Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Se o casal é idoso e carente e o Esposo já recebe o Benefício Previdenciário Continuada, a Esposa também tem o direito de receber o mesmo benefício. Mas, parcelas pretéritas não podem ser pleiteadas por meio de mandado de segurança e sim por meio de ação de cobrança, procedimento comum.
Esses assuntos são debatidos na sentença infra.
Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques Rocha.
PROCESSO
Nº: 0811905-21.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: S S DE M
ADVOGADO: T C Da C
IMPETRADO: PRESIDENTE DA 3ª JUNTA DE RECURSOS - RECIFE/PE MARIA JOSÉ ALVES
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
IMPETRANTE: S S DE M
ADVOGADO: T C Da C
IMPETRADO: PRESIDENTE DA 3ª JUNTA DE RECURSOS - RECIFE/PE MARIA JOSÉ ALVES
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo C.
EMENTA: - MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO PARA PLEITEAR
VERBAS PREVIDENCIÁRIAS PRETÉRITAS.
O mandado de segurança não pode ser utilizado para
cobrança de verbas préteritas(Súmulas 269 e 271 do STF)..
Extinção do
processo sem resolução do mérito.
Vistos, etc.
1-Relatório
S S DE M, qualificada na Petição
Inicial, impetrou em 21/07/2020, este mandado de segurança com pedido de medida
liminar em face de ato atribuído à PRESIDENTE DA 3ª JUNTA DE RECURSOS - RECIFE,
Srª MARIA JOSÉ ALVES. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita
e alegou, em síntese, que: o INSS teria indeferido o requerimento da Impetrante
de concessão do benefício de prestação continuada requerido em 27/11/2017;
interpusera recurso ordinário no dia 26/02/2020 da mencionada Decisão, e o
recurso teria sido julgado no dia 21/07/2020, pela 3ª Junta de Recursos da
Previdência Social; no recurso, a Parte Impetrante teria pedido a exclusão da
renda per capita do benefício previdenciário no valor de um salário
mínimo percebido por seu cônjuge, Sr. Antonio Francelino de Morais; a 3ª Junta
de Recursos teria concluído que, embora o Impetrante tivesse protocolado o
pedido no dia 27 de novembro de 2017, só faria jus ao benefício a partir
de 02 de abril de 2020, data da publicação da Lei nº 13.982/2020, e teria
determinado a implementação do benefício a partir dessa data; todavia, tal
posicionamento adotado pela Corte Julgadora feriria a jurisprudência dominante
nos tribunais, bem como o determinado na Ação Civil Pública nº
0000083-10.2007.4.05.8305, que transitou em julgado em 21 de março de 2014, com
acordão publicado pelo STJ, que determinaria que não se deveria considerar
outro benefício no valor de um salário mínimo para fins de cálculo da renda per
capita. Transcreveu ementas de decisões judiciais e aduziu que teria havido
ferimento a seu direito líquido e certo, porque não se deveria considerar
no cálculo da renda per capita os valores correspondentes aos benefícios
previdenciários de um salário mínimo; portanto, deveria ser determinado, em
caráter liminar, que a Autoridade apontada coatora revisasse o acórdão
publicado, com a exclusão do cálculo da renda per capita, o valor do
benefício previdenciário correspondente a um salário mínimo percebido por seu
esposo. Teceu outros comentários, e requereu, ao final: "A) Que seja
deferido os benefícios da justiça gratuita, sob a égide do art. 99, § 4º c/c
105, in fine, ambos do CPC, cumulado com o art. 9 da lei 1060/50, garantindo a
gratuidade da justiça em todas as instâncias, em formalidade com o acesso à
justiça. B) Que seja determinado que, a autoridade coatora exclua do
cálculo da renda per capita o valor referente a um salário mínimo derivado de
um benefício previdenciário percebido pelo companheiro da autora. C) Que seja
arbitrado por vossa excelência astreintes como multa por descumprimento de
ordem judicial. D) Que seja julgado totalmente procedente a presente ação. E)
Que sejam as notificações e intimações realizadas no endereço constante na nota
de rodapé, ou, pelo endereço eletrônico thiagoadv43@yahoo.com.br, do Dr. THIAGO
CAVALCANTI DA COSTA, OAB/PE - 41.702, dando ciência assim dos atos e termos do
processo, respeitando o art. 269 do CPC, com a efetiva publicação dos atos nos
órgãos oficiais, com os nomes das partes, advogados com o respectivo número de
inscrição na OAB, sob pena de nulidade, como consta no art. 272, §2 do CPC. F)
Que seja expedido as intimações necessárias, em especial a intimação do
NSS." Atribuiu valor à causa e juntou instrumento de procuração e
documentos.
2- Fundamentação
2.1 - Merece ser deferido, provisoriamente, o
benefício da Justiça Gratuita à Parte Impetrante, sem prejuízo de eventuais
sanções administrativas e criminais, caso esteja faltando com a verdade, quanto
à alegada hipossuficiência.
2.2 - Inicialmente, registro que não cabe, no
mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente
CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de
segurança.
Se presentes o fumus boni iuris e
o periculum in mora, caberá concessão de medida liminar, conforme
consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do
referido art. 300 do CPC.
Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante
sustenta que seu direito líquido e certo teria sido violado por ato do INSS,
eis que a Autoridade Impetrada, no julgamento do recurso ordinário referente ao
seu requerimento administrativo de concessão do benefício assistencial - LOAS
IDOSO - não excluiu do cálculo da renda per capita o valor do benefício
correspondente a um salário mínimo percebido por seu esposo, em consonância com
a jurisprudência dos Tribunais e com a Ação Civil Pública nº
0000083-10.2007.4.05.8305, que transitou em julgado em 21 de março de 2014, e
requer:
"Que seja determinado que, a autoridade
coatora exclua do cálculo da renda per capita o valor referente a um
salário mínimo derivado de um benefício previdenciário percebido pelo
companheiro da autora."
A esse respeito, a Lei nº 10.741/2003
(Estatuto do Idoso), estabelece em seu art. 34, que o
benefício assistencial concedido a qualquer membro da família
idoso não será computado pra fins do cálculo da renda familiar per
capita a que se refere a LOAS.
O Pleno do C. STF, ao julgar o RE
580.963/PR, com repercussão geral reconhecida, declarou
a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, Parágrafo
Único, da Lei 10.741/2003, sem pronúncia de nulidade, verbis:
"BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO
IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO. A LEI DE ORGANIZAÇÃO DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), AO REGULAMENTAR O ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA, ESTABELECEU OS CRITÉRIOS PARA QUE O BENEFÍCIO MENSAL DE UM SALÁRIO
MÍNIMO SEJA CONCEDIDO AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E AOS IDOSOS QUE COMPROVEM
NÃO POSSUIR MEIOS DE PROVER A PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU DE TÊ-LA PROVIDA POR SUA
FAMÍLIA.
(...)
4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no
art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer
membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per
capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais
recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário
mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para
discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial
inconstitucional.
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG
13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013[1])
O E. STJ também julgou a
questão pela sistemática dos recursos repetitivos, com decisão com
trânsito em julgado em 16/12/2015, na qual se firmou o entendimento de que deve
ser excluído do cômputo da renda familiar para concessão de LOAS o benefício
previdenciário de um salário mínimo recebido por idoso:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA
PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o
benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo,
deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de
prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o
recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC,
define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa
com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita
prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à
sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º,
II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015[2]).
Portanto, à luz dos precedentes acima invocados, de
vinculação obrigatória aos Juízes e Tribunais (CPC, art. 927, II), no cálculo
da renda familiar para a concessão do benefício assistencial (Loas IDOSO), não
deve ser incluído o benefício no valor de um salário mínimo,
previdenciário ou assistencial recebido por idoso com mais de 65
anos.
2.3- Caso dos autos
Pelo que se infere dos documentos anexados com a
Petição Inicial e do narrado na Inicial, a Impetrante requereu,
administrativamente, o beneficio assistencial ao idoso em 27/11/2017, que
fora indeferido pelo INSS sob o argumento de que a renda per capita
familiar ultrapassava o limite legal, em razão da Aposentadoria (por idade) no
valor de um salário mínimo recebida por seu cônjuge, desde os idos de 2008.
A Impetrante solicitara, no recurso ordinário, a
exclusão do benefício previdenciário no valor de um salário mínimo percebido
por seu cônjuge, da formação do cômputo da renda familiar; e a 3ª Junta de
Recursos da Previdência Social, deu parcial provimento ao recurso da
Impetrante, sob o seguinte fundamento:
"(...)
No INFBEN - Informações do Benefício consta
benefício em nome do esposo da postulante Aposentadoria por Idade com início em
02.07.2008 no valor mensal de R$ 954,00.
O Artigo 20 - A da lei 13.982/2020 estabelece que:
Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo
nº 6 de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da
renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá
ser ampliado para até 1/2 (meio) salário mínimo.
Em vista os documentos apresentados, Ação Civil
Pública, cabe informar que a decisão proferida na Ação não abrange o município
de Surubim/PE, município este residência da interessada.
Desta forma, a renda per capita familiar não é
superior ao permitido por lei.
Merecendo reforma o ato praticado pelo INSS.
Voto no sentido de conhecer do recurso para, no
mérito, DAR-LHE Provimento Parcial com reconhecimento do direito a partir da publicação
da Lei 13.982/2020 em 02.04.2020."
Com esse julgamento, o INSS excluiu o valor de um
salário mínimo referente à da Aposentadoria (por Idade) do seu cônjuge, e
acatou (parcialmente) o requerimento da Impetrante de concessão do LOAS-IDOSO, mas
apenas a partir da publicação da Lei nº 13.982/2020, em 02/04/2020.
No entanto, a Impetrante pretende a revisão do
mencionado ato administrativo para que a renda de um salário mínimo recebida
por seu cônjuge idoso, seja excluída a partir do requerimento administrativo,
em 27/11/2017.
Ocorre que, o atendimento ao pleito da Impetrante,
tal como formulado, importará, inevitavelmente, afronta às Súmulas do C. STF de
nº 269 ("O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança") e 271 ("Concessão de mandado de segurança não
produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser
reclamados administrativamente ou pela via judicial própria").
Ademais, tal pleito não está autorizado pela Lei do
Mandado de Segurança - Lei nº 12.016/2009, verbis:
"Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe
apelação.
(...)
§ 4o O pagamento de vencimentos e vantagens
pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a
servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e
municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a
contar da data do ajuizamento da inicial."
Portanto, considerando que o mandado de segurança
não pode ser utilizado como ação de cobrança, nem para postular vantagens
econômicas pretéritas, reconheço que a via utilizada pelo Impetrante não é
adequada a sua real pretensão.
A pretensão para recebimento de parcelas
retroativas deve ser feita por meio da ação própria, via procedimento
comum.
Assim, diante da regra do inciso IV do art. 485 do
vigente Código de Processo Civil devo, de ofício(§ 3º do art. 485,
CPC) extinguir o processo, sem resolução do mérito.
3-
Dispositivo
Posto ISSO,
3.1- Defiro à Parte Impetrante, provisoriamente, o
benefício da assistência judiciária gratuita, sob as condições estabelecidas na
fundamentação supra;
3.2- De ofício, reconheço a inadequação da via
processual eleita, e extingo o processo sem resolução do mérito(CPC, art. 465,
IV, §3º).
Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.
R.I.
Recife, 23.07.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior.
Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE