Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Militar temporário das Forças Armadas que sofre acidente de moto, fora do serviço, e não fica totalmente inválido para a vida civil, não faz jus à reforma remunerada.
Veja os detalhes e a legislação na sentença que segue.
Boa Leitura.
Obs.: pesquisa e minuta da sentença feita pelo Assessor Antonio Ricardo Ferreira.
PROCESSO
Nº: 0802117-22.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: M D DE A
ADVOGADO: F FP
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
SENTENÇA
TIPO A
EMENTA:- ADMINISTRATIVO. MILITAR
TEMPORÁRIO. SERVIÇO MILITAR. REFORMA REMUNERADA. PERÍCIA MÉDICA.
INVALIDEZ NÃO COMPROVADA.
Acidente sem nexo de causalidade com o serviço
militar e não sendo incapacitante para todas as atividades laborativas, não
gera direito à reforma remunerada de Militar temporário.
O Sr.
Médico Perito atestou que o Autor não é inválido..
Improcedência.
Vistos,
etc.
1. Relatório
M DDE A propôs este PROCEDIMENTO COMUM CIVIL, com Pedido de
Antecipação de Tutela e Indenização em face da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO
(MINISTÉRIO DO EXÉRCITO). Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça
gratuita. Alegou, em síntese, que: a) possuía graduação de soldado no
exército brasileiro quando sofreu acidente de trânsito em 27.06.2014, que lhe
teria causado graves seqüelas de forma que atualmente é considerado pelos
médicos que existe incapacidade definitiva e permanente para o labor de
qualquer atividade da vida civil e militar; b) desde o período do
acidente, teria se submetido a vários tratamentos médicos pelo exército, se
submeteu a cirurgia e teria passado por inspeções de saúde; c) a sua
incapacidade teria decorrido de doença sem relação de causa e efeito com a
atividade militar, situação em que faz jus à reforma, pois comprova estar
definitivamente incapaz tanto para a atividade militar quanto para as
atividades da vida civil; d) o requerente tem assegurado seu tratamento
médico total pelo exército, desde o acidente e ainda sofre com limitações
físicas; e) possui direito à reforma com remuneração calculada com base
no soldo integral do posto ou graduação, nos termos do disposto no art. 108, VI
c/c art. 111, II, da Lei nº 6.880/80, além de concessão de Auxilio Invalidez.
Teceu outros comentários. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e
documentos e requereu, ao final:
"1. A reintegração e, consequentemente, a
reforma ex officio do Autor, com remuneração calculada com base no soldo
correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía respectivamente, com
base no art. 108, IV c/c art. 110, § 1º, da Lei nº 6.880/80, ou, caso assim não
se entenda, pleiteia-se a reforma com a remuneração integral relativa ao posto
que o Autor ocupava, com fundamento no art. 108, VI c/c art. 111, II, da Lei nº
6.880/80;
2. O fornecimento de
medicamentos que se fizerem necessários, bem como o tratamento médico adequado;
3. A concessão de
auxílio-invalidez (art. 126 da Lei nº 5.787/72), com o pagamento das parcelas
vencidas e vincendas, desde a data do seu licenciamento indevido;
4. Seja determinado o pagamento
dos valores retroativos da remuneração devida ao Autor, observada a prescrição
quinquenal, até a presente data, devidamente corrigido e atualizado
monetariamente;
5. A condenação da ré no
pagamento das custas e despesas processuais, bem como, honorários advocatícios
de 30%, nos termos da lei;
6. Caso assim entenda que seja
deferida nova Perícia médica a ser nomeado pelo Juízo que seja realizada no
militar, ora requerente, com a finalidade de confirmar e atestar a incapacidade
laborativa definitiva de forma total e permanente com a devida homologação da
Junta Superior de Saúde;.".
Decisão de identificador 4058300.1823576, na qual
foi deferido o pedido de justiça gratuita e deferida em parte a tutela de
urgência, para que fosse garantido o tratamento médico-hospitalar ao Autor até
seu restabelecimento. Determinou-se a citação da Ré.
Devidamente citada, a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO
apresentou contestação, acostada sob Id.4058300.1975380. Defendeu, em síntese: a) a
legalidade do ato de licenciamento, e que foi disponibilizado tratamento médico
ao Autor até seu restabelecimento e não precisou arcar com nenhum valor para
custear seu tratamento médico; b) a inexistência de direito à
permanência como adido; c) não foi comprovada a necessidade permanente
de cuidados de enfermagem ou internação. Ao final, pugnou pela improcedência
dos pedidos.
A Parte Autora apresentou réplica (Id.
4058300.2080899).
Decisão de identificador 4058300.3354141, na qual
foi determinada a realização de perícia médica na especialidade ortopedia.
Laudo Médico Pericial juntado aos autos (Id.
4058300.10224605).
As Partes foram intimadas a falar sobre o Laudo.
A Parte Autora, em petição de Id. 4058300.10363784,
pugnou para que o Sr. Perito informasse sobre o grau de debilidade do Autor
para a vida civil.
A UNIÃO, em petição de Id. 4058300.10397871, o
Laudo Pericial comprovou que não houve relação de causa e efeito com a suposta
moléstia do Autor e o serviço militar, tendo ficado consignado, ainda que o
Autor não é incapaz para o exercício de qualquer ofício ou profissão.
Despacho de Id. 4058300.12172034, determinando a
intimação do Sr. Perito para esclarecer sobre o qual grau de debilidade do
Autor para a vida civil, bem como para que informasse se o Autor, por conta da
sequela existente, continua necessitando de tratamento médico e/ou
fisioterápico ou se a lesão, por já estar consolidada e sem perspectiva de
melhora/cura, dispensaria a continuidade do tratamento.
Esclarecimentos complementares sobre o Laudo
Pericial, acostado sob Id. 4058300.14513103).
Intimadas as Partes a se pronunciar sobre os
esclarecimentos complementares do Sr. Perito, a UNIÃO, em petição de Id.
4058300.14689531, alegou que os esclarecimentos corroboram o alegado na peça
contestatória.
A Parte Autora, apesar de devidamente intimada, não
se manifestou.
Certidão de juntada do ofício requisitório do
pagamento dos honorários ao Sr. Perito.
É o relatório.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
O Autor objetiva como pleito principal: a) sua
reintegração e, consequentemente, a reforma ex officio, com remuneração
calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que
possuía respectivamente, com base no art. 108, IV c/c art. 110, § 1º, da Lei nº
6.880/80; ou, b) a reforma com a remuneração integral relativa ao posto
que o Autor ocupava, com fundamento no art. 108, VI c/c art. 111, II, da Lei nº
6.880/80.
2.1. Sobre o tema, a legislação dispõe que o militar temporário,
incorporado para prestação de serviço militar obrigatório, não se submete ao
mesmo regime jurídico do militar de carreira. À luz do art. 3.º da Lei nº
6.391/1976 o militar temporário é "(...) aquele que presta serviço
militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros
Oficiais e as diversas qualificações Militares de praças, conforme for
regulamentado pelo Poder Executivo".
Dessa forma, os militares temporários, estando
submetidos a serviço militar por prazo determinado, não possuem a estabilidade
dos militares de carreira, de modo que admissível seu licenciamento antes do
decurso do prazo decenal previsto no art. 50, IV, a, da Lei nº 6.880/1980.
Nesta situação está configurado o Autor.
Acerca do licenciamento do militar, dispõe o art.
121 da Lei nº 6.880/1980:
"Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se
efetua:
[...]
II - ex officio.
[...]
§ 3.º O licenciamento ex officio será feito na
forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos
de cada Força Armada:
a) por conclusão de tempo de serviço ou de
estágio;
b) por conveniência do serviço; e
c) a bem da disciplina." (grifo nosso).
Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço
a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida
prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados,
segundo as conveniências da Força Armada interessada (art. 128 do Decreto n.º
57.654/1966).
O engajamento e os reengajamentos poderão ser
concedidos, pela Autoridade Militar competente, às praças de qualquer grau da
hierarquia militar, que o requererem, dentro das exigências estabelecidas no
Decreto n.º 57.654/1966 e dos prazos e condições fixados pelos Ministérios da
Guerra, da Marinha e da Aeronáutica (art. 129 do Decreto n.º 57.654/1966).
As exigências para a concessão do engajamento ou
reengajamento do militar temporário estão descritas no art. 130 do aludido
Decreto:
"Art. 130. Para a concessão do engajamento e
reengajamento devem ser realizadas as exigências seguintes:
1) incluírem-se os mesmos nas percentagens fixadas,
periodicamente, pelos Ministros Militares;
2) haver conveniência para o Ministério
interessado;
3) satisfazerem os requerentes as seguintes
condições:
a) boa formação moral;
b) robustez física;
c) comprovada capacidade de trabalho;
d) boa conduta civil e militar;
e) estabelecidas pelo Ministério competente para a
respectiva qualificação, ou especialidade, ou classificação, bem como, quando
for o caso, graduação. " (grifo nosso).
Percebe-se, portanto, que o ato decisório quanto ao
licenciamento ou reengajamento do militar temporário possui natureza
discricionária, conferindo-se à Administração Pública Militar, diante do caso
concreto, a possibilidade de aferir a oportunidade e a conveniência da medida.
A sindicabilidade deste ato possui âmbito reduzido,
uma vez que é vedado ao Poder Judiciário imiscuir-se na função administrativa,
sob pena de vulneração de princípio de matriz constitucional - independência e
harmonia entre os Poderes (art. 2.º da Constituição Federal de 1988). Friso que
a perquirição quanto à legalidade do ato, com a análise de sua adequação ao
tipo legal, é plenamente aceitável. O que se obsta ao Magistrado é adentrar nos
meandros da conveniência e oportunidade que nortearam a decisão administrativa,
passando a exercer função que lhe é estranha.
No caso em análise, pelo que se depreende dos
documentos anexados aos autos, o Autor ingressou no serviço militar em março de
2012 e foi licenciado em março de 2015 (Id. 4058300.1975420 e 1975430).
No dia 27/06/2014, segundo relata na Inicial, teria
sofrido acidente de trânsito que lhe causou graves sequelas e que, segundo
declara o Autor, estaria atualmente incapacitado definitivamente para o
trabalho de qualquer atividade da vida civil e militar.
Sobre este acidente e suas consequências destaco
algumas afirmações feitas pelo próprio Autor que ajudará ao deslinde da questão
posta nos autos. Vejamos:
a) "O requerente desde momento do acidente, foi
submetido a cirurgia e vem fazendo vários tratamentos médicos pelo exército,
inclusive passando por parecer, inspeções de saúde..."(destaquei)
b) "No caso, a incapacidade do requerente
decorreu de doença sem relação de causa e efeito com a atividade militar,
situação em que o autor faz jus à reforma, pois comprova estar definitivamente
incapaz tanto para a atividade militar quanto para as atividades da vida civil,
conforme interpretação dos arts. 106 II c/c 108 , VI , 109 , 110 , § 1º , e 111
, inc. I e II , todos da Lei n.º 6.880 /80"(destaquei);
Como afirma o próprio Autor, sua incapacidade
decorreu de acidente sem relação de causa e efeito com a atividade militar, e,
segundo documentos acostados aos autos (Id. 4058300.1975447), que confirmam a
sua alegação, ele sofreu uma colisão com a motocicleta que conduzia, em via
pública, e que não foi considerado acidente de serviço.
Em face dessa primeira constatação, analisemos os
próprios dispositivos de lei invocados pelo Autor para obter seu direito:
Art 106. A reforma ex officio será aplicada
ao militar que:
II - for julgado incapaz, definitivamente, para
o serviço ativo das Forças Armadas;
(...)
Art 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em
conseqüência de:
I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção
da ordem pública;
II - enfermidade contraída em campanha ou na
manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma
dessas situações;
III - acidente em serviço;
IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em
tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;
V - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia
maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia
grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia
grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina
especializada;"
VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade,
sem relação de causa e efeito com o serviço.
Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente
por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior
será reformado com qualquer tempo de serviço.
Art. 110. O militar da ativa ou da reserva
remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos
incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base
no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que
possuía na ativa, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986)
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos
previstos nos itens III, IV e V do art 108, quando, verificada a incapacidade
definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e
permanentemente para qualquer trabalho."
Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz
definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será
reformado:
I - com
remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com
estabilidade assegurada; e
II - com
remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde
que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é,
impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
§ 1º O militar temporário, na hipótese prevista
neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar
impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral,
pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma
prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado
inválido. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
Dessa forma, pelo próprio relato do Autor e pelo
corpo probatório anexado aos autos, é possível concluir que, não tendo a
enfermidade que causou a sua incapacidade, relação de causa e efeito com o
serviço militar desempenhado, ele se enquadraria no inciso VI do artigo 108 da
Lei nº 6.880/80.
E, em tais casos, o militar só terá direito à
reforma se for estável ou se for temporário, quando
considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para
qualquer atividade laboral, pública ou privada. (art. 111, I e II, § 1º
da Lei nº 6.880/80).
Estável, o Autor não era, e, como temporário, há
que se analisar seu estado de invalidez.
Submetido à perícia judicial, restou confirmada a
existência de uma incapacidade laborativa total e definitiva do Autor para a
vida militar, porém, com possibilidade de ser reabilitado para algumas funções
na vida civil.
Destaco os seguintes trechos da conclusão do Sr.
Perito Judicial no seu bem elaborado laudo:
"Deste acidente resultou em fratura da
clavícula direita e trauma no Plexo Braquial direito. Submetido a tratamento
cirúrgico para a fratura, porém, a lesão do plexo braquial deixou sequela que
permanece até o presente momento, limitando os movimentos do membro superior
direito com falta de força no mesmo."
"(...)
Pelo exposto, concluímos que há uma incapacidade
laborativa total e definitiva para a vida militar, porém, pode ser reabilitado
para algumas funções na vida civil."
"Como informado no laudo pericial, o
periciando não tem condições de realizar atividades laborativas que demandem
esforço físico com o membro superior direito, porém, pode realizar atividades
com uso de informática, como na área administrativa, teleatendimento e outras
semelhantes.
Quanto ao tratamento, este encontra-se concluído
sendo as sequelas definitivas."
Destarte, em que pese as alegações de que estaria
totalmente incapacitado para exercer atividades laborativas por conta dos
problemas que lhe afligem, a prova dos autos aponta em sentido diverso.
Assim, não tendo o Autor adquirido a estabilidade
militar, tampouco sido considerado inválido, tenho por improcedente o pedido
autoral de reforma.
Também não procede o pedido de reintegração por ter
sido licenciado sem recuperar sua saúde, pois o tratamento médico foi realizado
e acabado, conforme perícia judicial e tendo o Autor permanecido encostado para
fins de cuidados da saúde no Exército, conforme atestam os documentos anexados
aos autos (Id. 4058300.1975430; 4058300.1975472).
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1. Julgo improcedentes os pedidos
autorais, com base no art. 487, I, do CPC, e extingo o processo com
resolução do mérito;
3.2. Como consequência, condeno o Autor ao
pagamento de custas e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do
valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, suspensa,
todavia, a exigibilidade de tais verbas, pelo prazo de 5(cinco) anos, após o
que extinguem-se, por que gozo da Assistência Judiciária+
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 29.05.2021
Francisco Alves dos Santos Júnior.
Juiz Federal, 2ª Vara-PE.
(arf)