quinta-feira, 17 de março de 2016

MICROEMPRESA. VENDA DE ALIMENTOS E PRODUTOS ANIMAIS E DE ANIMAIS VIVOS. OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NO CRMV. OBRIGATORIEDADE DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA POR MÉDICO VETERINÁRIO. SEGURANÇA DO CONSUMIDOR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na decisão infra, discute-se a aplicação das Leis relativas às Empresas que lidam com alimentos e produtos animais e com animais vivos, no que diz respeito à obrigatoriedade, ou não, de inscrição no respectivo Conselho Regional de Medicina Veterinária e também de ter um Médico Veterinário como assistente técnico. 
Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0801812-38.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: P L B A - ME
ADVOGADO: E DE S B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINARIA CRMV 22
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

 
D E C I S Ã O

1. Breve Relatório

P L B A - ME, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de liminar em face de ato atribuído ao PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA do Estado de Pernambuco, pretendendo que a autoridade apontada como coatora abstenha-se de proceder à fiscalização no estabelecimento da Impetrante, afastar a exigibilidade de manutenção do registro e da contratação de um profissional médico veterinário no estabelecimento comercial, bem como a cobrança de multas e anuidades da Impetrante perante o Conselho Regional de Medicina Veterinária - CRMV/PE. Alegou, em apertada síntese, que seria uma pequena empresa que atua no comércio varejista de animais vivos e de artigos e alimentos para animais de estimação; que desde maio de 2002 desenvolveria suas atividades normalmente, porém viria sendo coagida a pagar anuidade à autoridade apontada como coatora, a qual utilizando-se do poder de polícia, ameaçara lavrar auto de infração e multa caso a Impetrante se recusasse a pagar anuidade, além de querer obrigar o estabelecimento a manter um profissional médico veterinário, por considerar que a Impetrante exerce atividade compatível com o exercício da medicina veterinária, fundado nos artigos 27, § 1º e 28 da lei 5.517/68; a Impetrante não exerceria função compatível com a medicina veterinária, sendo desnecessária e dispendiosa a inscrição no CRMV e a permanência de um médico veterinário em uma pequena empresa cujo faturamento é mínimo, devido à sua natureza ME. Transcreveu dispositivos legais e decisões judiciais. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, que: seja concedida medida liminar para determinar que a autoridade apontada como coatora abstenha-se de proceder a fiscalização no estabelecimento da Impetrante, afastar a exigibilidade de manutenção do registro e da contratação de um profissional médico veterinário no estabelecimento comercial, bem como a cobrança de multas e anuidades da impetrante perante o Conselho Regional de Medicina Veterinária - CRMV/PE; seja notificada a autoridade apontada como coatora afim de que preste as informações que julgar necessárias; seja intimado o D.D. Representante do Ministério Público Federal; seja, ao final, concedida a segurança impetrada, confirmando-se a liminar deferida, para o efeito de anular-se os atos administrativos impugnados, em razão da existência de direito líquido e certo a amparar os pleitos da impetrante. Deu valor à causa. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial. Passo a decidir.

2. Fundamentação

O presente mandado de segurança objetiva, em sede de liminar, que a Autoridade apontada como coatora abstenha-se de proceder à fiscalização no estabelecimento da Impetrante, bem como seja afastada a exigibilidade de manutenção do seu registro perante o Conselho Regional de Medicina Veterinária - CRMV/PE e da contratação de um profissional médico veterinário no estabelecimento comercial. Pugna ainda pelo afastamento da cobrança de multas e anuidades perante o CRMV/PE.
A concessão de liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).
No caso dos autos, a Impetrante alega que estaria sendo coagida a pagar anuidade ao CRMV pela autoridade apontada como coatora, a qual, utilizando-se do poder de polícia, poderá lavrar auto de infração e multa caso ocorra a recusa da Impetrante em efetuar o pagamento, além de obrigar o estabelecimento a contratar um profissional médico veterinário. Argumenta em seu favor que não exerceria função compatível com a Medicina Veterinária, sendo desnecessária e dispendiosa a inscrição no CRMV e a permanência de um médico veterinário em uma pequena empresa cujo faturamento é mínimo, devido à sua natureza microempresarial (ME).
Constato que a Lei nº 6.839/80 dispõe que o registro das empresas em conselhos profissionais está a depender da respectiva atividade básica desenvolvida . In verbis:
"Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros."
No caso específico dos Conselhos de Medicina Veterinária, o art. 27 da Lei 5.517/68, com redação dada pela Lei nº 5.634/70, estabelece que estão obrigadas a registro apenas as empresas que exerçam atividades peculiares à medicina veterinária, consoante dispositivo a seguir transcrito:
"Art. 27 As firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras que exercem atividades peculiares à medicina veterinária previstas pelos artigos 5º e 6º da Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, estão obrigadas a registro nos Conselhos de Medicina Veterinária das regiões onde funcionarem.  (Redação dada pela Lei nº 5.634, de 1970)§ 1º As entidades indicadas neste artigo pagarão aos Conselhos de Medicina Veterinária onde se registrarem, taxa de inscrição e anuidade. (Incluído pela Lei nº 5.634, de 1970)§ 2º O valor das referidas obrigações será estabelecido através de ato do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 5.634, de 1970)."
Por sua vez, o arts. 5º do supramencionado diploma legal assim preceitua:
"Art 5º É da competência privativa do médico veterinário o exercício das seguintes atividades e funções a cargo da União, dos Estados, dos Municípios, dos Territórios Federais, entidades autárquicas, paraestatais e de economia mista e particulares:a) a prática da clínica em todas as suas modalidades;b) a direção dos hospitais para animais;c) a assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma;d) o planejamento e a execução da defesa sanitária animal;e) a direção técnica sanitária dos estabelecimentos industriais e, sempre que possível, dos comerciais ou de finalidades recreativas, desportivas ou de proteção onde estejam, permanentemente, em exposição, em serviço ou para qualquer outro fim animais ou produtos de sua origem;f) a inspeção e a fiscalização sob o ponto de vista sanitário, higiênico e tecnológico dos matadouros, frigoríficos, fábricas de conservas de carne e de pescado, fábricas de banha e gorduras em que se empregam produtos de origem animal, usinas e fábricas de lacticínios, entrepostos de carne, leite peixe, ovos, mel, cera e demais derivados da indústria pecuária e, de um modo geral, quando possível, de todos os produtos de origem animal nos locais de produção, manipulação, armazenagem e comercialização;g) a peritagem sobre animais, identificação, defeitos, vícios, doenças, acidentes, e exames técnicos em questões judiciais;h) as perícias, os exames e as pesquisas reveladores de fraudes ou operação dolosa nos animais inscritos nas competições desportivas ou nas exposições pecuárias;i) o ensino, a direção, o controle e a orientação dos serviços de inseminação artificial;j) a regência de cadeiras ou disciplinas especìficamente médico veterinárias, bem como a direção das respectivas seções e laboratórios;l) a direção e a fiscalização do ensino da medicina-veterinária, bem, como do ensino agrícola-médio, nos estabelecimentos em que a natureza dos trabalhos tenha por objetivo exclusivo a indústria animal;m) a organização dos congressos, comissões, seminários e outros tipos de reuniões destinados ao estudo da Medicina Veterinária, bem como a assessoria técnica do Ministério das Relações Exteriores, no país e no estrangeiro, no que diz com os problemas relativos à produção e à indústria animal."
As atividades da ora Impetrante enquadram-se na acima transcrita alínea "e" desse dispositivo legal.
O Legislador, quando se referiu a estabelecimento comercial, estabeleceu que "sempre que possível" seria exigido um Diretor Técnico Sanitário, formado em Medicina Veterinária.
Embora a Lei seja clara quanto à necessidade de que qualquer tipo de estabelecimento que lida com alimentos e produtos animais e com a venda de animais vivos tenha que se inscrever no CRVM, não impõe, todavia, na mencionada alínea "e" do seu art. 5º,  que esse tipo de estabelecimento tenha nos seus quadros um Médico Veterinário durante as 24 horas do dia, mas sim que tenha um desses profissionais a lhe prestar assistência técnica, quer na aquisição dos alimentos e produtos animais, quer na aquisição dos animais vivos, certamente para evitar a venda de produtos de origem duvidosa e de animais com problemas de saúde.

A segurança da população consumidora exige o respeito a esses dispositivos legais.

Não desconheço precedentes do E. TRF da 5ª Região, onde tal entendimento não foi adotado, verbis:
"ADMINISTRATIVO. EMPRESA CUJA ATIVIDADE BÁSICA NÃO ESTÁ INCLUSA NO ROL DE FUNÇÕES RELATIVAS À MEDICINA VETERINÁRIA. ARTS. 5º E 6º DA LEI Nº 5.517/68. REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. INEXIGIBILIDADE.1. A exigência de registro em Conselho Profissional está subordinada à atividade básica da empresa ou àquela pela qual preste serviços a terceiros (art. 1º da Lei nº 6.839/90).2. A empresa que atua no comércio varejista de medicamentos veterinários, de animais vivos, de artigos e alimentos para animais de estimação e de produtos saneantes domissanitários, não está obrigada a conservar em seu quadro de profissionais um médico veterinário, ou ainda a manter o seu registro junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária, posto que a sua atividade principal não está inclusa no rol de funções relativas à medicina veterinária, de acordo com os artigos 5º e 6º da Lei nº 5.517/68. Precedentes deste Tribunal. Apelação improvida.".
Nota 1 - Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª R. Terceira Turma. Processo nº 0006567620154058302, AC586893/PE. Relator Desembargador Federal Cid Marconi. Julgamento em 25/02/2016. Publicação no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de  01/03/2016, p. 85) [Negritei].                                                                                       
No mesmo sentido há outros precedentes da Segunda Turma desse E. Tribunal, refiro-me aos julgados dos Processo nº 08008325520154058000, tendo por Relator o Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, publicado no Diário da Justiça de 16/09/2015, e do Processo nº 08022641220154058000, APELREEX/AL, tendo por Relator o Desembargador Federal Convocado Ivan Lira de Carvalho, julgamento em 18/02/2016, sem data de publicação.
Diante de todo o exposto, tenho que se encontra parcialmente presente o fumus boni iuris apenas para afastar, de plano, a exigência de que a Impetrante tenha em seus quadros um Médico Veterinário durante as 24 horas do dia, como empregado ou não, não afastando, todavia, a obrigatoriedade de a Impetrante contratar esse tipo de Profissional para dar-lhe assistência técnica na aquisição dos alimentos, produtos e animais vivos para revenda, no que diz respeito à respectiva idoneidade, prazo de validade, e etc.

O periculum in mora igualmente se encontra presente, apenas quanto a esse aspecto,  eis que a Impetrante está passível de vir a ser autuada.
Como se trata de uma Microempresa, o CRVM deve observar a respectiva legislação, no que diz respeito à cobrança de taxas.

3. Conclusão

Posto  isso:

3.1 - ante a parcial presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, concedo medida liminar apenas para dispensar a Impetrante de ter nos seus quadros um Médico Veterinário nas 24 horas do dia, não afastando, todavia, a necessidade de inscrever-se no CVRM como comerciante de alimentos e produtos animais e de animais vivos, bem como de ter sob contrato um Médico Veterinário que lhe assista no campo técnico acima descrito, e determino que a DD Autoridade Impetrada observe o acima consignado, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
3.2 - Notifique-se a Autoridade apontada coatora, para, querendo, prestar as informações legais, em 10 (dez) dias (Lei n.º 12.016/2009, art. 7.º, I), bem como para cumprimento do acima decidido, sob as penas já indicadas.
3.3 - Outrossim, determino que o órgão de representação judicial do mencionado Conselho seja cientificado desta decisão, para os fins do inciso II do art. 7º da mencionada Lei.
3.4 - No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.

P.I.

Recife,17.03.2016

Francisco Alves dos Santos Júnior

   Juiz Federal, 2ª Vara-PE