quinta-feira, 17 de setembro de 2015

TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. DOMÍNIO ÚTIL. DESAPAPROPRIAÇÃO POR MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior 

A sentença que segue discute a natureza jurídica dos terrenos acrescidos de marinha sob regime de ocupação, a inexistência, nesse regime, da aquisição, pelo Ocupante, da titularidade do domínio útil, e também a necessidade de prévia autorização do Chefe do Executivo Federal para que qualquer Município possa desapropriar imóvel de propriedade da União.  

Referida sentença foi mantida, quanto ao mérito, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a verba honorária nela fixada.  

Boa leitura. 






PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JR

Processo nº 0017377-51.2011.4.05.8300 - Classe 15 – ação de desapropriação

Autor: MUNICÍPIO DE OLINDA

Advogado: A J L A, OAB/PE

Réus: N I O E OUTRO
 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2014
 

Sentença tipo B
 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL DA UNIÃO PELO MUNICÍPIO DE OLINDA-PE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA UNIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOMÍNIO ÚTIL PASSÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO. DUPLA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE DE PARTE QUE NÃO FIGURA COMO OCUPANTE DO IMÓVEL.  

-Não tem legitimidade passiva ad causam Pessoa Jurídica que não é ocupante do terreno acrescido de marinha em questão. 

 - Imóvel da União não pode ser desapropriado por Município, exceto se houver expressa autorização daquela, observadas as regras constitucionais e legais pertinentes.  

-Terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, não tem domínio útil a ser desapropriado, pois o Ocupante não adquire a titularidade desse domínio nesse regime. 

-Impossibilidade jurídica do pedido e Coisa Julgada.  

-Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.  

 

Relatório

O MUNICÍPIO DE OLINDA, qualificado na petição inicial, propôs, na Justiça Estadual, esta ação de desapropriação do domínio útil com pedido de imissão de posse em face de NOVAS INDÚSTRIAS OLINDA. Alegou, em síntese, que: i) por meio do Decreto Municipal nº 104, de 20.05.2005, alterado pelo Decreto nº 228/2005, de 13.09.2005, foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação, o domínio útil e as benfeitorias do imóvel localizado na Av. Olinda, nº 60, 60-A, e 60-B, bairro do Varadouro, Olinda/PE, cujo domínio útil e de benfeitoria possuem uma área total de 158,29m²; ii) o imóvel objeto de desapropriação destina-se a execução de obras de reurbanização do estacionamento do Varadouro (Programa Monumenta/BID) de acordo com o art. 3º di Decreto Expropriatório, e propiciar melhores condições para estacionamento, tanto para moradores locais, quanto para os veículos que transportam turistas; iii) em obediência ao disposto no art. 15, §1º do Decreto-Lei Federal nº 3.365/41 oferece ao expropriado, como indenização, a importância de R$ 53.975,90 (cinquenta e três mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa centavos) pelo domínio útil e benfeitorias, nos termos do laudo de avaliação da Secretaria da Fazenda do Munícipio de nº 067 a 074/2002. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

R. Decisão de d. juíza estadual, deferindo a imissão na posse, determinando a citação da Parte Requerida e nomeando perito para proceder à avaliação do imóvel (fl. 24).

O Município de Olinda requereu a juntada da publicação no Diário Oficial do Município, do Decreto de Declaração de Utilidade Pública, e da guia de recolhimento no valor de R$ 53.975,90, referente a indenização ofertada na inicial, bem como a expedição do mandado de imissão de posse (fls. 26-32).

A Requerida Novas Indústrias Olinda S/A apresentou contestação, ocasião na qual considerou o valor oferecido a título de indenização aquém do valor real e requereu a realização de perícia técnica, bem como, considerando o pedido do Expropriante em imissão imediata na posse, não enxerga óbice, no caso de deferimento do pedido, na liberação de 80% (oitenta por cento) da quantia incontroversa depositada (fls. 37-39).

José Joaquim Dias Fernandes requereu sua inclusão na lide sob o argumento de que seria o ocupante legal do imóvel, nos termos da certidão exarada nos autos do processo de aforamento de nº 10480.000140/89-27, que tramita junto à SPU; apontou, ainda, que a Ré (Novas Indústrias Olinda S/A) não seria parte legítima para figurar na demanda expropriatória em virtude de não comprovar a titularidade do domínio útil; que o imóvel objeto da desapropriação pertence à União, e está registrado no Registro Imobiliário Patrimonial da União sob o nº 24910001321-52. Requereu, ao final, o reconhecimento da ilegitimidade passiva da Ré, bem como a intimação do Suplicante para apresentação de assistente técnico e que seja oficiada a SPU para esclarecer se o terreno constante no Decreto Expropriatório está, ou não, sob regime de ocupação ou de aforamento, e de quem seria o domínio útil do referido terreno de marinha (fls. 45-52).

Auto de Imissão Provisória de Posse, expedido pelo Juízo de Direito da Comarca de Olinda – Vara da Fazenda Pública,  no qual foi efetuada a imissão provisória de posse ao Município de Olinda (fl. 73).

O Município de Olinda requereu o prosseguimento do feito (fls. 76-77).

A d. Juíza estadual, em sua r. decisão à fl. 95, constatando tratar-se de imóvel de propriedade da União,  declinou a competência para processar e julgar o feito para esta Justiça Federal.

Decisão deste juízo federal ratificou todos os atos praticados na Justiça Estadual, e modificou o enquadramento do Sr. José Joaquim Dias Fernandes de Assistente Litisconsorcial para Litisconsorte Passivo Necessário; que diante do depósito efetuado pelo Município-Autor, referente aos honorários periciais, determinou a intimação do Sr. Perito Judicial, indicado à fl. 89, para dar início à perícia e esclarecer se o terreno é realmente de marinha ou acrescido de marinha, quem é que se encontra na situação de foreiro (se estiver sob regime de aforamento) ou ocupante (se estiver sob regime de ocupação) perante o Serviço de Patrimônio da União (fl. 103-103vº).

O Município de Olinda indicou seu assistente técnico e apresentou os quesitos para manifestação do experto (fls. 110-111).

Despacho que determinou ao Município de Olinda que completasse a petição inicial, indicando a União no polo passivo, com a respectiva fundamentação, e que requereresse sua citação, sob as penas da lei (fl. 114).
O Município de Olinda, em cumprimento ao r. despacho, completou a petição inicial, indicando a  UNIÃO para o polo passivo e requerendo a sua citação(fl. 117).

José Joaquim Dias Fernandes requereu a juntada de sua petição e noticiou que a presente ação objetiva a desapropriação de terreno acrescido de marinha, cedido comprovadamente há muito tempo, sob o regime de ocupação pela própria União ao ora peticionante; que seria o legítimo e único possuidor e ocupante do terreno e imóveis situados à Av. Olinda, nº 60, 60-A e 60-B, devidamente inscrito sob o nº RIP 2491 0001321-52; que o Município de Olinda erroneamente intentou ação de desapropriação apontando como suposto possuidor a pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda; que no Interdito Proibitório tombado sob o nº 2007.83.00.012035-8, que tramitou junto à 21ª Vara Federal/PE, e foi sentenciada em 08.05.2008, julgou-se o pleito  procedente e determinou-se que o Município de Olinda se abstivesse de praticar qualquer ato tendente a ameaçar a posse exercida pelo demandante, oportunidade na qual juntou cópias da petição inicial do interdito proibitório, sentença, acórdão e certidão de trânsito em julgado. Ao final, requereu a imediata exclusão da pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda do polo passivo da demanda (fls. 119-122) e documentos de fls. 123-142.

Despacho que determinou a citação da União (fl. 143).

A União (AGU/PRU) apresentou contestação. Em preliminar apontou a impossibilidade jurídica do pedido no sentido da expropriante obter o domínio útil de terreno de marinha que não haja prévio aforamento. No mérito, discorreu sobre as formas de ocupação e pugnou pela improcedência dos pedidos do Município-Autor e pela condenação em honorários e demais verbas sucumbenciais (fls. 144-147).

A Empresa Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, sucessora por incorporação da empresa Novas Indústrias Olinda S/A, requereu a habilitação de novos patronos (fl. 153) e documentos de fls. 154-168.

Devidamente intimado, o Município de Olinda defendeu a possibilidade de expropriação das benfeitorias existentes nos imóveis e reiterou os termos de sua petição inicial (fl. 173).

Vieram os autos conclusos. 

Fundamentação 

Preliminares

1. Ilegitimidade Passiva Ad Causam da Requerida Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A.

Esta preliminar, levantada na defesa do Ocupante do imóvel e ora Réu José Joaquim Dias Fernandes, merece acolhida, porque, se a ação desapropriatória não fosse inviável, pelas razões consignadas nos tópicos seguintes, referida Empresa não poderia figurar como Ré, porque não é proprietária do imóvel, tampouco Ocupante(trata-se de terreno acrescido de marinha, sob o regime de ocupação).  

2. Coisa Julgada

Merece acolhida esta preliminar, levantada na defesa do Requerido José Joaquim Dias Fernandes, porque esse Requerido comprovou que o Município de Olinda já foi proibido de praticar qualquer ato contra a sua posse do terreno em questão, nos autos da ação de Interdito Proibitório, de cujas peças principais juntou cópias com sua defesa(manifestação).  

3. Impossibilidade Jurídica do Pedido

A UNIÃO levanta, na sua defesa, a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, alegando que se trata de terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, no qual não se transfere o domínio útil para o Ocupante(no caso, José Joaquim Dias Fernandes), de forma que não teria o que desapropriar, pois o imóvel, sem autorização da  UNIÃO, não pode ser desapropriado pelo Município, que só poderia desapropriar o domínio útil, no caso inexistente, que pertenceria ao referido Particular.

Segundo sedimentado entendimento jurisprudencial, firmado em precedentes invocados pela  UNIÃO, o terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, realmente não gera domínio útil para o Ocupante. Só existiria domínio útil, se referido terreno estivesse sob regime de aforamento.

Ademais, tanto a Lei como a jurisprudência são claras no sentido de que bem imóvel da  UNIÃO só poderia ser desapropriado por Município se existisse autorização expressa daquela. 

4. Consequências

Diante do acima consignado, merece ser: a) revogada a r. decisão de fl. 24 da d. Magistrada Estadual, na qual foi deferida a imissão de posse provisória e determinou-se a realização de perícia com nomeação de perito,  e b) decretada a nulidade do respectivo auto de imissão de posse provisória, acostado à fl. 73.

Outrossim, merece ser parcialmente revogada a decisão de fls. 103-103 deste juízo, na parte em que determinou a continuidade da perícia deferida pela d. Magistrada Estadual na sua r. decisão de fl. 24. 

4. Verba Honorária 

Diante do até aqui fundamentado, tem-se que o Município de Olinda-PE, ora Autor, há de ser condenado a pagar verba honorária, a ser arbitrada, tendo em vista a complexidade da matéria e o esforço e dedicação dos Patronos de José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, no percentual legal máximo de 20%(vinte por cento), conforme regras do § 3º do art. 20 do código de processo civil, sobre o valor indicado na conclusão. 

A Requerida Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, não faz jus a verba honorária, porque não levantou preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sendo excluído em face do acolhimento de pedido, nesse sentido, do Réu José Joaquim Dias Fernandes.

Essa verba honorária será deduzida do valor do depósito comprovado à fl. 32 dos autos, cujo restante será restituído ao Município ora Autor, via alvará. Se, por qualquer motivo, essa dedução não se fizer possível, por força do § 3º do art. 3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011, do Conselho da Justiça Federal-CJF, o valor dessa verba honorária não será objeto de ofício requisitório ao E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas sim requisitada diretamente ao Município de Olinda-PE, que o depositará em conta judicial, vinculada a este processo, na agência 1029 da Caixa Econômica Federal-CEF, no primeiro andar da sede desta Justiça Federal de Pernambuco. 

Conclusão 

Posto isso:

a)           acolho a acima noticiada preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da Empresa  Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, contra ela indeferindo a petição inicial(art. 295-II do código de processo civil)e a excluindo do polo passivo, para todos os fins de direito e, com relação a ela, dando este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267,I e VI do código de processo civil);

b)           revogo a r. decisão de fl. 24 e decreto a nulidade do auto de imissão de posse provisória de fl. 73, decorrente da referida r. decisão e revogo a parte da decisão de fls. 103-103vº, na qual se determinou a continuidade da perícia determinada na ora revogada r. decisão de fl. 24;

c)           acolho a preliminar de coisa julgada, que caracteriza a falta de interesse processual de agir do Autor(art. 295-III do código de processo civil), e também acolho a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, que caracteriza a inépcia da petição inicial(inciso III do Parágrafo Único do art. 295 do código de processo civil), razão pela qual indefiro a petição inicial e dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267, I e VI do código de processo civil);

d)           Determino que, no momento processual próprio, restitua-se ao Município de Olinda-PE, ora Autor, via alvará, a quantia que depositou, conforme anunciado na petição inicial, após dedução da verba honorária abaixo fixada.

Finalmente, condeno o Município de Olinda-PE, ora Autor, em verba honorária que, considerando a complexidade do caso e o esforço e dedicação dos Patronos dos Requeridos José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, arbitro em 20%(vinte por cento)do valor da causa, atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação para execução desta Sentença(art. 730 do código de processo civil), mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido, verba essa a ser rateada em partes iguais entre os Patronos do Requerido José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, cabendo a sua cobrança mediante dedução do valor que o Município ora Réu depositou, de forma que lhe será restituído, via alvará, apenas o saldo que houver após essa dedução e, caso essa dedução não se concretize, por qualquer motivo, fica dispensada a expedição de ofício requisitórios ao Tribunal, pois a requisição será feita ao próprio Município, que depositará o valor em conta judicial vinculada a este processo, na agência 1029 da Caixa Econômica Federal-CEF, segundo § 2º do art. 3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011,do Conselho da Justiça Federal.
 

    De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

    P. R. I.
   
    Recife, 08 de maio de 2014. 
 

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE
 

 

IMPORTANTE:

A sentença supra foi quase que integralmente mantida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a verba honorária para 5%(cinco por cento)do valor da causa, conforme Apelação Cível 5793815-PE(0017377-51.2011.4.05.8300, Relator Desembargador Federal Rubens Canuto(convocado), julgado em 26.05.2015, publicado no Diário da Justiça Eleterônico-DJe do TRF5 nº 107.0/2015, de 12.06.2015, com trânsito em julgado em 20.08.2015.