segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

HOMOAFETIVIDADE E REFLEXOS NO CAMPO PREVIDENCIÁRIO ESTATAL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Segue uma decisão judicial envolvendo um caso de homoafetividade, com reflexos no campo previdenciário estatal. 
Decisão pesquisada e minutada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque. 
Boa Leitura.



Juiz: Francisco Alves dos Santos Jr, 2ª Vara Federal de Pernambuco.
PROCESSO Nº: 0808127-19.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTORA: A M C M
RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

D E C I S Ã O
1. Breve Relatório

A M C M, qualificada na Inicial, assistida pela Defensoria Pública da União, ajuizou esta "Ação Ordinária", com pedido de antecipação de tutela, visando a concessão de pensão por morte da companheira em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Aduziu, em síntese, que: a ação teria por escopo  a concessão de pensão por morte em função do falecimento da companheira da Autora, a senhora M DA S DE L, a qual era, em vida, Servidora da Universidade Federal de Pernambuco, e cujo óbito ocorrera no dia 01 de setembro de 2015; a Autora e a Sra. M da S de L teriam formado um casal por cerca de 14 anos, até a morte desta, vitimada por complicações decorrentes de insuficiência renal e respiratória; o casal moraria junto, no apartamento da falecida esposa, onde também moraria a filha da Autora; a companheira falecida seria a mantenedora do lar e, dado que a Autora estaria desempregada, era a renda daquela que se usava para o pagamento de contas, alimentação e demais despesas da família; no dia 03 de setembro de 2015, dois dias após a morte de sua esposa, a Autora teria dado entrada num processo administrativo junto à Universidade Federal de Pernambuco a fim de pleitear o recebimento da pensão por morte da sua companheira (cópia em anexo); apesar de diversas provas da união estável e da documentação acostada pela Autora ao pedido, este fora negado pela instituição sob a justificativa de que a Impetrante não fora expressamente designada como dependente pela Falecida servidora; argumenta que a Autora constaria como dependente e companheira da Falecida em diversos documentos; seria o caso de ser concedido o benefício da Justiça Gratuita e que fossem observadas as prerrogativas da Defensoria Pública da União; teria sido exarado despacho no processo administrativo, de lavra do Diretor de Desenvolvimento de Pessoal, indeferindo a concessão da pensão apenas por não ter havido designação da companheira como beneficiária para fins de pensão civil; a Lei n. 8.112/90 não faria exigência de prévia designação como condição para concessão da pensão por morte à companheira, conforme precedentes transcritos; haveria, no processo administrativo, declaração pública de duas amigas do casal, reconhecendo a União estável por mais de dez anos entre a Autora e a Falecida; também haveria, dentre os documentos probatórios desta inicial, mais duas declarações públicas nas quais testemunhas declaram a união estável mantida pelo casal; a Autora dependeria financeiramente da companheira, já que esta contribuía com as despesas da autora, provendo-a do pagamento das despesas básicas, como moradia e alimentação; a Requerente estaria desempregada e desassistida; a documentação carreada aos autos comprovaria a União estável defendida na petição inicial; estariam preenchidos os requisitos para a concessão da tutela antecipada. Teceu outros comentários. Transcreveu jurisprudência. Pugnou, ao final, pela concessão dos benefícios da Justiça Gratuita e que a UFPE fosse compelida  à implantação do benefício pensão estatutária post mortem e ao respectivo pagamento das parcelas vencidas e vincendas. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
Determinada a intimação da parte autora para comprovar como chegou ao valor atribuído à causa[1], tendo havido o cumprimento respectivo[2].
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação

Por entender presentes os pressupostos do art. 273 do Código de Processo Civil, a parte autora pede a antecipação da tutela de mérito, para ser-lhe concedida a pensão por morte estatutária, na condição de companheira.
Primeiramente, impende registrar que a união estável homoafetiva foi equiparada à heteroafetiva pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 4277 e da ADPF 132, devendo ser estendidos aos companheiros que se enquadrem nos casos previstos em lei os respectivos direitos[3].
Com efeito, a concessão do benefício de pensão post mortem a companheiro(a) de falecido(a) Servidor(a) público(a) tem por presumida a dependência econômica.
Segundo a legislação pertinente (Lei nº 8.112/90), a pensão por morte do servidor público está condicionada ao preenchimento dos seguintes requisitos: a comprovação do óbito, a qualidade de segurado do falecido e a comprovação da união estável, como entidade familiar.
Quanto à "designação" do companheiro/companheira, referida na alínea "c" do inciso I do art. 217 da Lei nº 8.112/90, o E. Superior Tribunal de Justiça há muito pacificou o entendimento no sentido de que, nos casos em que estiver comprovada a união estável, a ausência de designação não constitui óbice à concessão da pensão. Assim, com esteio no pacífico entendimento deste E. Tribunal, tenho que a ausência de registro de designação nos assentamentos funcionais do(a) Instituidor(a) da pensão, não impede o reconhecimento da qualidade de dependente, caso reste comprovada a união estável. Eis os precedentes do E. STJ, verbis: 
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 515 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO APRECIADO NOS LIMITES DA IMPUGNAÇÃO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA. BENEFÍCIO DEVIDO. UNIÃO COMPROVADA. DESNECESSIDADE DE DESIGNAÇÃO PRÉVIA. ANÁLISE ACERCA DA EFETIVA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. HABILITAÇÃO TARDIA. TERMO INICIAL DA PENSÃO. CITAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1-2. Omissis.
3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que, nos casos em que estiver devidamente comprovada a união estável, como ocorrido na hipótese, a ausência de designação prévia de companheira como beneficiária não constitui óbice à concessão da pensão vitalícia. Precedentes.
4-6. Omissis. (REsp 803.657/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2007, DJ 17/12/2007, p. 294)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA LEGÍTIMA E COMPANHEIRA. RATEIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
1.  A companheira tem direito à pensão por morte do servidor público, civil ou militar, desde que comprovada a união estável, bem como a dependência econômica, sendo prescindível a designação prévia.
2.  Se a decisão recorrida foi proclamada com fundamento em situação de fato, na qual foi afirmado que a recorrente não faz jus ao rateio da pensão por não comprovar o vínculo com o falecido servidor e a dependência econômica, a matéria refoge do âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7 desta Corte.
3.  Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 628.937/RJ, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 09/02/2006, DJ 27/03/2006, p. 364)
Da análise dos documentos juntados com a petição inicial, notadamente dos pareceres/despachos exarados nos autos do processo administrativo noticiado nos autos, destaco o seguinte trecho[4]:
(...) trata-se de pedido de concessão de pensão estatutária de ex-companheira de ex-servidora desta IFES, com base no exposto na Lei n. 8.112/90 (DOU), de 8112/1990, artigo 217, inciso III, com nova redação dada pelo art. 3º da Lei nº 13.135/15 DOU de 18/06/2015, a qual poderá perceber o benefício de acordo com o que dispõe o EC n. 41/03, DOU de 31/12/2003, regulamentada pela Lei n. 10.887/04, DOU de 21/06/2004.
 "(...) Informando, ainda, que a requerente apresentou várias provas de União estável (fls. 06 a 17 e 25 ), contudo não há designação prévia conforme disposto supra (GN)
Vê-se pois que, no âmbito administrativo, a união estável entre a falecida servidora e a Autora foi considerada existente, tendo a falta de designação prévia sido o único óbice à concessão da pensão pleiteada, imposição esta notadamente indevida, conforme registrado acima.
Sendo assim, sem maiores delongas, tenho que resta comprovado o requisito do fumus boni iuris.
Já o periculum in mora é evidente, primeiro por ser a Autora claramente pessoa de parcas posses e, segundo, por ser o valor da pensão verba de natureza eminentemente alimentar.
Presente, também, o requisito da verossimilhança, exigido pelo art. 273 do vigente Código de Processo Civil.
Então, a concessão do pleito antecipatório é medida que se impõe.

3. Conclusão

Posto isso:

3.1 -  concedo à autora os benefícios da Justiça Gratuita, devendo a Secretaria observar as prerrogativas inerentes à Defensoria Pública da União;

3.2 - defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determino que a Requerida implante, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a pensão por morte requerida pela parte Autora e passe a lhe pagar as parcelas vincendas a partir do mês de fevereiro de 2016, sob pena de pagamento de multa mensal, correspondente a 20%(vinte por cento)do valor do benefício, sem prejuízo da execução forçada e da responsabilização pessoal do Dirigente e/ou Servidor responsável pelas respectivas providências, no campo administrativo, civil e criminal.

3.3 - Cite-se a parte Ré, na forma a para os fins legais e também a intime da decisão supra, para efetivo e pronto cumprimento.

P.I.

Recife, 11 de janeiro de 2016. 

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE

lsc


[1] Id. 4058300.1567672
[2] Id. 4058300.1605488
[3] Nesse sentido, vide PROCESSO: 08002823820124058300, APELREEX/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO), 4ª Turma, JULGAMENTO: 20/08/2015, PUBLICAÇÃO.
[4] Id. 4058300.1534300