sexta-feira, 3 de abril de 2020

QUANDO A PARTE VENCEDORA É CONDENADA NAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior
         Quando Maria, proprietária do imóvel, não providencia o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis competente, deixando esse imóvel registrado no nome de João, um dos proprietários anteriores,  caso seja penhorado a pedido de Credor de João, se Maria propuser a respectiva Ação de Embargos de Terceiro, mesmo sendo vencedora, arcará com os ônus da sucumbência judicial, por ter dado causa à penhora(princípio da causalidade, com precedente do STJ).
          Na sentença que segue, ocorreu esse fenômeno judicial.
          Boa  leitura.

Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques. 



EMBARGANTE: M C M e outro 
EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A.

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA SOBRE IMÓVEL.
-Embora o contrato de compra e venda do imóvel penhorado não esteja devidamente registrado no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, diante da comprovação da compra bem antes da respectiva penhora e da comprovada boa-fé da Embargante, o pedido procede.
-O MPF, ora Embargado, por meu de sua sensível Procuradora da República, concordou com o pleito, ressalvando a responsabilidade da Embargante pelas verbas de sucumbência, porque causadora da penhora e da origem desta ação.
-Procedência e condenação da Embargante de Terceiro nas verbas de sucumbência, com suspensão da respectiva exigibilidade, calcada no § 3º do art. 98 do vigente CPC.


Vistos, etc.
1- Relatório
M C M, qualificada na Petição Inicial,  assistida pela Defensoria Pública da União,  em 29/04/2019 ajuizou esta Ação de Embargos de Terceiro em face do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Requereu, inicialmente,  a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e alegou, em síntese, que seria legítima possuidora do imóvel em questão há mais de dez anos, razão pela qual teria legitimidade para figurar no polo ativo desta ação; teria sido realizada penhora sobre o mencionado imóvel, situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº A-1-2, andar térreo do bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, consoante o respectivo auto de penhora que estaria anexando; teria comprado o imóvel de Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho em 27/02/2008, mediante Contrato de Compra e Venda; antes disso, o imóvel teria sido comprado por Inês Aguiar Cavalcante de Carvalho a Isaura Maria Bonifácio de Farias em 25/02/2007, que por sua vez o teria comprado, em 17/03/2005, a E da C L, parte executada do processo ora embargado, tombado sob nº 0800903-35.2017.4.05.8308; o imóvel não teria sido registrado em seu nome, em razão da existência de pendência na documentação do imóvel; salientou que a execução teria sido ajuizada em 23/08/2017, em data bem posterior à realização do Contrato de Compra e Venda. Teceu outros comentários, e requereu: "a)     Concessão dos benefícios da gratuidade de justiça a terceira embargante, nos termos do art. 98 e seguintes do CPC; b)    a observância de todas as prerrogativas da Defensoria Pública da União, em especial a intimação pessoal de todos os atos processuais com entrega dos autos com vista e a contagem dos prazos em dobro, na forma do art. 44 da Lei Complementar nº. 80/94; c)     Seja citado o embargado para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, ficando, desde logo, ciente de que, se não forem impugnados os fatos alegados, estes serão presumidos como verdadeiros; d)    Que não sejam tomadas medidas de caráter expropriatório;  e)     por fim, seja deferida a manutenção da posse do bem penhorado em favor da embargante, desconstituindo-se o Auto de Penhora referente ao imóvel Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE. f)       Caso não reconhecido o direito sobre a propriedade do imóvel, que seja considerado procedente a extinção da penhora, por tratar-se de bem de família; g)    A condenação dos réus em custas processuais e honorários advocatícios em favor da DPU, a serem depositados no fundo específico para estruturação da Defensoria Pública da União, nos termos da LC 80/94, com redação conferida pela LC132/2009." Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa e juntou documentos
Decisão na qual foi reconhecida a prevenção acusada pelo sistema PJE, desta ação com o Cumprimento de Sentença tombado sob o nº 0800903-35.2017.4.05.8308, movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de E DA C L; concedeu-se, provisoriamente, o benefício da Justiça Gratuita; recebeu-se a ação de Embargos de Terceiro; e determinou-se a citação do Embargado.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/Embargado não opôs resistência ao pedido da EMBARGANTE de levantamento da indisponibilidade sobre o imóvel identificado como o "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE", porque, segundo afirma, embora o citado imóvel esteja registrado, ainda, em nome do executado E da C L, nos termos do art. 1.245, §1º, do Código Civil), não se poderia fechar os olhos para a necessidade de proteção do direito de possuidor de boa-fé, e detentor de justo título; transcreveu a Súmula nº 84 do E. STJ que admite o manejo de Embargos de Terceiro por promitente comprador, independentemente de registro do instrumento; a boa-fé da Embargante de Terceiro é extraída pelo fato de a Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, com presumida quitação integral do preço do imóvel ter sido formalizada em 2008, muito antes da prolação da sentença condenatória que originou o débito exequendo; mais do que isso, a referida Escritura Pública seria bem anterior ao ajuizamento da ação civil pública, ocorrida em 09 de agosto de 2013; em tais situações, o E. Superior Tribunal de Justiça estaria admitindo o levantamento da penhora dos bens, consoante junlgados que transcreveu; ponderou que, admitir a pretensão de levantamento da penhora não implicaria reconhecer a condenação do Embargado nos ônus sucumbenciais, pois, em tese, a constrição teria se dado por inércia da Embargante em proceder ao regular registro do bem, e que os ônus processuais deveriam ser suportados pela Parte Embargante, conforme requereu.
É o relatório, no essencial.
Fundamento e decido.

2. Fundamentação
2.1- Trata-se de Embargos de Terceiro distribuídos por dependência ao Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, que tramita nesta 2ª Vara Federal/PE, cujo respectivo título judicial que a embasa foi constituído na Ação de Improbidade Administrativa nº 0000828-68.2013.4.05.8308, que tramitou neste Juízo.
Acerca dos Embargos de Terceiro assim estabelece o Código de Processo Civil:
"Art. 674 - Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.(...)Art. 678.  A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido."
Como visto, é possível determinar a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos Embargos quando suficientemente provado o domínio ou a posse por pessoa (Terceiro) que não é parte no processo.
No caso em análise, a Ação de Improbidade Administrativa promovida pelo MPF em face de S J dos S e E DA C L foi ajuizada em 08 de agosto de 2013 (Id. 4058308.3784213); o respectivo Cumprimento de Sentença proposto pelo MPF em face de E DA C L foi distribuído em 23 de agosto de 2017 (Id. 4058308.3784182); e o Mandado de Penhora e Avaliação foi expedido, nos autos do Cumprimento de Sentença, em 10/12/2018.
Ocorre que os documentos anexados aos autos pela ora Embargante comprovam, de forma satisfatória, que o imóvel em tela foi vendido pelo Sr. E n da C L, muito antes da existência da ACP e do respectivo Cumprimento de Sentença.
A Escritura Pública de Compra e Venda anexada sob o Id. 4058300.10433808 comprova que o referido imóvel foi vendido pelo Sr. E DA C L para a Srª ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS em 17/03/2005.
Já a Escritura Pública de Compra e Venda anexada sob o Id. 4058300.10433764 comprova que o imóvel em tela foi vendido pela Srª ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS para a Srª INÊS AGUIAR CAVALCANTI CARVALHO  em 25/05/2007.
E a Escritura Pública de Compra e Venda do Imóvel na qual está registrada a compra e venda do "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE", comprova a venda do referido imóvel da Srª Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho, para a  Srª MARIA CARLOS MARINHO, ora Embargante, em 19/03/2008, data também bem anterior à distribuição da Ação de Improbidade Administrativa ajuizada no ano de 2013, e ao respectivo Cumprimento de Sentença distribuído em 2017.
Mencionadas Escrituras, ainda que não levadas a registro no Cartório de Registro de Imóveis, apenas registradas em Cartório de Ofício de Notas, induzem presunção de efetiva alienação informal do imóvel, devendo-se, portanto, preservar a posse da ora Embargante de Terceiro, ainda mais no presente caso em que não há indício de fraude no mencionado negócio jurídico.
Saliente-se que a Embargante esclareceu não ter condições financeiras de fazer o registro do Cartório de Imóveis porque recebe apenas um salário mínimo de aposentadoria, e os custos do registro são elevados.
Portanto, existindo nos autos documentos que demonstram a celebração do Contrato de Compra e Venda do Imóvel em data anterior à distribuição da Ação de Improbidade Administrativa e ao ajuizamento do respectivo Cumprimento de Sentença e que a Embargante detém a posse do imóvel desde 19/03/2008, tal como revelam os documentos acima aludidos e a fatura de conta de energia elétrica do mencionado imóvel em seu nome, merece prosperar o pedido da Embargante de Terceiro deduzido na Petição Inicial, devendo ser desconstituída a penhora que se efetivou nos autos executivos, ocorrida mais de dez anos da venda do bem imóvel pelo Sr. ERILSON DA COSTA LIRA, e quase dez anos após a aquisição do bem pela ora Embargante de Terceiro.
Ressalte-se que tais documentos também são hábeis a demonstrar a boa-fé da Embargante, que se encontra impossibilitada, por razões econômico-financeiras, de providenciar a lavratura, perante o Cartório de Registro de Imóveis, da mencionada Escritura de Compra e Venda do Imóvel.
E a d. Dra. Sílvia Regina Pontes Lopes, Procuradora da República, representando o  Ministério Público Federal, ora Embargado e Autor da Ação de Improbidade Administrativa e do respectivo Cumprimento de Sentença, demonstrando grande sensibilidade social e conhecimento das deficitárias práticas cartorárias dos cidadãos brasileiros de baixa renda, como a ora Embargante, não se opôs ao requerimento de levantamento da indisponibilidade do imóvel em questão, nos seguintes termos:
"À luz do relato e dos documentos mencionados na inicial, não há resistência à pretensão de levantamento da indisponibilidade sobre o imóvel identificado como "Apartamento n° A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE". (Id. 4058300.10834344).
Portanto, ante o acima exposto, e a concordância expressa do MPF/Embargado com o pleito formulado na Petição Inicial, é de ser determinada a desconstituição do Auto de Penhora referente ao imóvel Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE, pois deve ser protegida a boa-fé da Embargante/Adquirente e a sua posse.
2.3 - Dos honorários advocatícios sucumbenciais
O MPF ressalvou, na sua manifestação, que não poderia  ser condenado em verba honorária, porque foi a ora Embargante que deu motivo a penhora do seu imóvel e à origem desta ação de embargos de terceiros, em face da sua desídia em não ter efetuado o registro do imóvel no Cartório de Registros de Imóveis próprio.
À luz do princípio da causalidade, tem razão o MPF.
Ademais, a esse respeito, o E. STJ pacificou o entendimento na Súmula nº 303, no sentido de que, em Embargos de Terceiro, quem deu causa à constrição indevida, deve arcar com os honorários advocatícios.
Ou seja, como a ora Embargante foi a causadora da penhora e o advento desta ação, será responsabilizada pelas verbas de sucumbência. 
2.4 - Do reexame necessário
Tendo em vista que o valor da dívida consignada no Mandado de Penhora e avaliação, na cifra de R$ 84.842,99, é inferior a 1.000 (mil) salários mínimos, esta Sentença não será submetida ao reexame necessário, e o faço com fundamento no art. 496, §3º, I, do CPC.

3. Dispositivo
POSTO ISSO, julgo procedente o pedido formulado pela Embargante de Terceiro, desconstituo a penhora efetivada sobre o imóvel situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº A-1-2, andar térreo do bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, que foi efetivada nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T e reconheço a manutenção da posse do mencionado Imóvel em favor da Embargante (CPC, art. 681),  e extingo este processo, com resolução do mérito (CPC, art. 487, I), para todos os fins de direito.
Outrossim, condeno a Embargante nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor atualizado dado a esta casa, mas submeto a respectiva exigibilidade à condição suspensiva  do § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil, por estar a Embargante no gozo do benefício da Justiça Gratuita, suspensão essa pelo prazo de cinco anos, como consta do referido dispositivo legal, após o que, se a condição não for implementada, essa obrigação será extinta, para todos os fins de direito.

Deixo de submeter esta Sentença ao reexame necessário, porque o valor da causa não atinge a quantia indicada no  inciso I do § 3º do art. 496 do vigente  Código de Processo Civil.
Traslade-se cópia desta Sentença para os autos do Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, para que, nos mencionados autos, produza os efeitos legais de desconstituição da penhora ora deferida, oficiando-se o Registro de Imóveis competente para o seu cancelamento; ademais, na hipótese de ter havido restrição via CNIB do imóvel em tela, deverá a Secretaria do Juízo providenciar o seu imediato cancelamento.
R.I.
Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE


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