Por Francisco Alves dos Santos Jr
Interessantes temas são analisados na sentença que segue, no campo do direito administrativo. O Servidor Federal que puder, com base na Constituição, acumular dois cargos, poderá receber remuneração, relativa a cada cargo, até o limite máximo permitido por essa Carta. Descontos indevidos devem ser restituídos, observada a prescrição quinquenal, sem aplicação, quanto à correção monetária, da Lei nº 11.960, de 2009, com atualização até a data da expedição dos requisitórios. Precedentes do STF, sob repercussão geral.
Boa leitura.
Obs.: colaboração do Assessor Antonio Ricardo Teixeira.
PROCESSO Nº: 0815137-46.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM AUTOR: V C DA R J ADVOGADO: R J L P F RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo A, registrada eletronicamente
EMENTA:
- ABATE-TETO. INCIDÊNCIA DA REGRA DO TETO REMUNERATÓRIO CONSTITUCIONAL
(ART.37, XI, da CF/88). LIMITAÇÃO DO TETO.MATÉRIA RECONHECIDA COMO DE
REPERCUSSÃO GERAL.
- Prescrição das parcelas do quinquênio anterior ao da propositura desta ação.
-
Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a
acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à
remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido,
conforme entendimento do Plenário da Suprema Corte, sob repercussão
geral.
- Atualização(correção monetária e juros de mora) também conforme outros precedentes, sob repercussão geral, da Suprema Corte.
- Procedência do pedido.
1. Relatório
V C DA R J, qualificado na inicial, ajuizou a presente
Ação pelo Procedimento Comum, com pedido de tutela provisória em face da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Alegou em síntese que: a)
seria professor titular do Departamento de Eletrônica e Sistemas da
Universidade Federal de Pernambuco e que perceberia também aposentadoria
como professor titular com Doutorado pela mesma Universidade, ou seja,
seria detentor de dois cargos de professor; b) estaria sendo submetido a
deduções nos seus rendimentos a título de abate-teto; c) a Ré estaria
limitando a soma dos vencimentos e da aposentadoria do Autor, ao limite
remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal e
subtraindo dos rendimentos do Suplicante (conjuntamente considerados) o
valor da diferença entre o somatório da aposentadoria e dos vencimentos
e o teto constitucional; d) a aplicação do abate-teto deveria ocorrer
em atenção a cada cargo isoladamente, razão pela qual o abatimento
realizado, que considera a soma dos rendimentos do Autor (aposentadoria e
vencimentos) para fins de verificação do teto remuneratório, seria
manifestamente ilegal. Teceu comentários, anexou documentos.
Atribuiu à causa o valor de R$ 5.311,31 (cinco mil, trezentos e onze reais e trinta e um centavos).
Decisão
proferida sob identificador nº 4058300.4082945, pela qual foi concedido
à Parte Autora prazo para que emendasse a inicial, esclarecendo se
estaria havendo redução ao teto do servidor apenas nos vencimentos ou se
também nos proventos da aposentadoria, a fim de ser indicado o Juízo
competente.
O
Autor apresenta aditamento à Inicial (Id. 4058300.4099831),
esclarecendo que os pedidos formulados são no sentido de fazer cessar a
incidência do abate-teto em ambos os vínculos, apresenta novo valor da
causa (R$ 227.847,60) e anexa o comprovante de recolhimento das custas
complementares (Id. 4058300.4092304).
Decisão
proferida sob identificador nº 4058300.4452899, pela qual foi deferido o
pedido de tutela provisória de urgência antecipatória e determinou-se a
citação da UFPE.
Contestação
apresentada pela Ré (Id. 4058300.4797612). Aduziu, preliminarmente,
como prejudicial de mérito, a prescrição quinquenal. No mérito, alegou
que o instituto do Abate-Teto está previsto no inciso XII do art. 37 da
CF/1988, com a nova redação dada pelo inciso XI do art. 3º da Emenda
Constitucional nº 19/98 e que inexistente qualquer dever da
Administração Pública em devolver valores descontados a título de
"abate-teto", uma vez que sua atuação está pautada em preceitos
constitucionais e sólida posição jurisprudencial.
Certidão
anexada sob identificador nº 4058300.4798482, noticiando a interposição
de agravo de instrumento, perante o TRF 5ª Região, em face da decisão
que deferiu a antecipação da tutela.
Despacho no qual foi mantida a decisão agravada e determinou a intimação do Autor para manifestar-se sobre a contestação.
Réplica apresentada, requerendo a manutenção da tutela provisória e a procedência da ação (Id. 4058300.5314834).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório no essencial.
Passo a decidir.
2- Fundamentação
2.1. Do julgamento antecipado da lide.
Por
entender não haver necessidade de produção de outras provas além
daquelas já constantes nos autos, suficientes, portanto, para o deslinde
da demanda, decido proferir o julgamento antecipado, nos termos do art.
355, I, do Código de Processo Civil.
2.2. Exceção de prescrição
Quanto
à exceção de prescrição quinquenal, esta não atinge o fundo do direito,
porque os direitos previdenciários de fundo são imprescritíveis, de
forma que merece acolhida apenas quanto às parcelas do quinquênio
anterior ao da propositura desta ação.
Como esta ação foi proposta em 04.10.2017, encontram-se fulminadas pela prescrição as parcelas anteriores a 04.10.2012.
2.3. Do mérito
Cinge-se
o presente feito à análise da possibilidade do direito de o Autor
receber a íntegra do valor dos seus vencimentos do cargo de Professor
Titular do Departamento de Eletrônica e Sistema da UFPE, bem como a
íntegra do valor dos proventos de aposentadoria do cargo de Professor
Titular com Doutorado, desde que, cada um, isoladamente, não ultrapasse o
teto dos vencimentos dos Servidores Públicos Federais.
O
fato de serem pagos por uma mesma Autarquia não modifica o seu direito
acima indicado, pois o acúmulo de dois cargos de Professor era e é
permitido pela Constituição da República.
Cumpre verificar os dispositivos dessa Carta e nos quais a matéria é tratada:
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
XI
- a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos
membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais
agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio
mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,
aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos
Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito
do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no
âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal
de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por
cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos
membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores
Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
[...]
XVI
- é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando
houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o
disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
§
10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria
decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo,
emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma
desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão
declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
Art.
40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e
fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e
solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos
servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios
que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste
artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
[...]
§
11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos
proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de
cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a
contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante
resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de
cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
Por seu turno, dispõe o art. 118 da Lei nº 8.112/90:
Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
§
1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em
autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de
economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos
Territórios e dos Municípios.
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
§
3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo
ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os
cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na
atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
A
leitura dos dispositivos acima demonstra que se instituiu na
Constituição da República, simultaneamente, a possibilidade de exercício
cumulado de cargos públicos, bem como a limitação dos valores
percebidos por tais agentes públicos ao teto do respectivo poder, ou
seja, o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Cabe agora analisar a limitação dos valores recebidos.
A
matéria objeto dos presentes autos foi recentemente analisada, em sede
de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, nos autos dos
REs 602.043 e 612.975:
"Ementa:
TETO CONSTITUCIONAL - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - ALCANCE. Nas situações
jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos,
o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um
deles, e não ao somatório do que recebido.
Decisão
Após
o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), negando provimento ao
recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes, e o
voto do Ministro Edson Fachin, dando provimento ao recurso, o julgamento
foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Falaram: pelo recorrente, Estado de Mato Grosso, o Dr. Lucas Dallamico,
Procurador do Estado de Mato Grosso; e, pelo Sindicato dos Médicos do
Distrito Federal - SINDMÉDICO/DF, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro.
Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26.4.2017.
Decisão:
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencido o
Ministro Edson Fachin, apreciando o tema 384 da repercussão geral, negou
provimento ao recurso e fixou a seguinte tese de repercussão geral:
"Nos
casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos
e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal
pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a
observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do
agente público". Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.4.2017."[1]
(RE
602.043, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
27/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG
06-09-2017 PUBLIC 08-09-2017"(grifei e negritei).
Diante
desse importante precedente do Plenário da Suprema Corte, sob
repercussão geral, de observância obrigatória por todo o Judiciário
Brasileiro (art. 927, III do CPC), há que se julgar pela procedência do
pedido.
A
verba honorária deve ser fixada moderadamente, porque, como já se trata
de matéria pacificada na Suprema Corte, o(a) Patrono(a) da Parte Autora
não deve de ter exercido muito esforço para edição da peça inicial e
acompanhamento do feito.
3. Conclusão
Posto isso:
3.1 - dou parcial acolhida à exceção de prescrição, pronuncio a prescrição das verbas do período anterior a 04.10.2012,
posto que esta ação foi proposta em 04.10.2017 e, com relação às verbas
prescritas, dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art.
487, II, CPC);
3.2
- julgo procedentes os pedidos desta ação, mantenho a tutela provisória
de urgência antecipatória, de modo que a UFPE continue observando,
quanto ao teto do valor fixado para os Servidores Públicos Federais, o
entendimento consignado naquela decisão e na fundamentação supra, "afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público", conforme
a tese acima transcrita do Supremo Tribunal Federal, sob as penas da
Lei, e também condeno a UFPE a pagar ao Autor os valores já descontados
equivocadamente a título de abate-teto até o cumprimento da decisão
antecipatória da tutela determinada anteriormente, ressalvadas as
parcelas atingidas pela prescrição, tudo acrescido de correção monetária
e juros de mora a partir da citação e de acordo com o Manual de
Cálculos da Justiça Federal, observados os parâmetros indicados no
julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão geral, pelo Plenário do
STF, que concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960/2009, continua válido o
índice de correção monetária IPCA-E.[2]; e a atualização estender-se-á até a expedição dos requisitórios(STF, Plenário, repercussão geral)[3].
3.3
- outrossim, cond eno a parte ré ao reembolso das custas pagas pela
parte autora e ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo no
percentual de 10% sobre o montante da condenação efetivamente apurado na
fase de liquidação do julgado, tudo nos termos do art. 85, §3º e §4º,
II, do CPC/15;
3.4 - e dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487,I, CPC);
3.4
- sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 496,
inciso I e §3º do CPC/15, tendo em vista a condenação não ter se dado
sobre "valor certo e líquido".
Registrada, intimem-se.
Recife, 03 de setembro de 2018
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE.
(ARF)
[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 602.043,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
27/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG
06-09-2017 PUBLIC 08-09-2017.
[2]
O Plenário do STF, no julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão
geral, tema 810, concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960, de 2009,
continua válido o índice de correção monetária IPCA-E.
Brasil
Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário - RE nº
870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux.
Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.
Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M
[3]Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso
Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no
Diário Judicial Eletrônico – Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96,
Mérito].