Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Se o Administrado adquire um determinado dirito sob critério jurídico-administrativo então adotado pela Administração Pública, a eventual mudança desse critério não poderá gerar efeitos ex tunc, mas apenas ex nunc. Na decisão que segue, esse assunto é detalhadamente discutido.
Boa leitura.
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA
Processo nº 0014533-94.2012.4.05.8300
Classe: 126 MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: E S DA S e outros
IMPETRADO: VICE-REITOR DA UNIVERSIDA DE FEDERAL DE PERNAMBUCO
C O N C L U S Ã O
Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o)
M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR
Recife, 30/08/2012
Encarregado(a) do Setor
D E C I S Ã O
APRECIAÇÃO DO
PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR
Relatório
E S DA
S e outros 36(trinta e seis)impetraram, em 13.08.2012, este mandado de
segurança, visando assegurar direito que qualificam de líquido e certo,
indicando como Autoridade coatora “o Magnífico Vice-Reitor da Universidade
Federal de Pernambuco-UFPE, Professor S R DE B M”. Alegam
que disputaram uma bolsa de estudo na pós-graduação da referida Universidade,
por critério administrativo até então adotado, mas que, atendendo a pleito
administrativo do aluno do 2º ano do mestrado do PPG, A Q DE
O F, que, não obstante a manifestação contrária do Coordenador do
PPG, Prof. A R e dos Representantes dos Alunos do Mestrado e do
Doutorado, gozara de Parecer favorável do Procurador E C N, Parecer
esse que teria sido aprovado pelo Vice-Reitor da UFPE; que mencionado aluno
fora considerado, erroneamente, pelo referido Procurador como “candidato a
bolsa”, quando na verdade já seria bolsista, desde quando propôs o referido
processo administrativo; que se pretende, no referido processo administrativo,
uma modificação do total de bolsas, de forma que haja igualdade entre o total
de bolsas destinadas aos que estão se iniciando no curso de pós-gradução e os
que já estão na pós-graduação, porque aqueles estariam sendo contemplados com
um maior número de bolsas; que referido aluno ganhara a bolsa pelo critério
então existente e, sua eventual alteração, como pleiteara na via
administrativa, não iria prejudicá-lo, porque ele iria manter a bolsa que
ganhara do CNPQ; que referido aluno teria, portanto, agido de má-fé; que
referido aluno não seria parte legítima para o noticiado processo
administrativo, pois não recebera procuração dos demais alunos; que o seu
pleito administrativo teria sido com relação apenas a bolsas do mestrado, mas o
referido Procurador opinara no sentido de que as conclusões do seu parecer
também fossem estendidas para doutorado, opinião essa que findou por ser
acolhida pelo Sr. Vice-Reitor em verdadeira decisão extra petita; que o critério baseado no parecer desse Procurador
seria desprovido de “qualquer racionalidade” e feriria “frontalmente a lógica”,
porque estabeleceria um paralelo entre a concorrência direta entre alunos de
nos diferentes para alocação de bolsas de um mesmo programa de pós-graduação;
que por esse critério, alunos com mais pontuação poderiam perder a bolsa para
alunos com menor pontuação, “devido ao fato de que um aluno com pontuação
baixa, cursando um determinado ano, não concorrerá com um colega de pontuação
alta que esteja cursando outro ano.”; que os Impetrantes, atuais bolsistas,
teriam sido notificados do direito à bolsa em 14.03.2012 e passaram a receber o
respectivo valor a partir de abril de 2012, já tendo recebido até a quinta
parcela, referente ao mês de julho de 2012, pelo que teriam DIREITO ADQUIRIDO à
manutenção dessas bolsas, direito esse que seria ferido caso o respectivo pagamento
seja interrompido, exclusivamente tendo em vista o pleito administrativo de um
único aluno, que não sofrerá nenhum prejuízo; que se trataria de verba
alimentar, para o período de mestrado e doutorado; e nesse sentido invocam
dispositivos constitucionais e legais, a lição do Prof. Caio Mário da Silva
Pereira e r. decisões judiciais; que eventual suspensão do pagamento das
referidas bolsas poderia ensejar até mesmo indenização por danos materiais e
morais, conforme r. julgados que invocam; que a Portaria 76, de 14.04.2010, da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES) deixa a
critério do Programa de Pós-Graduação a alocação das bolsas, de forma que não
caberia à Reitoria, Vice-Reitoria ou Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação
da UFPE decidir acerca da adequação dos procedimentos que determinaram a
alocação de bolsas, concedidas pelos órgãos de fomento em questão, de forma que
o noticiado processo administrativo teria sido dirigido a “foro incompetente”,
de forma que os atos nele praticados seriam nulos de pleno direito e
desprovidos de efeito; que a noticiada “denúncia” do aluno A Q DE
O F, antes de qualquer decisão, teria que ser devidamente apurada,
via sindicância, coisa que não teria ocorrido. Por isso, pleitearam medida
liminar, determinando “a imediata abstenção da prática do ato ora impugnado,
mantendo-se os impetrantes no gozo e no recebimento” dos valores das referidas
bolsas de estudo, com cominação de astreintes,
a favor dos Impetrantes, para a hipótese de desobediência da decisão.
A
petição inicial veio instruída com procuração e documentos(fls. 29-290).
Comprovante
de recolhimento de custas, à fl. 291.
O
d. Magistrado CLÁUDIO KITNER, que preside este feito, na r. decisão de fl. 293,
suspendeu o ato em tela, até
ulterior decisão judicial, após ouvida da Autoridade apontada como coatora, no
prazo de cinco dias.
O
Exmº Sr. VICE-REITOR, Autoridade apontada como coatora, prestou informações, que foram acostadas às
fls. 309-311, argumentando que os Impetrantes estariam se insurgindo “contra a
perspectiva de reformulação da listagem de contemplados com bolsas de pesquisa
pagas por órgãos de fomento federal(CAPES e CNPq)”; que referidos contemplados
seriam indicados pela Instituição à CAPES e ao CNPq “após seleção que deve
obedecer a critérios objetivos e meritórios”; que no caso do Programa de
Pós-Graduação(PPG)em
Psicologia Cognitiva , os critérios adotados neste ano de 2012
teriam sido iguais aos do ano anterior, mas foram contestados por um dos alunos
do Programa junto à Pró-Reitoria de Extensão – PROPESQU, o que ensejara
consulta à Procuradoria Federal da Instituição, respondida pelo Parecer n.
787/2012/PEPRF5/AGU, opinando que seriam “viciados os critérios adotados”, pelo
que teria sugerido a anulação do resultado e a elaboração de nova listagem,
tendo acolhido mencionada sugestão;
informa que o problema estaria no fato de que os alunos do primeiro ano
e os alunos que já estão no curso concorreriam à mesma bolsa, mas fariam
“provas” diferentes, pois os primeiros seriam avaliados exclusivamente pela
nota que obtiveram na seleção para ingresso no Programa e os segundos teriam a
nota apurada segundo o respectivo desempenho no curso(prazo, rendimento,
produção); que “A Administração não poderia tratar de maneira igual os
desiguais” e dá um exemplo entre a opção pela compra de um carro e de um livro;
que seria irrelevante se o referido aluno teria ou não interesse, se reclamara
apenas quanto ao mestrado, porque se o critério adotado estivesse ferindo a
legalidade, a Instituição deveria proceder a correção de ofício, “descabendo
falar em ilegitimidade e decisão extra
petita”; que, no seu entender, não haveria direito adquirido, porque a cada
mês se renovaria a situação ilegal; e, finalmente, pugnou pela negação da
segurança.
Fundamentação
Noto
que, embora o Exmº Sr. Vice-Reitor, ora Autoridade apontada como coatora, fale
em legalidade, não indica em
qual Lei estaria fixado o critério de seleção dos bolsistas
ora Impetrantes.
Há
indícios de que não há Lei a respeito do assunto, tendo o referido critério
sido criado pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e tudo indica que o
fez com base na Portaria 76, de 14.04.2010, da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior(CAPES), que deu à Instituição de Ensino esse
poder-dever, Portaria essa indicada no final da petição inicial.
Ora,
se os ora Impetrantes submeteram-se a um rigoroso exame de mérito(e note-se que
quem afirmou isso foi a própria d. Autoridade Impetrada), sob regras de um critério
jurídico-administrativo, adotado por uma prestigiada Instituição de Ensino
Superior Federal, e foram vencedores, obtendo uma disputadíssima bolsa de
estudos para pós-graduação, prima facie,
têm direito adquirido a essa bolsa até o final do curso, e só poderão perdê-la se
infringirem alguma das regras administrativas estabelecidas na época em que foram
admitidos no curso.
Se
a Universidade quer modificar o mencionado critério jurídico-administrativo,
porque um determinado Procurador opinou que ele não seria bom, até pode
fazê-lo, mas apenas para fins futuros, vale dizer, com efeitos ex nunc, vale dizer para pessoas que
venham a concorrer a novas bolsas depois do novo critério.
Mutatis
mutandis, ao caso se aplica, por exemplo, regra do art. 146 do Código
Tributário Nacional, segundo a qual, novo critério jurídico, decorrente de
modificação de ofício do Administrador Tributário ou de decisão administrativa
ou judicial, só poderá ser aplicado a fato gerador posterior ao novo critério.
Ademais,
no noticiado processo administrativo, os ora Impetrantes não foram sequer
ouvidos, em visível ferimento dos princípios constitucionais do devido processo
legal, ampla defesa e do contraditório, que hoje têm assento, respectivamente,
nos incisos LIV e LV art. 5º da vigente Carta Magna.
Ainda
prima facie, detecto, na situação em
debate, caso de claríssimo direito adquirido, que também, por força da referida
Carta, não pode ser contrariado nem mesmo por Lei que lhe seja posterior(art.
5º, XXXVI), imagine então por um simples ato administrativo, decorrente da
opinião de um Procurador.
E o referido direito dos ora Impetrantes
toma vulto, quando se constata que envolve verba alimentar, de sobrevivência
pessoal: muitos deslocaram-se de distantes rincões, modificaram toda a
estrutura de suas vidas para, com a noticiada bolsa, freqüentar a pós-graduação
na prestigiada Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e agora se vêem
ameaçados de perda de todos os sacrifícios pessoais e de todas as vitórias meritórias
por um simples ato administrativo, modificador de critério até então tido por
justo e correto, adotado pela própria Instituição, apenas porque um Procurador
opinou em sentido contrário e teve sua opinião acolhida pelo Exmº Sr.
Vice-Reitor da mencionada Universidade, ora Autoridade Impetrada.
Conclusão
Posto
isso, tenho por presentes os requisitos do fumus
boni iuris e do periculum in mora,
concedo a medida liminar e determino que o Exmº Sr. Vice-Reitor, ora Autoridade
apontada como coatora, abstenha-se de aplicar o novo critério
jurídico-administrativo aos ora Impetrantes, bem como abstenha-se de deles
excluir o direito à noticiada bolsa de estudo, até ulterior decisão judicial,
sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
Com urgência, notifique-se mencionada
d. Autoridade desta decisão, para o seu efetivo cumprimento, sob as mencionadas
penas.
Como
as Informações já foram prestadas, após referida nova notificação, para os fins
supra, remetam-se os autos do Ministério Público Federal, para o r. parecer
legal.
P. I.
Recife, 31 de
agosto de 2012.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE