Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Se existir mais de uma ação popular sobre o mesmo tema, o Juízo competente será aquele para onde foi distribuída a primeira ação.
Na decisão que segue, este assunto é detalhadamente debatido.
Boa leitura.
OBS.: matérias pesquisada pela Assessora Rossana Rocha Marques.
PROCESSO Nº: 0814518-19.2017.4.05.8300 - AÇÃO POPULARAUTOR: Z M O C
ADVOGADO: F C De L M
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
DECISÃO
1. Relatório
Z M O C ajuizou esta "AÇÃO POPULAR" com pedido de tutela de urgência de natureza antecipada ou cautelar, em face de UNIÃO
FEDERAL, ELETROBRÁS - CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A, CHESF -
COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO, EXMO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL, SR. MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, EXMO. SR.
MINISTRO DAS MINAS E ENERGIA, SENHOR FERNANDO BEZERRA COELHO FILHO,
WILSON FERREIRA JÚNIOR (Presidente da Eletrobrás), COMITÊ GESTOR DO
PROGRAMA DE REVITALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO -
CGPRSF, CONSELHO DO PROGRAMA DE PARCERIA DE INVESTIMENTOS PPI, AGÊNCIA
NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL, AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA,
MOREIRA FRANCO E ADALBERTO SANTOS VASCONCELOS. Alegou, em síntese,
que: a) no Diário Oficial da União de 5/7/2017 teria sido publicada a
Portaria nº 254, de 30/6/2017, expedida pelo Excelentíssimo Senhor
Ministro de Estado de Minas e Energia, por meio da qual foi determinada
a divulgação da Nota Técnica nº 5/2017/AEREG/SE, com a veiculação de
proposta voltada ao aprimoramento do marco legal do setor elétrico. O
mesmo ato administrativo teria exortado a sociedade a fornecer
subsídios e sugestões, que seriam colhidos por meio da Consulta Pública
nº 33/MME, cujo prazo de duração de 30 (trinta) dias teria seu
encerramento; b) A Nota Técnica nº 5/2017/AEREG/SE - MME pretenderia
alterar todo o marco legal do setor elétrico buscando estabelecer
incentivo à eficiência nas decisões empresariais dos agentes individuais
por meio de sinalização econômica como vetor de alinhamento das
decisões de governo com os interesses do mercado, ou ainda estímulos à
lucratividade individual com decisões tomadas pelos agentes como
resposta ao incentivo econômico; c) as alterações pretenderiam,
resumidamente, (a) reformatar o marco legal relativo à autoprodução de
energia (geração atrás do medidor), (b) reduzir os limites para acesso
ao mercado livre, (c) retirar os subsídios às redes de transmissão e
distribuição para fontes de energia renováveis (energia limpa), (d)
alterar a contratação de energia por leilões do governo com separação
entre lastro e energia e formação do preço da energia pelo mercado por
meio da criação de uma Bolsa de Energia, (e) estruturar novas regras
comerciais para máximo acoplamento entre formação de preço e operação
com redução de custos de transação na geração, (f) alterar os contratos
legados que importam em garantia de fornecimento ao consumidor; d)
seria a Nota Técnica nº 5 é toda ela voltada única e exclusivamente
para reestruturar o marco regulatório do setor elétrico de modo a
ampliar a participação privada por meio da abertura de mercado livre de
energia, levando a crer que, em razão da exiguidade do prazo, a
consulta pública pretende apenas ouvir aquilo que se alinha com os
objetivos do Governo Federal; e) a fixação de um prazo exíguo para a
consulta popular só se justificaria para conferir mera capa de
legitimidade democrática ao processo e não para efetivamente permitir a
ampla participação social em relação ao tema; f) as empresas estatais
do setor elétrico, tanto as de geração, quanto as de transmissão, a
Federação Nacional dos Urbanitários - FNU e diversas outras entidades
sindicais representativas dos trabalhadores do setor elétrico estatal
viram-se compelidas a construir propostas destinadas a contribuir para o
debate, entretanto o exíguo tempo de duração da consulta pública
estaria tornando impossível fazer qualquer contribuição com a qualidade
e profundidade técnica que o caso requer; g) em recente interlocução
com as diretorias das empresas estatais, a Federação teria constatado
que todas elas, sem exceção, teriam mostrado desconhecimento quanto ao
teor da Consulta Pública nº 33, bem como da Nota Técnica nº 5; h) em
face desta constatação e visando à pluralidade, com participação de
todos os agentes envolvidos, se teria pedido a dilatação do prazo da
Consulta Pública nº 33 em mais 60 (sessenta) dias; i) Ocorre que o
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado de Minas e Energia, para além
de nada decidir sobre o pedido prorrogação do prazo da Consulta Pública
nº 33, deixou também de juntá-los aos autos respectivos, de modo a
dar-lhes a indispensável publicidade; j) a Consulta Pública nº 33 se
encontraria encerrada. E sobre o pedido de prorrogação formulado pelas
entidades não há qualquer notícia ou deliberação por parte do
Ministério de Minas e Energia. Teceu comentários, citou textos de lei e
da doutrina em defesa de seu pleito e ao final requereu como tutela de
urgência:
"a) suspender em tutela de urgência de natureza antecipada ou cautelar os efeitos jurídicos da consulta pública, ou mesmo cassá-la, suspender a modelagem e atos posteriores de privatização, ante os argumentos apresentados, determinando a reabertura do prazo da consulta pública, em prazo razoável, se assim nesse último aspecto, entender V.Exa.;
b) suspender, em sede de tutela de urgência ou cautelar, os atos de privatização, ante o seu desvio de finalidade e o risco de dano ao patrimônio público e outros bens tutelados pelo Direito, deferindo tutela de urgência ou mesmo cautelar.".
Como requerimentos finais:
"a) processar e julgar a presente ação popular, na forma do art. 5°, caput, da Lei Federal n° 4.717/65;b) admitir o pagamento das custas processuais tão somente ao final da demanda, de acordo com o disposto no art. 10 da Lei Federal n° 4.717/65;c) A citação dos demandados para querendo, contestar, apresentando defesa, sob pena de revelia;d) Intimar o ilustre representante do Parquet, para acompanhar a presente ação, bem como para promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sem jamais assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (art. 6°, §4°, da Lei Federal n° 4.717/65);e) No prazo do art. 7°, inc. VI e § único da Lei Federal n° 4.717/65, julgar procedente o mérito da presente ação, para:1. Anular as consultas públicas determinando a reabertura de prazo, ante vícioprocedimental a viciar o processo de desestatização do início;2. Anular o ato de privatização ante o desvio de finalidade e demais ilegalidades e inconstitucionalidades, bem como os riscos de danos denunciados nesta peça;3. Condenar ao pagamento de perdas e danos tanto os responsáveis pela prática dos atos impugnados, bem como os seus beneficiários (art. 11 da Lei Federal n° 4.717/65);4. Por força do art. 12 da Lei Federal n° 4.717/65, incluir, na condenação dos réus, o pagamento, a autora, das custas e demais despesas, bem como dos honorários advocatícios, este na forma do art. 85, §2° e incisos do novo CPC/2015.".
A
decisão de identificador 4058300.4015591 determinou a citação da União e
sua intimação para que se manifestasse sobre o pedido de tutela de
urgência.
A
União manifestou-se sobre o pedido de tutela de urgência na petição de
identificador 4058300.4040829, na qual arguiu, preliminarmente, a
ausência de interesse de agir em razão da inadequação da via eleita,
haja vista inexistir ato lesivo ao patrimônio público.Sobre o pedido
liminar, afirma não estarem comprovados os requisitos para sua
concessão, haja vista que as alegações autorais seriam desprovidas de
verossimilhança, já que, com vistas a permitir uma proposta com
aderência do setor elétrico, permitindo aos atores envolvidos que
trouxessem ao debate sua contribuição em favor de tão relevante tema,
optou-se pela edição da Portaria MME nº 254, de 30 de junho de 2017,
que divulgou para a sociedade a a Nota Técnica no 5/2017/AEREG/SE, com
propostas variadas de aprimoramento do marco legal do setor elétrico, o
que ensejou o préstimo de diversas contribuições, o que deveria ser
louvado pela autora popular, que teve a oportunidade de participar da
discussão havida. Por outro lado, afirmou que inexistiria o periculum in mora,
haja vista que possível alteração legislativa a resultar da Consulta
Pública nº 33/2017/MME observará, com naturalidade, o trâmite regular
do processo legislativo, constitucionalmente assinalado. Requereu,
assim, o indeferimento da tutela de urgência requerida pela Autora.
Decisão
de identificador 4058300.4057404, na qual se determinou a intimação da
Parte Autora para que complementasse a petição inicial, esclarecendo
acerca da ação popular que teria sido anteriormente ajuizada na Seção
Judiciária da Justiça Federal de Brasília/DF, noticiada a este
Magistrado verbalmente, pelo d. Advogado Dr. A. C..
A
Autora, em atendimento à mencionada decisão, juntou a documentação
relativa à noticiada ação popular que tramita em Juízo de
Brasíla-DF(documentos de identificador 4058300.4064329, 4058300.4064331 e
4058300.4064330).
Vieram-me conclusos os autos.
2. Fundamento e decido.
Os documentos juntados pela Autora, sob identificadores números 4058300.4064329,
4058300.4064331 e 4058300.4064330, atestam que foi distribuída, em
28.08.2017, ação popular, com pleitos visando a suspensão do leilão da
ELETROBRAS, distribuída para 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Distrito Federal, tendo por Autor R. A. C. e por Réus os
mesmos que figuram no polo passivo desta ação popular ora sob análise.
Com
efeito, a petição inicial da ação popular que tramita perante a
mencionada 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal,
acostada sob identificador nº 4058300.4064330, é quase idêntica à petição inicial desta ação popular que tramita por esta 2º Vara Federal de Pernambuco, ora sob análise.
Nessa situação, conforme já adiantado na decisão sob identificador nº 4058300.4057404, tendo
em vista a regra de competência, de caráter absoluto, fixada no § 3º
do art. 5º da Lei nº 4.717/65, que rege a ação popular, o qual tem a
seguinte redação, "Art. 5º (...).§ 3º A propositura da ação prevenirá a
jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente
intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.", surge
visível a incompetência absoluta deste Juízo Federal de Pernambuco.
No
mesmo sentido dessa previsão da Lei de regência da ação popular (art.
5º, §3º), o novo Código de Processo de Processo Civil/2015 trouxe regra
idêntica, agora para qualquer tipo de ação, verbis:
"Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.".
"Art. 59. O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo.".
Note-se
que o Legislador, no novo Código de Processo Civil, modificou o diploma
processual de 1973, pelo qual o Juiz prevento seria aquele que
despachasse em primeiro lugar.
Agora,
pelo novo diploma de processo civil, o Juízo prevento será aquele para o
qual a primeira ação, tratando do mesmo assunto ou de assunto
semelhante, envolvendo as mesmas Partes, tiver sido distribuída, no que
traz mais segurança jurídica, evitando discussões e atrasos para se
concluir qual seria o Juízo competente para a causa.
A
Primeira Seção do E. STJ, ao julgar Conflito Positivo de Competência
veiculado no bojo de ações populares, decidiu pela reunião das aludidas
ações populares, com o fim de evitar decisões conflitantes,
reconhecendo, com fundamento no §3º do art. 5º da Lei nº º 4.717/65, a
competência do Juízo para o qual foi distribuída a primeira demanda, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE VARAS DE REGIÕES DIVERSAS DA JUSTIÇA FEDERAL. AÇÕES POPULARES PROPOSTAS COM O FIM DE SUSPENDER/ANULAR NOMEAÇÃO E POSSE DE MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL. IDENTIDADE DE PARTES E DE OBJETO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO PARA O QUAL FOI DISTRIBUÍDA A PRIMEIRA DEMANDA. ART. 5º, § 3º, DA LEI N. 4.717/65. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DA 22ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.1. Consigna-se, a princípio, que o presente conflito de competência se refere, na origem, a ações populares propostas com o objetivo de verificar a higidez, ou não, do ato de nomeação do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar o cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil.2. Cumpre mencionar, inicialmente, que não há se falar em perda de objeto do conflito de competência (assim como alegada por alguns autores das vias populares em questão) pelo fato de o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva não mais ocupar o cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil. Isso porque, tratando-se, no caso, de ações populares, ainda que haja desistência do respectivo processamento na instância de origem, caberá ao Ministério Público assumir a titularidade da ação, tendo em vista o interesse público subjacente ao tema, na forma da Lei n. 4.717/1964.3. No caso, persiste o interesse - até por se tratar, como dito, de ações populares intentadas - quanto a saber sobre o alegado vício no ato de nomeação do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar o cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil. É que, por óbvio, se, ao final, forem julgadas improcedentes ditas demandas, tal conclusão terá consequência direta sobre os efeitos do ato de nomeação, a fim de qualificá-lo como hígido ou não.4. Com base nessas considerações, rejeita-se a preliminar de perda de objeto deste conflito positivo de competência.5. Segundo a jurisprudência firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, "a conexão das ações que, tramitando separadamente, podem gerar decisões contraditórias implica a reunião dos processos em unum et idem judex, in casu, ações populares e ação civil pública [...]" (CC 36.439/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 8/10/2003, DJ 17/11/2003, p. 197).6. Tratando-se de diversas ações populares, com identidade de causas de pedir e de objeto, as quais foram propostas com a finalidade de suspender/anular a nomeação e posse do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil, é competente o Juízo Federal da 22ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, na medida em que para essa unidade jurisdicional foi distribuída a demanda primeva.7. Os documentos coligidos aos autos revelam acertada a tese que se coaduna com o disposto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 4.717/65, determinando que a propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.8. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 22ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Fica prejudicado o exame dos agravos internos."Nota 1 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Conflito de Competência nº 145.918/DF. Relator Ministro Og Fernandes, julgado em 10/05/2017, DJe 17/05/2017, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%22a %E7%E3o+popular%22+e+conex%E3o+&&tipo_visualizacao=LISTACOMPLETA&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.Acesso em 02.10.2017.
Então,
devo reconhecer a incompetência absoluta deste Juízo da 2º Vara Federal
de Pernambuco e decliná-la para o Juízo da 17º Vara Federal do Distrito
Federal.
3. Conclusão
Posto
isso, reconheço a incompetência absoluta deste Juízo da 2º Vara Federal
de Pernambuco para apreciar e julgar esta ação popular e declino a
competência para o Juízo da 17º Vara da Seção Judiciária do Distrito
Federal, para onde determino que esta ação popular, após baixa nesta 2º
Vara Federal de Pernambuco, seja imediatamente encaminhada, na forma da
legislação judiciária-administrativa de regência.
Intimem-se, com urgência.
Recife, 04 de outubro de 2017.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2º Vara-PE.