sábado, 18 de abril de 2020

LIMITE DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS, EXCETO A PREVIDENCIÁRIA PATRONAL.


 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na época do regime militar(1964-1985), o Chefe do Poder Executivo podia legislar por Decreto-lei, o qual equivalia à Lei Ordinária. Tinha que passar pelo crivo do Congresso Nacional, mas este não podia ser modificá-lo. Ou o aprovava ou o rejeitava. Como o Governo autoritário tinha maioria no Congresso Nacional, tais Decretos-Leis sempre eram aprovados. E, nas raras vezes em que o Governo notava que não teria maioria para aprovação de determinado Decreto-Lei,  como existia  a  figura jurídica do  decurso de prazo (o Decreto-lei tinha  que ser apreciado dentro de um prazo fixado na  Constituição, se esse prazo fosse ultrapassado, era tido por aprovado), o Governo dava ordens para os seus Deputados e Senadores saírem das sessões do Congresso Nacional, de forma que este ficava sem o quórum mínimo para votação. E fazia isso dias seguidos, até esgotar-se o prazo de apreciação do Decreto-Lei. E então este era considerado aprovado. Como  hoje temos o uso abusivo das Medidas Provisórias, com maior controle do Poder Legislativo, naquele tempo o uso de Decreto-Lei era exageradamente abusivo, sem nenhum controle pelo Parlamento. E, por isso, não poucas vezes, modificavam tanto as Leis e Decretos-Leis, por novos Decretos-Leis, que caíamos  em um cipoal de difícil interpretação. Na decisão que segue, um problema desse tipo, em que mexeram tanto na  Legislação, por Decretos-Leis, que ficamos numa  situação muito difícil de ser entendida e resolvida. 
Na nota de rodapé 1 da decisão explica-se o que vem a ser uma contribuição parafiscal. 
Boa leitura. 

PROCESSO Nº: 0807638-06.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: T - D POR I LTDA
ADVOGADO: A Do P M
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
 
DECISÃO
1. Relatório
T DPOR I LTDA., qualificado na petição inicial, impetrou este "MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de concessão de medida liminar inaudita altera parte" em face de ato pretensamente coativo praticado pelo Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Alegou, em apertada síntese, que: integraria o grupo U G - "UHG"; no Brasil, a UHG controlaria, além da Impetrante, boa parte das principais redes de hospitais particulares e operaria a A., uma das maiores empresas de saúde do país; o grupo da Impetrante contaria com um considerável contingente de mão de obra que, consequentemente, geraria extensas Folhas de Pagamentos e o dever de recolher, mensalmente, expressivos valores a título das Contribuições destinadas a Terceiros, notadamente ao Salário-Educação, ao INCRA e ao "Sistema S", conforme determinam os artigos 149 e 240 da Constituição da República; nos termos dos artigos 35, § 2º, da Lei n.º 4.863/69, e 109 da Instrução Normativa SRF nº 971/09, as aludidas Contribuições incidiriam sobre a "folha de salários e os demais rendimentos do trabalho"; ao quantificar a base de cálculo das exações em comento, o impetrado não respeitaria a limitação a 20 (vinte) salários-mínimos imposta pelo parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 6.950/81 e exigiria que a impetrante as recolham sobre a integralidade das folhas de pagamento; como a impetrante viria sendo coagida, pelo impetrado, ao recolhimento de tais Contribuições sobre uma base de incidência excessiva, faria jus à devolução, inclusive mediante compensação, do que foi pago "a maior" no quinquênio prescricional e no curso da presente demanda; as Contribuições (i) Previdenciária Patronal, (ii) ao GILRAT e (iii) destinadas a Terceiros incidiriam sobre o chamado "salário-contribuição", grandeza que, de acordo com o artigo 28, I, da Lei nº 8.212/91, alcançaria "a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho"; por força da Lei n.º 6.950/81, essa base de cálculo teria sido limitada a 20 (vinte) salários-mínimos vigentes no País; o legislador teria tido a cautela de deixar claro que a limitação também alcançaria "as contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros", isto é, as Contribuições destinadas ao Salário-Educação, ao INCRA e ao Sistema "S"; pouco depois, o Decreto-Lei n.º 2.318/86 teria revogado a limitação da base de cálculo em comento apenas em relação à Contribuição Previdenciária Patronal; não teria havido a ab-rogação (revogação total) do artigo 4º da Lei n.º 6.950/81, tampouco a derrogação (revogação parcial) de seu parágrafo único e nem mesmo qualquer menção às Contribuições destinadas a Terceiros; o Decreto-Lei nº 2.318/86 não teria pretendido alcançar as Contribuições ao Salário-Educação, ao INCRA e ao Sistema "S", até porque a materialidade, a destinação e natureza jurídica dessas exações seriam absolutamente distintas da Contribuição Previdenciária Patronal, afetada pela revogação da limitação sub examen. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Requereu, a final, seja concedida medida liminar: "a) A concessão de medida liminar, inaudita altera parte, para, nos termos do artigo 151, IV, do CTN, suspender-se a exigibilidade das Contribuições destinadas a Terceiros devidas por todos os seus estabelecimentos, no montante em que a respectiva base imponível exceder 20 (vinte) salários-mínimos". Atribuiu valor à causa. Instruiu a inicial com instrumento de procuração e documentos.
Vieram conclusos os autos.
Fundamento e decido.

2. Fundamentação
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e o perigo iminente de que a Empresa Impetrante venha a sofrer prejuízo jurídico-financeiro de difícil reparo(periculum in mora).
No caso sob análise, pretende a Parte Impetrante obter provimento jurisdicional visando à suspensão da exigibilidade das Contribuições destinadas a Terceiros, notadamente ao Salário-Educação, ao INCRA e ao "Sistema S", devidas por todos os seus estabelecimentos, no montante em que a respectiva base imponível exceder 20 (vinte) salários-mínimos (parágrafo único do art. 4° da Lei n° 6.950/1981).
Eis o pedido formulado, liminarmente, pela Impetrante na peça inicial:
"a) A concessão de medida liminar, inaudita altera parte, para, nos termos do artigo 151, IV, do CTN, suspender-se a exigibilidade das Contribuições destinadas a Terceiros devidas por todos os seus estabelecimentos, no montante em que a respectiva base imponível exceder 20 (vinte) salários-mínimos;"
Sustenta a Impetrante, em resumo, que a limitação de 20 salários mínimos, prevista no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81 não foi revogada pelo Decreto-Lei nº 2.318/1986. Este dispositivo legal teria revogado apenas a limitação da base de cálculo em comento em relação à Contribuição Previdenciária Patronal, não pretendendo alcançar as contribuições ao Salário-Educação, ao INCRA e ao Sistema "S".
Pois bem.
O cerne do presente mandamus, portanto, reside em decidir se há, ou não, limitação à base de cálculo das contribuições a favor de Terceiros[1], nos termos do disposto no parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 6.950, de 1981.
Com o advento dessa Lei, que alterou a Lei nº 3.807/1960 e fixou novo limite máximo do salário de contribuição previsto na Lei nº 6.332/76, unificou-se a base das contribuições para a Previdência Social(INSS) e das contribuições para Terceiros (FNDE(salário educação), INCRA, SENAC, SESC, SEBRAE e outros), estabelecendo-se, no Parágrafo Único do aludido art. 4º, que o limite máximo fixado no seu caput também seria aplicável às Contribuições para estes Terceiros, qual seja, a base de cálculo máxima de 20(vinte) salários mínimos, verbis:
"Art. 4º - O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.Parágrafo único - O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros."[1]
Posteriormente, veio o Decreto-Lei nº 2.318/1986, que alterou o limite para o cálculo da Contribuição destinada ao SENAI, SENAC, SESI, SESC e o limite da Contribuição Previdenciária Patronal destinada ao INSS, nos seguintes termos:
"Art 1º Mantida a cobrança, fiscalização, arrecadação e repasse às entidades beneficiárias das contribuições para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), para o Serviço Social da Indústria (SESI) e para o Serviço Social do Comércio (SESC), ficam revogados:I - o teto limite a que se referem os artigos 1º e 2º do Decreto-lei nº 1.861, de 25 de fevereiro de 1981, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 1.867, de 25 de março de 1981;II - o artigo 3º do Decreto-lei nº 1.861, de 25 de fevereiro de 1981, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 1.867, de 25 de março de 1981.
Art. 2º (...) . 
Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981."(G.N.)
Da leitura do art. 1º do Decreto-lei nº 2.318/1986,  constata-se que as contribuições para o SENAI, SENAC, SESI e SESC deixaram de ter a base de cálculo fixada no então vigente art. 1º do Decreto-lei nº 1.861, de 25.02.1981, o qual submetia tais tais contribuições à mesma base de cálculo da contribuição previdenciária patronal destinada à Previdência Social, então IAPAS.
Eis como era a redação do art. 1º do referido Decreto-lei 1.861, de 1981:  
"Art. 1º - As contribuições compulsórias dos empregadores calculadas sobre a folha de pagamento e recolhidas pelo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS, em favor das entidades, Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Social do Comércio - SESC e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, passarão a constituir receitas do Fundo de Previdência e Assistência Social, incidindo sobre o limite máximo de exigência das contribuições previdenciárias, mantidas as mesmas alíquotas e contribuintes..".
O art. 3º do Decreto-lei nº 2.318/1986, acima transcrito, realmente alterou o limite fixado no caput do art. 4º da Lei nº 6.950, de 04.11.1981, apenas com relação à Contribuição Previdenciária Patronal destinada à Previdência  Social, hoje destinada ao INSS.
E diante da redação do Parágrafo Único do art. 4º da Lei nº 6.950, de 04.11.1981, ("Parágrafo único - O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros."), tem-se que nele ficaram incorporadas as contribuições para o SENAI, SENAC, SESI e SESC, FNDE(salário educação), INCRA, SEBRAE, bem como todas as demais contribuições parafiscais, instituídas pela UNIÃO a favor de Terceiras Entidades, exceto a já referida contribuição previdenciária patronal, hoje destinada ao INSS. 
Como se sabe, segundo o Parágrafo Único do art. 108 do Código Tributário Nacional, a interpretação extensiva não pode implicar na cobrança de tributo não previsto em Lei, verbis:
"Art. 108 -(...)§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei."
Ora, se há um dispositivo legal, o Parágrafo Único do art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981, estabelecendo que a base de cálculo das Contribuições Parafiscais, para Terceiros, exceto a contribuição previdenciária patronal,  hoje destinada ao INSS, está limitada ao valor de 20(vinte) salários mínimos, não se pode fazer qualquer tipo de interpretação para modificar esse limite,   porque pelo princípio da legalidade tributária, art. 150, I,  da Constituição da República, nenhum tributo pode ser cobrado, senão como previsto em Lei.
Nesse sentido, há r. decisões monocráticas de Ministros do Superior Tribunal de Justiça[2]  e, recentemente, a sua Primeira Turma no julgamento do AgInt no REsp 1570980/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17/02/2020, DJe 03/03/2020, adotou essa tese,  verbis:
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA A TERCEIROS. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 4O DA LEI 6.950/1981 NÃO REVOGADO PELO ART. 3O DO DL 2.318/1986.INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. Com a entrada em vigor da Lei 6.950/1981, unificou-se a base contributiva das empresas para a Previdência Social e das contribuições parafiscais por conta de terceiros, estabelecendo, em seu art. 4o., o limite de 20 salários-mínimos para base de cálculo.Sobreveio o Decreto 2.318/1986, que, em seu art. 3o., alterou esse limite da base contributiva apenas para a Previdência Social, restando mantido em relação às contribuições parafiscais.2. Ou seja, no que diz respeito às demais contribuições com função parafiscal, fica mantido o limite estabelecido pelo artigo 4o., da Lei no 6.950/1981, e seu parágrafo, já que o Decreto-Lei 2.318/1986 dispunha apenas sobre fontes de custeio da Previdência Social, não havendo como estender a supressão daquele limite também para a base a ser utilizada para o cálculo da contribuição ao INCRA e ao salário-educação.3. Sobre o tema, a Primeira Turma desta Corte Superior já se posicional no sentido de que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4o. da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3o.do DL 2.318/1986, que disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. Precedente: REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.2008.4. Na hipótese dos autos, não tem aplicação, na fixação da verba honorária, os parâmetros estabelecidos no art. 85 do Código Fux, pois a legislação aplicável para a estipulação dos honorários advocatícios será definida pela data da sentença ou do acórdão que fixou a condenação, devendo ser observada a norma adjetiva vigente no momento de sua publicação.5. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento."[3]Não posso deixar de registrar que há julgados do TRF4R em sentido contrário aos entendimentos acima consignados, mas como não são vinculantes, este Magistrado não se encontra obrigado a adotá-los[4].
Nessa situação, tenho por atendido o requisito do fumus boni iuris.
O periculum in mora também se encontra presente, pois caso a Impetrante não obtenha este amparo judicial será submetida a autuação fiscal, com imediatos prejuízos jurídico-financeiros.

3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 - Defiro a pretendida medida liminar e autorizo a Impetrante a calcular as Contribuições Parafiscais, indicadas na petição inicial,  diversas da contribuição previdenciária patronal destinada ao INSS, sobre o limite máximo de 20(vinte) salários mínimos, como estabelecido no Parágrafo Único do art. 4º da Lei nº 6.950/1981, e determino que a DD Autoridade apontada como  coatora abstenha-se de autuá-la por essa prática, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009[5].
3.2 - Notifique-se a DD Autoridade apontada coatora, para prestar as informações legais, em 10 (dez) dias (Lei n.º 12.016/2009, art. 7.º, I), bem como para cumprir a decisão supra, sob as penas ali registradas.
3.3 - Cientifique-se a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife, órgão de representação judicial da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei 12.016/2009.
3.4 - No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Cumpra-se.
Intimem-se.
Recife,  17.04.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE