terça-feira, 12 de junho de 2012

ACUMULAÇÃO DE CARGOS: QUANDO É POSSÍVEL.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior.


O Servidor Público pode acumular dois cargos, desde que haja compatibilidade de horário. Esta é a única exigência constitutional e legal Não importa que a soma de horários de dois cargos, caso da Impetrante do processo abaixo, supere a carga horária semanal de sessenta horas. O que importa é que não haja superposição de jornada. A inobservância desse direito, por parte da respectiva Chefia, caracteriza-se como abuso de poder e ilegalidade, passível de interposição de mandado de segurança.

Boa leitura.

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA



Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0018513-83.2011.4.05.8300 - Classe: 126 – Classe: Mandado de Segurança


Impetrante: E. B. DOS S.

Adv.: J D F, OAB-PE

Impetrado: SUPERINTENDENTE DE GESTÃO E DESENVOLVIMENTO DE PESSOA – SUGEP/UFRPE  



Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2012

Sentença tipo A

Ementa: - MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CUMULAÇÃO DE CARGOS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

- A Constituição da República condiciona a acumulação de cargos, nas hipóteses taxativamente expressas no art. 37, inciso XVI, à compatibilidade de horários.

- Entendimento da Administração Pública que considera ilícita a acumulação de cargos por totalizarem jornada de trabalho superior a sessenta horas semanais carece de respaldo jurídico-legal.

-Ante a compatibilidade de horários para o exercício dos dois cargos, tem a Impetrante o direito de continuar a exercê-los.

- Concessão da segurança.

Vistos etc.


E. B. DOS S. impetrou, em 16/11/2011, o presente “Mandado de Segurança com Pedido e Liminar Inaudita Altera Pars” contra ato do SUPERINTENDENTE DE GESTÃO E DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS SUGEP/UFRPE, vinculado ao Ministério da Educação e à UNIÃO FEDERAL, requerendo preliminarmente os benefícios da justiça gratuita. Aduziu, em síntese, que teria ingressado no serviço público federal em 1983, na UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO; que, em 1989, teria sido aprovada em concurso interno para o cargo de Técnico em Assuntos Educacionais, com regime de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais; que, em 1990, teria assumido o cargo de Professor FS VII da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, por meio de concurso público, com uma carga horária semanal de 30 (trinta) horas; que, nos termos do art. 37, XVI, “b”, da Constituição da República, seria permitido o acúmulo de cargos, desde que os horários fossem compatíveis; que, após vinte e um anos de acumulação, estaria sendo questionada pela Autoridade Impetrada quanto ao excesso de carga horária; que teria recebido uma notificação, determinando que, no prazo de dez dias, optasse por um dos cargos ou solicitasse redução da jornada de trabalho em uma das instituições, de modo a limitar sua jornada de trabalho a 60 (sessenta) horas semanais; que não poderia ser prejudicada por mera presunção de que a realização de jornada de trabalho superior a sessenta horas comprometeria a qualidade do serviço prestado. Teceu outros comentários. Transcreveu várias decisões judiciais. Requereu a concessão de liminar, sem ouvida da parte contrária, para que a Autoridade Impetrada se abstivesse de exigir que a Impetrante optasse por um dos cargos públicos ou solicitasse redução da jornada de trabalho em uma das instituições. Ao final, requereu a concessão da segurança definitiva; a notificação da Autoridade Impetrada; a intimação do Ministério Público Federal; a intimação da Advocacia Geral da União; a procedência dos pedidos, condenando a União ao pagamento de honorários em 20%, a teor do disposto no art. 20, § 3º, do CPC. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópia de documentos (fls. 11/20).

Deferida a gratuidade da justiça em decisão de fls. 21/23, na qual restou deferido o pedido de concessão de medida liminar.

A Impetrante requereu a juntada de cópia de parecer da AGU (fls. 24/28).

A União requereu sua exclusão da lide (fls. 35/36).

Notificada, a Autoridade Impetrada apresentou Informações, às fls. 38/41, sustentando que a Impetrante ocuparia o cargo de Técnico em Assuntos Educacionais na UFRPE, com uma jornada de trabalho de 40 horas semanais; que o Ministério do Planejamento através do Sistema de Tratamento de Indício de regularidade, teria detectado que a Impetrante manteria outro vínculo profissional, exercendo cargo efetivo no Estado de Pernambuco, como Professor de Nível Superior, com a carga horária semanal de 37 horas; que a Impetrante teria sido cientificada para se pronunciar a respeito; que o processo administrativo teria sido instruído com a documentação comprobatória do exercício das atividades profissionais exercidas pela Impetrante; que a Impetrante teria sido convocada para prestar esclarecimentos; que, em 14/10/2011, a SUGEP, fundamentada no parecer da Coordenação Geral de Gestão de Pessoas do Ministério da Educação, teria concluído pela impossibilidade da acumulação dos cargos públicos, havendo fixado prazo para a Impetrante optar por um dos cargos públicos ocupados; que, para a acumulação de cargos, a Constituição da República estabeleceria como condição a compatibilidade de horário; que, de acordo com os Pareceres Jurídicos dos órgãos competentes da Administração Pública Federal e as decisões do Tribunal de Contas da União, não haveria que se falar em compatibilidade de horários quando o somatório das jornadas legais ultrapassasse sessenta horas semanais e o servidor precisasse se locomover entre locais distintos para desempenhar as atribuições dos respectivos cargos; que a carga horária semanal da Impetrante totalizaria 72 (setenta e duas) horas. Fez outros comentários. Sustentou que o fumus boni iuris seria reverso, uma vez que a Administração apenas estaria zelando pela dignidade humana. Ao final, pugnou pela denegação da segurança.

A UFRPE noticiou a interposição de Agravo de Instrumento (fls. 54/54-vº), juntando cópia do referido recurso (fls. 55/64).

A Impetrante apresentou contrarrazões ao “Agravo Retido” (fls. 67/73).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou Parecer, às fls. 77/81, opinando pela concessão da segurança.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório. Passo a decidir.

Fundamentação

            No presente mandado de segurança, a Impetrante pretende continuar a exercer os cargos que ocupa, sem redução de suas respectivas jornadas de trabalho.

A possibilidade de acumulação de cargos públicos encontra-se prevista no inciso XVI, do art. 37, da Constituição da República, nos seguintes termos:

Art. 37.

(...)

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c)  a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

A Lei nº 8.112/90, por seu turno, exige apenas a compatibilidade de horários como requisito para a acumulação de cargos, conforme se verifica no art. 118, verbis:

     Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada    de  cargos públicos.

(...)

§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.

Observa-se, então, que a restrição insculpida no dispositivo legal acima referido tem por escopo concretizar o princípio da eficiência, para impedir que pessoas ocupem cargos com horários incompatíveis, onerando o Estado sem a devida contraprestação.

Pois bem.

No caso em exame, a Autoridade Impetrada sustenta que os dois cargos exercidos pela Impetrante (técnico em assuntos educacionais e professor) não são acumuláveis, por totalizarem carga horária superior a 60 (sessenta) horas semanais.

Fundamenta sua alegação em pareceres jurídicos de órgãos da Administração Pública Federal, segundo os quais, seria ilícita a acumulação de dois cargos ou empregos públicos que sujeitassem o servidor a regimes de trabalho que ultrapassassem o total de 60 (sessenta) horas semanais.

À vista dos dispositivos constitucional e legal acima indicados, a compatibilidade de horários é a única exigência, sendo irrelevante o entendimento dos pareceristas acima referidos, que querem limitar a duplicidade de cargos ao total de carga horária.

Além de inconstitucional e ilegal, mencionado entendimento finda por pregar a ociosidade, que, se praticada, implicaria em atraso no desenvolvimento da própria pessoa e também do País: feliz o País cujo povo queira trabalhar, como faz a Impetrante. Se tem tempo ocioso e pode ocupá-lo com outra atividade profissional, que o faça, principalmente quando se trata do saudável mister de ensinar, como no presente caso.

Desse modo, para que se permita a acumulação de cargos, repito, não cabe a estipulação de outros requisitos, pois isso implicaria a criação de restrição não prevista constitucionalmente, o que é vedado.

Nesse sentido, há precedente do E. Superior Tribunal de Justiça:

 ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS.PROFISSIONAL DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. INEXISTÊNCIA. EXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CF/88 E ART. 118, § 2º, DA LEI 8.112/90. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1.     Comprovada a compatibilidade de horários e estando os cargos dentro do rol taxativo previsto na Constituição Federal, não há falar em ilegalidade na acumulação, sob pena de se criar um novo requisito para a concessão da acumulação de cargos públicos. Exegese dos arts. 37, XVI, da CF e 118, § 2º, da Lei 8.112/90.

2.    Agravo regimental improvido.

(STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1007619/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, unânime, j. em 03.06.08, DJE de 25.08.08).

            E também do C. Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados. II – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III - Agravo regimental improvido.
(RE-AgR 633298, RICARDO LEWANDOWSKI, STF)

A Administração Pública rege-se pelo princípio da legalidade estrita, onde se conclui que deve o agente público pautar seus atos pelos ditames da lei, fazendo apenas o que a norma autoriza.

Não pode o administrador público, portanto, criar obrigação de fazer ou não fazer, sob pena de ferir o princípio constitucional da legalidade, previsto nos artigos 5º, II e 37, ambos da CRFB.

A carga horária da Impetrante é de 77 (setenta e sete) horas semanais, conforme documento acostado à fl. 20, sendo que, à vista dos documentos de fls. 17/18, com compatibilidade de horários, sem superposição de jornada.

Ante o acima exposto, lícita a acumulação dos cargos de técnico em assuntos educacionais e de professor exercidos pela Impetrante, por haver compatibilidade de horários e por respeitar as exigências constitucionais.

Logo, está agindo com abuso de autoridade e de forma inconstitucional e ilegal a Autoridade Impetrada, quando inobserva esse direito.

Conclusão

POSTO ISSO, convalido a decisão liminar, julgo procedente o pedido e concedo a segurança definitiva, determinando que a autoridade Impetrada se abstenha de exigir da ora Impetrante que opte por um dos cargos públicos ou que solicite redução de jornada de trabalho em uma das instituições que trabalha.

Sem honorários, ex vi art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009[1].

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

P.R.I.

Recife,  12 de junho de 2012.

Francisco Alves dos Santos Júnior
             Juiz Federal, 2ª Vara/PE



[1] Art. 25. Não cabe, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. (G.N.)