de 2009; 

3.2 - notifique-se a DD. Autoridade Coatora para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009), bem como para CUMPRIR a medida liminar supra, sob as penas ali estabelecidas; 

3.3 - dê-se ciência deste  writ  à UNÃO - FAZENDA NACIONAL, por intermédio do seu  Órgão de representação judicial, qual seja, a Procuradoria Geral da Fazenda  Nacional em  Recife-PE, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009;

3.4 -  após, abra-se vista ao Ministério Público Federal para o r. parecer (art. 12 da Lei nº 12.016/2009).

3.5 - Sucessivamente, voltem-me os autos conclusos para julgamento.

Cumpra-se. Intimem-se.

Recife,  21.03.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

(lsc) 

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Brasil.  Superior Tribunal de Justiça - STJ, Primeira Seção. EREsp nº 1.44.3771/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, julgado em 14/04/2021, in Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 28/04/2021. 

Disponível em Superior Tribunal de Justiça - O Tribunal da Cidadania (stj.jus.br).

Acesso em 18.03.2022