sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O CONVÊNIO ICMS E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

          Por Francisco Alves dos Santos Júnior




Introdução

O Convênio ICMS, previsto inicialmente na Emenda Constitucional nº 18, de 1965, à Constituição de 1946, então vigente, passou a ter sua aprovação regulamentada pela Lei Complementar nº 24, de 1975, ainda hoje em vigor.

A sua finalidade inicial foi tratar de incentivos na área do então ICM.

Na Constituição da República de 1988, embora essa finalidade originária tenha sido mantida(alínea g do inciso XII do § 2º do art. 155), ele pôde ser utilizado como Lei Complementar Transitória(§ 8º do art. 34 do ADCT da referida Constituição)e de fato o foi pelo Convênio ICMS 66, de 1988, e pode ser utilizado como instrumento para fixação de alíquotas do ICMS(inciso IV do § 4º do art. 155 da mesma Carta).

Neste trabalho, trataremos apenas do Convênio ICMS relativo a incentivo na área desse imposto, como consta do nosso livro “Direito Tributário do Brasil, Aspectos Estruturais do Sistema”(2ª Edição, Olinda: Livro Rápido, 2011, p. 109 e segs), onde sempre sustentamos que suas regras só podem ser introduzidas no ordenamento jurídico de cada Unidade da Federal, por Lei. 

O Convênio ICMS de Incentivo Fiscal e o Princípio da Legalidade

Aprovado, na forma das regras da Lei Complementar nº 24, de 1975, o Convênio ICMS tem natureza meramente autorizativa, pois só poderá ser efetivamente aplicado pela Unidade da Federação depois que a respectiva Assembléia Legislativa, após apresentação do pertinente projeto, transformar as regras do Convênio em Lei própria. Ou seja, não pode a Unidade da Federação aplicar diretamente o Convênio, principalmente depois da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que introduziu o § 6º no art. 150 da Constituição da República, exigindo Lei específica para qualquer tipo de renúncia fiscal. O art. 4º da Lei Complementar nº 24, de 1975, que autorizava a introdução das regras do Convênio ICMS, nos Estados e Distrito Federal, por mero Decreto[1], não foi recepcionado pela Constituição da República em vigor, principalmente depois da mencionada Emenda Constitucional nº 3, de 1993. Mencionada prática apenas concretizava o autoritarismo institucional então reinante, quando estávamos sob o período mais ditatorial do regime militar, sob a presidência de Garrastazu Médice.

             E, naquela época,  o Supremo Tribunal Federal-STF sacramentou esse autoritarismo no seguintes julgados: RE 99.648,  RTJ 105/1307; RE 109.965, DJ de 29.11.85; RE 106.456,  DJ de 28.11.86.     

           No entanto, felizmente, depois da Constituição da República de 1988, essa Suprema Corte decidiu que havia necessidade de Lei:

“ICMS E REPULSA CONSTITUCIONAL À GUERRA TRIBUTÁRIA ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS: O legislador constituinte republicano, com o propósito de impedir a ‘guerra tributária’ entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreve diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais.
CONVÊNIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E BENEFÍCIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à validade das isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS.
Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão.
O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS.
MATÉRIA TRIBUTÁRIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente. ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO MELLO.”(Grifei).[2]
Mas, para nossa decepção, esse saudável e científico entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF não foi observado por esse mesmo Plenário dessa mesma Suprema Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3.410/MG, proposta pelo Governador do Estado do Paraná contra o Governador do Estado de Minas Gerais que, por Decreto, incorporara à legislação de Minas Gerais as regras do Convênio ICMS nº 128, de 1994, e o fez por unanimidade, no que ignorou por completo os dois julgados acima referidos e, data máxima vênia, feriu de morte o § 6º do art. 150 da Constituição da República e permitiu que a Assembléia Legislativa desse rico Estado do Sudeste do Brasil fosse substituída por seu Secretário da Fazenda, que participou da reunião que aprovou o referido Convênio, e por seu Governador, que editou e publicou a regra concedendo benefícios fiscais para operações com farinha de trigo via simples Decreto.[3] 

Todavia, na última decisão a respeito desse assunto, o Plenário dessa Suprema Corte voltou a aplicar o bom direito. Eis sua ementa:

“Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. ISENÇÃO CONCEDIDA A TÍTULO DE AUXÍLIO-TRANSPORTE AOS INTEGRANTES DA POLÍCIA CIVIL E MILITAR EM ATIVIDADE OU INATIVIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONVÊNIO INTERESTADUAL. PERMISSÃO GENÉRICA AO EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.561/2002 DO ESTADO DO PARANÁ. 1. A concessão de benefício ou de incentivo fiscal relativo ao ICMS sem prévio convênio interestadual que os autorize viola o art. 155, § 2º, XII, g da Constituição. 2. Todos os critérios essenciais para a identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais prevista na Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.”[4]

         Conclusão

         Então, podemos dizer que na atualidade o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal entende que o Convênio ICMS só poderá ser introduzi no ordenamento jurídico interno de cada Unidade da Federação por meio de Lei, tendo em vista a regra do § 6º do art. 150 da Constituição da República.  

         Enfim, prevaleceu o bom direito.

         Aleluia!



[1]      Eis a redação desse artigo 4º da Lei Complementar nº 24, de 1975:  “Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo.”.
    E por que não foi recepcionado? Porque, como já dito no texto acima, depois da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, acresceu-se o § 6º ao artigo 150 da Constituição da República, exigindo Lei Específica para a concessão de qualquer tipo de renúncia fiscal(isenção, redução de base de cálculo, redução de alíquota, etc.).
    Então, na atualidade, os Estados e o Distrito Federal firmam o Convênio ICMS, mas este só poderá ser aplicado em cada Estado se as respectivas Assembléias Legislativas o transformarem em Lei Específica.   
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal-STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade com Pedido de Medida Cautelar – ADIMC nº 1.247/PA. Partes[n/c]. Julgamento em 17.08.1995. Relator Ministro Celso de Mello. Diário da Justiça da União-DJU de 08.09.195, p. 28.354. Ementário Vol. 01799-01, p. 20.
Note-se que na Ementa invocou-se a ADI nº 1.296-PE, no mesmo sentido.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal-STF. ADI 3.410/MG. Governador do Paraná x Governador de Minas Gerais. Julgado em 21.11.2006. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Diário da Justiça Eletrônico-DJe nº 32, divulgado em 06.06.2007 e publicado em 08.06.2007, p. 28, Ementário Vol. 2279-01, p. 141. Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF[unânime].
[4] ADI 2688, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-01 PP-00015.