quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DISPENSA DA GARANTIA DO JUÍZO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL(STJ) E NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO POR FALTA DE DIALETICIDADE COM AS QUESTÕES DOS AUTOS.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

 Segue decisão bem interessante, na qual se aborda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgado de efeito repetitivo,  sobre a possibilidade de dispensa da garantia do Juízo na ação de embargos à execução fiscal e o não conhecimento de apelação em face da inobservância do princípio da dialeticidade recursal. 

Boa leitura.

Obs.:  decisão pesquisada e minutada pela Assessora Ana Carolina Freitas de Souza.

 

PROCESSO Nº: 0801094-43.2022.4.05.8102 - APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: P G R DE M

ADVOGADO: M V R V

APELADO: CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA

ADVOGADO: Carine Furtado Damasceno

RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma

MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador(a) Federal Danielli Farias Rabelo Leitao Rodrigues

JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Flavio Marcondes Soares Rodrigues

 

DECISÃO

RELATÓRIO

1 - Trata-se de recurso de apelação interposto por P G R DE M em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, pela qual se julgou extintos sem resolução do mérito os embargos à execução movidos contra o CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARÁ pelo indeferimento da inicial, na forma do art. 485, I, do CPC. Eis o teor da r. sentença recorrida:

"1. Relatório

P G R DE M ajuizou EMBARGOS À EXECUÇÃO, em face do  CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA em razão de dívida inscrita conforme CDA que lastreia a Execução Fiscal.

O despacho de id 4058102.25988458 determinou a emenda da inicial, a fim de que o Embargante acostasse aos autos prova da garantia do juizo, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito.

O embargante limitou-se a juntar comprovante de citação.

É o relatório, decido.

 2. Fundamentação

Verifica-se que a exordial não atende as formalidades exigidas nem atentou-se o Embargante de emendá-la no prazo estabelecido, conforme determinado.

Desta feita, não resta óbice algum à extinção do presente processo.

 3. Dispositivo

Diante do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 485, inciso I, do NCPC.

Sem custas.

Sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

2 - Foram opostos embargos de declaração contra a r. sentença por Périkles Giovanni Rodrigues de Macedo, com fundamento em omissão acerca de precedente do Superior Tribunal de Justiça que flexibiliza a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal no caso de o Embargante não ter patrimônio para garantir o crédito exequendo (id. 4058102.26279175).

3 - Sentença integrativa em id. 4058102.27644558, pela qual se desproveu o recurso de embargos de declaração nos seguintes termos:

"1. Relatório

Trata-se de recurso de embargos de declaração opostos por P G R DE M em face da sentença de id. 26279175.

Sustentou que a sentença incorreu em omissão por não ter se manifestado sobre precedente do Superior Tribunal de Justiça que flexibiliza a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal, no caso de o embargante não deter patrimônio para garantir o crédito exequendo.

É o relatório.

Decido.

2. Fundamentação

Os embargos de declaração podem, excepcionalmente, ter caráter infringente, quando manejados para: a) correção de erro material; b) superação de omissão; c) eliminação de contradição ou obscuridade.

A omissão, primeiro fundamento do recurso, lastreia-se na não manifestação deste juízo federal quanto ao entendimento adotado pela Primeira Seção do e. STJ quando do julgamento da REsp 1.487.772/SE, que entendeu por admitir o afastamento da exigência de garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocamente que o Devedor não detém património para tanto, e que restou assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.

1. 'Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça' (Enunciado Administrativo n. 2 - STJ).

2. Os embargos à execução são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que 'não serão admissíveis ... antes de garantida a execução' (art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80).

3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, 'em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja, o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.'

4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.

5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.

7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e a ação de embargos à execução por ele oposta não foi recebida, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de garantia do Juízo.

8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato de o Executado, ora Recorrente, ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição da referida ação de defesa sem a garantia do Juízo.

9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (de o Executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, 'tal implicaria em garantir o direito de defesa ao 'rico', que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao 'pobre' por falta de recursos para tanto.

10. Não tendo a hipossuficiência do Executado, ora Recorrente, sido enfrentada pela primeira instância, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.

11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido. (REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019).

Considera-se omissa a decisão que deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos (incidente de resolução de demandas repetitivas, recurso especial e extraordinário repetitivos)[1] ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (art. 1.022, parágrafo único, inciso I do CPC).

A decisão apontada pelo embargante consiste em precedente persuasivo e não vinculante, ou seja, trata-se de julgado que não impõe aos órgãos do Poder Judiciário o seguimento do entendimento firmado.

Ademais, registro que, em nenhuma das manifestações anteriores ao presente recurso, o embargante arguiu a sua impossibilidade de garantir o juízo.

Tratando-se de embargos à execução fiscal não se prescinde da aplicação do §1º do art. 16 da Lei n. 6.830/1980, que estabelece a inadmissibilidade dos embargos antes de garantida a execução.

Com efeito, a sentença de id. 26279175 indeferiu a ação de embargos a execução oposta em razão do não cumprimento integral do despacho de id. 25988458, notadamente quanto a não comprovação da garantia do juízo, tampouco da juntada do título executivo, uma vez que o embargante se ateve tão somente a colacionar prova da tempestividade.

Não há que se cogitar de omissão.

Destarte, mantem-se hígido o provimento jurisdicional em todos os seus termos.

Cabe a parte que irresignada com o teor decidido dele recorrer, não sendo adequada a oposição de embargos de declaração para tal desiderato.

3. Dispositivo

Ante o exposto, NÃO ACOLHO o recurso de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, razão pela qual mantenho a sentença em todos os seus termos.

Diante de eventual interposição de recurso de APELAÇÃO, INTIME-SE a PARTE RECORRIDA para, no PRAZO de 15 (QUINZE) DIAS, apresentar CONTRARRAZÕES.

DECORRIDO o PRAZO e independentemente de atendimento do objeto da intimação, REMETAM-SE os autos ao e. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a REGIÃO.

INTIMEM-SE.

Após o trânsito em julgado, BAIXEM-SE estes autos da Distribuição e ARQUIVEM-SE.

Expedientes necessários".

4 - Em suas razões recursais (id. 4058102.28075609), o Particular Apelante sustentou, em síntese, que:

(i) houvera o bloqueio do valor da execução em conta corrente do Apelante, razão pela qual fora garantido o juízo;

(ii) a cobrança das anuidades de 2015 a 2019 seria indevida, na medida em que o Apelante não seria filiado ao conselho apelado, sendo que trabalhou apenas durante três meses como representante em uma empresa;

(iii) considerando o teto legal mínimo para o ajuizamento de execuções referentes a dívidas de anuidades previsto na Lei nº 12.514/2011, o prazo prescricional para o Apelado ajuizar a execução teria início a partir do vencimento da anuidade referente ao ano de 2012 e se esgotaria no ano de 2017, considerando ser quinquenal, na forma do art. 174 do CTN.

5 - Em vista disso, o Apelante requereu "seja conhecido e provido o presente recurso, reformando-se a sentença ora atacada, para que sejam as anuidades de 2015 à 2019 declaradas prescritas, e, consequentemente, seja extinto o executivo fiscal, com a liberação dos valores penhorados".

6 - Contrarrazões do CORE, acostadas sob id. 4058102.28502196, pugnando pela manutenção da r. sentença recorrida.

7 - Em seguida, os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, convém delimitar a extensão do efeito devolutivo deste recurso de apelação.

A r. sentença julgou extinta ação de embargos à execução fiscal oposta pelo ora Apelante porque, apesar de intimado, este deixou de emendar a petição inicial para instruí-la com documentos indispensáveis à propositura da ação.

Assim, a matéria que poderia ser devolvida ao órgão colegiado limita-se à regularidade ou não petição inicial, não dando ensejo a penetrar nas questões de mérito propriamente arguidas nos embargos à execução fiscal, sob pena de supressão de instância.

A simples leitura das razões recursais evidencia que o Apelante não aborda e, consequentemente, não ataca as razões pelas quais o MM. Juízo a quo indeferiu a petição inicial, a saber, descumprimento do despacho que determinou a juntada de cópia do título executivo e da penhora em garantia do juízo, in verbis:

"DESPACHO

A ação de Embargos à Execução Fiscal é ação de conhecimento autônoma que deve preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC.

Sendo assim, determino que o embargante emende a inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, procedendo à juntada de todos os documentos necessários para a instrução do feito e julgamento da causa, a exemplo da prova da tempestividade, cópia do título executivo, bem como penhora realizada, sob pena de extinção, nos termos do art. 321. parágrafo único c/c art. 485, I do CPC.

Após, voltem os autos conclusos"

Com efeito, após ter sido lançado o despacho supra, o ora Apelante limitou-se a juntar cópia da tempestividade dos embargos à execução, permanecendo inerte quanto às demais providências que lhe competiam para emendar a petição inicial a contento, especialmente a juntada de prova de garantia do juízo e do título executivo.

Todavia, ao interpor o recurso de apelação, o Apelante tratou da nulidade da CDA por inexistência de relação jurídica tributária e da prescrição do credito tributário, que são matérias estranhas à r. sentença recorrida.

Destarte, verifica-se que o presente recurso não traz impugnações relativas ao provimento judicial trazido na r. sentença.

Sobre a questão, o art. 932, III, do CPC, dispõe que incumbe ao relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

Na hipótese vertente, restou caracterizada a interposição de recurso com razões dissociadas da matéria decidida na r. sentença recorrida, motivo pelo qual não deve ser este recurso conhecido.

DISPOSITIVO

Posto isso, com base no art. 932, III, do CPC, não conheço da presente Apelação.

Intimem-se as partes e, após o trânsito em julgado, retornem ao juízo a quo.

Retire-se de pauta.

Expedientes necessários.



Recife, data da assinatura.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Desembargador Federal Relator

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

JUROS DE MORA: NÃO INCIDÊNCIA DO IRPJ, NEM DA CSLL.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Segue voto divergente e vencido no processo judicial abaixo identificado, relativo à NÃO INCIDÊNCIA do IRPJ e da CSLL sobre parcelas de juros de mora. 

Discute-se a natureza jurídica dos juros de mora e os fatos geradores desses tributos. 

Boa leitura. 




PROCESSO Nº: 0812138-65.2022.4.05.8100 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: D D DE A LTDA
ADVOGADO: M RGAPELADO: FAZENDA NACIONAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Cibele Benevides Guedes da Fonseca - 5ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Heloisa Silva De Melo


 VOTO, DIVERGÊNCIA EM PARTE

DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR

A d. Relatora, a Desembargadora Federal Cibele Benevides Guedes da Fonseca, assim lançou o seu r. Voto:

"Sobre a questão da incidência do IRPJ e da CSLL sobre a correção monetária e os juros moratórios provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de produtos da parte apelante, ora embargante (encargos de inadimplência de terceiros), sob o fundamento de que tais montantes possuiriam natureza indenizatória, não representando genuíno acréscimo patrimonial suscetível de tributação por tais exações, sem razão a parte apelante.

Nos termos do art. 153, III, da Constituição, combinado com o art. 43, do Código Tributário Nacional (CTN), o imposto de renda possui como hipótese material a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Em outras palavras: o fato gerador do imposto de renda é o acréscimo patrimonial do contribuinte, entendido ele como variação positiva do patrimônio.

Assim, para a identificação das situações que autorizam a tributação pelo imposto de renda, deve ser verificada a existência de efetivo acréscimo patrimonial, não bastando, para tanto, a mera percepção de determinado valor monetário.

Devidamente compreendida a natureza do conceito de renda, mostra-se inviável tributar verbas de caráter indenizatório, uma vez que constituem mera reposição patrimonial decorrente de uma perda.

Por sua vez, o art. 195, I, alínea "c", da Constituição, combinado com os arts. 1° e 2°, da Lei n° 7.689/1988, estabelecem autorizam a tributação pela CSLL do lucro auferido pela empresa, cuja base de cálculo seria o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda.

Em razão disso, qualquer exclusão de verba da base de cálculo do imposto de renda repercute na composição da CSLL, sendo este o foco da investigação a ser feita neste voto.

Dito isso, convém registrar que a correção monetária e os juros de mora devidos pelos contratantes da empresa apelada, recebidos em razão do inadimplemento pontual das obrigações empresariais assumidas por eles, representam autêntico acréscimo patrimonial e, por isso, não pode ser excluídos da tributação do IRPJ e da CSLL.

Tanto os juros de mora, quanto a correção monetária decorrentes do inadimplemento de obrigações contratuais correspondem a verbas que devem ser enquadradas no lucro operacional do contribuinte, a teor do que preceitua o art. 17, do Decreto-Lei n° 1.598/1977, devendo ser alvo das exações pré-faladas. Eis o teor do artigo:

Art. 17. Os juros, o desconto, a correção monetária prefixada, o lucro na operação de reporte e o prêmio de resgate de títulos ou debêntures, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento posterior ao encerramento do exercício social, poderão ser rateados pelos períodos a que competirem.

Confirmando tal previsão, o art. 397, do RIR/2018, expressamente prevê deverem ser os juros incluídos no lucro operacional para fins de apuração do imposto de renda. Eis o artigo:

Art. 397. Os juros, o desconto, o lucro na operação de reporte e os rendimentos ou os lucros de aplicações financeiras de renda fixa ou variável, que tenham sido ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos de renda fixa com vencimento posterior ao encerramento do período de apuração, poderão ser rateados pelos períodos a que competirem.

Reforça essa conclusão as disposições do art. 9º, da Lei n° 9.718/1998:

Art. 9° As variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual serão consideradas, para efeitos da legislação do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição PIS/PASEP e da COFINS, como receitas ou despesas financeiras, conforme o caso.

Nem poderia deixar de ser assim, pois tais verbas ostentam natureza genuína de lucros cessantes, representando um autêntico acréscimo ao que seria devido em razão do cumprimento não pontual da prestação - eles aumentam o patrimônio da pessoa jurídica que os recebe - de modo que representam genuína aquisição de riqueza que se enquadra no que dispõe o art. 43, II, do CTN (acréscimo patrimonial a título de proventos de qualquer natureza), sendo legítima a sua tributação pelo IRPJ e, por conseguinte, pela CSLL.

Isso não ocorreria caso a verba principal em questão, o valor dos contratos não cumpridos pontualmente, ostenta-se natureza indenizatória, o que não é o caso, pois se estaria diante de verba fora do campo da incidência daquelas exações (o acessório segue a natureza da verba principal).

Assim, devem os juros moratórios e a correção monetária ser levadas à tributação, por representarem autêntico acréscimo patrimonial, na medida em que remuneram o atraso no cumprimento da obrigação contratual a elas subjacente."

E a d. Relatora, como reforço dos seus r. argumentos, invocou r. julgados do STJ.

No que diz respeito às parcelas de correção monetária, concordo com a d. Relatora, pois a correção monetária representa apenas reposição do poder aquisitivo da moeda, portanto integram-se nos valores considerados rendimentos.

Todavia, data maxima venia, divirjo quanto à incidência do IRPJ e da CSLL sobre as parcelas recebidas a título de juros de mora.

Não há dúvida que as parcelas relativas a juros rendimentos, em qualquer tipo de contrato, submetem-se à incidência desses dois tributos, porque implicam em aumento do patrimônio, caracterizam-se como renda e geram lucros.

Todavia, o mesmo não corre no recebimento de parcelas de juros de mora, pois estes têm natureza compensatória, indenizatória, uma vez que representam mera paga pelo uso indevido do dinheiro alheio, além do prazo contratual(como no presente caso) ou além do prazo legal, como sói acontecer quando se trata de recebimento de tributos em restituição pagos indevidamente.

No que diz respeito à natureza indenizatória dos juros de mora, não importando a natureza das verbas nas quais se originam, é a lição dos  saudosos grandes comercialista e civilista do direito brasileiro, abaixo invocados.

O grande e saudoso jurista cearense Fran Martins, que foi Professor da Faculdade de Direito e de Economia da Universidade Federal do Ceará e tinha os seus livros adotados em quase todas as Universidades do Brasil, a respeito dos juros de mora escreveu:

"Juros de mora são os que se contam depois do vencimento da obrigação,pelo seu inadimplemento, são cobrado para compensar a demora no cumprimento da obrigação. Não se confundem, assim, com os juros relativos ao uso do capital que foi emprestado".[1]

No mesmo sentido, o outro gigante do direito privado brasileiro, cujo livro "Contratos", embora tenha falecido em 1988, até hoje muito lido e citado, o também saudoso baiano Orlando Gomes:

"Os juros moratórios não se confundem com os juros retributivos. Destinam-se a indenizar os danos causados ao credor pela mora do devedor."[2]

Como se sabe, a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado não podem ser alterados no Direito Tributário, devendo ser nesse campo direito recebidos como ali se encontram delineados(art. 110 do CTN).

Então, na seara do direito tributário não se pode criar a figura dos juros de mora "lucro cessante", como em alguns d. julgados do STJ, pois no direito privado não existe essa figura, pois esse tipo de juros são apenas juros de mora e ponto. O seu único adjetivo é "mora" e nada mais.

Como já dito, os juros de mora, por terem natureza jurídica própria, não incorporam a natureza jurídica da verba na qual se originam, seja esta verba tributada ou não, pois os juros de mora não podem sofrer incidência dos tributos em questão, exatamente por sua natureza compensatória, indenizatória.

Inadmissível, data maxima venia,  exigir-se imposto de renda e contribuição social sobre lucro líquido da Empresa ora Recorrente sobre valores que esta tenha recebido a título de verba indenizatória, como JUROS DE MORA, decorrente inadimplemento contratual de Terceiro, pois valores de natureza indenizatória não lhe geram nenhum acréscimo patrimonial, tampouco lucra, pois representam apenas a reposição de perdas, decorrentes do recebimento em atraso do dinheiro que lhe pertencia. 

A verba indenizatória apenas REPÕE PERDA, nunca gera ACRÉSCIMO PATRIMONIAL, muito menos LUCRO.

Nesse sentido importantes tributaristas, como Roque Antonio Carraza e Heny Tilbery, invocados pelo jurista Ricardo Mariz de Oliveira no seu conhecido "Fundamentos do Imposto de Renda".[3]

No próprio atual Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22.11.2018,  há vários casos de verbas de natureza indenizatória que TAMBÉM ficam à margem da tributação, como se pode ver no seu art. 35, inciso I, alíneas "e" e "o", inciso III, alíneas "a", "c", "d", "g" e "j", entre outras, e assim é porque verba indenizatória, no âmbito do Código Tributário Nacional, como não pode ser considerada renda(art. 43, I),  enquadra-se como "proventos de qualquer natureza", mas como não geram ACRÉSCIMO PATRIMONIAL, não concretiza o fato gerador desse Imposto. 

É que, como se sabe, o art. 43, I e II, do Código Tributário Nacional assim dispõe sobre o fato gerador desse Imposto:

"Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

        I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

        II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.".

Então,  se a verba tem natureza indenizatória, como os juros de mora, quando recebida por Pessoa Jurídica, como no presente caso, não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses legais.

E também, por óbvio, como não geram lucro, não concretizam o fato gerador da Contribuição Social sobre o Lucro, previsto na Lei nº 7.689, de 15.12.1988, pois seria um absurdo considerar verba indenizatória, reparadora de perda por excelência, como Lucro.

Ademais, essa Contribuição é apurada da mesma forma

O Judiciário não pode criar hipóteses de incidência desse tributos, quando o Código Tributário Nacional e a referida Lei 7689, de 1988, claramente não preveem a incidência para casos como o ora debatido, pois se o Judiciário assim procede fere frontalmente o princípio da legalidade tributária, insculpido no inciso I do art. 150 da vigente Constituição da República, e também finda por ferir a harmonia entre os Poderes, fixada no art. 2º da mencionada Carta Magna, pois invadirá a competência do Poder Legislativo a quem cabe, com exclusividade, por Lei, criar hipóteses de incidência tributária.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal já foi chamado, por duas vezes, a pronunciar-se sobre o assunto, e assim decidiu:

Tema 808 STF - Juros de Mora recebidos por Servidor em decorrência de atraso no pagamento da sua remuneração.

"Tese: Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.".

Tema 962 STF - Juros de Mora na Repetição de Indébito Tributário por Pessoa Jurídica.

"Tese: É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário."

Então, data maxima venia da d. Relatora,  voto pelo provimento parcial do recurso de embargos de declaração da ora Recorrente para dar-lhe parcial  provimento com parcial efeito infringente do julgado, afastando os juros de mora contratuais recebidos pela Recorrente da incidência do IRPJ e da CSLL.

É como voto.