terça-feira, 28 de abril de 2020

COMPOSIÇÃO GRÁFICA. QUANDO NÃO INCIDE O ISS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Debate-se, na sentença abaixo, interessantes conflitos entre Entes Tributantes, decorrentes do emaranho legal no qual se transformou a nossa confusa legislação tributária, que torna a sua aplicação difícil até mesmo nos Tribunais Superiores. 

Boa  leitura. 


PROCESSO Nº: 0823580-15.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: F I C DE ELTDA
ADVOGADO:  De F C J
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo A

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. COMPOSIÇÃO GRÁFICA E OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS.
-A Súmula 156 do STJ encontra-se parcialmente sem efeito, em face do novo tratamento legal que as  atividades debatidas neste processo  receberam na Lei Complementar 116, de 2003.
-Improcedência.



1. Breve Relatório


F I C DE E LTDA, qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA LIDE INAUDITA ALTERA PARTE contra a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL). Aduziu, em síntese, que: seria pessoa jurídica  de direito privado que teria por objetivo social 2 (duas) atividades: 1) a fabricação de embalagens ao público geral, também chamada de EMBALAGENS LISAS; e 2)  a prestação de serviços gráficos personalizados e feitos sob encomenda para os seus clientes, contendo estas, na grande maioria das vezes, a logo-marca do cliente - EMBALAGENS PERSONALIZADAS;  no desempenho das suas atividades, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, ora Ré, estaria entendendo que as 2 (duas) atividades estariam sujeitas ao IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI, enquadrando os respectivos produtos,    especialmente, nos itens 39.20 e 39.21, conforme se comprovaria pelas Notas Fiscais em anexo a título ilustrativo (docs. 04); a parte autora estaria sendo compelida a recolher mensalmente o IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI incidente sobre os PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (EMBALAGENS LISAS) e sobre os SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS (EMBALAGENS PERSONALIZADAS); entenderia a autora que, quando produz uma embalagem lisa, sem qualquer logomarca ou estampa, sem sombra de dúvidas estaria diante de um produto comercializável no mercado, onde qualquer pessoa física ou jurídica poderia ter proveito do produto; este entendimento não se aplicaria à atividade de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS; ao atender uma demanda de um cliente seu onde seria solicitado um determinado tipo de embalagem e com a logomarca do seu cliente, vê-se que a Autora não poderia fornecê-lo para mais ninguém a não ser para esse cliente específico; o entendimento da Autora seria de que o fornecimento de embalagens personalizadas, estaria inserido na Nota 2, da Seção VII, da TIPI, que determinaria de forma clara que com exceção dos artigos das posições 39.18 e 39.19, classificam-se no Capítulo 49, os plásticos, a borracha e as obras destas matérias, com impressões ou ilustrações que não tenham caráter acessório relativamente à sua utilização original; o Capítulo 49 elencaria os produtos das INDÚSTRIAS GRÁFICAS, como seria o caso da Autora, o que fizera com que as embalagens impressas e personalizadas estivesse elencados no item 49.11 da TIPI; pensar ao contrário, seria o mesmo que admitir que ao fazer compras no SUPERMERCADO WALMART, este último pudesse fornecer as embalagens impressas com o nome do CARREFOUR, PÃO DE AÇÚCAR, ou qualquer outro supermercado que não fosse o WALMART, o que seria inconcebível; ou o cliente forneceria uma embalagem lisa aos seus clientes (produto industrializado) ou contrataria a Autora para elaborar uma embalagem personalizada (prestação de serviços) seguindo as suas determinações; ao fazer uma minuciosa análise acerca da tributação incidente sobre os seus produtos,  Autora pôde constatar que estaria sendo totalmente lesada pela ora Ré, uma vez que a elaboração de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda do seu cliente constituiria uma atividade de composição gráfica que, para fins tributários, em conformidade com o item 77, da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56, de 15.12.87, reproduzido no item 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.º 116, de 31.07.2003, e, como tal, sofreria a incidência do imposto de competência municipal sobre serviços, ou seja, o ISS, não cabendo a incidência do IPI; além disso, a Autora teria constatado que a matéria objeto da presente ação já que seria objeto da Súmula/TFR n.º 143, Súmula/STJ n.º 156, e ainda, do julgamento do Recurso Especial n.º 1.092.296-SP, este último, que fora julgado com base no rito dos Recursos Repetitivos, bem como no âmbito do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, o que tornaria a matéria totalmente pacífica. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fosse determinada a suspensão da exigibilidade do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre os serviços de composição gráfica de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda dos seus clientes, até o julgamento de mérito da presente ação e, consequentemente, que abstenha o Réu de praticar qualquer ato coativo contra o seu patrimônio. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos. 

Decisão sob id 4058300.12890830, na qual foi indeferida a pleiteada tutela provisória de urgência.

A União (Fazenda Nacional) apresentou  Contestação aduzindo, em apertada síntese, que: a Constituição, o CTN, a Lei nº 4.502/64 e o RIPI deixariam claro que o imposto em questão recairia sobre o produto industrializado, quando se verifica no mundo dos fatos a situação apta a atrair a incidência tributária (o fato gerador), na hipótese, a saída do estabelecimento, sendo irrelevante para tanto que a industrialização que qualificou o produto como industrializado tenha ou não envolvido um serviço, pouco importando também se esse produto foi ou não encomendado; não seria relevante a circunstância em que se dá a industrialização que caracteriza um produto como industrializado, para fins da imposição tributária, pois o IPI incide sobre o objeto final, produto industrializado, conforme disposição literal do art. 153, V, da Constituição Federal de 1988, e não sobre eventual serviço envolvido ou que possa lhe ter agregado valor; Está-se, diante, portanto, de uma atividade mista que envolve a prestação de um serviço, a saída de um produto industrializado e, ao mesmo tempo, o fornecimento de uma mercadoria. Em relação a tal atividade mista existe um impedimento constitucional e legal para a incidência concomitante do ISS e do ICMS, mas não existe qualquer norma que afaste a incidência do IPI; Contudo, a Súmula nº 156 do STJ não pode ser aplicada ao caso, sequer analogicamente, pois não afasta, de modo algum, a tributação pelo IPI, mas tão somente pelo ICMS, uma vez que os precedentes que fundamentaram sua edição decidiram exclusivamente sobre o conflito entre o ISS e o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias) na atividade mista relativa à prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, que envolvesse também o fornecimento de mercadorias; Entretanto, caso assim não se entenda pertinente, ao menos para os casos em que se discute a incidência do IPI na atividade mista que se constitui em uma etapa intermediária do ciclo produtivo, ou seja, sobre a saída de um produto que será posteriormente submetido a novo processo industrial ou destinado à comercialização ou incorporado de alguma maneira a outra mercadoria que será sujeita a posterior circulação, faz-se necessário reconhecer que a Súmula e a jurisprudência do STJ que fundamentavam a não tributação pelo IPI foram superadas e não podem continuar sendo aplicadas; esse modo, o acolhimento do pleito do contribuinte pelo judiciário não encontra respaldo na vedação à bitributação, posto que inocorrente, e viola frontalmente a competência da União para tributar os produtos industrializados, desconsiderando, assim, o silêncio eloquente constitucional que não excetuou essa competência em atividades mistas, bem como ofende o próprio Pacto Federativo, pois significaria estender analogicamente uma disposição relativa às competências tributárias Estaduais e Municipais para a União Federal. Teceu outros comentários. Transcreveu legislação. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.13176583).

A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.13613480).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.


2. Fundamentação 

2.1 - A questão litigiosa circunscreve-se à incidência tributária em relação aos impressos personalizados fabricados pela parte autora.

2.1.1 - Na legislação anterior, Decreto-lei 406, de 1969, com alteração da Lei Complementar 56, de 1987, a matéria era tratada no seu item 77 e tinha a seguinte redação:

 "77 - Composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia".

Aqui, não havia dúvida que deveria incidir apenas ISS.
Até mesmo eventual mercadoria aplicada nessa atividade ficaria à margem da tributação do então ICM e depois ICMS.
O IPI incidira apenas se fosse insumo importador pela Empresa Gráfica, de sua fabricação ou que ele utilizasse na qualidade de Estabelecimento Comercial Equiparado a Industrial.

No extinto Tribunal Federal de Recursos firmou-se a jurisprudência no sentido de que incidiria apenas  o ISS, o qual, a respeito,  baixou a Súmula 143, bem como do atual Superior Tribunal de Justiça, que baixou a Súmula 156, verbis:

"Súmula STJ 156 - A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA, PERSONALIZADA E SOB ENCOMENDA, AINDA QUE ENVOLVA FORNECIMENTO DE MERCADORIAS, ESTA SUJEITA, APENAS, AO ISS.".

Obs.: Essa Súmula originou-se em vários precedentes desse E. Tribunal, cuja numeração e órgãos de publicação encontram-se indicados no respectivo site, disponível em http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf, ao qual acessei no dia de hoje.

Não encontrei, no site do STJ, o REsp 1.092.296, que teria sido julgado sob efeito repetitivo, indicado na petição inicial.

Valho-me, pois, de parte da ementa transcrita pela Parte Autora na sua petição inicial:

"2. As operações de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados e sob encomenda, são de natureza mista, sendo que os serviços a elas agregados estão incluídos na Lista Anexa ao Decreto-Lei 406/68 (item 77) e à LC 116/03 (item 13.05). Consequentemente, tais operações estão sujeitas à incidência de ISSQN (e não de ICMS), Confirma-se o entendimento da Súmula 156/STJ: "A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS." Precedentes de ambas as Turmas da 1ª Seção.
3. Recurso especial provido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08."
 Mencionado d.  julgado, data venia, não se aplica ao presente caso, pelas razões que veremos nos subitens que seguem. 


2.1.1 - Essa matéria, data maxima venia,  recebeu tratamento diferenciado na Lei Complementar nº 116, de 2003, que dela trata no subitem 13.05 da Lista de Serviços a ela anexa, com redação dada pela Lei Complementar 157, de 2016, verbis:

"13.05 - Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS.".

 Então, se o Cliente da Empresa ora Autora utiliza o material de embalagem personalizado na comercialização dos produtos que fabrica ou que apenas compra para revenda, a mencionada operação de composição gráfica deixou de ser submetida ao ISS e foi transformada em operação de industrialização de material de embalagem, sujeita ao ICMS e também ao IPI.

Data maxima venia, parece-me clara a redação do subitem 13.05, acima transcrito, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116, de 2003.

Não desconheço recente julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do d. Ministro Mauro Campbell Marques, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3 DO STJ. PRODUÇÃO DE SACOLAS POR ENCOMENDA E PERSONALIZADAS. NÃO INCIDÊNCIA DE IPI. INCIDÊNCIA APENAS DE ISS. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PERPETRADA PELA LC Nº 157/2016 AO ITEM 13.05 DA LISTA ANEXA A LC Nº 116/2003.
1. A jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a atividade de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, não está sujeita à incidência do IPI, mas apenas de ISS. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.620.382/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 13/10/2017; AgRg no REsp 1.369.577/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 06/03/2014. Afastada a incidência de IPI tão somente no que diz respeito à atividade específica de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, e não à toda produção da empresa, se houver, também, produção que não se enquadre na referida atividade personalizada sob encomenda.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1.730.920/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019)[1]
Li o voto do d. Ministro Relator e deli colho a seguinte passagem:

"A referida alteração legislativa não trata de forma direta de incidência de IPI, sendo descabida sua aplicação no caso dos autos. Ainda que assim não fosse, não se depreende dos autos, a priori, que a produção das sacolas personalizadas se destina a comercialização ou a industrialização, o que igualmente afasta a possibilidade de aplicação da alteração legislação no caso concreto."
Realmente, como o antigo Decreto-lei nº 406, de 1968, a Lei Complementar 116, de 2003, veicula regra de competência apenas com relação ao ISSQN e ao ICMS.
Mas se a Empresa em questão pratica atos que caracterizam  a industrialização, ou é Importadora, ou ainda se encontra enquadrada como Empresa Comercial Equiparada a Industrial, caso aplique algum produto que industrializou, importou ou que com relação a ele é Equiparada a Estabelecimento Industrial, praticará o fato gerador do IPI e deverá lançá-lo na nota fiscal e recolher o respectivo valor na época própria.
E isso independe do que o destinatário vá fazer com o produto que adquire da Autora.
Obviamente, se a Empresa Encomendante, Cliente da Autora,  vai destinar o produto à comercialização, diretamente ou como embalagem das suas mercadorias, praticará o fato gerador do IPI e, à luz do novo item da Lista da Lei Complementar nº 116, de 2003, a cima transcrito, também estará praticando o fato gerador do ICMS, não incidindo o ISS.


No presente caso, a Empresa Encomendante,  Cliente da Autora,  não é usuário final dos produtos personalizados  que adquiriu da Empresa ora Autora, pois utiliza tais produtos como embalagem das suas mercadorias, que são comercializados.

Data maxima venia, com relação a essa operação, a Súmula 156 encontra-se superada pela acima referida regra da Lei Complementar 116, de 2003.
E ainda data maxima venia do d. Relator, acima referido, o IPI submete-se à legislação própria, dele não tratando a referida Lei Complementar nº 116, de 2003. 



3. Dispositivo

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC), condenando a Parte Autora nas custas judiciais e ao pagamento da verba honorária, que, em face da simplicidade do caso, arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, devidamente atualizado(correção monetária e juros de mora), na  forma e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal. .

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, §4º, II do CPC).
Registrada, intimem-se.

Recife, 28.04.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.

_________________________________
[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgInt no REsp 1730920/RN,  DRel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019.



Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp



Acesso em 06/12/2019



segunda-feira, 27 de abril de 2020

CONTRIBUIÇÃO RAT, UMA NOVA VISÃO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A Contribuição RAT pode ser majorada por Decreto do Poder Executivo, mas, enquadrando-se essa possibilidade dentro do atual sistema econômico-liberal, tem-se que isso só poderá ocorrer mediante observância dos princípios constitucionais da legalidade, ampla defesa e do contraditório e também do princípio da propocionalidade, previsto no art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999. 
Na sentença que segue, esse assunto é minudentemente analisado. 
Boa leitura. 


PROCESSO Nº: xmxmxmxmxmxmxm - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: A P LTDA e outros
ADVOGADO: E   R
ADVOGADO: T J M C F
ADVOGADO: L S W
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR) 


SENTENÇA TIPO A, REGISTRADA ELETRONICAMENTE

EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DECORRENTE DOS RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO - RAT (ANTIGA CONTRIBUIÇÃO SAT - SEGURO ACIDENTE DO TRABALHO). DECRETOS 6.042/2007 E 6.957/2009.
-Se o setor de atividades da Autora, segundo dados estatísticos oficiais,  sofreu redução nos acidentes, não pode o seu reenquadramento, nessa seara, ser para maior risco, com automático aumento da alíquota do tributo em debate, quer em decorrência da Legislação de regência, quer por força do princípio da proporcionalidade.
-Ademais, antes da elaboração do Decreto que fez esse majoração, não se deu à Autora oportunidade de defesa, com ferimento aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
-Procedência. 

Vistos, etc.

1. Breve Relatório

A P LTDA, qualificada na Inicial,  propôs esta  AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C PEDIDO LIMINAR em face da UNIÃO FEDERAL (Fazenda Nacional). Aduziu, em síntese, que: seria pessoa jurídica de direito privado enquadrada como sociedade que exerce a atividade de "comércio a varejo de automóveis, comionetas e utilitários usados";  dentre os diversos tributos incidentes sobre a atividade por ela desenvolvida, a Autora recolheria a contribuição para o financiamento dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho - "RAT" (antigo SAT) - Conjunto Documental 01; o RAT possuiria base constitucional no inciso XXVIII do artigo 7º, no inciso I do artigo 195 e no inciso I do artigo 201, todos da CF/88, e sua arrecadação visaria assegurar fundos previdenciários decorrentes de acidentes/doenças laborais, bem como estimular investimentos na prevenção de acidentes; no âmbito infraconstitucional, a exação se submeteria aos ditames da Lei 8.212/91, que determinou o recolhimento com base em alíquotas fixadas em razão do grau de risco da atividade preponderante do contribuinte: de 1% (um por cento) para risco leve, de 2% (dois por cento) para risco médio e de 3% (três por cento) para risco grave, conforme art. 22 da r. Lei nº 8.212/1991 ali descritos; a atividade exercida  pela Autora, nominada como "comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários usados" seria classificada  sob o código CNAE - Código Nacional de Atividade Econômica nº 45.11-1-02, tendo sido enquadrada inicialmente como grau de risco médio, submetendo-se à alíquota de 2% (dois por cento); posteriormente, o Decreto nº 6.042/2007 (DOU de 13.02.2007) teria alterado o "Anexo V" do Decreto 3.048/99, mas teria mantido a alíquota de 2% (dois por cento) para a atividade de comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários usados como a Autora; a partir de 01/01/2010, todavia, teria entrado em vigor o Decreto 6.957/2009, que teria alterado o Anexo V acima referido, mas agora com modificações em relação à atividade desenvolvida pela Autora (comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários novos), que teria passado a ser enquadrada como grau de risco grave, submetendo-se à alíquota de 3%; ao enquadrar a atividade como grau de risco grave, o Decreto teria acabado por contrariar e exorbitar a competência que lhe fora outorgada pela lei; a tarefa de enquadramento das atividades nos graus de risco leve, médio e grave não seria exercida arbitrariamente pelo Poder Executivo, mas sim com base nos critérios definidos na lei, mais especificamente com base nas estatísticas de acidentes do trabalho e com a finalidade de estimular investimentos em prevenção de acidentes, nos termos do parágrafo 3º do art. 22 acima transcrito; os dados estatísticos divulgados pelo próprio Ministério da Previdência nos Anuários Estatísticos de Acidentes do Trabalho - AEAT, de acesso público e irrestrito através do link http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-sst/, conforme será demonstrado adiante, demonstrariam claramente que a atividade de comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários usados não possuiria grau de risco além do médio, pois os níveis de acidente de trabalho da atividade seriam menores que os de outras atividades já enquadradas inclusive em grau de risco leve; desde 2007, quando ainda vigorava o Decreto nº 6.042/2007 que teria mantido a alíquota de 2% (dois por cento) para atividade da Autora, teria havido uma diminuição nos dados estatísticos de acidente de trabalho, o que demonstraria ser injustificável a modificação do enquadramento de risco moderado para risco grave promovida pelo Decreto nº 6.957/2009;  as estatísticas de acidente de trabalho divulgadas em 2007, demonstrariam que o índice de acidentes de trabalho para atividade de comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários usados, era igual a 11,46 a cada 1.000 (mil) vínculos, enquanto que nas estatísticas divulgadas em 2017, o índice de acidentes de trabalho para a mesma atividade caiu para 8,37; à época em que os índices de acidente de trabalho apontavam para uma incidência de 11,46 a cada mil vínculos, a atividade seria considerada de risco médio e atualmente, com a redução da incidência para 8,37, a mesma atividade seria considerada como grau de risco grave?; o CNAE base utilizado (4511) nas estatísticas de trabalho para imputar a alíquota do RAT de 3% (três por cento) às empresas que exercem o comércio varejista de veículos usados seria o mesmo CNAE base das empresas que comercializam veículos novos; contraditoriamente, o RAT da atividade de comércio de veículos novos seria 2% (dois por cento) - grau de risco médio, ou seja, menor que a atividade de comércio de veículos usados; como poderia a mesma estatística de acidentes de trabalho ser utilizada para duas atividades e, simultaneamente, as duas atividades possuírem grau de risco distintos?; a resposta seria evidente, uma vez que o Decreto 6.957/2009, especialmente na parte que atribui o grau de risco 3% (três por cento) às empresas que comercializam veículos usados seria ILEGAL e DESPROPORCIONAL; o enquadramento nas alíquotas de 1%, 2% ou 3%, ao contrário do que determina a Lei nº 8.212/91, seria efetuado de modo completamente arbitrário e casuístico pela Ré, o que não poderia ser tolerado; não se estaria discutindo a constitucionalidade da Contribuição ao RAT/SAT, já resolvida pelo STF no julgamento do RE 343.446/SC; nem tampouco; a legalidade do enquadramento ou reenquadramento dos contribuintes em um dos graus de riscos por meio de Decreto, também já decidida pelo STJ, no julgamento do EREsp 297.215/PR; o que seria discutido nesta ação seria o efetivo exercício dessa competência delegada pela Lei ao Chefe do Poder Executivo de enquadrar as atividades nos graus de risco leve, médio e grave, já que, como dito acima, essa competência não poderia ser exercida arbitrariamente pelo Executivo, mas está sim sujeito aos limites da LEI. Teceu outros comentários.
Pugnou, ao final: a)    Concessão, inaudita altera parte, medida liminar, em caráter de urgência, nos termos do art. 300 e 311 do CPC/15 c/c art. 151, inciso IV do CTN, para impedir qualquer nova cobrança pela Receita Federal a título de Contribuição ao RAT; b)   Uma vez concedida a liminar, abstenha-se a Fazenda Nacional de proceder com a atuação, ou quaisquer atos e medidas constritivas, tampouco de inserção do nome deste no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN) ou quaisquer outros cadastros de devedores;
c)    Uma vez concedida a liminar nos termos dos itens precedentes, determine a imediata comunicação e cumprimento da ordem dela emanada à Ré, pelos meios mais céleres à disposição deste MM. Juízo, tais como fax, e-mail, carta, intimação por oficial de justiça etc, consignando, desde já, a aplicação de multa diária no valor a ser determinado por este juízo em caso de descumprimento, nos termos do art. 500 do CPC; d)   Ordene a citação da Ré para, querendo, contestar a presente ação; e)    Determine a intimação do Ministério Público para ofertar seu parecer, caso entenda necessário; f)     No mérito, julgue PROCEDENTES os pedidos da presente ação para: f.1) Declarar a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade do Decreto nº 6.957/2009 ao enquadrar a atividade de comércio de veículos automotivos usados no grau de risco grave (3%); f.2) Declarar o direito das Autoras de recolher o RAT à alíquota de 2% (grau de risco médio); f.3) Declarar o direito das Autoras à restituição/compensação de eventuais valores pagos em cumprimento à alteração da alíquota do RAT promovida pelo Decreto nº 6.957/2009 contestado nesta ação; f.4) Condenar a Ré ao ressarcimento das custas e pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, nos termos do Art. 85 do Código de Processo Civil.
Inicial instruída com procuração e documentos.
Decisão, acostada sob id 4058300.12472319, na qual se concedeu, liminarmente, a tutela provisória de urgência de antecipação. 
A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação, aduzindo, em apertada síntese, que: a pretensão em infirmar o enquadramento da atividade preponderante da atividade do contribuinte em geral no grau de risco médio revelaria uma tentativa velada de incursão no mérito do ato administrativo, pautado na discricionariedade técnica, que é exercitada no âmbito do poder regulamentar; mereceria inexorável repúdio do Estado-juiz a tentativa da Autora de infirmar as disposições constantes do Decreto 6.957/2009, sob pena de se imiscuir no poder regulamentar e na discricionariedade técnica próprios dos órgãos do Poder Executivo Federal alhures mencionados, com competência atribuída por lei para tal desiderato; não haveria de se cogitar de ilegalidade quando o próprio legislador ordinário teria deixado ao regulamento as minudências a qual não comporta a lei, face ao seu caráter geral e abstrato; o Decreto nº 6.957/09, a despeito de não cometer uma ilegalidade, cumpriria, fielmente sua função (art. 84, IV, da CF), posto que regulamentaria a previsão genérica da lei, classificando as atividades econômicas passíveis de tributação segundo os graus de risco, sem que se pudesse falar em violação ao princípio da legalidade estrita ou legalidade tributária. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fossem julgados improcedentes os pedidos (Id. 4058300.12886812).
A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos na Inicial (Id. 4058300.13470395).
É o relatório, no essencial.

2. Fundamentação
A situação em discussão, dentre outros aspectos, é o fato de a Parte Autora sustentar ser ilegítima a alteração da alíquota base da contribuição (SAT/RAT) de 2% (risco médio) para 3% (risco máximo), por conta do Decreto nº 6.957/2009, porque seria patente a falta de elementos que permitiriam sua concreta compreensão acerca do reenquadramento no RAT - Risco Ambiental do Trabalho, uma vez que houvera redução nos índices de acidente nas suas atividades.
A adoção do FAP - Fator Acidentário de Prevenção fixado em Regulamento, consolidado por estabelecimento de acordo com os índices de frequência, gravidade e custo de incapacidade laborativa, derivada dos riscos ambientais do trabalho, no cálculo das alíquotas do RAT- Riscos Ambientais do Trabalho tem expressa autorização legal.
Então, a questão é saber se, no caso concreto, caberia ou não o reenquadramento da Autora em percentual maior daquele no qual estava enquadrada.
Com efeito, o risco de acidente da atividade da Autora estava enquadrada no percentual de 2%(médio) e, num repente, por meio de um Decreto do Chefe do Poder Executivo da Entidade Tributante, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, passou para 3%(alto), quando as estatísticas do setor, indicadas pela Autora na petição inicial e na respectiva emenda, indicam redução nas estatísticas de acidentes do seu setor de atividades.
Como já sinalizei na decisão inicial,  sob identificador 4058300.12472319, ora reiterada, tenho que a Lei teria que estabelecer critérios rígidos, com participação administrativa do Contribuinte, na  majoração do mencionado tributo, não podendo ficar a critério apenas de Órgãos ligados ao Poder Executivo.
No entanto, vejamos o texto da Lei que concede esse poder extralegal a setores do Poder Executivo para essa repentina majoração, consignado no § 3º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991:
  "Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
(...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
(...)
§ 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.".(Negritei).
É verdade que o Pleno da Suprema Corte, em abril de 2003,  decidiu:
"EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I. I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - Recurso extraordinário não conhecido.".[1]
Então, cabe aos demais Órgãos do Poder Judiciário apreciar casos concretos, como o ora em debate, para saber se na aplicação do Regulamento houve observância dos princípios constitucionais da legalidade, ampla defesa, contraditório e da proporcionalidade.
E tudo isso amolda-se ao atual sistema político brasileiro, que sofreu substancial mudança, de uma social democracia em 2003, regime pelo qual o Estado tem uma certa veia intervencionista, para o regime neo-liberal, no qual os princípios constitucionais erguem-se como dogmas, sobretudo aqueles que impedem que o Estado exproprie riquezas do setor privado.
Ora,  o Poder Legislativo não pode delegar ao Poder Executivo a possibilidade, sobretudo agora com a mencionada nova conjuntura política,  de aumentar tributo aleatoriamente, porque o aumento de tributo está submetido à rigidez do principio da legalidade(inciso I do art. 150 c/c inciso II do art. 5º, todos da mesma Constituição).
Extrai-se da Lei em questão, que o Poder Executivo, para o caso do tributo ora sob análise, até poderia modificar o reenquadramento da Autora para situação de maior risco nas suas atividades, "com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção"(§ 3º do art. 22 da  Lei nº 8.212, de 1991),  de forma a pagar o tributo em questão em alíquota superior, mas, para tanto, teria que estabelecer um processo administrativo, com observância dos noticiados princípios da ampla defesa e contraditório, agasalhados no inciso LV ("LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"do art. 5º da Carta Magna, como verdadeiros dogmas do regime liberal. 
Ademais, como resta inconteste que a Autora juntou provas, não inviabilizadas pela UNIÃO, no sentido de que as suas atividades, segundo dados oficiais estatísticos, sofreram redução nos acidentes, pelo que,  à luz do princípio da proporcionalidade, de observância obrigatória pela Administração Pública, por força do art. 2º da Lei nº 9.874, de 29.01.199,  o seu reenquadramento nunca poderia ser para maior risco. E no  mesmo sentido foi a orientação do § 3º do art. 22 da Lei 8.212, de 1991, que deu a debatida autorização ao Poder Executivo. 
Então, diante desse quadro, tenho que a decisão inicial, na  qual se deferiu, liminarmente, a tutela provisória de urgência de  antecipação, merece ser ratificada, com a procedência dos pedidos desta ação. 

3. Dispositivo
Diante de todo o exposto, ratifico a decisão sob identificador 4058300.12472319, julgo procedentes os pedidos desta ação,  autorizo a Autora, em caráter definitivo, a voltar recolher a debatida contribuição no percentual médio de 2%(dois por cento), ou seja, no percentual anterior que aplicava antes do fixado, de forma,  prima facie, inconstitucional, pelo Decreto nº 6.957/2009, garantindo-lhe o direito de repetir ou de compensar os mencionados indébitos, atualizados pelos índices da tabela  SELIC, com débitos de outros tributos federais autorizados na Lei nº 9.430, de 1996, observando-se os procedimentos administrativos de tal Lei e a prescrição quinquenal.
Condeno a parte Ré ao reembolso das custas eventualmente despendidas pela parte Autora, bem como ao pagamento de honorários advocatícios que, em face da simplicidade do caso,  com base nos §§ 2º e 3º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, arbitro no percentual mínimo legal, observada a gradação do mencionado § 3º e as regras dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo de Lei, incidentes sobre os valores atualizados pelos índices da tabela SELIC,  atualização essa até a data da expedição do(s requisitório(s), conforme julgados do  Plenário do STF e da Corte Especial do STJ(STF, Plenário, RE 579-431/RS] e [STJ, Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291), a ser feita pelo órgão próprio do TRF5R, conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04 de outubro de 2017.
Registrada, intimem-se.

Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE(lsc)


_________________
[1]  Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 343446, Tribunal Pleno, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, DJ:4.4.2003, VOL-02105-07. p 01388).
Disponível em http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+343446%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+343446%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/byx43f9
Acesso em 18/11/2019.

MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VERBAS RECEBIDAS INDEVIDAMENTE POR SERVIDOR PÚBLICO.


Por Francisco Alves dos Santos  Júnior


No dia 25.09.2019, publicamos neste blog duas decisões a respeito da competência judicial em mandado de segurança, no 1º Caso adotando jurisprudência do STF e do STJ e, no 2º Caso,  adotando, por força do inciso V do art. 927 do CPC, jurisprudência do Pleno do TRF5R. 
Na decisão que segue, o mesmo Juiz, com novos fundamentos,  voltou a adotar o entendimento daquele 1º Caso. 
Com efeito, a 1a Turma do STF e a Primeira Seção e várias Turmas do STJ(sem efeito vinculante) vêm decidindo que, quanto à competência para julgamento, aplica-se ao mandado de segurança as regras constitucionais e legais aplicáveis aos demais tipos de processo, no que mudaram antiga jurisprudência, segundo a qual a competência cabia ao Juiz do lugar em que se encontrava sediada a Autoridade apontada como coatora.  
E, conforme se extrai das últimas decisões do STJ, em Conflitos Negativos de Competência, o STF levou o assunto à repercussão geral, onde se encontra no aguardo de julgamento. 
Não obstante o entendimento dessas Cortes Máximas do Brasil, o Pleno do TRF5R manteve o entendimento antigo, pelo que os Juízes Federais a ele vinculados,  por força do inciso V do art. 927 do vigente CPC estariam obrigados a aplicar esse julgado. 
Mas, na decisão infra, à vista dos princípios constitucionais da duração razoável do processo e celeridade processual, deixou-se de se observar essa regra do Código de Processo Civil e aplicou-se a jurisprudência do  STF e do STJ. 
No caso concreto, estendeu-se à via administrativa r. decisão de Ministro do STJ que suspendeu o andamento de todos os processos que envolvam a questão da necessidade de Servidor Público devolver, ou não, valores que recebeu indevidamente a título de vencimentos. 
Boa  leitura. 

PROCESSO Nº: xxxxxxxxxx - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: W S DA S
ADVOGADO: T A Da S
IMPETRADO: 
General do Exército Artur Costa Moura, Chefe do GDP e Departamento-Geral do Pessoal
ENTE AO QUAL ESTÁ VINCULADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


D E C I S Ã O


1. Breve Relatório
Busca o Impetrante provimento jurisdicional que lhe assegure a concessão de medida liminar, determinando à DD Autoridade apontada como coatora que suspenda os efeitos do despacho que determinou a restituição de valores recebidos de boa-fé, com a instauração de uma sindicância ou IPM para averiguação do responsável. Teceu outros comentários. Inicial instruída com procuração e documentos.
O despacho de identificador 4058300.14194037 determinou que o Impetrante identificasse e fornecesse o endereço da autoridade apontada como coatora.
Petição do Impetrante atendendo ao despacho retro mencionado, informando que a autoridade apontada como coatora seria o General do Exército Artur Costa Moura, Chefe do GDP e Departamento-Geral do Pessoal, com endereço funcional no QGEx - Bloco E - 1º e 3º Pisos - SMU - CEP 70.630-901 - Brasília-DF (Id. 4058300.14226457).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e decidir.

2. Fundamentação

Vê-se que este writ foi impetrado em face do CHEFE DO GDP E DEPARTAMENTO-GERAL DE PESSOAL DO EXÉRCITO, tendo o Impetrante indicado o seguinte endereço: QGEx - Bloco E - 1º e 3º Pisos - SMU - CEP 70.630-901 - Brasília-DF, conforme petição de emenda/complementação da petição inicial, acostada sob id 4058300.14226457, na qual também noticiou que recolhera as custas processuais, conforme comprovante que juntou sob id 4058300.14226511.
Pois bem, com a juntada do recolhimento das custas, tenho que o Impetrante desistiu do pedido de concessão de Assistência Judiciária. 

2.1 - Da Competência

No que diz respeito à competência para julgamento de mandado de segurança, a 1a Turma  do Supremo Tribunal Federal, mudando antiga jurisprudência, segundo a qual o julgamento do mandado de segurança cabia ao Juiz em que estava sediada a Autoridade  Impetrante, decidiu:

"CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
2. Agravo regimental improvido."[1]
     O Superior Tribunal de Justiça vem  decidindo nesse mesmo sentido, verbis:
"DECISÃO
Vistos.
Cuida-se de recurso extraordinário interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, com fundamento no art. 102, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão da PRIMEIRA SEÇÃO desta Corte assim ementado (fl. 198, e-STJ):
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE PRESIDENTE DE AUTARQUIA FEDERAL. EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM). INSCRIÇÃO. ANTINOMIA ENTRE A COMPETÊNCIA DEFINIDA EM RAZÃO DA SEDE FUNCIONAL DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA E A OPÇÃO PREVISTA PELO CONSTITUINTE EM RELAÇÃO AO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. ART. 109, § 2º, DA CF. PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO.
PRECEDENTES DO STJ EM DECISÕES MONOCRÁTICAS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DO DOMICÍLIO DA PARTE IMPETRANTE.
I - Conflito de competência conhecido para declarar competente o juízo federal do domicílio da parte impetrante.
II - A competência para conhecer do mandado de segurança é absoluta e, de forma geral, define-se de acordo com a categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional.
III - Todavia, considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, nas causas aforadas contra a União, pode-se eleger a seção judiciária do domicílio do autor (RE 627.709/DF), esta Corte de Justiça, em uma evolução de seu entendimento jurisprudencial, vem se manifestando sobre a matéria no mesmo sentido. Precedentes em decisões monocráticas: CC 137.408/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 13.3.2015; CC 145.758/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 30.3.2016; CC 137.249/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJE 17.3.2016; CC 143.836/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJE 9.12.2015; e, CC n. 150.371/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 7/2/2017.
IV - Agravo interno improvido".
Não foram opostos embargos de declaração.
O recorrente, nas razões do recurso extraordinário, alega, em síntese, a existência de repercussão geral da matéria e, no mérito, ofensa ao art. 109, § 2º, da Constituição Federal, por entender que tal comando legal não se aplica às autarquias, sendo o juízo da sede da autoridade coatora aquele competente para examinar a ação constitucional do mandamus.
Sem contrarrazões (fl. 224, e-STJ).
É, no essencial, o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade (tempestividade, regularidade formal, interesse recursal, legitimidade, cabimento e prequestionamento), ADMITO o recurso extraordinário nos termos do art. 1.030, inciso V, alínea "a", do Código de Processo Civil.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de setembro de 2017.
MINISTRO HUMBERTO MARTINS
Vice-Presidente"[2]
É verdade que não se tratam de precedentes vinculantes, ou seja, obrigatórios para os demais Órgãos do Poder Judiciário, mas que atendem com muita clareza os princípios constitucionais processuais  da duração razoável do processo e da celeridade =.. .
Em sentido contrário, decidiu o Pleno do E. TR5-5ª Região, mantendo entendimento jurisprudencial anterior ao referido julgado do STJ:

"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DEFINIDA EM RAZÃO DA SEDE FUNCIONAL DA AUTORIDADE COATORA.
1. Cuida-se de conflito negativo de competência figurando, como suscitante, o Juízo da 3ª Vara Federal da Paraíba, sediado em João Pessoa/PB, e, como suscitado, o da 6ª Vara Federal da Paraíba, sediado em Campina Grande/PB, em sede do Mandado de Segurança nº 0805963-82.2018.4.05.8201, impetrado por Danusia Araujo Sampaio contra apontado ato coator do Presidente da OAB/PB.
2. Em que pese os fundamentos expendidos pelo juízo suscitante, afirmando que o Superior Tribunal de Justiça teria precedente no sentido de que "o mandado de segurança pode ser impetrado no foro do domicílio do autor, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja diversa da do impetrante, devendo prevalecer a opção prevista na Constituição no art. 109, parágrafo 2º à infraconstitucional" (AINTCC-2016/0324596-5, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Seção, DJe 22.06.2017), a mais recente jurisprudência formada pelo Plenário deste TRF da 5ª Região é no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento é absoluta, estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade coatora.
3. Com efeito, o Juízo que está na sede da autoridade impetrada tem muito mais facilidade na obtenção de acesso à documentação pertinente ao processo, bem como de obter o cumprimento de medidas liminares. Essa é a tese comprometida com a funcionalidade e que, portanto, deve prevalecer.
4. Precedentes: CC - 0803208-84.2017.4.05.0000, rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho - convocado, j. 30.06.2018; CC - 0801759-57.2018.4.05.0000, rel. Des. Federal Rogério Fialho Moreira, j. 24.04.2018; e CC - 0802353-71.2018.4.05.0000, rel. Des. Federal Cid Marconi, j. 24.04.2018.
5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo da 3ª Vara Federal da Paraíba, o suscitante."[3].
Recentemente, em outro caso, apliquei esse d. julgado do E. TRF5R e encaminhei o caso para  a Justiça  Federal de Brasília-DF, onde o respectivo Magistrado Federal,  para onde a causa foi distribuída,  levantou conflito negativo de competência, e foi vencedor, por unanimidade, no STJ, o qual aplicou o entendimento que vem adotando em todos os casos, invocando inclusive  o noticiado precedente do STF e outro precedente dessa Suprema  Corte, que foi levado à  repercussão geral, tratando do  assunto.  
Então, não obstante tenha ciência da regra do § inciso V do art.  927 do vigente CPC, segundo o qual,  nessa situação, devo adotar o julgado do Plenário da E. Corte à qual estou vinculado, tenho que, data maxima venia,  os acima  mencionados princípios  constitucionais processuais da duração razoável do processo e da celeridade processua, fixados entre os direitos e garantias indeviduais,  no inciso LXXVIII("LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.") do art. 5º da vigente  Constituição da República e o princípio geral de economia processual sobrepôem-se a essa singela regra processual, pelo que opto pela aplicação dos acima referidos julgados da 2a Turma da Suprema Corte e da Primeira Seção do Superior  Tribunal de  Justiça e firmo, para este caso, a competência deste Juízo, embora a DD Autoridade apontada como coatora esteja sediada em Brasília, Distrito Federal. 

2.2 - Do Caso Concreto

Como se sabe, a matéria em questão, devolução por Servidor Público de parcelas  vencimentais recebidas indevidamente, quer por  má-fé, quer de boa-fé, está subjudice no STJ, sob efeito repetitivo, com suspensão de todos os processos que estão em andamento a respeito do assunto. 
Creio que, como no ato judicial de suspensão não se fez menção a processos administrativos, creio que deva estender mencionado ato judicial de Ministro do STJ para a via administrativa, determinando que a DD Autoridade Impetrada suspenda a sua r. decisão administrativa, até que possa vir a ser examinada por este Órgão Judicial.

3. Dispositivo
Posto isso, tenho que o Impetrante, com o recolhimento das custas, desistiu do pedido de concessão do benefício da Assistência Judiciária, reconheço a competência deste Órgão Judiciário para este caso e, liminarmente, determino que a DD Autoridade Impetrada, em obediência ao acima  referido ato judicial de Ministro do  Superior Tribunal de Justiça, suspenda  os efeitos da sua d. Decisão Administrativa e providencie para que não haja o mencionado desconto na folha de pagamento do ora  Impetrante, e que  também suspenda o andamento de algum processo administrativo, se houver,   referente ao mencionado fato, até ulterior decisão judicial deste Juízo  ou de Juízo superior, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2020.
Notifique-se a DD Autoridade Impetrada apenas  para tomar ciência e cumprir o acima decidido, sob as penas acima fixadas, bem  como para, querendo, interpor o recurso judicial próprio, ficando, em seguida, o andamento deste mandado de segurança suspenso,  pelas razões  supra.
Também dê-se ciência ao Órgão de Representação da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO,  para tomar ciência deste feito, na forma e para  os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

Após  a definição do assunto nas hostes do Superior Tribunal de  Justiça, este feito terá o regular andamento retomado.

Cumpra-se e intime-se, com urgência.

Recife, 23.04.2020
Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.


[1]  Brasil. Supremo Tribunal Federal, 2ª Turma. Agravo Regimental no Recurso Extraordináro nº 509.442, Relatora Ministra Ellen Grace.  DJe-154  DIVULG 19-08-2010  PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05  PP-01046, RT v. 99, n. 901, 2010, p. 142-144).

Disponível em: :http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28509442%29&base=
baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y7ytda87

Acesso em 21.10.2019.
[2] Brasil.  Superior Tribunal de Justiça. RE no AgInt no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 150.269 - AL (2016/0324596-5). Relator Ministro Humberto Martins. Decisão de 04 de setembro de 2017.
Disponível em
Acesso em 23.04.2020

[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Plenário. Processo nº 08161424020184050000, CC - Conflito de Competência. Relator Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima. Julgamento em 12/12/2018, [n/c data da publifação]
Disponível em:
Acesso em: 25/09/2019.