sexta-feira, 31 de julho de 2020

SAÚDE PÚBLICA. DANOS MORAIS. TRATAMENTO DESUMANO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença que segue, os  horrores das salas de espera dos Hospitais Públicos, a clamar providências por parte dos Ministérios Públicos Estadual e Federal.
A responsabilidade concorrente e solidária da UNIÃO com as demais Unidades da Federação no campo da saúde pública. 
Boa  leitura. 


PROCESSO Nº: 0812354-47.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: S M E
ADVOGADO: 
SORAIA DE FÁTIMA VELOSO MARTINS e outro 
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
SENTENÇA TIPO C


EMENTA - PROCESSUAL CIVIL. PARCIAL PERDA, SUPERVENIENTE, DO OBJETO.
-A UNIÃO é concorrente e solidariamente responsável pelos  serviços prestados, no campo da saúde pública, pelas demais Unidades da Federação.
-Quanto à cirurgia, já realizada, houve perda superveniente do objeto
-Quanto aos danos morais, cujos fatos que lhe de deram origem, não foram, sequer, diretamente contestados, prospera o pedido.

-Condenação das Pares Rés em verba honorária, pelo princípio da causalidade.


Vistos, etc.

1. Breve Relatório


SEVERINA MARINHO ESPINDOLA, qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (CONCRETIZAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL) C/CPEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA PROVISÓRIA em face da  UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DE PERNAMBUCO. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita, bem como  prioridade de tramitação do feito. Aduziu, em síntese, que: a presente ação buscaria que fosse assegurado o atendimento à saúde da paciente SEVERINA MARINHO ESPINDOLA, o qual necessitaria COM URGÊNCIA, de uma cirurgia de CIRURGIA NO FÊMUR ESQUERDO devido a um acidente doméstico; a autora, assistida por sua neta KILZA DANIELE FERREIRA DE SOUZA, estaria no corredor da emergência do HOSPITAL GETÚLIO VARGAS, aguardando transferência para o HOSPITAL SANTA CASA DE MISERICÓRDIA para fazer cirurgia do fêmur esquerdo, conforme fotocópia de protocolo de encaminhamento da UPA de Nova Descoberta; a AUTORA teria dado entrada no hospital GETÚLIO VARGAS em 27 de agosto de 2018, e que desde tal  data até 29 de agosto de 2018(data da propositura desta ação), não teria sido atendida; a Requerente estaria sem tomar banho desde 27 de agosto de 2018, isto é, há 3 (três) dias, estando em estado deplorável pela falta de atendimento do setor responsável do hospital GETÚLIO VARGAS; a Autora seria uma idosa de 81 anos e estaria sofrendo muito com esta situação de abandono; teria sido feita uma denúncia da Ouvidoria do Governo do Estado e na Ouvidoria do próprio hospital GETÚLIO VARGAS. Teceu outros comentários, notadamente acerca do direito à saúde constitucionalmente garantido. Pugnou, ao final, pela concessão da TUTELA DE URGÊNCIA INAUDITA ALTERA PARS, nos termos do art. 300 e seguintes do Novo CPC, pra determinar ao ESTADO DE PERNAMBUCO e à UNIÃO FEDERAL que forneçam IMEDIATAMENTE o transporte e deslocamento do Requerente para uma imediata internação, CIRURGIA indicada e tratamento médico em Hospital de referência cadastrado junto ao SUS, ou, se necessário, em Hospital da rede privada neste caso com todas as despesas custeadas pela Fazenda Pública. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.


A parte autora apresentou emenda à Inicial, na qual pugnou pela condenação das partes Rés em danos morais em valor não inferior a R$30.000,00. (Id. 4058300.610258).

Decisão sob Id. 4058300.6108638 na qual foi indeferido o pleito antecipatório.

A União apresentou Contestação. Levantou, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam e falta de interesse de agir, uma vez que não teria havido negativa à realização da cirurgia. Sustentou, ainda, que não seria possível mensurar o valor da condenação, razão pela qual deveria se atribuir à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais). Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.6250097).

O Estado de Pernambuco apresentou Contestação. Inicialmente, impugnou o valor atribuído à causa e falta de interesse de agir, ante a ausência da pretensão resistida. No mérito, defendeu que, no que tange ao procedimento cirúrgico em questão, sustentou que em ambiente hospitalar, haveria prioridades e gravidades de casos a justificar eventual preferência de internamento e realização dos procedimentos cirúrgicos, dentro das disponibilidades e capacidades do poder público. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.6379171).

A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.8416741).

Determinou-se a intimação da parte autora para que esclarecesse quanto ao seu atual estado de saúde e se a cirurgia fora realizada (Id. 4058300.10560320).

A parte autora noticiou que teria sido realizada a cirurgia (Id. 4058300.10847620) e juntou documentos referentes ao seu estado de saúde (Id. 4058300.13298386 e 4058300.13298388).

As partes não pugnaram pela produção adicional de provas (Id. 4058300.13821640, 4058300.13644057, 4058300.13558724)

2. Fundamentação

2.1. Da Preliminar de Ilegitimidade passiva ad causam suscitada pela União

No que se refere à legitimidade, importante registrar que, o Plenário do STF, em sessão de 22.05.2019, fixou a seguinte tese de repercussão geral ao julgar o RE 855.178 (Tema 793): "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro".
Ademais, não cabe a UNIÃO apena repassar para as demais Unidades da Federação, via SUS, os valores de receitas que arrecada das contribuições da seguridade social, mas também tem a obrigação de fiscalizar e ver se tais verbas estão sendo aplicadas corretamente e se o atendimento à população observa grau mínimo de dignidade humana.  
Daí a sua responsabilidade solidária e concorrente com as demais Unidades da Federação.

Sendo assim, há de ser rejeitada esta preliminar da sua defesa. 

2.2. Da falta de interesse de agir



O interesse do autor deve existir no momento em que a sentença é proferida. Se desapareceu antes, a ação terá que ser rejeitada  (JTJ 163/9, JTA 106/391), de ofício e a qualquer tempo (STJ - 3ª Turma, REsp 23.563-RJ-AgRg, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 19.08.97, negaram provimento, v.u., DJU 15.09.97, p. 44.372)"



Em face da realização da cirurgia pretendida (vide Ids.4058300.13298386 e e4058300.13298383), vê-se que se faz desnecessária a intervenção do Estado-Juiz na composição de um conflito de interesses que não mais existe, situação essa que exige, quanto a esse pleito,  a extinção do feito, sem julgamento do mérito.
2.3 - Dos Danos Morais
No entanto, resta analisar o pleito, feito via aditamento da petição inicial, acostado sob id 4058300.6102591, a tempo e modo, de indenização por danos morais, no valor de R$ 30.000,00.
As Partes do polo passivo não contestaram, diretamente,  os lamentáveis fatos descritos na petição inicial.
A respeito, a UNIÃO alegou que pelo princípio da isonomia a Autora não poderia exigir tratamento privilegiado, de forma a ser submetida a cirurgia antes dos outros Pacientes.
Na mesma toada defendeu-se o Estado de Pernambuco, verbis:
"É certo que o internamento de qualquer paciente na rede pública, bem como o direito de realização de procedimentos cirúrgicos é questão que se subordina às regras das políticas públicas de saúde definidoras dos protocolos terapêuticos e das diretrizes para o tratamento das doenças, a partir de requisições médicas.
Muitas, vezes, a eleição de procedimentos cirúrgicos e o momento de sua realização depende da escolha entre casos mais ou menos prioritários, a depender da gravidade do estado clínico de pacientes, a ser observada pela equipe médica e direção médica da unidade hospitalar, dentro da restrição existente de recursos humanos e materiais - que não são ilimitados - por óbvio.
O que não se admite é a concessão de privilégios não oferecidos aos pacientes em geral, sob pena de inviabilizar o atendimento médico."
Realmente, não poderia  a Autora exigir "passar na frente" dos demais Pacientes. E nem o Juiz, via liminar, obrigar o Médico Administrador do Hospital a fazer isso.
Mas também não poderia a Autora  receber o tratamento desumano que recebeu, conforme os fatos que narrou e que não foram diretamente contestados. 
O tratamento deve isonômico para os Pacientes do SUS, mas não se pode admitir um "destratamento" isonômico, porque os cidadãos vão aos Hospitais Públicos para receber tratamento e não para ser destradados.
Eis como os lamentáveis fatos estão  relatados na  petição inicial:
"2. Destaque-se que a data que a AUTORA deu entrada no hospital GETÚLIO VARGAS foi à data de 27 de agosto de 2018, e que desde esta data não foi atendida, isto é, está com o seu fêmur esquerdo quebrado, mas ainda assim, não foi atendida até a presente data;
3. A neta da AUTORA vem suportando junto com a Requerente essa falta de atendimento médico do SUS, na sua rede de hospitais públicos;
4. A neta da AUTORA ressalta que a Requerente estar sem tomar banho desde 27de agosto de 2018, isto é, a 3 (três) dias não tomou banho, es ando em estado deplorável pela falta de atendimento do setor responsável do hospital GETÚLIO VARGAS;
5. A neta da AUTORA tentou inúmeras vezes protocolar pedido formal de falta de atendimento, para adquirir uma certidão de que não havia vaga na rede de hospitais do SUS, no entanto, os funcionários do hospital leiam-se, os médicos desse hospital, na quiseram entregar esse documento para a neta da Requerente;
6. A AUTORA é uma idosa de 81 anos que está sofrendo muito com esta situação de abandono em que se encontra, onde mesmo com a sua perna quebrada a 3 (três) dias e com a idade de 81 anos, não é atendida, sofrendo com dores fortes, que os medicamentos paliativos não resolvem;
7. Outro fato que a AUTORA está sofrendo é que pela falta de banho e o grande calor, fez esta desenvolveu feridas em seu corpo que faz o seu sofrimento aumentar;
8. Buscando uma solução para o sofrimento da sua avó (AUTORA) a neta desta fez denúncia da Ouvidoria do Governo do Estado e na Ouvidoria do próprio hospital GETÚLIO VARGAS, por telefone, porém, a resposta que obteve do atendimento destas Ouvidorias foi de que teria que esperar até 15 a 20 dias para ter uma resposta ao seu pedido que almejava que a sua avó (AUTORA) fosse atendida pela rede de hospitais do SUS, conforme fotocópia de nº. 2757549 atendente Juliane e nº. 2758404 Lucenilda Maria da Silva Marques;
9. Deve ser destacado que caso a AUTORA não seja imediatamente atendida, provavelmente, desenvolverá infecção hospitalar, pela exposição, idade e forma que está tratada naquele hospital;".
Uma verdadeira sala de torturas.
Lamentavelmente, isso parece ser tão corriqueiro nas desorganizadas salas de espera dos Hospitais Públicos  que, como já dito,  os Requeridos não se preocuparam, sequer, em contestar, diretamente tais lamentáveis fatos.
A UNIÃO chegou a alegar, na sua contestação, que não teria havido pedido na via administrativa, para gerar a lide, como se a presença da Autora e os clamores da sua Neta, que lhe acompanhava naquele triste momento, naquele local, por si só, já não fosse pedido administrativo,  causador da lide, posto que  não atendido prontamente. 
E, genericamente, os dois Requeridos,  alegaram que a Autora  teria que suportar o "tratamento" isonômico. 
O  Juiz não pode conceder medida liminar em MS, nem tutela provisória de urgência, em ação de procedimento comum, para obrigar a administração do  Hospital a "passar na frente" qualquer Paciente, porque seria  uma interferência indevida na administração ou "desadministração" hospitalar.
Mas isso não significa que o Poder Judiciário não possa condenar os titulares desses Hospitais Públicos pelos atos desumanos aos quais estão submetendo a população que dos seus serviços necessitam.
A Autora  não queria  nenhum privilégio, apenas um tratamento humano mínimo, correspondente à obrigação da Administração do mencionado Hospital em garantir aos  Pacientes tal tratamento mínimo,  digno,  no campo do asseio pessoal, no alívio das dores físicas,  e na área emocional.
Sem dúvida nenhuma, a submissão de qualquer cidadão à situação à qual foi submetida a Autora, caracteriza escancaradamente o dano moral, pois, de forma até covarde, o Estado submete o cidadão mais carente à situação desumana, de dor física e moral.
Já passou da hora de os Ministérios Públicos tomarem providências contra esse descalabro, buscando a punição de quem de direito.
Então, por se tratar de fatos incontroversos, os Requeridos serão condenados,  pro rata, ao pagamento da pleiteada indenização pelos danos  morais sofridos pela Autora, no valor de R$ 30.000,00(trinta mil reais), indicado na  petição inicial, o qual considero razoável e compatível com os referidos danos.
2.2 - As Partes requeridas também, frente ao princípio da causalidade,  serão condenadas,  pro rata, a pagar verba honorária à Ilustre Patrona da Autora, Dra. SORAIA DE FÁTIMA VELOSO MARTINS (OAB/PE 31.007), posto que se tivessem cumprido, minimanente, as regras legais quanto ao tratamento que deve ser dado aos Pacientes que buscam os Hospitais Públicos, a Autora  não teria sido obrigada a propor esta ação.
E será  arbitrada, à luz da regra do § 2º do art. 85 do CPC,  no percentual mínimo legal de 10%(dez por cento),  em face da simplicidade da causa.
3. Dispositivo



POSTO ISSO:
3.1 - rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada pela União;
3.2 - quanto à cirurgia, que já se realizou, tenho que houve superveniente perda de objeto e o advento de superveniente falta de interesse processual de agir da Parte Autora, pelo que, com relação a tal pleito,   dou este processo por extinto, sem resolução do mérito (art. 485-VI do Código de Processo Civil);
3.3 - com relação ao pedido de indenização por danos morais, julgo procedente tal pedido e condeno os Requeridos,  pro rata, a indenizar a Autora  no valor de R$ 30.000,00(trinta mil reais), com atualização(correção monetária e juros de  mora), desde a data da citação até a data da expedição dos requisitórios, conforme STF, Plenário, RE 579-431/RS e STJ, Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291, observados a forma e os índices do manual de cálculos  do Conselho da Justiça Federal, sendo  que essa atualização, quanto à parcela devida  pela UNIÃO,  será feita pelo setor de requisitórios do TRF5R, conforme conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04 de outubro de 2017, e, quanto à parcela devida pelo Estado de Pernambuco, será observada a legislação própria. 


3.4 - à luz do princípio da causalidade, condeno os Requeridos, pro rata, em verba honorária advocatícia, que arbitro em 10% do valor atualizado da condenação(correção monetária e juros de mora), na forma indicada no subitem anterior;
3.5 - abra-se vista deste feito ao MPF e remeta-se cópia  desta sentença para o Ministério Público Estadual, para que visitem-fiscalizem as salas de espera dos Hospitais Públicos do Estado de Pernambuco e, se for o caso, para que tomem as providências administrativas e penais pertinentes.
Registre-se. Intime-se.

Recife, 31.07.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior





Juiz Federal, 2ª Vara/PE

quinta-feira, 30 de julho de 2020

COTAS RACIAIS. ACESSO À UNIVERSIDADE PÚBLICA. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Sistema de cotas raciais para ingresso no ensino superior público do Brasil. 
Quando o Judiciário pode intervir, diante de uma decisão da Comissão de Avaliação Racial da Universidade. 
Choque entre decisão da Comissão de Avaliação Racial de uma Universidade Pública Federa do Rio de Janeiro e do SISU x decisão da Comissão de Avaliação Racial da Universidade Federal de Pernambuco. 
A necessidade de motivação dos atos administrativos. 
Essas questões são debatidas na sentença que segue. 
Boa leitura. 



Obs.: pesquisa de jurisprudência realizada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque





PROCESSO Nº: 0804842-42.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: ANA JULIA BESSA COSTA NICACIO
ADVOGADO: Severino Pedro De Franca Junior
IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
AUTORIDADE COATORA: PRÓ-REITORA PARA ASSUNTOS ACADÊMICOS - UFPE e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


SENTENÇA TIPO A


EMENTA:- ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. MOTIVAÇÃO.


Todos os atos administrativos, que concedem ou negam direitos, têm que ser motivados, com a devida fundamentação.
Se dois Órgãos Governamentais Federais concluem que uma cidadã é parda,  para acesso à Universidade Pública Federal por meio das cotas raciais, não pode prevalece a conclusão de um outro Órgão Federal, de igual hierarquia, com observância dos mesmos critérios, em sentido contrário, principalmente quando não se sabe as motivações deste último Órgão Federal.
Intervenção do Judiciário para fazer prevalecer, por razões sociais, conforme orientação legal, as duas primeiras conclusões.
-Concessão da segurança.

Vistos, etc.
1. Relatório
ANA JULIA BESSA COSTA NICÁCIO, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de medida liminar inaudita altera parte em face do Magnífico Reitor da UFPE, Prof. Dr. Alfredo Macedo Gomes e pela Pró-Reitora para Assuntos Acadêmicos, a Prof. Magna do Carmo Silva. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que:  já teria cursado Ciências Econômicas em Universidade Pública, sendo aprovada pelo sistema de cotas L6, na Cidade de Campos dos Goytacazes, aprovada no ano de 2019; todavia, teria sempre nutrido o sonho de cursar Direito; no afã de tornar-se advogada, teria estudado nos últimos anos, dividindo seu tempo entre a preparação para o ENEM 2020 e curso de Ciências Econômicas; mesmo com os parcos recursos que não teriam permitido frequentar cursinhos, teria abdicado de sua vida familiar para se dedicar aos estudos; teria participado do Processo Seletivo UFPE - SISU 2020 - Concorrendo a uma vaga no curso de Direito na modalidade de concorrência L6; com a nota de 697.55 que obtivera no ENEM, a Impetrante teria acreditado ter conseguido realizar o sonho que há muito galgava, qual seja, ter sido aprovada  em uma instituição pública para cursar Direito; a Impetrante somente teria se declarado parda, como verdadeiramente seria, por levar em consideração as disposições da Lei 12.711/12 e do próprio edital que teria regulamentado o certame e por ter sido aprovada pela banca de avaliação da autodeclaração do SISU 2019; a Impetrante, segundo os critérios de classificação do IBGE, descritos na Inicial, seria considerada de cor parda; tais circunstâncias corroborariam a imprecisão da banca avaliadora; o sonho de resultado de anos de dedicação, esforço e renúncia teria sido ilegalmente retirado do impetrante, isto porque após fazer a pré-matrícula, conforme estabelecido no edital do processo seletivo UFPE-SISU 2020, cumprindo todas as exigências para o preenchimento da vaga no Curso de Direito da UFPE e ter sido aprovada na 1ª chamada, não teria sido reconhecida como parda; o ato administrativo da Comissão de validação instituída pela UFPE que teria invalidado a autodeclaração da Impetrante seria ilegal, pois careceria de motivação; o Edital-Processo Seletivo UFPE-SISU 2020 informaria que seriam observadas características fenotípicas, sem elencar quais seriam estas e quais seriam os critérios objetivos utilizados para sua verificação; a especificação dos critérios seriam genéricos, para não dizer, inexistentes; a nova regra instituída pela UFPE, consistente na necessidade de apresentação do candidato cotista, perante a Comissão de Validação da Autodeclaração de pessoas pretas e pardas fora criada no ano de 2019 e sem que os candidatos conheçam de forma clara os critérios utilizados para  verificação, a comissão teria invalidado a autodeclaração de quase 100 (cem) estudantes classificados no Sisu pelas cotas raciais, conforme reportagem ali noticiada; conforme Edital-Processo seletivo da UFPE-SISU 2020, a Universidade não teria estabelecido critérios precisos para avaliação do perfil étnico-racial dos candidato; a banca avaliadora teria realizado a avalição em no máximo 1 minuto e meio e a referida avaliação consistiria apenas na leitura de um texto pelo candidato sendo o mesmo filmado pela banca enquanto procedia a leitura; tal procedimento revelaria arbitrariedade sem precedentes por parte da banca, que, sem nenhum embasamento legal ou estudo científico, apenas no olhar, não utilizando nenhum recurso técnico ou perícia, determinaria quem seria ou não pardo; por não estabelecer critérios objetivos e cristalinos para avaliação do candidato a comissão avaliativa não teria sido  capaz de motivar o ato que ensejou a invalidação da autodeclaração de pessoa parda do Suplicante; a ausência de motivação do ato inviabilizaria o exercício do contraditório e da ampla defesa do Impetrante, desta forma, o ato ilegal e arbitrário que frustrou o sonho do Impetrante de cursar Direito deveria ser anulado; a comissão teria aprovado declarações cujos titulares teriam apresentado as mesmas características fenotípicas do Impetrante; a Impetrante faria jus ao ingresso na UFPE para o curso de Direito, tanto nos critérios acadêmicos, quanto nos aspectos de raça, pois se enquadraria perfeitamente no grupo das pessoas pardas, basta ver as fotos do mesmo em anexo; diversas pessoas que tiveram suas Declarações validadas possuiriam a mesma cútis e traços étnicos da Impetrante, conforme fotos de diversas pessoas que teriam sido consideradas pardas pela comissão; a UFPE teria aberto prazo para o  candidato recorrer administrativamente do resultado do procedimento de verificação de etnia, nada obstante, não teria apresentado critérios que teriam levado a comissão de validação a desclassificar o Impetrante do sistema de cotas na modalidade L6; a banca não teria estipulado como seria o fenótipo de um pardo, a fim de que fosse possível comprovar de forma comparativa que o Impetrante não o possuiria; não haveria qualquer estudo científico, metodológico que pudesse afirmar com veemência quais características seriam de um pardo; seria possível constatar no item 7.9 do Edital-Processo seletivo UFPE-SISU 2020, que a autoridade coatora não teria apresentado critérios objetivos para a verificação da etnia dos candidatos concorrendo a uma vaga sob o sistema de cotas, limitando-se a afirmar que o elemento de análise seria pautado exclusivamente no fenótipo do candidato; em que pesasse a constitucionalidade, conforme julgamento da ADC 41, dos critérios subsidiários de heteroidentificação para aferição da veracidade da autodeclaração, a demonstração de quais características devem ser examinadas e quais seriam os fundamentos que caracterizam uma pessoa como parda ou não seria  medida imperativa, como único meio capaz de garantir o contraditório e a ampla defesa; não teria sido apresentado qualquer fundamento para a invalidação da autodeclaração do Impetrante, porquanto a UFPE apenas teria publicado uma lista com o nome dos aprovados, conforme documento anexo; nos termos dos precedentes citados, prevaleceria o entendimento de que, para invalidar  a autodeclaração de identidade étnica,  a avaliação da comissão deveria apresentar quais as características e os fundamentos que teriam sido considerados na classificação do candidato como pardo ou não; havendo dúvida razoável quanto ao fenótipo do candidato deveria prevalecer sua autodeclaração; a ausência de critérios objetivos para validação ou não da autodeclaração étnica, corroboraria, também, para a VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, isto porque, teria permitido que outros candidatos em padrão étnico muito similar, senão idênticos ao da Impetrante, fossem declarados aptos a concorrem a vaga no curso de Direito como cotistas, nos termos das fotos anexadas à Inicial; a comissão da UFPE teria considerado pardos vários candidatos com mesmo fenótipo do Impetrante, como comprovado pelas fotos anexadas, o que configuraria tratamento antisonômico. Teceu outros comentários, notadamente acerca do preenchimento dos requisitos para a concessão da medida liminar. Pugnou, ao final, que:
"d) LIMINARMENTE - INAUDITA ALTERA PARS, determine que as autoridades coatoras sejam compelidas a RESERVAR A VAGA DA IMPETRANTE obedecendo a sua ordem de classificação na concorrência da vaga de Direito na modalidade L6, ante a presença dos pressupostos legais que ensejam a concessão liminar do pedido;
e) a procedência dos pedidos, concedendo a segurança para assegurar o direito líquido e certo do Impetrante de se matricular no Curso de Direito, obedecendo sua ordem de classificação na modalidade L6, invalidando o ato coator nulo de pleno direito por violar o princípio da isonomia e carecer de motivação.".
Decisão sob Id. 4058300.1371627, na qual foi deferido o pedido de medida liminar para que as DD Autoridades apontadas como coatoras fossem compelidas  a reservar a vaga para a Impetrante, obedecendo a sua ordem de classificação na concorrência da vaga de Direito na modalidade L6 e que se lhe fosse permitida a frequência das respectivas aulas, com o respectivo registro, submissão a avaliações e demais eventos próprios dos demais discentes, para os fins indicados no final da fundamentação de tal decisão, até ulterior deliberação judicial.
A DD Autoridade apontada como coatora apresentou Informações, aduzindo, em apertada síntese, que:  a matéria não poderia ter sido trazida em ação mandamental, vez que não haveria prova documental possível a fazer do direito alegado, ao menos não nos termos em que alegado na petição inicial,  que discutiria a ascendência, contexto social e histórico individual da Impetrante. No mérito, alegou que o Poder Judiciário não poderia substituir pontualmente o sistema  (para o caso concreto da presente impetração) sem comprometer a sua legitimidade, publicidade, controle social, padronização e consistência das comissões de heteroidentificação da UFPE. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança (Id. 4058300.13860716).
O Ministério Público Federal, pelo d. Procurador da República JOAO BERNARDO DA SILVA, ofertou substancioso Parecer, opinando pela concessão parcial da segurança pleiteada (Id.4058300.14293677).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a  decidir.
2. Fundamentação
2.1 - Considerações Estruturais sobre  Assunto
Na decisão sob Id. 4058300.13716273, que ora transcrevo, consignei que as políticas afirmativas são formas de compensação social a seguimentos da população historicamente marginalizados, servindo para diminuir a desigualdade e o preconceito, e uma das concretizações dessas políticas consiste na instituição das mencionadas "cotas raciais", mediante reserva de vagas em instituições públicas àqueles que passaram por longo processo de exclusão.
No Brasil, inaugurou-se o sistema dessas cotas através de normas administrativas internas das instituições públicas de ensino, que passaram a prever a reserva de vagas para candidatos portadores de deficiência, negros, pardos, indígenas, e pessoas economicamente hipossuficientes.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal,  como se sabe, decidiu a respeito do assunto em abril de 2012, no julgamento da ADPF 186, especificamente sobre o caso das cotas raciais para o ingresso na Universidade Nacional de Brasília - UNB, tema esse em debate neste processo, verbis:
"ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I - Não contraria - ao contrário, prestigia - o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II - O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III - Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV - Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII - No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação - é escusado dizer - incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII - Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.[1].
Na ocasião, a Corte entendeu constitucionais as ações afirmativas, bem como as cotas em si, pois elas se prestariam a concretização do princípio da igualdade no seu sentido material. O STF resolveu privilegiar a justiça distributiva, prestigiando o caráter social da questão, em detrimento da justiça individual (meritocracia), considerando a reserva de vagas como fator positivo de discrímen.
Após o posicionamento da Suprema Corte, adveio a normatização da referida política afirmativa, por meio da edição da Lei 12.711/12, que passou a prever a reserva, aos negros, "de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei (art. 1)".
No julgamento da ADPF 186, o STF reconheceu a higidez dos dois critérios (autoidentificação e heteroidentificação). Entendeu que ambos os sistemas, separados ou combinados, desde que jamais deixassem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, seriam aceitáveis pelo texto constitucional.
A Suprema  Corte voltou ao assunto em outra oportunidade, no ano de 2017, no julgamento da ADC 41, como bem destacou o d. Procurador da República JOAO BERNARDO DA SILVA, no parecer acostado nos autos e acima  referido, quando então concluiu pela constitucionalidade da Lei nº 12.990, de 2014, que criou o sistema de cotas para concursos públicos, ratificou como idôneo o método de heteroidentificação, que leva em consideração a declaração do Candidato e a confirmação ou negação por uma  Comissão, verbis:
"4 . Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: 'É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e ampla defesa'."[2]
A DD Autoridade apontada como coatora, a esse respeito, argumentou no mesmo sentido, nas suas d. Informações:
"O conceito de raça , por sua vez, no que se refere às distinções entre seres humanos, é recusado pela ciência, ao passo em que a desigualdade sócio- racial é um fato evidente.A aparência (fenotipia), por outro lado, é talvez o dado mais relevante para a suposição da presença da hipossuficiência, que é o que dá fundamento à política de ação afirmativa. É que, se levado às últimas consequências o dogma da autodeclaração , correr-se-ia o risco do esvaziamento completo da cota racial. Assim, divisou-se um sistema de controle que fosse externo ao candidato, mas que de algum modo retirasse sua legitimidade da diversidade inerente à sociedade que o concebeu."
E registrou preocupação com a interferência do Judiciário em casos tópicos:
"Não se imagina como possa o Poder Judiciário substituir pontualmente esse sistema (para o caso concreto da presente impetração) sem comprometer a sua legitimidade, publicidade, controle social, padronização e consistência.".

Bem, no sistema constitucional brasileiro, que adotou o jurisdição una, a última palavra cabe ao Judiciário, o qual, como vimos acima, tem decidido com muito equilíbrio a respeito do assunto.
Por outro lado, em casos concretos,  como este, o Judiciário só intervém quando há alegação de ferimento de direito, com desrespeito à estrutura jurídico-constitucional e legal do País. 
E a jurisdição una, adotada na vigente Constituição da República(art.  5º, - "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"), faz parte de qualquer País democrático.
Então, as DD Autoridades coatora, como democratas que devem ser,  haverão de conformar-se com a decisão do Judiciário para o caso, seja a seu favor, seja  contra. 
2.2 - O Caso sob Análise
In casu, observo que  o Edital do processo Seletivo SISU 2020 [3], dispôs acerca da convocação do candidato, anteriormente à homologação do resultado final do concurso, para comparecimento presencial para verificação da condição declarada, bem como estabelecendo os critérios a serem observados, verbis:
"7.1. Para concorrer às vagas reservadas a candidatos pretos ou pardos, o candidato deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no Sistema de Seleção Unificada-SISU 2020, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Anexo IX)7.2. Serão instituídas Comissões de Heteroidentificação, com competência deliberativa para validação da autodeclaração dos candidatos, conforme a Resolução nº 24/2019 (CEPE/UFPE)7.3. Cada Comissão de Heteroidentificação será composta de 3(três) membros da comunidade universitária e membros externos que, preferencialmente, deverão possuir vínculo com grupos de pesquisa ou núcleos de estudo ou movimentos sociais organizados ligados à questão étnico-racial, além de terem participado do curso de formação. 7.4. Todos os candidatos autodeclarados pretos ou pardos dos três campi (Recife, Vitória ou Agreste, na cidade de Caruaru) que forem selecionados na chamada regular, assim como os convocados da Lista de Espera do Sisu 2020, habilitados no Sistema de Seleção Unificada-SISU 2020 deverão, obrigatoriamente, submeter-se à avaliação da Comissão de Heteroidentificação no campus correspondente a seu curso, não sendo permitida a entrega de documentos por procuração. 7.5. É de exclusiva responsabilidade do CANDIDATO observar os prazos estabelecidos neste Edital e divulgados na página da UFPE na internet, no endereço eletrônico: www.sisu.ufpe.br, assim como suas eventuais alterações e demais procedimentos referentes ao processo seletivo.7.6. O candidato deverá se apresentar, para preencher e assinar a autodeclaração, perante a Comissão de Heteroidentificação levando documento oficial com foto. A ausência de documento com foto implica a invalidação automática da autodeclaração e a sua exclusão do certame, podendo o candidato ainda que matriculado, perder a vaga a qualquer tempo, sem prejuízo das demais medidas judiciais cabíveis.7.7. O local de atendimento para os candidatos do Campus Recife será o Auditório do NIATE do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), em frente ao Colégio de Aplicação. Os candidatos dos campi de Caruaru e Vitória devem procurar a Escolaridade a fim de receber orientações do local onde a Comissão está instalada.7.8.  O resultado da avaliação da Comissão estará disponível até o dia 10 de fevereiro, em lista a ser divulgada na página www.sisu.ufpe.br, apenas com os candidatos que foram reconhecidos como pretos ou pardos.7.9.  O não comparecimento ou indeferimento da validação da autodeclaração como pessoa preta ou parda  implicará na eliminação do candidato no processo seletivo.7.10.  Não será permitido aos candidatos o uso: de adereços, de óculos escuros, de chapéus ou bonés e de maquiagem,  na apresentação do candidato perante a Comissão de Heteroidentificação.7.11.  Para validar a autodeclaração de candidatos às vagas reservadas aos candidatos pretos ou pardos serão considerados unicamente os aspectos fenotípicos do candidato, sendo vedado qualquer outro critério, inclusive as considerações sobre a ascendência. 7.12.  Entende-se por fenótipo o conjunto de características físicas do indivíduo, predominantemente a cor da pele, a textura do cabelo e os aspectos faciais, que, combinados ou não, permitirão validar ou invalidar a autodeclaração.7.13.  Será considerado preto ou pardo o candidato que assim for reconhecido por pelo menos dois dos membros da Comissão de Heteroidentificação, com base no fenótipo.7.14.  As deliberações da Comissão de Heteroidentificação terão validade apenas para o Sistema de Seleção Unificado - Sisu 2020, não servindo para outras finalidades.".
Então, sem dúvida nenhuma cabia  à mencionada Comissão da UFPE decidir quanto ao fenótipo da Impetrante, de forma devidamente motivada, como exige o direito positivo brasileiro, conforme veremos abaixo. 
Impressiona-me o fato de que a ora Impetrante já estudou em Instituição de Ensino Superior, conforme dito na petição inicial, na cota de negros/pardos e que na seleção do SISU essa sua situação física também já fora aceita.
Então, o caráter científico dessa identificação fica um pouco arranhada quando, como no presente caso, a Comissão Examinadora da UFPE afastou essa característica essencial da ora Impetrante, ignorando por completo a conclusão de outra Comissão de igual hierarquia.
Como alguém pode ser considerada, para uma Instituição de Ensino Superior Pública,  parda, e para outra Instituição de Ensino Superior,  não parda, quando os critérios de aferição são os mesmos?
A pessoa é ou não é negra, é ou não é parda, é ou não é indígena, em qualquer  lugar.
A Impetrante alega que a avaliação da Comissão da UFPE não teria apresentado, com clareza, os critérios adotados para a avaliação do fenótipo.
É verdade que o Edital enunciou, expressamente, a adoção dos  parâmetros utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, como critério de avaliação, nos termos adrede transcritos.
Mas se esse critério é científico não pode a ora Impetrante aqui não ser parda, mas ser parda ali, como o foi na Instituição de Ensino Superior Público da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ.
Nesse sentido, asseverou ainda a  Impetrante que a banca examinadora da UFPE, ao avaliar as suas características, concluiu que não poderia ser considerada negra ou parda, por não apresentar traços fenotípicos inerente ao referido grupo.
Para melhor análise, eis trecho do resultado do recurso interposto pela Impetrante na via administrativa (4058300.13684887), verbis:
"A comissão recursal mantém o entendimento de que a candidata é inapta para preenchimento de vaga reservada para cota étnico racial, pois não identifica nesta traços fenotípicos negros (pessoas pretas e pardas) que justifiquem o deferimento do recurso, de acordo com a Resolução n°24/2019-CEPE/UFPE. Da análise do vídeo a comissão compreende que o candidata tem nariz e lábios com traços finos". (GN)
Desse modo, no caso concreto, nota-se que a verificação da etnia levou em consideração os traços externos dos candidatos que historicamente servem para caracterizar a raça negra/parda.
Então, ainda que a Candidata ou o Candidato,  no exame vestibular da UFPE, tenha a cor negra ou parda, assim não será considerado se tiver lábios finos e nariz afilado.
Bem, o Judiciário não pode entrar nessa seara, principalmente no tipo de  procedimento  judicial escolhido pela Impetrante, o mandado de segurança, porque para fazer qualquer consideração a respeito, teria que providenciar uma perícia, com especialistas no assunto,   para confirmar ou negar a conclusão da Comissão da UFPE, o que não é possível em ação mandamental.
É verdade, repito,  que o Judiciário não pode substituir essa Comissão para tal finalidade [4], mas não pode o Judiciário admitir que uma cidadã, como a ora Impetrante, já tenha frequentado uma Instituição de Educação Superior Pública, na Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, como parda, porque assim reconhecida pela Comissão daquela Universidade,  e aqui em Pernambuco a Comissão da UFPE  a tenha considerado como não parda.
Também não se pode deixar de lado a alegação da ora Impetrante que lhe fora conferido tratamento antisonômico com relação a outros Candidatos com características fenotípicas  semelhantes a sua e, para embasar sua alegação, acostou fotos  anexadas ao documento sob Id. 4058300.13684820.
Diante de tal contexto, ainda na retromencionada decisão sob Id. 4058300.13716273, ora transcrita, registrou-se que, à luz do princípio da transparência que deve reger os atos administrativos, tal situação mereceria ser aclarada pelas DD. Autoridades apontadas como coatoras, que deveriam instruir as  respectivas Informações com Parecer da Comissão de Heteroidentificação designada para o processo seletivo descrito nos autos, detalhando, de forma comparativa com os demais candidatos listados pela Impetrante, o porquê daqueles terem sido considerados pardos/negros e a Impetrante, não, deveriam ter juntado também, se é que existem, os "votos" que os Membros da mencionada Comissão deram nos autos administrativos, e suas respectivas motivações, negando o reconhecimento da situação de parda à ora Impetrante.
E nessas motivações teriam que demonstrar o motivo pelo qual não acolheram a decisão da Comissão da Universidade de Campos de Goytacazes do Rio de Janeiro, e da Banca do SISU, as quais  concluíram que a ora Impetrate era PARDA.
Nas Informações, assinada por um Procurador,  as DD Autoridades apontadas como coatoras restringiram-se a alegar que a questão discutida pela Impetrante demandaria dilação probatória e a decisão da comissão seria soberana, o que impediria a atuação do Judiciário.
Mas, como já  explicado, o Judiciário pode intervir quando houver alguma inconstitucionalidade ou ilegalidade na  prática dos atos administrativos.
Há,  no presente caso, a prova central. não impugnada pelas Magníficas Autoridades apontadas como coatoras:  a  Comissão de outra Universidade Pública e a  banca do SISU consideraram a Impetrante parda.
E a respeito dessa fato a Comissão da UFPE silenciou, pois as DD Autoridades apontadas como coatoras não trouxeram para os autos as suas motivações.
Então,  entre a Comissão daquela Universidade do Estado do Rio de Janeiro mais a Banca do SISU versos  a Comissão da UFPE, o Judiciário pode e deve  ficar com as conclusões daquelas,  pelo critério dos fins sociais, que é um critério legal(art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4.657, de 04.09.1942, com diversas alterações, especialmente as veiculadas na Lei nº 12.357, de 2010) no qual se enquadra o critério da hipossuficiência, não só econômica, mas cultural, social, e que deu origem às Leis de cotas raciais.

Nesse panorama, tem-se que os a motivação dos atos administrativos é obrigatória, principalmente quando limitam ou ampliam direitos individuais,  com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídico-legais, conforme preceitua o art. 50 da Lei 9.784/99, cujo inciso III se aplica a esta lide, posto que elenca decisões em processo administrativos de concurso e seleção.
A respeito desse assunto, a falta de motivação na decisão da referida Comissão da UFPE, foi percebida, com sagacidade,  no, mais uma vez invocado,  d. Parecer do Ministério Público Federal, acostado sob identificador nº 4058300.14293677, verbis:
"Ora, embora possa pode ser legítima a decisão que excluiu a impetrante do curso pretendido, mostra-se arbitrário, a luz do ordenamento jurídico pátrio, ausência de motivação da decisão que culminou com sua eliminação. Como é cediço, os atos administrativos devem ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, conforme preceitua o art. 50 da Lei 9784/99, cujo inciso III se aplica a lide, posto que elenca decisões em processo administrativos de concurso e seleção.(...).Todavia, também não se pode vislumbrar, no Estado de direito, a negação de direito sem que os motivos sejam razoavelmente explicitados.".
A lª Turma do TRF5ª, sob a relatoria do Culto Magistrado e Professor IVAN LIRA DE CARVALHO, em junho de deste 2020, já  tinha decidido nesse mesmo sentido, :
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. AUTODECLARAÇÃO. LEI Nº 12.711/12. NÃO ENQUADRAMENTO NA CONDIÇÃO DE PARDO.  AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. I - Apelação em face de Sentença proferida nos autos de processo, que julgou procedente a pretensão para anular o ato de indeferimento da matrícula da Autora e determinar que a UFAL realize sua matrícula no curso de Matemática (licenciatura noturno), em vaga reservada à cota social, estando a classificação (nota) da autora dentro do número de vagas. II - Primeiramente, afasta-se a alegação de necessária formação de litisconsórcio com os demais candidatos aprovados para a seleção. De acordo com o entendimento do STJ,"em regra, é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário entre candidatos participantes de concurso público, tendo em vista que estes têm apenas expectativa de direito à nomeação"(AgInt na PET no RMS 45.477/AP, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, julg. em 26/06/2018, DJe 08/08/2018). III - O cerne da controvérsia cinge-se em verificar a legalidade do ato administrativo elaborado pela Comissão de Heteroidentificação da UFAL que concluiu pela negativa da autodeclaração de etnia da Autora e consequente indeferimento de sua inscrição no curso pleiteado na referida Universidade. IV - O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 41/DF, entendeu ser legítimo o critério da heteroidentificação de candidatos para garantir o acesso às vagas reservadas as pessoas autodeclaradas negras ou pardas. Embora a citada jurisprudência ter sido formada no contexto da Lei nº 12.990/2014 (que regulamenta o sistema de cotas nos concursos públicos), idêntico entendimento deve ser aplicado à Lei nº 12.711/2012 (sistema de cotas de ensino superior) considerando que possuem a mesma finalidade, qual seja, o combate à desigualdade social no país. V - No caso dos autos, o Edital nº 03/2019 - PROGRAD/UFAL, que disciplinou o processo seletivo do qual a demandante participou, adotou a autodeclaração como critério para aferir a condição de negro ou pardo dos candidatos cotistas. Ao tratar do procedimento de verificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos que se autodeclararem negros (pretos ou pardos), o Edital dispôs, em seu item 11.6, sobre análise a ser feita por Banca de Avaliação para fins de comprovação da condição do candidato. VI - Compulsando os autos, vê-se que não foi colacionado qualquer documento contemporâneo ao certame que explicitasse as razões que levaram a Comissão de Heteroidentificação da UFAL a concluir pelo não enquadramento da Autora como cotista, tendo a referida Banca se limitado a publicar uma lista com o resultado final da verificação da autodeclaração prestada pelos candidatos, da qual constam apenas os nomes daqueles que foram considerados negros/pardos pela comissão responsável por tal avaliação. Dessa forma, constata-se que a Banca Examinadora não apresentou critérios objetivos, limitando-se a apontar a incompatibilidade do fenótipo da Autora com o de uma pessoa negra/parda, mas sem especificar/motivar sua conclusão, restando patente, portanto, a violação ao princípio da motivação, nos termos do art. 50 da Lei nº 9.784/99, devendo ser declarada a nulidade do respectivo ato. VII - Destaque-se que o próprio sistema de ensino público federal já admitiu o enquadramento da autora no sistema de cotas, tendo esta comprovado haver cursado ensino médio no IFAL, em vagas reservadas ao critério racial, o que demonstra a subjetividade e imprecisão das avaliações realizadas pelos Tribunais Raciais constituídos no âmbito destas instituições. (excerto da Sentença) VIII - Com relação à alegação de que seria incabível a condenação da UFAL ao pagamento de Honorários Advocatícios considerando que a parte Autora é representada pela Defensoria Pública da União, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento no sentido de que "após as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, houve mudança da legislação correlata à Defensoria Pública da União, permitindo a condenação da União em honorários advocatícios em demandas patrocinadas por aquela instituição de âmbito federal, diante de sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária". Além disso, a Defensoria Pública da União não faz parte da Autarquia apelante, são pessoas jurídicas distintas, com personalidades jurídicas próprias. IX - Quanto aos Honorários Recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em Honorários Advocatícios, a título de Honorários Recursais, em 2%. X - Desprovimento da Apelação." [5]
Sob tal perspectiva, tenho que a concessão da segurança é medida que se impõe.
3. Dispositivo
Posto isso, ratifico a medida liminar, concedida na decisão sob Id. 4058300.13716273, e concedo a pleiteada segurança definitiva, pelo que determino que fica reconhecido o direito líquido e certo de a Impetrante  matricular-se, em caráter definitivo,  no Curso de Direito, da Universidade Federal de Pernambuco, obedecendo sua ordem de classificação na cota de pardos, com aproveitamento da frequência às aulas que lhe foi garantida na mencionada medida  liminar, e determino que as Magnificas Autoridades apontadas como coatoras observem o acima consignado, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
Custas, ex lege.
Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do STF).
De ofício, submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(§ 1º do art.14 da referida Lei), sem efeito suspensivo§ 3º do mesmo dispositivo legal).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30.07.2020.

Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal da 2a Vara da JFPE
____________________________________________________
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. (ADPF 186, Relator(a):  Ministro  Ricardo Lewandowski, julgado em 26/04/2012, in Diário da Judicial Eletrônico – Dje nº 205, divulgado em 17-10-2014 e publicado em 20-10-2014.
Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=269432069&ext=.pdf.
Acesso em 05/03/2020
[2] Brasil. Supremo Tribunal Federal, Plenário, ADC 41, Relator(a): Ministro Roberto Barroso,  julgado em 08/06/2017, in Diário Judicial Eletrônico - DJse-nº 180, divulgado  em 16-08-2017, publicado em 17-08-2017) (destacou-se)
[3] Disponível em:  https://www.ufpe.br/documents/38970/2570200/EDITAL-MATRICULA SISU-UFPE+2020-29-01-20.pdf/7dc53e27-e1fe-41aa-8a99-84144c7afd6d)
[4] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5a Região. 3ª Turma. Processo nº 08108401420174058100, AC - Apelação Cível. Relator Desembargador Federal  Cid Marconi,  julgamento em 16/02/2020, sem indicação de veículo de publicação
Disponível em:
https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1
Acesso em 05/03/2020
[5] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Primeira Turma. . Processo nº 08043233120194058000, AC - Apelação Civel. Relator Desembardor Federal Ivan Lira de Carvalho(convocado), julgamento em  25/06/2020, sem indicação de veículo de publicação.
Acesso em 29.07.2020.