quinta-feira, 31 de maio de 2012

A ACUPUNTURA, OS BIOMÉDICOS E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


   Na sentença que segue, é discutido o problema da falta de Lei, no Brasil, regulamentando o exercício da atividade de acupuntura.
   Boa leitura.
   

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA



Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0005996-12.2012.4.05.8300 - Classe: 126 - Mandado de Segurança

Impetrante: CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA – 2ª REGIÃO

Adv.: George Luiz Vidal Wanderley – OAB/PE 21.071

Impetrado: SECRETARIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DO RECIFE
Litisconsorte Passivo Necessário: Município do Recife.


Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2012.



Sentença tipo A



EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

- Resolução do Conselho Federal de Biomedicina não é instrumento normativo apto ao reconhecimento da acupuntura como atividade a ser exercida pelos biomédicos, à míngua de previsão legal.

- Negação da segurança.



Vistos etc.

O CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA – 2ª REGIÃO – CRBM2, impetrou, em 06/03/2012, o presente “Mandado de Segurança com Pedido Liminar”, contra ato do SR. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DE RECIFE, aduzindo, em síntese, que a Autoridade Impetrada estaria promovendo concurso público para provimento de vários cargos da Rede Municipal de Saúde do Recife, cujas inscrições seriam encerradas em 12.03.2012; que, consoante disposto no respectivo edital, os biomédicos teriam sido indevidamente excluídos para concorrer à vaga de acupunturista, ofertada apenas aos profissionais com registro em Medicina, Psicologia e Fisioterapia, nos termos do anexo I do aludido edital; que a acupuntura não seria curso de graduação, mas uma habilitação realizada por meio de pós-graduação e factível a vários profissionais da área de saúde, incluindo o biomédico, conforme previsto nos artigos 1º e 8º da Resolução do Conselho federal de Biomedicina nº 78, de 29.04.2002. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Requereu a concessão de medida liminar inaudita altera parte para determinar a imediata retificação do edital do concurso público promovido pela Autoridade Impetrada, de modo a também ofertar aos biomédicos, isonomicamente, a possibilidade de concorrência ao cargo de acupunturista, ou, alternativamente, a suspensão do mencionado concurso público para o referido cargo. Requereu ainda: a notificação do Impetrado e da pessoa jurídica que integra; a ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada; a ouvida do Ministério Público Federal; a procedência dos pedidos, concedendo a segurança definitiva para determinar a participação dos biomédicos devidamente habilitados no certame ao cargo nº 01, denominado “acupunturista”, do edital do concurso público promovido pelo Impetrado. Ao final, requereu que, na hipótese de algum biomédico se inscrever e participar do aludido certame, no prazo previsto de inscrição, e, uma vez aprovado, fosse reconhecido seu direito à vaga ofertada para o cargo em questão. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópia de documentos (fls. 22/162).

A liminar pleiteada restou indeferida na decisão de fls. 164/165-vº.

Notificada, a Autoridade Impetrada apresentou informações, às fls. 176/182, suscitando preliminarmente a inadequação da via mandamental. No mérito, argumentou que as alegações do Impetrante seriam improcedentes; que não haveria qualquer ilegalidade na restrição imposta pelo edital do concurso em questão, relativamente à inscrição de profissionais biomédicos para o cargo de acupunturista; que o Impetrante não teria competência para legislar sobre a profissão, mas apenas fiscalizar as atividades de seus inscritos; que a acupuntura estaria inserida no conceito de ato médico; que apenas uma lei poderia retirar a acupuntura do âmbito de abrangência exclusiva da atuação dos médicos. Fez outros comentários. Ao final, pugnou pela denegação da segurança pleiteada. Ao final, requereu que o MUNICÍPIO DO RECIFE fosse incluído no polo passivo da lide. Pediu deferimento.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou Parecer, às fls. 184/184-vº, opinando pela extinção do processo sem resolução do mérito, em razão de alegada perda superveniente do objeto.

Vieram os autos conclusos para sentença.

 É o relatório. Passo a decidir.

 Fundamentação

 Matérias Preliminares.

 Integração do Município do Recife no Polo Passivo

Este Município, às fls. 181-182 dos autos, pede sua integração no polo passivo, por ser visível o seu interesse na demanda.

Esse pleito merece acolhida, não só por esse visível interesse, mas também porque há regra nesse sentido no arts. 6º e 7º-II, todos da nova Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12.016, de 2009.  

Inadequação da Via Mandamental

A Autoridade Impetrada levantou tal preliminar, sob a alegação de que o Impetrante não teria provado o seu direito líquido e certo. Ocorre, porém, que, saber se o direito é líquido e certo, consubstancia-se no mérito deste tipo de ação. Vale dizer, não pode ser apreciado como matéria preliminar. Logo, esta preliminar não merece ser acolhida.

Extinção do Processo, sem Resolução do Mérito, por Perda Superveniente do Objeto

O Ministério Público Federal sustenta, no seu r. parecer de fl. 184, que o feito deveria ser extinto, sem resolução do mérito, porque houve a negativa da medida liminar e o concurso em questão foi realizado, de forma que não poderia mais ser apreciado o alegado direito líquido e certo dos Biomédicos, porque, mesmo que acolhida a pretensão, não poderiam mais participar do referido concurso. 

Tenho que esta preliminar não merece ser acolhida, porque, não obstante a realização do concurso, o mérito da causa tem que ser apreciado e decidido, uma vez que os Biomédicos tiveram direitos atingidos pela decisão que negou a liminar e, caso haja mudança de posicionamento deste magistrado, mencionados direitos poderão ser reavivados e gerar, até mesmo, indenização perante a pessoa jurídica à qual se encontra vinculada a Autoridade apontada como coatora, pessoa jurídica essa que se integrou no pólo passivo, a seu próprio pedido, conforme se vê às fls. 181-182 destes autos.  

Mérito

1. O Impetrante se insurge contra ato do Sr. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DE RECIFE, relativamente ao edital do concurso público promovido por esse município, com vistas ao provimento de vagas, para cargos efetivos da Rede Municipal de Saúde do Recife, especificamente para o cargo de “acupunturista”, sustentando que, de maneira ilegal e arbitrária, referido edital teria excluído a participação dos biomédicos para concorrer à vaga ofertada para tal cargo.

2. A questão posta em análise cinge-se em saber se a prática de acupuntura, ramo da Medicina Tradicional Chinesa, pode ser exercida, no Brasil, pelos Biomédicos.

3. No Brasil, não existe legislação federal que proíba a prática da acupuntura por quem não seja médico, tampouco existe Lei que estabeleça ser privativa de médico o exercício dessa atividade.

Encontro no site http://acupuntura.pro.br/legislacao/quem-pode-praticar/#comentar um interessante artigo, indicado como escrito por Nöthlicv, donde colho o seguinte trecho: “A Organização Mundial de Saúde publicou em 2001 um amplo levantamento sobre a situação das medicinas alternativas no mundo, e verificou que somente em dois países a acupuntura é restrita a médicos: Arábia Saudita e Áustria. Tal constatação se contrapõe frontalmente aos radicais que tentam creditar esta técnica milenar como um ato exclusivamente médico. Em mais de 50 países, porém, todo indivíduo com a devida formação em acupuntura pode praticá-la. Assim, não apenas os médicos, mas também, os enfermeiros, os psicólogos, os quiropráticos, os terapeutas e outros profissionais, aplicam esta técnica, além, evidentemente, dos Acupunturistas graduados em uma faculdade própria de acupuntura.”. Mas o articulista lembra que, no Brasil, há necessidade de Lei para regulamentar a matéria, e por isso o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), apresentara “um Projeto de Lei que visa regulamentar o exercício profissional desta atividade, seguindo as orientações da OMS. Pelo projeto, todos poderão exercer esta prática dentro da sua respectiva área. Deste modo, o médico aplicará a acupuntura na sua especialidade (clínica médica, cardiologia, ginecologia, geriatria, etc); o fisioterapeuta aplicará na fisioterapia; o enfermeiro, na enfermagem; o psicólogo, na psicologia; o dentista, na odontologia, o veterinário, no trato de animais; e assim por diante.”.


Câmara dos Deputados:Regulamentação da Acupuntura

O projeto de Aline Corrêa foi nesta quarta-feira, 12 de maio, aprovado na Comissão de Seguridade Social e de Família da Câmara dos Deputados o relatório da deputada Aline Corrêa (PP-SP) que regulamenta o exercício profissional da Acupuntura. A comissão é constituída por muitos deputados médicos era um obstáculo para regulamentação da Acupuntura de forma multiprofissinal O relatório de Aline Corrêa, apresentado como substitutivo ao projeto de Lei 1.549/2003, é considerado histórico por regulamentar a Acupuntura como atividade multiprofissional, assim a acupuntura não será mais uma
atividade exclusiva e ou privativa de médicos. Os demais profissionais de saúde com a aprovação, do parecer, por unanimidade, o substitutivo da Deputada Aline Corrêa, garante o exercícico nos seguintes termos:
I –profissionais de saúde de nível superior, portadores de certificados de conclusão de curso de especialização em acupuntura ou em acupuntura, reconhecidos pelos respectivos Conselhos Federais;
II –portadores de certificado de conclusão de curso técnico em acupuntura, expedido por instituições de ensino oficialmente reconhecidas, que exerçam a atividade até a data de publicação desta Lei;
III –profissionais que, venham exercendo a acupuntura por um período mínimo de cinco anos, até a data de publicação da nova legislação.”

Há outros inúmeros projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional a respeito deste assunto, dentre os quais fiz referência, na decisão inicial, ao Projeto de Lei nº 2.626/2003, que dispõe sobre a regulamentação e fiscalização do exercício profissional da Acupuntura.

E isso demonstra que o assunto é de grande interesse de várias profissões da área de saúde e confere acerto à decisão inicial deste juízo, na qual se negou medida liminar, por faltar Lei que autorize o Biomédico a exercer a atividade de acupunturista.

 4. A profissão de Biomédico é regulamentada pela Lei nº 6.684, de 03.09.1979, a qual elenca as atividades passíveis de ser exercidas por tal profissional:

Art. 4º Ao Biomédico compete atuar em equipes de saúde, a nível tecnológico, nas atividades complementares de diagnósticos.

Art. 5º Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica, o Biomédico poderá: I - realizar análises físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio ambiente; II - realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação;

III - atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado; IV - planejar e executar pesquisas científicas em instituições públicas e privadas, na área de sua especialidade profissional. Parágrafo único. O exercício das atividades referidas nos incisos I a IV deste artigo fica condicionado ao currículo efetivamente realizado que definirá a especialidade profissional.

O Impetrante fundamenta sua pretensão nos artigos 1º e 8º da Resolução do CFBM nº 78, de 29.04.2002, onde foi reconhecida a acupuntura como atividade cujo exercício é permitido ao biomédico.

Ocorre que o Conselho Federal de Biomedicina, assim como todo e qualquer conselho profissional, não tem poder de legislar sobre profissões, mas apenas o de fiscalizar as atividades profissionais daqueles pertinentes à circunscrição de suas respectivas esferas específicas de atribuição. Logo, mencionados dispositivos, nesse particular, são inconstitucionais, pois ferem o princípio da legalidade(inciso II do art. 5º da Constituição da República) e, por isso, desprovidos de qualquer valor.

Destarte, não cabe aos conselhos profissionais extrapolar o âmbito de suas atribuições, sob pena de invadir matéria reservada à lei.

            Tenho que a Autoridade apontada como coatora errou ao especificar, como aptos ao concurso para a função ou cargo de acunpunturista, apenas pessoas formadas em Fisioterapia ou Psicologia ou Medicina e/ou pessoa com certificado ou declaração de conclusão de especialização na área de acupuntura, emitido por instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC, porque:  a) as Leis que regulamentam as três profissões citadas não lhes asseguram a privacidade do exercício dessa atividade; b) não há Lei regulamentando esses cursos de especialização de acupuntura,ainda que autorizados pelo MEC.    

Mas, por outro lado, não pode o Judiciário obrigar referida Autoridade a praticar outra ilegalidade: que Biomédicos possam fazer o concurso para a função ou cargo de acunpunturista, apenas com base em uma Resolução do respectivo Conselho Federal.

            Ora, a Lei que regulamenta a atividade de Biomédico não autoriza esse profissional a realizar a atividade de acupuntura.

            Dessa forma, os arts. 1º, item 22, e 8º e respectivo inciso I, todos da Resolução CFBM nº 78, de 29.04.2002, são inconstitucionais, porque ferem o inciso II do art. 5º da Constituição da República, uma vez que tratam de assunto que só poderia ser tratado por Lei.  

            Nessa situação, não há que se falar em ilegalidade, tampouco abuso de poder por parte da Autoridade Impetrada, por não ter admitido a inscrição de biomédico para concorrer ao cargo para exercer a atividade de acupuntura no mencionado edital.  

 Conclusão

 POSTO ISSO, preliminarmente, determino que a Secretaria, antes da publicação desta sentença, remeta os autos à Distribuição para que esta autue o Município do Recife no polo passivo como litisconsorte necessário, rejeito as matérias preliminares levantadas pela Autoridade Impetrada e pelo Ministério Público Federal,  incidenter tantum,  declaro a inconstitucionalidade do item 22 do art. 1º e o art. 8º e respectivo inciso I, todos da Resolução CFBM nº 78, de 29.04.2002, e, no mérito, julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e NEGO a segurança pleiteada.

Custas, ex lege.

Sem honorários, ex vi art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009[1].

P.R.I.

 Recife, 31 de maio de 2012.

 Francisco Alves dos Santos Júnior
                Juiz Federal, 2ª Vara-PE



[1] Art. 25. Não cabe, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. (G.N.)
  No mesmo sentido, a Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal.

terça-feira, 29 de maio de 2012

PARÁGRAFO 11 DO ART. 74 DA LEI Nº 9.430, DE 1996: SUA NATUREZA

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Qual a natureza da regra do § 11 do art. 74 da Lei nº 9.430,de 1996, nesta introduzido pela Medida Provisória nº 135, de 2003? Que efeitos gerou nos processos administrativos em andamento?
Na sentença que segue, tudo isso é discutido de forma detalhada.
Boa leitura.


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA


Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0002644-46.2012.4.05.8300 - Classe: 126  – Mandado de Segurança


Impetrante: U. T. S/A

Adv.: Dr. T J M C F - OAB/PE nº 

Impetrado: PROCURADOR REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL EM PERNAMBUCO

Parte Interessada: UNIÃO

Adv.: Procurador da Fazenda Nacional



Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença  às fls..........

Recife, ...../...../2012.



Sentença tipo A



Ementa: - PROCESSUAL ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ADMINISTRATIVO. EFEITO SUSPENSIVO.

- A interposição de reclamação ou recurso administrativo suspende, automaticamente, a exigibilidade tributária(art. 151-III do Código Tributário Nacional), sendo, pois, um direito do Contribuinte.

-O Parágrafo 11 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, nela introduzida pela Medida Provisória nº 135, de 2003, tem natureza interpretativa, com efeito ex tunc, relativamente à norma interpretada, e, caracterizando-se como norma procedimental-processual, é de aplicação imediata.

- Enquanto tramita o processo administrativo tributário, em face da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o Contribuinte, ainda que devedor, faz jus à certidão positiva, com efeito de negativa(art. 206 do Código Tributário Nacional).

- Concessão da segurança.

  

Vistos etc.

 U. T. S/A impetrou o presente “Mandado de Segurança com Pedido de Liminar”, em 09/01/2012, contra atos praticados pelo ILMO SR. PROCURADOR REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL EM PERNAMBUCO, autoridade vinculada à UNIÃO FEDERAL, aduzindo, em síntese, que, em 15/06/1999, teria protocolizado pedido de ressarcimento junto à Receita Federal do Brasil, tombado sob o nº 10480.021078/99-15, buscando o reconhecimento de créditos de IPI em seu favor; que, posteriormente, a Impetrante teria utilizado parte do referido crédito apurado e pleiteado no mencionado processo para compensar os débitos de IPI e de PIS sob sua responsabilidade, referentes às CDA’s nº 40.3.04.000082-66 e 40.7.06.000570-22; que, como as compensações teriam sido realizadas sob condição resolutória, por força do art. 74, § 2º, da Lei nº 9.430/96, a extinção do crédito tributário somente ocorreria com a homologação da compensação; que o crédito apurado e pleiteado no processo nº 10480.021078/99-15 encontrar-se-ia ainda sob discussão administrativa no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (CARF), havendo sido indeferido originalmente pela Receita Federal, em 11/10/2001, em face do qual a Impetrante apresentara manifestação de inconformidade, nos termos da Instrução Normativa SRF nº 210/02; que, não acolhida a manifestação de inconformidade, teria interposto, em 07/12/2004, recurso voluntário, com fulcro no art. 74, § 10, da citada Lei nº 9.430/96; que, em 21/07/2009, teria sido intimada do acórdão que negara provimento a seu recurso voluntário, havendo mais uma vez utilizado do recurso especial, cabível conforme previsto no art. 32, § 2º, do Decreto nº 70.235/72 cumulado com o art. 62 da Portaria MF nº 256/2009; que, embora ainda estivesse pendente a discussão administrativa sobre o crédito, a Autoridade Coatora estaria sustentando que não poderia suspender a exigibilidade dos débitos compensados com o referido crédito, pois a manifestação de inconformidade teria sido apresentada em momento no qual ainda não possuiria efeito suspensivo; que, ainda que se admitisse que a manifestação de inconformidade somente teria passado a possuir efeito suspensivo a partir da edição da Medida Provisória nº 135, de 30/10/2003, convertida na Lei nº 10.833/03, a ato coator seria incorreto e violador do art. 151, III, do CTN e da Lei nº 9.430/96, uma vez que, após a apresentação da referida manifestação de inconformidade, a Impetrante teria interposto recursos com efeito suspensivo. Alegou que a manifestação de inconformidade e os recursos voluntário e especial estariam previstos nas leis reguladoras do processo tributário administrativo; que a suspensão da exigibilidade decorreria do disposto no art. 151, III, do CTN, independentemente da existência de outra norma infralegal; que a Instrução Normativa nº 210/2003 seria ilegal e inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, insculpido no art. 5º da Constituição da República, eis que os contribuintes que teriam apresentado manifestação de inconformidade antes do advento da Medida provisória nº 135/2003 estariam sendo tratados de maneira desigual; que, mesmo que à época não houvesse regulamentação que determinasse a suspensão da exigibilidade do crédito para as reclamações e recursos administrativos, o CTN já disciplinara a matéria, determinando a suspensão (art. 151, inciso III). Teceu outros comentários. Invocou entendimentos doutrinários. Transcreveu decisões judiciais. Requereu a concessão de medida liminar, para determinar a suspensão da exigibilidade dos débitos inscritos nas CDA’s nº 40.3.04.000082-66 (processo administrativo nº 13401.5000395/2004-15) e nº 40.7.06.000570-22 (processo administrativo nº 13401.500092/2006-56), enquanto o processo nº 10480.021078/99-15 estiver pendente de julgamento administrativo definitivo, bem como a expedição da Certidão Positiva de Débitos em Efeito de Negativa em favor da Impetrante.  Ao final, requereu: a notificação da Autoridade Impetrada; a intimação do Ministério Público; a procedência do pedido, para, concedendo a segurança definitiva, confirmar o provimento liminar concedido e determinara a suspensão da exigibilidade dos débitos inscritos nas CDA’s nº 40.3.04.000082-66 (processo administrativo nº 13401.500395/2004-15) e nº 40.7.06.000570-22 (processo administrativo nº 13401.500092/2006-56), enquanto pendente de julgamento definitivo o processo nº 10480.021078/99-15. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com cópia de instrumento de procuração e de documentos (fls. 23/155).

Comprovante de recolhimento de custas (fl. 157).

Determinado que a Impetrante regularizasse sua representação processual em decisão de fls. 160/160-vº, o que foi cumprido às fls. 162/169.

A União manifestou-se, às fls. 171/176, sustentando que teria interesse no feito; que a Impetrante teria indicado erroneamente a Autoridade Impetrada; que a pretensão da Impetrante estaria pautada em interpretação jurídica equivocada; que a posterior interposição de recursos administrativos contra decisões que teriam mantido a não homologação da compensação formalizada não teria o condão de suspender a exigibilidade dos créditos fiscais em discussão, uma vez que a disciplina jurídica a que se submetera a Impetrante teria sido a da IN SRF 210/2002, segundo a qual a manifestação de inconformidade não estaria sujeita a efeito suspensivo, e, consequentemente, os recursos a ela posteriores; que o encaminhamento dos citados créditos fiscais para inscrição em DAU teria sido feito com espeque no art. 22, parágrafo único, da IN SRF 210/2002, inexistindo qualquer ilegalidade no referido procedimento. Fez outros comentários. Ao final, requereu o indeferimento do pedido liminar, denegando-se a segurança pleiteada. Pediu deferimento.

Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, levantada na defesa da União, em decisão de fls. 177/178, na qual restou concedida a medida liminar.

A União opôs Embargos de Declaração, às fls. 184/186, argumentando que teria havido erro material na decisão de fls. 177/178.

A Autoridade Impetrada apresentou suas Informações, às fls. 190/199, suscitando sua ilegitimidade passiva e arguindo a decadência do direito à impetração. Argumentou que a pretensão da Impetrante seria improcedente, uma vez que a manifestação de inconformidade por ela apresentada não seria capaz de gerar o efeito suspensivo colimado, em respeito ao princípio tempus regit actum; que a manifestação de inconformidade manejada pela Impetrante teria sido lastreada no permissivo constante do art. 35 da IN SRF 210/2002; que o efeito suspensivo mencionado pela Impetrante teria surgido com o advento da Medida Provisória nº 135, de 30/10/2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.833/03, a qual introduzira os §§ 9º e 11, do art. 74, da Lei nº 9.430/96; que apenas a lei strictu sensu seria capaz de normatizar a atribuição de efeitos suspensivo a determinado ato afeto ao crédito tributário; que, salvo disposição legal em contrário, o recurso não teria efeito suspensivo; que o advento ulterior da lei, regulando a existência de efeito suspensivo em razão da apresentação de manifestação de inconformidade pelo contribuinte não produziria nenhum reflexo no presente caso; que, diante da impossibilidade de se conferir efeito suspensivo à manifestação de inconformidade e aos recursos interpostos pela Impetrante nos autos do processo administrativo nº 10480.021078/99-15, não haveria causa suspensiva da exigibilidade dos débitos inscritos nas CDA’s nº 40.3.04.000082-66 e 40.7.06.000570-22, as quais deveriam permanecer ativos e em cobrança, impedindo, por conseguinte, a emissão da certidão de regularidade fiscal. Fez outros comentários. Ao final, requereu fosse revogada a liminar concedida e denegada a segurança. Pediu deferimento.

Acolhidos os Embargos de Declaração de fls. 184/186, na decisão de fl. 201.

A União noticiou a interposição de Agravo de Instrumento (fl. 211), juntando cópia do referido recurso (fls. 212/226).

Mantida a decisão agravada (fl. 227).

O Ministério Público Federal ofertou r. Parecer, afirmando que não se pronunciaria sobre a matéria sub judice, eis que não haveria interesse público a justificar o pronunciamento do órgão ministerial, o que poderia ser revisto em face de fato superveniente (fls. 230/230-vº).

 É o relatório. Passo a decidir.

 Fundamentação

1. Preliminarmente, a Secretaria deve providenciar a autuação da UNIÃO, no pólo passivo, como Parte Interessada, em face da sua integração na demanda, pela manifestação de fls.   171-176 e Embargos de Declaração de fls. 184-186.

 2.   A União sustenta que teria decaído o direito de ser impetrado o presente mandamus, uma vez que o ato efetivamente combatido na impetração seria o juízo de admissibilidade da manifestação de inconformidade apresentada nos autos do processo administrativo nº 10480.021078/99-15, ocorrido há vários anos.

Não assiste razão à União, pois, ao contrário do que alega, a ora Impetrante se insurge contra os despachos exarados nos autos dos processos administrativos nº 13401.500395/2004-15 (fls. 25/32) e nº 13401.500092/2006-56 (fls. 34/40), nos quais foi indeferido o pedido de suspensão da exigibilidade dos créditos cobrados, em face da interposição do noticiado recurso administrativo.

Assim, a arguição de decadência, levantada pela  UNIÃO, não merece acolhida .

3. O que pretende a ora Impetrante é que se dê efeito suspensivo a recurso que interpôs nos processos administrativos e, enquanto não houver um julgamento final nesses feitos administrativos, que lhe seja fornecida certidão positiva de débito, com efeito de negativa, para que possa continuar exercendo suas atividades.

Cabe lembrar que as reclamações e os recursos administrativos tributários têm efeito suspensivo (art. 151-III do Código Tributário Nacional).

Outrossim, o assunto em pauta não pode ser tratado por mero  ato administrativo.

É que os atos normativo secundários, a exemplo das instruções normativas expedidas pelo Poder Executivo e por seus Órgãos, devem subordinar-se às leis.

Portanto, ilegal a parte do parágrafo único do art. 22 da Instrução Normativa SRF nº 210, de 2002, segundo a qual a reclamação administrativa do contribuinte, na hipótese nela prevista, seria destituída de efeito suspensivo.

Afinal, sobrepõe-se no nosso ordenamento jurídico, como verdadeiro dogma, o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei(art. 5º-II da Constituição da República).

Desse modo, a Administração Pública não pode limitar direitos sem base legal.

A respeito desse assunto disserta CARVALHO FILHO, José dos Santos:


“Poder regulamentar, portanto, é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo.[1]

 E nenhuma limitação de direito, tampouco alteração do núcleo obrigacional pode ser veiculada em atos normativos secundários, porque, no Brasil, desde nossa primeira Constituição, aquela de 1824, outorgada na época do Império,  Art. 179 - (...). Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei”(mantida a redação originária, no  português da época)[2], regra principiológica essa hoje agasalhado no inciso II do art. 5º e, para o campo tributário, no inciso I do art. 150, todos da vigente Constituição da República Federativa do Brasil, sendo que no primeiro plano como garantia e direito individual constitucional.

Ora, as normas gerais do processo administrativo, relativas a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, estão contidas no Decreto nº 70.235, de 06/03/1972, o qual, em razão das normas institucionais da época de sua edição, tem força de lei.

E, segundo mencionado Decreto, a recurso administrativo será dado efeito suspensivo.[3]

Realmente, qualquer decisão administrativa só poderá ser executada quando considerada definitiva, ou seja, quando não mais pendente nenhum tipo de recurso.

Outrossim, a regra prevista no referido Decreto findou por ser incorporada à Lei nº 9.430/1996, nos termos do art. 74, § 11, verbis:

§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (incluído pela Lei nº 10.833, de 2003).

 Note-se que esse Parágrafo 11 tem uma forte conotação interpretativa. Realmente, nele não se instituiu o efeito suspensivo para o recurso em questão, mas apenas se reconheceu que a ele se aplicava efeito suspensivo legal já existente, fato esse que põe por terra os argumentos da  UNIÃO, desenvolvidos no agravo de instrumento, que foi transformado em agravo retido(v. fls. 230-231vº), no sentido de que, quando do acréscimo desse dispositivo ao art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, já teriam decorridos vários anos. É que, como se sabe, as regras interpretativas retroagem à data da norma interpretada, no caso, o noticiado inciso III do art. 151 do Código Tributário Nacional, que é de 1966.

Por outro lado, por ser regra procedimental-processual, o comando nele insculpido tem efeito imediato, passando a ser aplicável a todos os processos administrativos em andamento. E, no caso em questão, embora o processo administrativo nº 10480.021078/99-15 tenha se iniciado em 1999, a impugnação administrativa e o recurso especial foram interpostos pela ora Impetrante quando já vigente o dispositivo legal ora sob  exame.

Então, se ainda não findo o noticiado processo administrativo, porque submetido a recurso administrativo da Impetrante, o qual teria que ser recebido no efeito suspensivo, há de ser mantida a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em questão.

 4. As custas judiciais têm natureza tributária, modalidade taxa, conclusão essa à qual chegou o C. Supremo Tribunal Federal há muito tempo.  Então, sendo, no caso,  um tributo federal, o valor da sua restituição goza da atualização do § 39 da Lei nº 9.250, de 1995, qual seja, índice de variação da tabela SELIC, pois, caso a Impetrante tivesse que recolher o respectivo valor com atraso, seria obrigada a fazê-lo com a atualização desse índice.

 5. Não cabe verba honorária sucumbencial em mandado de segurança(Súmula  512 do E. Superior Tribunal de Justiça, ratificada pelo art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009). 

 Conclusão

POSTO ISSO:

a) determino que a Secretaria, antes da publicação desta sentença, remeta os autos à Distribuição para autuação da  UNIÃO, no pólo passivo, como Parte Interessada;

b)  rejeito a prejudicial de decadência;

c) julgo procedentes os pedidos da petição inicial, ratificando a decisão de fl. 177-178, com as modificações da decisão de fl. 201, concedendo a segurança definitiva, e determinando  que a Autoridade apontada como coatora, caso seja solicitada pela Impetrante na via administrativa, que providencie-lhe o fornecimento de certidão positiva com efeito de negativa, caso outras dívidas não existam à margem das regras do art. 206 do Código Tributário Nacional, tudo sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

Outrossim, condeno a União a ressarcir a Impetrante das custas judiciais que despendeu, devidamente atualizada, pela tabela SELIC(§ 4º do art. 39 da Lei nº 9.430, de 1995) desde a data do desembolso.    

Sem honorários, Súmula 512 do C.Supremo Tribunal Federal e art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009[4].

Deixo de mandar remeter cópia desta sentença para os autos do noticiado agravo de instrumento, porque ele foi transformado em agravo retido, conforme notícia de fl. 231vº.

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

P.R.I.

Recife,  29 de maio de 2012.

Francisco Alves dos Santos Júnior


   Juiz Federal da 2ª Vara-PE




[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. 10ª ed. 2003, p. 38.
[2] Apud SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Direito Tributário do Brasil: Aspectos Estruturais do Sistema Tributário Brasileiro. Volume I. Edição 2ª, revisada e aumentada, Olinda: Livro Rápido, 2010, p. 69.
[3] Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.”.
(...)
Art. 42. São definitivas as decisões:
I – (...).
II - de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição;

[4] Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. (G.N.)