Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Segue sentença, na qual se faz acurado estudo sobre a legislação que trata da pensão deixada por ex-Combatente, inclusive sobre a reversão para Filha, quando a Genitora, que a recebia, falece.
Aborda-se, também, o problema da prescrição.
Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor SAULO DE MELO BARBOSA SOUSA.
PROCESSO Nº: 0806301-21.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: E S G
ADVOGADO: M M L M
ADVOGADO: M M De L M J
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo A
EMENTA:
ADMINISTRATIVO - PENSÃO DE EX-COMBATENTE - REVERSÃO - LEI DE REGÊNCIA -
DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR - ÓBITO ANTERIOR AO ADVENTO DA
CONSTITUIÇÃO DE 1988 - LEI Nº 7.424/85 - NÃO AUTORIZA REVERSÃO. FILHA
MAIOR E NÃO INVÁLIDA, DEPOIS DESSA LEI, PASSOU A NÃO FAZER JUS À
COTA-PARTE DA PENSÃO DE EX-COMBATENTE.
IMPROCEDÊNCIA.
Vistos, etc.
1. Relatório
E G S,
qualificada na Inicial, ajuizou, em 17.08.2016, esta "Ação Ordinária
de Concessão de Pensão Especial de Ex-combatente em favor de filha
inválida incapaz de prover o próprio sustento, com pedido de antecipação
dos efeitos da tutela pretendida, cumulada com atrasados" em face da UNIÃO.
Requereu, preliminarmente, os benefícios da gratuidade da justiça.
Aduziu, em síntese, que: seria filha hipossuficiente economicamente do
ex-combatente ESTELITO MANOEL DA SILVA, falecido em 04 de março de 1988,
o qual estivera incorporado ao Exército Brasileiro por ocasião do
Segundo Conflito Mundial; seu falecido pai fora considerado
Ex-Combatente; sua viúva, genitora da Autora, teria passado a receber
pensão especial de ex-combatente; em face do falecimento da viúva,
ocorrido em 23 de janeiro de 2015, a parte autora teria direito à
reversão da pensão, indevidamente indeferida administrativamente; que
lhe seriam devidas parcelas atrasadas a contar de 5 (cinco) anos
anteriores à propositura da ação. Teceu outros comentários. Transcreveu
julgados. Pugnou, ao final, pela concessão da tutela antecipada, no
sentido de determinar as imediata implantação da pensão de ex-combatente
em favor da Autora, com a confirmação da liminar no julgamento do
mérito.
Instruiu a inicial com procuração e documentos.
Decisão
de 22/08/2016 (Id. 4058300.2266678), na qual se concedeu os benefícios
da Justiça Gratuita e determinou-se a intimação da Autora para observar o
teor da Resolução n.10/2016, bem como para esclarecer o valor atribuído
à causa.
Emenda apresentada sob identificador 4058300.2344856.
Decisão
de identificador 4058300.2468882, na qual foi retificado, de ofício, o
valor da causa, indeferido o pedido de tutela de urgência e determinada a
citação da ré.
Devidamente citada, a União apresentou contestação, suscitando, em prejudicial de mérito, a ocorrência da exceção de prescrição. No mérito propriamente dito,
defendeu a legalidade do ato que indeferiu a reversão da pensão, pois
baseada na legislação aplicável ao caso, tendo em vista que a Autora não
teria preenchido os requisitos para o recebimento da pensão. Discorreu
sobre o marco inicial do pagamento da pensão e sobre juros de mora e
correção monetária. Ao final, pugnou pelo acolhimento da exceção de
prescrição ou pela improcedência dos pedidos (Id. 4058300.2710658).
Em réplica, a Parte Autora rebateu os argumentos da contestação e reiterou os termos da inicial (Id. 4058300.2955956).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Da Exceção de Prescrição
Inicialmente,
a União argui exceção de prescrição do fundo de direito da Autora, por
tera Autora ajuizado a presente ação após o prazo prescricional
quinquenal, haja vista que o instituidor da pensão faleceu em 04/03/1988
e a presente ação somente foi ajuizada no dia 17/06/2016.
Contudo,
verifica-se que, apesar do óbito do instituidor da pensão ter ocorrido
em 04/03/1988, foi concedido à viúva, genitora da Autora, pensão
especial a partir da data do falecimento. E, com o falecimento da viúva,
beneficiária da pensão requerida, ocorrido em 23/01/2015, requereu a
Autora a reversão da pensão percebida por sua genitora para si, tendo o
pedido administrativo sido negado em 16/09/2015.
Destarte,
verifica-se que a pretensão da Autora não é a concessão originária da
pensão especial decorrente da morte de seu genitor, pois esse era um
direito da sua Genitora, que foi exercido a tempo e modo, até o seu
falecimento. O que a Autora pretende é a reversão desta pensão para si,
em virtude do falecimento da sua Genitora, em virtude do falecimento
desta, ocorrido em 23/01/2015.
Diante
da negativa desse pleito na via administrativa, no dia 16/09/2015,
propôs esta ação, logo, bem antes do advento da prescrição quinquenal.
Logo, não há que se falar em ocorrência da prescrição.
Ademais,
mesmo que assim não fosse, nas relações jurídicas de trato sucessivo, a
prescrição atinge apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que
antecede ao ajuizamento da ação, conforme orientação da Súmula 85 do c.
STJ.
Forte no exposto, merece ser rejeitada a exceção de prescrição.
2.2. Do Mérito
De
acordo com consagrado entendimento doutrinário e jurisprudencial, a
pretensão da Autora à reversão da pensão deve ser apreciada à luz da
legislação vigente na data do óbito do ex-combatente. Trata-se da
aplicação da teoria do tempus regit actum, conforme decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 21.207-DF.
In casu,
considerando-se que o óbito do ex-combatente ocorreu em 04/03/1988
(Certidão de óbito do instituidor - Id. 4058300.2263873), sendo a pensão
especial concedida à viúva com base nas Leis 6.592/78 e 7.424/85,
conforme Título de pensão de identificador nº 4058300.2263868.
Da
leitura do referido título verifica-se que foi concedido à Maria Julião
Gomes da Silva, viúva do ex-combatente Estelito Manoel da Silva Pensão
Especial, Pensão da Lei 6.592/78, apontando como legislação o inciso I
do art. 2º da Lei 7.424/85.
Estas,
então, são as Leis vigentes à época do óbito do instituidor do
benefício e que regularam a concessão da pensão especial, as quais devem
ser analisadas para o julgamento do pleito autoral.
Da
leitura da legislação aplicável ao caso, percebe-se que a Lei 7.424/85,
que dispõe sobre a pensão especial de que trata a Lei nº 6.592/78 -
como o caso dos autos - traz como beneficiários da pensão decorrente do
falecimento do ex-combatente o seguinte rol:
Art.
2º - Em caso de falecimento de ex-combatente amparado pela Lei nº
6.592, de 17 de novembro de 1978, a pensão especial será transferida na
seguinte ordem:
I - à viúva;
II - aos filhos menores de qualquer condição ou interditos ou inválidos. (grifo nosso).
Verifica-se, assim, que a Autora, de acordo com a legislação aplicável ao caso, não fazia jus ao
recebimento da pensão à época do falecimento do Instituidor da pensão e
tampouco tem direito à pleiteada reversão da pensão por ocasião do
óbito de sua genitora, beneficiária da referida pensão.
Isso
porque, de acordo com a legislação aplicável ao caso, a pensão especial
de ex-combatente, por ocasião do falecimento deste, poderá ser
transferida para a viúva, em primeira ordem, e aos filhos menores de qualquer condição ou interditos ou inválidos.
Da
análise dos autos, percebe-se que à época do falecimento do
ex-combatente instituidor da pensão (04/03/1988), além de existir viúva
viva, a Autora já possuía 28 (vinte e oito) anos, não sendo menor e nem
tendo comprovado ser interdita ou inválida, razão pela qual não poderia a
Autora ter recebido a referida pensão à época e não pode revertê-la
agora em seu favor por conta do óbito da viúva beneficiária, por
completa falta de base legal.
Trata-se de legislação específica, que afasta a aplicação de qualquer outra Lei, à luz do princípio da especificação.
Nesse sentido, o entendimento das Turmas do Tribunal Regional da 5ª Região, do qual destaco os julgados que seguem:
"ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-COMBATENTE. REVERSÃO. FILHAS MAIORES DE 21 ANOS E CAPAZES. IMPOSSIBILIDADE.
1.
Apelação interposta pelas Autoras em face da sentença que julgou
improcedente o pedido que objetivava a reversão da Pensão de
Ex-Combatente que era percebida pela sua mãe.
2.
É pacífico o entendimento de que, em se cuidando de reversão de pensão,
o direito nasce a partir do óbito do ex-combatente, conforme já decidiu
o Col. STF - MS nº 21707-3/DF. Hipótese em que o óbito do ex-combatente
ocorreu em 05/01/1989.
3.
A norma invocada pelas Recorrentes (art. 7º, II, da Lei nº 3.765/1960)
deferia a pensão militar (e, por consequência, a de ex-combatente, por
força do art. 30 da Lei nº 4.242/1963) aos filhos de qualquer condição,
exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou
inválidos.
4.
Em 31/08/1971 - antes da morte do ex-combatente - foi editada e Lei nº
5.698, a qual transferiu, ao Regime Geral de Previdência, o regramento
dos benefícios de ex-combatentes (art. 1º, I e II). Dessa forma, os
benefícios de ex-combatente passaram ao regramento do regime geral, com
suas disposições que não albergam o pedido autoral.
5.
A Lei nº 5.787/1972, em seus arts. 154 e 155, alterou o rol de
dependentes do militar, para fins da percepção da pensão, sendo tal
norma, também, anterior à morte do pai das autoras. Não bastava mais ser
filha de qualquer condição, para fazer jus à pensão. Restou necessário
ser solteira e não receber remuneração. Não sendo solteira, poderia ser
viúva, desquitada ou separada, desde que vivesse sob a dependência
econômica e sob o mesmo teto do instituidor da pensão e não recebesse
remuneração.
6.
Posteriormente, entrou em vigor a Lei nº 6.592/78, a qual é taxativa
quanto à impossibilidade de transferência do benefício (art. 2º).
7. A
Lei nº 7.424/1985 restringiu, mais ainda, a possibilidade de
recebimento da pensão por filhas, devendo a filha, para auferir o
benefício, ser menor, ou interdita ou inválida.
8.
Incorreto afirmar que o art. 7º, II, da Lei nº 3.765/1960 só veio a ser
revogado pela Lei nº 8.059/1990. Na verdade, tal dispositivo já estava
revogado desde a Lei nº 5.689/1971.
9. A
própria legislação apontada pelas Autoras (Lei nº 4.242/1963) é clara
na linha de que estas não fazem jus ao benefício perseguido. Tal se dá
porque a lei apontada exige que se comprove estar a pretensa
beneficiária "sem poder prover os próprios meios de subsistência" (art.
30).
10.
As Autoras são todas maiores e capazes, de modo que tiveram (e ainda
têm) oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. Ademais, duas
delas são casadas. Não se justifica, portanto, o pagamento de pensão a
quem poderia se sustentar por esforço próprio. Apelação improvida.".
(Grifei).
Nota 1
- Brasil. Tribunal Regional Federal, 3ª Turma. Processo nº
08020661120164058300, AC/PE;. Relator Desembargador Federal Luis
Praxedes Vieira da Silva(convocado). Julgamento em 22/09/2016.
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REVERSÃO DE PENSÃO DE EX-COMBATENTE. VALOR DA PENSÃO. ATRASADOS. DATA DO INÍCIO DO PAGAMENTO.
I.
Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou
provimento aos embargos de declaração, mantendo o acórdão que, em
cumprimento a determinação do STJ para rever o julgamento do recurso,
reconheceu o direito da parte autora à reversão da pensão de
ex-combatente deixada pelo seu genitor, falecido em 2.9.1988.
II.
A parte autora alega em seus embargos de declaração, que o acórdão foi
omisso e obscuro quanto à aplicação dos honorários advocatícios, bem
como afirma que o pagamento dos valores atrasados devem retroagir à data
do óbito de sua falecida mãe, nos termos do art. 28 da Lei nº 3.765/60.
Por fim, alega omissão no acórdão em relação aos juros de mora.
III.
Sustenta a União, em seus embargos, que o acórdão deve ser anulado,
pois deixou de aplicar o disposto no art. 2º, II, da Lei 7424/85. Afirma
que houve omissão quanto à correta aplicação da Lei nº 4.242/63 e
quanto ao termo inicial do pagamento da complementação pleiteada, vez
que não pode retroagir à data anterior a citação, nos termos do art. 219
do CPC. Por fim, afirma que o acórdão não observou o art. 97 da CF, ao
afastar a aplicação do art. 2º da Lei 7424/85 e da Lei nº 11.960/2009.
IV. É importante ressaltar que o direito à pensão rege-se pela lei vigente à época do falecimento do seu instituidor (ex-combatente), que no caso morreu em setembro de 1988, sob a égide da Lei 7424/85,
a qual previu que a filha maior e não inválida ou não interdita não
pode ser beneficiada com a reversão da pensão instituída pela Lei nº
6.592/78, conforme defende a União em seus embargos de declaração.
V.
Mesmo que se considerasse aplicável ao caso, as Leis nºs 3.765/60 e
4.242/63, diante do disposto no art. 30 desta última lei citada, a
concessão da pensão à filha maior de ex-combatente depende da
comprovação da incapacidade, sem poder prover os próprios meios de
subsistência, o que não restou evidenciado nos autos. Precedentes: RESP
201202177033, Eliana Calmon, STJ - Segunda Turma, DJe:18/04/2013; TRF 5ª
Região, AC452066/PE, rel. Desembargador Federal Paulo Roberto de
Oliveira Lima, DJe 2.2.2016.
VI. Embargos de declaração da parte autora prejudicados.
VII. Embargos de declaração da União providos.". (Grifei).
Nota 2
Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 2º Turma. Processo nº
20078300000831504, EDAC444784/04/PE. Relator Desembargador Federal Ivan
Lira de Carvalho(convocado). Julgamento em 12/04/2016. Publicação no
Diário Judicial Eletrônico - DJe de 29/04/2016, p. 70.
Então, os pleitos desta ação não prosperam.
3. Conclusão
Diante de todo o exposto:
3.1. Rejeito a exceção de prescrição, levantada pela Ré na sua contestação;
3.2. Julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno
a Autora ao pagamento de custas e de honorários advocatícios, os quais
fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do
vigente CPC, suspensa, todavia, a exigibilidade de tais verbas em face
da gratuidade de justiça deferida(§ 3º do art. 98 desse diploma
processual).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 11 de julho de 2017.
Francisco Alves dos Santos Junior
Juiz Federal da 2ª Vara (PE)
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