sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dívida Líquida. Prescrição. Novo Código Civil.

Muitas vezes o Credor tem um crédito líquido, mas consignado em título não executivo. A partir da Lei nº 9.079, de 14.07.1995, esse Credor passou a poder buscar o atributo da executoriedade por meio da denominada ação monitória.
No entanto, deve esse Credor ficar atento para o curto prazo de prescrição do novo Código Civil, de 2002.
Segue sentença no qual esse assunto foi enfrentado.






PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2008.83.00.004466-0 – Classe 28 – Ação Monitória
Autor: EMGEA – EMPRESA GESTORA DE ATIVOS
Adv.: ...
Adv.: Réu: F A G A
Adv.: ...



Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010


Sentença tipo “B”


Ementa:- PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE MÚTUO. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA.
- Aplicação do prazo prescricional do novo Código Civil.
- Dívida Líquida, prescrição do inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil em vigor.
- Prescrição reconhecida ex officio(§ 5º do art. 219 do Código de Processo Civil).

Vistos etc.

A EMGEA – EMPRESA GESTORA DE ATIVOS, qualificada na Inicial, propôs, em 16.01.2008, a presente “Ação Monitória” em face de F G A. Alegou, em suma, que em 03/02/1995, teria firmado com a parte demandada “Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda, Mútuo com Obrigações e Quitação Parcial”; que o Demandado teria deixado de pagar as prestações legalmente pactuadas, estando inadimplente em 124 parcelas, o que teria ensejado o vencimento antecipado da dívida; que teriam restado frustradas todas as tentativas de receber extrajudicialmente os créditos a que faria jus; que o débito atualizado em 03/12/2007, totalizaria o valor de R$441.666,00. Teceu outros comentários. Requereu: a expedição de mandado de citação e pagamento na forma do art. 1.102-b do CPC, determinando que o Demandado efetuasse o pagamento, no prazo de 15(quinze) dias, dos valores ora pleiteados, atualizados e corrigidos na forma prevista no contrato em questão, ou então, que oferecesse Embargos, sob pena de formação do título executivo, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, acrescendo as custas processuais e os honorários advocatícios, sendo estes à razão de 20% sobre o valor total do débito, bem como a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com comprovante de recolhimento de custas, instrumento de procuração e documentos (fls. 06/31).
Em atenção ao despacho de fl. 35, a EMGEA retificou o valor dado à causa, fl. 38.
Às fls. 87/90, FERNANDO ANTÔNIO GUEDES ALCOFORADO apresentou Embargos à ação monitória alegando, em suma, que de acordo com a Cláusula Quinta do contrato acostado aos autos, o pagamento do imóvel seria regido pelo Plano de Equivalência Salarial do mutuário; que, com o passar do tempo, e constatado o não acompanhamento dos reajustes a que tinha direito o Embargado, a dívida teria se tornado impagável, motivando-o a requerer, por diversas vezes, a revisão do índice das prestações; que, inclusive, teria disponibilizado o referido imóvel à Caixa Econômica Federal em março de 2004; que seria judicialmente reconhecida a inexatidão dos índices e o acréscimo de percentuais que distorceriam a filosofia do Sistema Financeiro de Habitação; que teriam sido proferidas decisões judiciais acolhendo a rígida observância da aplicação dos reajustes à variação salarial do mutuário; que a questão do anatocismo teria sido objeto de estudo em sentenças proferidas. Teceu outros comentários e requereu: a improcedência da “ação monitória”, impugnando o pedido na alínea e da Petição Inicial, vez que o imóvel estaria desocupado desde março de 2004; que sejam refeitos os cálculos correspondentes ao débito do Embargante, vez que, ao contratar o financiamento, cerca de 40% do imóvel já teria sido pago à Imobiliária Farinha Ltda. e o valor venal do imóvel não se aproximaria sequer da metade do valor correspondente ao que a Embargada alega ter direito, e o pagamento de tal valor resultaria em enriquecimento ilícito da Embargada. Protestou o de estilo e requereu a revisão do valor da causa. Juntou procuração e documentos, fls. 91/131.
À fl. 132, os Embargos foram recebidos e foi determinada a intimação da Embargada para impugnar.
Às fls. 134/142, a EMGEA/CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou Impugnação aos Embargos, pugnando pela rejeição dos Embargos Monitórios, tendo em vista que não se prestariam para o fim de embargar a ação monitória, eis que apenas serviriam para procrastinar o resultado útil do processo e prorrogar a condição de moradia graciosa da Embargante em detrimento do interesse público e da coletividade. Requereu, ainda, o julgamento antecipado da lide e, no mérito, a rejeição dos Embargos Monitórios. Protestou o de estilo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação

1-Prejudicial de prescrição.

O Réu não argüiu a exceção de prescrição.
Ocorre que a Lei nº 11.280, de 16.02.2006, partindo do entendimento de que a prescrição envolve norma de ordem pública, assim como a decadência, alterou a redação do § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil , de modo a permitir o seu reconhecimento de ofício pelo magistrado, garantindo, assim, uma maior agilização das questões postas em juízo.
Destarte, à luz dessa disposição legal, passo a analisar a questão.
É sabido que o termo inicial do prazo prescricional não é a data da celebração do contrato de crédito (03 de fevereiro de 1995, fl. 27), e sim a data de vencimento da dívida.
Importa, em primeiro lugar, saber quando a dívida ora cobrada venceu.
Conforme disposto na Cláusula Sexta (fl. 14) e alínea “C” (fl. 13) do “Contrato de Compra e Venda com Quitação e Cancelamento Parcial (fls. 12/27), as amortizações do financiamento seriam feitas por meio de prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 03.03.1995 e as seguintes em igual dia dos meses subseqüentes.
No “Demonstrativo de Débito” acostado à fl. 28 dos autos, datado de 03.12.2007, consta que o contrato em questão estaria com 125 (cento e vinte e cinco) prestações atrasadas.
Assim, considerando os termos do instrumento contratual, e, considerando ainda que, em 03.12.2007, segundo alegado pela EMGEA, estaria o ora Requerido inadimplente em 125 (cento e vinte e cinco) prestações, verifico que a primeira prestação não paga corresponde àquela vencida em 03.07.1997.
Tem-se, portanto, que, à época em que o ora Requerido passara a dever a integralidade da dívida, 03.07.1997, estava em vigor o antigo Código Civil, cujo art. 177 dispunha verbis:
Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.
Ora, ainda que a dívida em questão tenha vencido em 03.07.1997, por se tratar de alteração do prazo prescricional, sua cobrança está submetida ao novo Código Civil por força das disposições transitórias finais, especificamente pelo art. 2.028 .
É que, a partir da vigência do NCC/2002, em 11.01.2003, todas as dívidas originadas na vigência do Código anterior somente adotarão o prazo revogado quando já ultrapassado mais da metade do lapso prescricional nele contido.
No caso concreto, observo que ainda não transcorrera metade do prazo prescricional estabelecido no antigo Código Civil, de modo que é aplicável o prazo previsto no novo Código.
A jurisprudência vem se firmando, no sentido de que o novo prazo somente deve se iniciar a partir do advento do novo Código, ou seja, a partir de 11 de janeiro de 2003.
É o que se verifica nos arestos a seguir colacionados:
LOCAÇÃO. CIVIL. COBRANÇA DE ALUGUERES. PRESCRIÇÃO. ART. 2.028 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE.
1. A aplicação da lei nova, de modo a reduzir prazo prescricional referente a situações a ela anteriores e sujeitas a um lapso prescricional superior, disciplinado pela lei revogada, efetivamente importará em atentado aos postulados da segurança jurídica e da irretroatividade da lei, caso se considere a data do fato como marco inicial da contagem do novo prazo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
2. Dessa forma, nas hipóteses em que incide a regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002, o termo a quo do novo prazo é o início da vigência da lei nova, no caso 11 de janeiro de 2003, e não a data em que a prestação deixou de ser adimplida.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. 6ª Turma. RESP 948600/SP. Rel.: Min. Maria Thereza de Assis Moura. Julg. 29.nov.2007, u., pub. 17.dez.2007, DJ, p. 00372) (G.N.)


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONTAGEM. MARCO INICIAL. REGRA DE TRANSIÇÃO. NOVO CÓDIGO CIVIL.
1 - Se pela regra de transição (art. 2028 do Código Civil de 2002) há de ser aplicado o novo prazo de prescrição, previsto no art. 206, §3º, IV do mesmo diploma legal, o marco inicial de contagem é o dia 11 de janeiro de 2003, data de entrada em vigor do novo Código e não a data do fato gerador do direito. Precedentes do STJ.
2 - Recurso especial conhecido e provido para, afastando a prescrição, no caso concreto, determinar a volta dos autos ao primeiro grau de jurisdição para julgar a demanda.
(STJ. 4ª Turma. RESP 838414/RJ. Rel.: Min. Fernando Gonçalves. Julg. 08.abr.2008, u., pub. 22.abr.2008, DJE). (G.N.)
Ora, enquanto o Código Civil de 1916, nos seus artigos 177 a 179, previa que as dívidas poderiam ser cobradas em até 20(vinte) anos, o novo Código findou por reduzir esse tempo para, no máximo, 10 (dez) anos, conforme disposto no art. 205 e, para situações idênticas ao da questão sob análise, o novo Código estabeleceu prazo prescricional de cinco anos(art. 206, § 5º-I).
Realmente, a dívida do Requerido, embora espelhada em documento que não constitui título executivo extrajudicial, goza do atributo da liquidez, sendo, pois, uma dívida líquida.
Iniciado o novo prazo, de 5 (cinco) anos, a partir do dia 11 de janeiro de 2003, conclui-se que, na data da propositura da presente ação (16 de janeiro de 2008), a dívida já estava prescrita.

2-Conclusão:

POSTO ISSO, de ofício(§ 5º do art. 219 do Código de Processo Civil) e à vista do inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil em vigor, reconheço a prescrição da pretensão da Requerente e a pronuncio para todos os fins de direito, dando, em razão disso, o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 269-IV do Código de Processo Civil).
Condeno a EMGEA ao pagamento das custas processuais, cuja parcela inicial já se encontra satisfeita, e em honorários advocatícios, os quais, com base no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, arbitro em R$ 400,00(quatrocentos reais), atualizados a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, sem prejuízo da aplicação das regras do art. 475-J do Código de Processo Civil, inclusive da multa nele prevista.
No momento próprio, dê-se ciência ao Ministério Público Federal e ao órgão local do Tribunal de Contas da União para verificar se a Caixa Econômica Federal tomou as medidas pertinentes para que o seu Empregado ou Dirigente, que deixou o seu crédito prescrever, providenciasse o ressarcimento do respectivo prejuízo, no caso de dolo ou culpa.
P.R.I.

Recife, 28 de maio de 2010

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara – PE