Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue importantíssimo julgado, com efeito repetitivo, da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sobre o termo inicial da prescrição nas ações executivas fiscais, propostas pela Fazenda Pública, envolvendo crédito tributário.
Boa leitura.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (AFETADO NA VIGÊNCIA DO ART. 543-C DO
CPC/1973 - ART. 1.036 DO CPC/2015 - E RESOLUÇÃO STJ 8/2008). EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO
IRREGULAR. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO PARA O REDIRECIONAMENTO. DISTINGUISHING RELACIONADO À DISSOLUÇÃO
IRREGULAR POSTERIOR À CITAÇÃO DA EMPRESA, OU A OUTRO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO.
ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ATUAL
1.036 DO CPC/2015)
1. A Fazenda do Estado de São Paulo
pretende redirecionar Execução Fiscal para o sócio-gerente da empresa, diante
da constatação de que, ao longo da tramitação do feito (após a citação da
pessoa jurídica, a concessão de parcelamento do crédito tributário, a penhora
de bens e os leilões negativos), sobreveio a dissolução irregular. Sustenta
que, nessa hipótese, o prazo prescricional de cinco anos não pode ser contado
da data da citação da pessoa jurídica.
TESE CONTROVERTIDA ADMITIDA
2. Sob o rito do art. 543-C do
CPC/1973 (art. 1.036 e seguintes do CPC/2015), admitiu-se a seguinte tese
controvertida (Tema 444):
"prescrição para o
redirecionamento da Execução Fiscal, no prazo de cinco anos, contados da
citação da pessoa jurídica".
DELIMITAÇÃO DA MATÉRIA COGNOSCÍVEL
3. Na demanda, almeja-se definir,
como muito bem sintetizou o eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o
termo inicial da prescrição para o redirecionamento, especialmente na hipótese
em que se deu a dissolução irregular, conforme reconhecido no acórdão do Tribunal
a quo, após a citação da pessoa jurídica. Destaca-se, como premissa lógica, a
precisa manifestação do eminente Ministro Gurgel de Faria, favorável a que
"terceiros pessoalmente responsáveis (art. 135 do CTN), ainda que não
participantes do processo administrativo fiscal, também podem vir a integrar o
polo passivo da execução, não para responder por débitos próprios, mas sim por
débitos constituídos em desfavor da empresa contribuinte".
4. Com o propósito de alcançar
consenso acerca da matéria de fundo, que é extremamente relevante e por isso
tratada no âmbito de recurso repetitivo, buscou-se incorporar as mais diversas
observações e sugestões apresentadas pelos vários Ministros que se manifestaram
nos sucessivos debates realizados, inclusive por meio de votos-vista - em
alguns casos, com apresentação de várias teses, nem sempre
congruentes entre si ou com o objeto
da pretensão recursal.
PANORAMA GERAL DA JURISPRUDÊNCIA DO
STJ SOBRE A PRESCRIÇÃO PARA O REDIRECIONAMENTO
5. Preliminarmente, observa-se que o
legislador não disciplinou especificamente o instituto da prescrição para o
redirecionamento. O Código Tributário Nacional discorre genericamente a
respeito da prescrição (art. 174 do CTN) e, ainda assim, o faz em relação
apenas ao devedor original da obrigação tributária.
6. Diante da lacuna da lei, a
jurisprudência do STJ há muito tempo consolidou o entendimento de que a
Execução Fiscal não é imprescritível. Com a orientação de que o art. 40 da Lei
6.830/1980, em sua redação original, deve ser interpretado à luz do art. 174 do
CTN, definiu que, constituindo a citação da pessoa jurídica o marco
interruptivo da prescrição,
extensível aos devedores solidários (art. 125, III, do CTN), o redirecionamento
com fulcro no art. 135, III, do CTN deve ocorrer no prazo máximo de cinco anos,
contado do aludido ato processual (citação da pessoa jurídica). Precedentes do STJ:
Primeira Seção: AgRg nos EREsp 761.488/SC, Rel. Min. Hamilton
Carvalhido, DJe de 7.12.2009.
Primeira Turma: AgRg no Ag 1.308.057/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe
26.10.2010; AgRg no Ag 1.159.990/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 30.8.2010;
AgRg no REsp 1.202.195/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 22.2.2011; AgRg no REsp
734.867/SC, Rel. Ministra Denise Arruda, DJe 2.10.2008. Segunda Turma: AgRg no
AREsp 88.249/SP, Rel. Ministro
Humberto Martins, DJe 15.5.2012; AgRg
no Ag 1.211.213/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 24.2.2011; REsp
1.194.586/SP, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 28.10.2010; REsp 1.100.777/RS,
Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 2.4.2009, DJe 4.5.2009.
7. A jurisprudência das Turmas que
compõem a Seção de Direito Público do STJ, atenta à necessidade de corrigir
distorções na aplicação da lei federal, reconheceu ser preciso distinguir situações
jurídicas que, por possuírem características peculiares, afastam a exegese
tradicional, de modo a preservar a integridade e a
eficácia do ordenamento jurídico.
Nesse sentido, analisou precisamente hipóteses em que a prática de ato de
infração à lei, descrito no art. 135, III, do CTN (como, por exemplo, a
dissolução irregular), ocorreu após a citação da pessoa jurídica, modificando para
momento futuro o termo inicial do redirecionamento: AgRg no
REsp 1.106.281/RS, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 28.5.2009; AgRg no REsp 1.196.377/SP,
Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 27.10.2010.
8. Efetivamente, não se pode
dissociar o tema em discussão das características que definem e assim
individualizam o instituto da prescrição, quais sejam a violação de direito, da
qual se extrai uma pretensão exercível, e a cumulação do requisito objetivo (transcurso
de prazo definido em lei) com o subjetivo (inércia da
parte interessada).
TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO PARA REDIRECIONAMENTO
EM CASO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR PREEXISTENTE OU ULTERIOR À CITAÇÃO PESSOAL DA
EMPRESA
9. Afastada a orientação de que a
citação da pessoa jurídica dá início ao prazo prescricional para
redirecionamento, no específico contexto em que a dissolução irregular sucede a
tal ato processual (citação da empresa), impõe-se a definição da data que
assinala o termo a quo da prescrição para o redirecionamento nesse cenário
peculiar (distinguishing).
10. No rigor técnico e lógico que
deveria conduzir a análise da questão controvertida, a orientação de que a
citação pessoal da empresa constitui o termo a quo da prescrição para o redirecionamento
da Execução Fiscal deveria ser aplicada a outros
ilícitos que não a dissolução
irregular da empresa - com efeito, se a citação pessoal da empresa foi
realizada, não há falar, nesse momento, em dissolução irregular e, portanto, em
início da prescrição para redirecionamento com base nesse fato (dissolução
irregular).
11. De outro lado, se o ato de
citação resultar negativo devido ao encerramento das atividades empresariais ou
por não se encontrar a empresa estabelecida no local informado como seu
domicílio tributário, aí, sim, será possível cogitar da fluência do prazo de prescrição
para o redirecionamento, em razão do enunciado da Súmula 435/STJ
("Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar
no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o
redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente").
12. Dessa forma, no que se refere ao
termo inicial da prescrição para o redirecionamento, em caso de dissolução
irregular preexistente à citação da pessoa jurídica, corresponderá aquele: a) à
data da diligência que resultou negativa, nas situações regidas pela redação
original do art. 174, parágrafo único, I, do CTN; ou b) à data do despacho do
juiz que ordenar a citação, para os casos regidos pela redação do art. 174,
parágrafo único, I, do CTN conferida pela Lei Complementar 118/2005.
13. No tocante ao momento do início
do prazo da prescrição para redirecionar a Execução Fiscal em caso de
dissolução irregular depois da citação do estabelecimento empresarial, tal
marco não pode ficar ao talante da Fazenda Pública. Com base nessa premissa, mencionam-se
os institutos da Fraude à Execução (art. 593 do CPC/1973 e art. 792 do novo
CPC) e da Fraude contra a Fazenda Pública (art. 185 do CTN) para assinalar,
como corretamente o fez a Ministra Regina Helena, que "a data do ato de
alienação ou oneração de bem ou renda do patrimônio da pessoa jurídica
contribuinte ou do patrimônio pessoal do(s) sócio(s) administrador(es)
infrator(es), ou seu começo", é que corresponde ao termo inicial da
prescrição para redirecionamento. Acrescenta-se que provar a prática de tal ato
é incumbência da Fazenda Pública.
TESE REPETITIVA
14. Para fins dos arts. 1.036 e
seguintes do CPC/2015, fica assim resolvida a controvérsia repetitiva: (i) o
prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da
diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato
ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato
processual; (ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação
tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato
de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal
circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os
sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C
do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível
aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo
prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse
contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de
inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança
executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo
Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC - fraude à execução),
combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública);
e, (iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o
redirecionamento impõe seja
demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da
empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco
mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular
precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às
instâncias ordinárias o exame dos
fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção
da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional.
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
15.
No caso dos autos, a Fazenda do Estado de São Paulo alegou que a
Execução Fiscal jamais esteve paralisada, pois houve citação da pessoa jurídica
em 1999, penhora de seus bens, concessão de parcelamento e, depois da sua
rescisão por inadimplemento (2001), retomada do feito após o comparecimento do
depositário, em 2003, indicando o paradeiro dos bens, ao que se sucedeu a
realização de quatro leilões, todos negativos. Somente com a tentativa de substituição
da constrição judicial é que foi constatada a dissolução irregular da empresa
(2005), ocorrida inquestionavelmente em momento seguinte à citação da empresa,
razão pela qual o pedido de redirecionamento, formulado em 2007, não estaria
fulminado pela
prescrição.
16. A genérica observação do órgão
colegiado do Tribunal a quo, de que o pedido foi formulado após prazo superior
a cinco anos da citação do estabelecimento empresarial ou da rescisão do parcelamento
é insuficiente, como se vê, para caracterizar efetivamente a prescrição, de
modo que é manifesta a aplicação indevida da legislação federal.
17. Tendo em vista a assertiva
fazendária de que a circunstância fática que viabilizou o redirecionamento
(dissolução irregular) foi ulterior à citação da empresa devedora (até aqui
fato incontroverso, pois expressamente reconhecido no acórdão hostilizado),
caberá às instâncias de origem pronunciar-se sobre a veracidade dos fatos narrados
pelo Fisco e, em consequência, prosseguir no julgamento do Agravo do art. 522
do CPC/1973, observando os parâmetros acima fixados.
18. Recurso Especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça:
"Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, deu provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, após reformulação
de votos dos Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Gurgel de Faria. Os Srs.
Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Assusete Magalhães,
Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro
Relator”. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Francisco Falcão.[1]
[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp 1201993/SP RECURSO ESPECIAL nº
2010/0127595-2. Relator Ministro Herman Benjamin. Julgado em 08.05.2019, in Diário da Justiça
Eletrônico - DJe de 12/12/2019[Efeito Repetitivo].
Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=1201993&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true
Acesso em 14.12.2019.