quarta-feira, 10 de março de 2010

EXECUÇÃO DE CRÉDITO DO SFH

SEGUE UMA SENTENÇA, NA QUAL SE DISCUTE A EXECUÇÃO DE CONTRATOS VINCULADOS AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO, QUANDO O MUTUÁRIO NÃO PAGA AS PRESTAÇÕES.





Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2008.83.00.007960-0 Classe: 209 EMBARGOS À EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL
EMBGTE: A.C.J
Adv.: M. L. M., OAB/PE XXX
EMBGDO: EMGEA – EMPRESA GESTORA DE ATIVOS
Adv.: S. C. – OAB/PE XXX

Registro nº ..............................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..............
Recife, ......../2009

Sentença tipo A

Ementa: - DIREITO ECONÔMICO. SFH. EXECUÇÃO

Não é liquido, nem certo título executivo decorrente de contrato do SFH, que não leva em consideração repactuação do contrato inicial, tampouco a regra de direito material do art. 7º da Lei nº 5.741, de 1971.

Procedência.

Vistos etc.

A. C. J., qualificado nos autos, opôs, em 24/03/2008, os presentes “Embargos à Execução c/c Pedido de Reconvenção”. Alegou, em síntese, que o contrato objeto da ação de execução por título extrajudicial em apenso teria sido firmado com o BANCO BANORTE e não com a Caixa Econômica Federal e não haveria prova nos autos de que o referido contrato tenha sido repassado para a EMGEA ou para a CEF; que o referido título teria sido repactuado em 28/09/1992, pelo que o título ora apresentado não possuiria força executiva e seria nulo; que o mencionado título não teria liquidez e certeza, porque não discriminaria a forma de cálculo dos juros de mora e correção monetária; que a execução proposta pela EMGEA careceria de seus requisitos de admissibilidade, porque, com a repactuação, teria sido alterada a forma de reajuste, conforme a Cláusula Terceira da Alteração Contratual; que seria aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor; que seria abusiva a prática da Embargada de cobrança de reajuste na forma diversa da contratada; que a Embargada apenas poderia cobrar dos consumidores o percentual de juros estipulados no contrato, sob pena de prática abusiva de cobrança ilegal; que, uma vez apurados os valores cobrados a maior, a Embargada deveria ser condenada a restituir os valores cobrados a maior, em dobro, deduzidos de eventual saldo devedor a ser encontrado após a adequação da planilha de cálculo efetuada pela Exequente, e se encontrados eventuais créditos em favor do Executado que sejam devolvidos em dobre os valores, devidamente corrigidos e acrescidos de juros de mora legais, ou, alternativamente e nas mesmas condições estipuladas pelo contrato; que o contrato especificaria a cobrança de juros sobre juros, “conhecido como tabela Price” (sic.), com taxa nominal de juros de 12%, correspondente à taxa efetiva de 12,683%, prática esta que seria vedada em nosso sistema. Teceu outros comentários e requereu a juntada do contrato de renegociação, dos extratos salariais da mutuária Isolda Tavares de Andrade Costa, bem como dos recibos de pagamento do referido contrato, para que se proceda ao cálculo efetivo devido ou crédito apurado, bem como planilha onde se vislumbraria que o executado teria pago a maior R$ 154.342,33. Teceu outros comentários e requereu: o recebimento dos Embargos; a apresentação, pela Embargada, dos valores cobrados a título de seguro em todas as parcelas, a partir da repactuação em 2/09/1992; que a Exequente seja compelida a apresentar o cálculo discriminado de acordo com o termo de repactuação desde 28/09/1992; que seja declarada a nulidade da cláusula contratual referente à capitalização dos juros, por falta de previsão legal; que, em caso de negativa da juntada retro mencionada, protestou pela produção de prova pericial; que a Embargada seja condenada a restituir os valores pagos a maior, em dobro, conforme acima exposto; a inversão do ônus da prova. Protestou pela realização de audiência de tentativa de conciliação e requereu a condenação da parte contrária nas verbas de sucumbência. Juntou instrumento de procuração e documentos, fls. 08/59.
Despacho recebendo os Embargos e determinando a intimação do Embargado para oferecer impugnação, fl. 61.
Às fls. 63/68, a EMGEA apresentou Impugnação argüindo preliminar de legitimidade ativa ad causam, haja vista a cessão dos créditos do BANORTE à CEF e esta última à EMGEA. Requereu, pois, que seja reconhecida sua legitimidade para figurar no pólo ativo da Execução. No mérito, alegou, em suma, que seria descabida a alegação de nulidade do título, vez que o documento juntado pelo Embargante as fls. 39/41 demonstraria que a repactuação não configuraria novação, consoante Cláusula Sétima, o que faria cair por terra a afirmação constante dos Embargos à Execução; que a Embargada teria cumprido todas as cláusulas do contrato de financiamento, aplicando os índices pertinentes à condição do mutuário; que não teria havido qualquer irregularidade na aplicação dos juros pelo agente financiador do imóvel no contrato do mutuário, e a única explicação para sua inadimplência seria a sua vontade de permanecer no imóvel sem pagar; que a liquide e certeza do crédito poderiam ser vistos no contrato firmado entre as partes e na planilha de evolução do financiamento, que registraria a evolução do referido contrato; que a taxa de juros nominal contratada seria paga mensalmente, e a efetiva seria apenas informativa, sendo que essa taxa teria sido calculada de acordo com a legislação pertinente à época; que, portanto, não haveria que se falar que a taxa de juros pactuada seria excessiva, pois esta obedeceria às regras estipuladas pelo órgão que regeria a disciplina do SFH, e não poderia a CEF/EMGEA se afastar do cumprimento das ordens emanadas daquele órgão, pelo que seriam impertinentes as afirmações lançadas pela parte adversa; que não haveria que se falar em restituição de valores porque os valores estariam sendo cobrados de acordo com o pactuado. Teceu outros comentários e pugnou pela improcedência dos Embargos à Execução e pela condenação da Embargante nas verbas de sucumbência. Juntou documentos, fls. 69/104.
À fl. 107, o Embargante levantou vício na representação processual da Embargada, por ausência de procuração e aduziu que os valores cobrados pela EMGEA/CEF teriam por base o contrato anterior que teria sido repactuado, e estaria sendo cobrado com base no contrato antigo e não no novo, razão pela qual não poderia prosperar o pedido formulado; que, no mínimo, a EMGEA deveria reformular os cálculos apresentados nos termos da repactuação firmada. Reiterou os termos dos Embargos.
Às fls. 108, decisão interlocutória rejeitando as preliminares de ilegitimidade ativa da CEF/EMGEA e de irregularidade na sua representação processual; as demais preliminares ficaram para ser apreciadas por ocasião da sentença; as partes foram intimadas para se pronunciar sobre a possibilidade de acordo.
Às fls. 111/112, a EMGEA/CEF alegou que, antes de apresentar proposta de acordo precisaria obter o valor de mercado bem como as condições atuais de conservação do imóvel ocupado pelo devedor, para tanto, o Embargante deveria pagar o valor de R$400,00 a título de tarifa de serviço para produção do laudo técnico de avaliação que servirá de parâmetro para formulação de proposta de renegociação da dívida exeqüenda; que, concluída a vistoria do imóvel, deverá o Embargante apresentar cópia do Laudo de Avaliação ao Sr. Antônio Alves de Sá Sobrinho na unidade da CAIXA/EMGEA responsável pelas demandas judiciais, a saber: GICOT/RE, situada à Praça Miguel Cervantes, nº 30, Empresarial Cervantes, 2º andar, Ilha do Leite, CEP: 50070-520, requereu, pois, a intimação do Réu para que, concordando com tais condições, providencie o cumprimento da diligência prévia, a fim de viabilizar a eventual proposta conciliatória a ser trazida aos presentes autos, para futura homologação por parte desse Juízo.
À fl. 113, a EMGEA/CEF manifestou interesse na realização da audiência de tentativa de conciliação.
Deferida a realização de audiência de tentativa de conciliação, fl. 114.
À fl. 121, Termo de Audiência de Tentativa de Conciliação registrando que não houve conciliação entre as partes, que ficaram de apresentar eventual acordo por petição. Foi juntada ao termo “PROPOSTA CAIXA/EMGEA”, fl. 122.
À fl. 125, certificado o decurso do prazo sem que a parte embargante houvesse apresentado petição de eventual acordo.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório.

Fundamentação

Matérias Preliminares

O Embargante, levanta na petição inicial desta ação de embargos: a) ilegitimidade ativa da EMGEA para a execução, porque firmou contrato com o BANORTE e não com a Caixa Econômica Federal-CEF, tampouco com a EMGEA e que não haveria prova nos autos do repasse do primeiro para esta; b) nulidade do título, porque houvera firmado com o BANORTE uma repactuação, conforme documento que estaria juntado; c) iliquidez e incerteza.
A cessão dos créditos de contratos imobiliários do BANORTE para a Caixa Econômica Federal-CEF e desta para a EMGEA foi pública e notória, não tendo o ora Embargante registrado, na via administrativa, nenhuma oposição a essas cessões, até mesmo porque nenhum prejuízo econômico-financeiro lhe trouxe, de forma que não merece acolhida esta preliminar.
Tenho por prejudicada a preliminar de nulidade do título, porque sua análise exige adentramento no mérito e por isso essa matéria será enfrentada quando do exame deste.
Idem com referência a alegada iliquidez e incerteza.

Matérias de Mérito

1. O Embargante comprou um imóvel, financiado pelo então Banco BANORTE S/A, hoje Banco BANORTE EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, que cedeu os respectivos créditos para a Caixa Econômica Federal-CEF e esta, por sua vez, fez idêntica cessão para a Empresa Gestora de Ativos, ora Embargada-exequente.
Segundo consta na petição inicial da ação de execução dos autos principais, quando referida ação foi proposta o ora Embargante estava com 74(setenta e quatro)prestações em atraso.
Segundo a petição inicial da execução dos autos principais “para a regularização do débito com a purga da mora, a dívida importa em R$ 451.344,21, cálculo válido até 03/12/07, e para a liquidação do mútuo a dívida importa em R$ 451.344,21”.
Noto que a Exequente não detalhou qual seria o montante correspondente às 74 parcelas em atraso, pelo que concluo que optou pela execução da integralidade do contrato, como permitido pela respectiva cláusula décima segunda(v. fl. 16 dos autos principais).
Noto também que a Exequente preferiu propor a execução com base em artigos do Código de Processo Civil, ou seja, não se utilizou dos procedimentos da Lei nº 5.741, de 01.12.1971, que dispõe sobre a proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, opção essa permitida por essa Lei e pelo contrato(v. cláusula décima terceira deste, à fl. 16 dos autos principais).

2. Alega o Embargante não caber a execução, por ser ilíquida e incerta a dívida e por haver excesso de excecução, porque teria havido desrespeito à repactuação que firmara com o BANORTE, ferimento a regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990, aplicação de juros capitalizados, o que seria ilegal e não apresentação demonstrativo dos valores que já teriam sido pagos.
2.1) O crédito em execução nos autos principais é realmente ilíquido e incerto, pois a Exeqüente não levou em consideração a repactuação do contrato firmado entre o ora Embargante e o BANORTE, repactuação essa comprovada às fls. 09-11 destes autos.
2.2) A Exeqüente também não atentou para as regras do art. 7º da Lei nº 5.741, de 1971.
A opção da ora Embargada de propor a execução pelas regras do Código de Processo Civil e não pelas regras da mencionada Lei nº 5.741, de 1971, não afasta a obrigatoriedade de observar-se a parte de direito material consignada nesta Lei, especialmente a do referido art. 7º, segundo a qual, caso o Devedor não pague a dívida, perde o imóvel hipotecado e fica exonerado do restante da dívida, verbis:
Art . 7º Não havendo licitante na praça pública, o Juiz adjudicará, dentro de quarenta e oito horas, ao exeqüente o imóvel hipotecado, ficando exonerado o executado da obrigação de pagar o restante da dívida.
E nesse sentido há inúmeras r. decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, das quais destaco a que segue:
DIREITO ECONÔMICO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. EXECUÇÃO JUDICIAL DO CONTRATO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL. ARREMATAÇÃO DO IMÓVEL PELO CREDOR POR PREÇO INFERIOR AO DA DÍVIDA EXEQÜENDA. EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO REMANESCENTE.
1. A Lei n. 5741/71, que disciplina a cobrança de crédito hipotecário para financiamento da casa própria vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, faculta ao credor adotar o outro procedimento para execução da dívida, além daquele nela previsto (art. 1º).
2. Todavia, a opção de procedimento eleita pelo credor não importa modificação das normas de direito material, que são as mesmas em qualquer hipótese.
3. A disposição normativa do art. 7º da Lei 5.741/71 (segundo a qual, com a adjudicação do imóvel pelo exeqüente, fica "exonerado o executado da obrigação de pagar o restante da dívida") tem natureza de direito material, e não estritamente processual, já que consagra hipótese de extinção da obrigação. Como tal, é norma que se aplica à generalidade dos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, independentemente do procedimento adotado para a sua execução.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
Logo, não poderia a ora Embargada ter executado toda a dívida e ainda penhorado o imóvel, porque apenas este já quita toda a dívida.

4. E o iter descrito no tópico anterior só poderia acontecer sendo a dívida líquida e certa e tendo o o Devedor negado-se a pagar as parcelas em atraso.
No presente caso, como se pode ver dos autos principais, há uma incerteza muito grande sobre o montante do saldo devedor e o montante do valor das prestações em atraso, exatamente porque os contratos firmados entre particulares e bancos, sob as regras do Sistema Financeiro da Habitação-SFH, nunca são devidamente claros e também, regra geral, o banco nunca aplica corretamente as regras contratuais e legais, relativas aos reajustes do valor da prestação e do valor do saldo devedor.
E para completar, no presente caso, existe a noticiada repactuação com o antigo banco credor(BANORTE), que não foi levada em consideração pela ora Embargada.
Ou seja, para se saber se os montantes apresentados com a ação de execução são corretos ou não, haveria necessidade da realização de uma perícia e ainda de interpretação das regras do contrato, para se chegar a um valor definitivo.
Tem-se pois, que: a)a ora Embargada não poderia executar o saldo devedor residual, porque, mesmo que não estivesse coberto por esse Fundo, ficaria o ora Embargante dele exonerado, por força do acima transcrito art. 7º da Lei nº 5.741, de 1971; b) não se sabe qual o valor das prestações em atraso.
Então, por todos os ângulos que se examine a quaestio, chega-se à segura conclusão da iliquidez e incerteza da dívida.

Conclusão

Posto isso: a) rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da EMGEA para a execução; b) tenho por prejudicada as demais preliminares; c) quanto ao mérito, com base no inciso I do art. 745 do Código de Processo Civil, tenho por ilíquido e incerto o título executivo em questão, pelo que julgo procedente o pedido desta ação de embargos à execução de título extrajudicial, dou a execução por extinta, ressalvando-se a cobrança de eventual crédito da ora Embargada pela via ordinária ou, após prévia liquidação na via administrativa, pela via executiva judicial, ou ainda pela execução administrativa do Decreto-lei nº 70, de 1966, observando-se, em qualquer via, os princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, sem prejuízo da aplicação do art. 7º da Lei nº 7.541, de 1971.
Outrossim, condeno a Embargada em verba honorária, que arbitro em R$ 1.000,00(hum mil reais), corrigida monetariamente a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, e com juros de mora a partir da intimação da execução desta sentença, com os índices, tanto da correção monetária como dos juros, indicados no art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, com redação dada pela Lei 11.960, de 30.06.2009.
Mantida a penhora do imóvel e a respectiva hipoteca.

P. R. I.

Recife, 10 de março de 2010.


FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Juiz Federal da 2ª Vara-PE