segunda-feira, 30 de maio de 2011

PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO. MILITAR. DIREITO ADMINISTRATIVO.

Segue uma sentença, na qual se discute o problema da prescrição administrativa do fundo do direito e da inaplicabilidade das Súmulas 163 do extinto Tribunal Federal de Recursos e da sua semelhante Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça.
Examina-se a questão à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Boa leitura.

Obs.: Sentença minutada pela assessora Luciana Simões.


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0011403-67.2010.4.05.8300 Classe: 29 - AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)
AUTOR : S. C. DE O.
Advogado: V A de M, OAB/PE nº .....
RÉU: UNIAO FEDERAL (MINISTERIO DO EXERCITO)

Registro nº ...........................................
Certifico que eu, .................., registrei esta Sentença às fls.......................
Recife, ...../...../2011.

Sentença tipo A

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. MILITAR. CABO DO EXÉRCITO. PROMOÇÃO À GRADUAÇÃO DE TERCEIRO SARGENTO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO.

-Alegado direito à promoção teria se concretizado em 1969 e esta ação só foi proposta em 2010, quando há muito já tinha a pretensão sido fulminada pela prescrição qüinqüenal, prevista no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1932.

-Inaplicabilidade da Súmula 163 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos e da Súmula 85 do E. Superior Tribunal de Justiça.

-Reconhecimento da prescrição, extinguindo-se o processo, com resolução do mérito.

VISTOS ETC.

Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, ajuizado por S C DE O, em face da União Federal (Ministério da Defesa – Exército Brasileiro). Requereu, preliminarmente, os benefícios da justiça gratuita, bem como prioridade de tramitação, por se tratar de pessoa idosa, nos termos da Lei nº 12.008/09. Na petição inicial, o Autor aduziu, em síntese, que: a) pretende a melhoria/adequação da reforma, promovendo-o à graduação de terceiro-sargento das Forças Armadas, com proventos equivalentes a essa referida categoria militar, além de todas as vantagens pecuniárias incidentes; b) em 1954, quando tomava parte de uma instrução de tiro, teve uma bala de mosquetão que deflagrou em sua mão esquerda, atravessando-a a altura dos 3º e 4º metacarpianos; c) depois da cicatrização, ficou com movimentos dos 3 últimos dedos comprometidos, não podendo realizar nem a extensão nem a flexão; d) ingressou no Exército Brasileiro em 08 de fevereiro de 1954 e foi excluído do serviço ativo (licenciado) em 25 de fevereiro de 1955, a despeito de ter ficado incapacitado definitivamente, não só para as atividades militares quanto para as civis; d) passou anos tentando lutar pelo seu direito de reforma, tendo, por fim, realizado o Inquérito Sanitário de Origem e pós este, e sido integrado nas Forças Armadas e reformado, sem que, no entanto, tal reforma lhe garantisse as vantagens previstas em lei; e) que o referido documento teria sido conclusivo com relação à causa e efeito entre a lesão sofrida e o mencionado acidente; f) vários pareceres médicos (dos. 12 a 17) teriam sido conclusivos quanto à incapacidade civil do autor para o serviços do exército, sendo que tal incapacidade resvalaria para o âmbito civil; g) deveria ser ele reformado com a graduação de Terceiro-Sargento; h) teria sido reformado como soldado e não na graduação imediatamente superior como haveria de ser; i) em atestado médico recente, teria sido consignada a sua incapacidade laborativa tanto para atividades civis como para militares. Teceu outros comentários. Transcreveu legislação. Requereu, ao final, a concessão da tutela antecipada. No mérito, pugnou pela procedência dos pedidos para condenar a União a proceder à melhoria de sua reforma, promovendo-o à Graduação de Terceiro Sargento das Forças-Armadas, com proventos equivalentes a essa categoria militar, além das vantagens pecuniárias incidentes, tudo a partir da data em que foi reformado, ou seja, a partir de 14 de maio de 1968, respeitada a prescrição quinquenal. Inicial instruída com procuração e documentos (fls. 23-87).
Às fls. 88-89, respeitável decisão indeferindo o pedido de tutela antecipada.
Citada, a UNIÃO apresentou Contestação, às fls. 91-94-vº, arguindo prescrição do fundo de direito, ou, em hipótese contrária, a prescrição quinquenal. No mérito, sustentou que o Autor, na época da aposentadoria, não estaria acometido de invalidez, entendida esta como impossibilidade total e permanente para qualquer trabalho; que naquela oportunidade, o demandante foi submetido à regular inspeção de saúde, que teria sido conclusiva quanto à incapacidade definitiva para o serviço do exército, o que corrobora a lisura do ato administrativo que levado a efeito pela Administração castrense. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela improcedência dos pedidos.
Réplica às fls. 98-112.
À fl. 114, a União pugnou pela juntada de documentação, acostada às fls. 115-297.

É o Relatório
Passo a decidir.

Fundamentação

Exceção de Prescrição

A UNIÃO FEDERAL levanta exceção de prescrição do fundo do direito.
Esta ação foi distribuída em 01.09.2010 (cfr. fl.03) e, segundo informações constantes dos autos, o Autor foi reformado em 4/07/1969 (vide fl. 564).

Ou seja, o ato de reforma do autor foi impugnado pelo ora Autor mais de 40 anos depois.

Se o autor estava, na época do licenciamento remunerado, com o alegado problema de saúde, de cunho físico, teria que tê-lo levantado no prazo prescricional de cinco anos, fixado no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1.932, até mesmo porque mais próximo do alegado fato e talvez tivesse possibilitado exame médico-pericial, para saber se realmente o parecer da junta médico-militar, que atestou sua higidez para a vida civil, estaria ou não correto.

Agora, quarenta anos depois, isso não é mais possível, quer pelo advento da prescrição legal, quer por conta das grandes modificações sofridas por seu corpo, ao longo de tanto tempo.

O direito não socorre os que dormem e o ora Autor dormiu demasiadamente.

Aliás, quando essa matéria era da competência do C. Supremo Tribunal Federal-STF, as duas Turmas dessa Colenda Corte decidiram em tal sentido, cujas respectivas r. Decisões, mutatis mutandis, aplicam-se a este caso.

Eis a v. Decisão, unânime, da 1ª Turma dessa C. Corte, lançada em 06.05.1988:

“E M E N T A – Funcionário Público. Re-enquadramento. Prescrição.
-Em se tratando de saber se o recorrido tem, ou não, direito a reenquadramento determinado pela lei estadual 3.640, de 05.01.1978, não há dúvida alguma de que a prescrição diz respeito à pretensão a essa situação funcional nova(e, portanto, ao denominado fundo de direito), e não apenas às prestações mensais que decorrem de situação funcional inquestionável e que não são pagas, ou o são, mas em quantum inferior ao devedor.
-(...).
-(...).”

Ainda a 1ª Turma dessa Colenda Corte:

“EMENTA: - Gratificação de nível universitário. Extinção em decorrência da Lei Complementar 218/79 do Estado de São Paulo. Prescrição.
-Acolhida da argüição de relevância quanto ao tema ´prescrição de vantagem funcional`.
-Extinção de gratificação é matéria que diz respeito ao que geralmente se denomina fundo de direito, pois as questões relativas ao quantum da remuneração só surgem depois de resolvido o problema de saber se essa extinção foi, ou não, legítima.
Ora, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, em se tratando de questão relativa ao fundo de direito, a prescrição diz respeito à pretensão relativa a ele, que é disciplinada pelo artigo 1º do Decreto 20.910/32, e não à pretensão referente às parcelas que decorrerão do reconhecimento desse fundo de direito, que se regula pelo art. 3º do mesmo Decreto.
-Negativa de vigência do art. 1º do Decreto nº 20910/32.
Recurso Extraordinário conhecido e provido, para declarar prescrita a pretensão relativa à restauração da gratificação de nível universitário extinta em virtude da Lei Complementar estadual 218/79.”.

A 2ª Turma da mesma Colenda Corte, em v. Decisão de 02.09.1988, decidiu no mesmo sentido, verbis:

“EMENTA – Funcionalismo. Prescrição qüinqüenal. Requerida, em juízo, a vantagem funcional apenas após decorridos mais de cinco anos da data da legislação na qual se funda o pedido, sem que o funcionário tenha, anteriormente, exercitado sua pretensão, cabe reconhecer a prescrição do próprio fundo do direito e não das prestações. Art. 1º, Decreto-lei nº 20.910/32. RE conhecido e provido.”.

Também existem precedentes do Superior Tribunal de Justiça – STJ no mesmo sentido:

1º Caso:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. LICENCIAMENTO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O prazo prescricional começa a fluir a partir do momento em que a Administração licenciou o Autor do quadro da polícia militar do Estado de Santa Catarina, a teor do disposto no art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32. Precedentes.
2. Agravo desprovido.
(STJ. 5ª Turma AGRESP 1021679/SC. Rel.: Min. Laurita Vaz. Julg. 05.fev.2009, u. pub. 09.mar.2009, DJE). Negritei.

2º Caso:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. SOLDADOS DA FORÇA AÉREA. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. ESTABILIDADE. 10 (DEZ) ANOS DE SERVIÇO. ISONOMIA COM MILITARES DO CORPO FEMININO DA AERONÁUTICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. EFEITO TRANSLATIVO. ART. 257 DO RISTJ E SÚMULA
456/STF. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Os soldados engajados da Força Aérea, enquanto no serviço ativo, não são considerados "militares de carreira", pertencendo, por conseguinte, à categoria de "militares temporários", de acordo com o art. 2º, parágrafo único, “b” e “c”, da Lei 6.837/80, que fixa os efetivos da Força Aérea Brasileira em tempo de paz.
2. Os militares temporários, por prestarem serviços por prazo determinado, não possuem estabilidade como os de carreira, não havendo ilegalidade no licenciamento antes de completarem o decênio legal previsto na legislação de regência. Inteligência dos arts. 3º, 50, IV, "a", e 121 da Lei 6.880/80.
3. "Incabível a pretendida isonomia com militares do corpo feminino da aeronáutica, por serem quadros diversos com atribuições distintas" (AgRg no REsp 663.538/RJ, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, Sexta Turma, DJ 24/10/05).
4. Com base nos arts. 257 do RISTJ e na Súmula 456/STF, o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que, superado o juízo de admissibilidade e conhecido o recurso especial por outros fundamentos, deve-se dar a este efeito devolutivo amplo, de forma a permitir o exame de ofício das questões de ordem pública, ainda que não prequestionadas.
5. Hipótese em que é de rigor o reconhecimento da prescrição do próprio fundo de direito pleiteado pelos recorrentes, tendo em vista que, embora tenham sido licenciados do serviço ativo da Força Aérea em 1993, a ação ordinária somente foi ajuizada em 19/9/00, quando já ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32.
6. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ. 5ª Turma. RESP 949204/RJ. Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima. julg. 11.nov.2008, u. pub. 01.dez.2008, DJE). Negritei.

3º Caso:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR LICENCIADO. PRETENSÃO À REFORMA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES.
1. "Em se tratando de pretensão à reforma, prescreve o chamado próprio fundo de direito se a ação é proposta mais de 5 anos após o ato da Administração que determinou o licenciamento do militar"
(AgRg no REsp 652.323/PE, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 21/5/2007).
2. Agravo regimental improvido.
(STJ. 6ª Turma. AGRESP 707775/RS. Rel.: Min. Maria Thereza de Assis Moura. Julg. 04.out.2007, u., pub. 29.out.2007, DJ, p. 00321).

Como as parcelas remuneratórias seriam meros acessórios daquele possível direito e se a pretensão ao gozo daquele direito se encontra fulminada pela prescrição, não há que se falar em aplicação das Súmulas 163 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos e 85 do E. Superior Tribunal de Justiça, pois o que prescreveu foi a pretensão de pleitear o gozo da pretendida melhoria da licença remunerada, pois esta ocorreu no distante ano de 1969, data em que se iniciou a fluência do prazo prescricional, porque foi a partir dessa data que teria havido a alegada violação do direito(art. 189 do Código Civil).

3. Dispositivo

POSTO ISSO, acolho a exceção de prescrição, pronuncio a prescrição do fundo do direito e dou este processo por extinto, com resolução do mérito (art. 269-IV do CPC).

Outrossim, condeno a parte autora ao pagamento de verba honorária que arbitro no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor atribuído à causa, valor este monetariamente atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices adotados no manual do Conselho da Justiça Federal-CJF, sendo que essa verba honorária só será cobrada, nos cinco anos que se seguirem ao trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que a mantenha ou que a modifique, caso a Requerida comprove que o ora Autor passou a ter condições econômico-financeiras para tanto(art. 11 e § 2º c/c art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950), uma vez que lhe foi reconhecido o gozo do benefício da justiça gratuita, na r. decisão de fls. 88-89.

Custas, ex lege.

Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 475, I, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Recife, 30 de maio de 2011.

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara-PE