sábado, 26 de setembro de 2020

ATO DE GESTÃO DE DIRIGENTE DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Publiquei neste blog,  no dia 28.04.2019, sentença sob o título de "Ato de Gestão da Direção de uma  Sociedade de Economia Mista. Não Cabimento de Mandado de Segurança". 

Agora, publico a sentença que segue, tratando do mesmo assunto, envolvendo ato de gestão comercial de um Dirigente de uma Empresa Pública Federal[1], com nova roupagem e indicação de nova jurisprudência. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0814219-37.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M V LTDA
ADVOGADO:  M G R F 
IMPETRADO: ECT - EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS
AUTORIDADE COATORA: SUPERVISOR DE GEST. CONTR. DE SERV. S/CESS. DE M.DE.O. FORN. MAT/EQUIP. PE - SSME/CGEC DA ECT
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

 

 

Sentença tipo C



EMENTA: - MANDADO DE SEGURANÇA. EBCT. ATO DE GESTÃO.

Não cabe mandado de segurança contra ato de gestão comercial de Dirigente de Empresa Pública Federal.

Extinção do processo, sem resolução do mérito.



Vistos, etc.

1. Breve Relatório

M V LTDA propôs este Mandado de Segurança em face do Ilmo Sr.  SUPERVISOR DE GESTÃO DE CONTRATOS DE SERVIÇOS SEM CESSÃO DE MÃO-DE-OBRA E DE FORNECIMENTO DE MATERIAIS/EQUIPAMENTOS PE -SSME/CGEC da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.

Pugna, ao final, pela concessão da segurança para que se viabilize a continuidade da prestação de serviço de vigilância, nos termos descritos na Inicial.

Foi determinada a notificação da autoridade coatora (Id. 4058300.15754240).

Foram apresentadas Informações (Id. 4058300.16052547).

É o relatório, no essencial.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Busca a Impetrante provimento jurisdicional que lhe assegure a  prorrogação do contrato 20/2018, cujo objeto é a prestação de serviço de vigilância ostensiva em unidades dos Correios no Estado de Pernambuco.

A rigor, os atos institucionais, praticados por Dirigentes/Diretores de Empresas Estatais, como a Empresa Brasileiro de Correios e Telégrafos - EBCT, podem ser impugnados via mandado de segurança, mas não quando praticam ato de gestão comercial

A  contratação de serviço de vigilância e/ou renovação dessa contratação não faz parte das atividades institucionais dessa Empresa Pública, caracterizando-se como mero ato de gestão comercial.

É que, pelo § 2º do art. 1º da Lei nº 12.016, de 2009, não cabe mandado de segurança contra ato de gestão comercial de Empresas Públicas, Sociedades de Economia  Mista e Concessionárias de Serviços Públicos.

Nesse sentido, confiram-se os precedentes abaixo listados, aplicáveis mutatis mutandis ao presente caso:

"MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SERVIÇOS DE LIMPEZA. ATO DE GESTÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. Um dos pressupostos de cabimento do próprio mandado de segurança é que o ato apontado como coator seja emanado de autoridade pública, ou seja, que se trate de um ato de império, ou seja, aquele que a Administração Pública pratica usando de sua supremacia sobre o administrado.
2. Conclui-se que a via processual do mandado de segurança é inadequada para o combate a mero ato de gestão, praticado pela Administração Pública despida de suas prerrogativas institucionais, tal como se fora um particular. Vale lembrar, ainda, que o simples fato de o ato da Administração (e não ato administrativo, porquanto não dotado de supremacia) ser precedido de licitação, por si só, não o transforma em ato de império, em ato de autoridade passível de correção pela via mandamental.
3. No caso dos autos, insurge-se a impetrante contra procedimento licitatório levado a cabo pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), visando à contratação de serviços de limpeza de uma das suas unidades; típico ato de gestão, destarte. Nada que diga respeito, portanto, às atividades institucionais da ECT.
4. Incabível se mostra, portanto, a impetração do mandado de segurança, entendimento que é corroborado por pacífica jurisprudência do C. STJ, bem como pelo art. 1º, § 2º, da nova Lei 12.016/09.
5. Apelação improvida.
(TRF 3ª Região, JUDICIÁRIO EM DIA - TURMA D,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 262304 - 0011675-32.2004.4.03.6100, Rel. JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, julgado em 30/03/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/04/2011 PÁGINA: 603)
                                  

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATOS DE GESTÃO. - Ao proceder a licitação para concessão de área destinada à comercialização de bebidas e alimentos em aeroporto internacional, atividade que não é objeto de delegação de competência por parte do poder público na Lei nº 5.862/72 - diploma que autorizou e regrou a constituição da INFRAERO -, a empresa pública pratica ato de gestão, cujo controle não pode ser efetuado pela via mandamental. Indeferimento da inicial mantido.

(AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2001.71.00.006865-0, MARCIANE BONZANINI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 15/09/2004 PÁGINA: 679.)

* * *

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NA MODALIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. ART. 244 DO CPC. POSSIBILIDADE. LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE PRESTADOR DE SERVIÇOS. ATO DE GESTÃO PRATICADO POR ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. VEDAÇÃO. ART. 1º, PARÁGRAFO 2º DA LEI Nº 12.016/2009. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA IMPUGNAR O ATO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Apelação interposta contra sentença proferida em sede de mandado de segurança, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, reconhecendo a inadequação do remédio constitucional para impugnar ato de gestão de sociedade de economia mista.

2. Nos termos do artigo 244 do Código de Processo Civil, o ato processual somente pode ser considerado nulo e sem efeito se, além de inobservância da forma legal, não tiver alcançado a sua finalidade.  No caso concreto o recurso foi interposto dentro do prazo do apelo e as razões recursais se voltam contra os fundamentos expostos na sentença a quo. Aplica-se no caso o princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de hipótese em que o recurso, mesmo não sendo o cabível para atacar a decisão, pode ser considerado válido, uma vez que foram atendidos os demais requisitos objetivos.

3. A Lei nº 12.016/2009 estabelece, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, que não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

4. Hipótese em que a ação mandamental foi impetrada contra ato de gestor da CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em Pregão Eletrônico realizado com o fito de contratar um terceiro prestador de serviços, para a realização de obras estruturais. Os serviços a serem realizados, à evidência, não guardam relação direta com a atividade de geração de energia que foi delegada pelo Poder Público à referida Companhia, constituindo-se de ato particular de gestão, que não se confunde com ato de autoridade, requisito necessário para viabilizar seu ataque pela via do mandado de segurança.

5. Ainda que praticado mediante procedimento licitatório, o ato ora impugnado  não pode ser entendido como vinculado à atividade estatal delegada, mas apenas como um mero ato de gestão.

6. Nos termos da súmula nº 333 do C. STJ é cabível o manejo do writ para atacar procedimento licitatório de empresa de economia mista ou empresa pública. Contudo, é pacífico que esse remédio constitucional é cabível contra os atos praticados por dirigentes de tais entidades, desde que tais possam ser reputados como típicos da Administração, entendidos como aqueles oriundos de explícita delegação de competência do Poder Público, o que não se verifica no caso dos autos.

7. Apelação improvida. (PROCESSO: 00052914820114058300, AC527173/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 27/09/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 06/10/2011 - Página 349")"[1]

Diante do quadro supra, tenho por inapropriado o uso do mandado de segurança para impugnação do mencionado ato, o que caracteriza a situação estabelecida no inciso IV do art. 485 do vigente Código de Processo Civil c/c o mencionado dispositivo da Lei nº 12.016, de 2009, o que impõe a extinção do processo, sem resolução do mérito.

Finalmente, quando o mandado de segurança é extinto, sem resolução do mérito, há precedentes antigos do STF, no sentido de que a segurança deve ser denegada.

Mas, a mencionada Lei nº 12.016, de 2009, tratando desse assunto, ressalva, no seu art. 19,  o direito de a Parte Impetrante, nessa situação, valer-se da via  processual própria, o procedimento comum.

3. Dispositivo

Posto isso, chamo o feito à ordem e, de ofício, reconheço que o ato ora impugnado diz respeito a um ato de gestão comercial de uma  Empresa Pública Federal e não ato de Autoridade, logo, considerando que  contra  ato de gestão não cabe a impetração de mandado de segurança(§ 2º do art. 1º da Lei nº 12.016, de 2019), dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 485, IV, do vigente Código de Processo Civil), ressalvando-se o direito de a ora Impetrante buscar a realização da sua pretensão pela via judicial própria(procedimento comum), conforme regra do art.19 da mencionada Lei nº 12.019, de 2009,e denego a segurança, ficando prejudicado o pedido de concessão de medida liminar.

Outrossim, condeno a Impetrante nas custas processuais.

Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 26.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

___________________________

[1] No direito positivo brasileiro, veja a diferença entre uma Sociedade de Economia  Mista e uma Empresa Pública no art. 5º do Decreto-lei nº 200, de 1967.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O MISTERIOSO ALHO DA CHINA - CAPÍTULO I

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A Alfândega do Estado de Pernambuco(Brasil) flagrou uma operação estranha: a Empresa brasileira importa alho da CHINA por preço muito superior ao que ela obtém revendendo esse produto no  mercado brasileiro. E os valores envolvidos na operação de aquisição são em montante bem superior ao valor do capital social dessa Empresa. Então, as mercadorias foram apreendidas para averiguação. A Empresa impetrou este mandado de segurança, buscando a liberação das mercadorias,  via medida liminar, que foi negada. Após o julgamento, publicaremos,  como Capítulo II, a sentença. 

Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0801718-45.2020.4.05.8302 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M C A DE F E A E 
ADVOGADO: F P N De C M e outro
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

D E C I S Ã O

1. Breve Relatório

M C A DE F E A E, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de Medida Liminar em face do INSPETOR-CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE. Aduziu, em apertada síntese, que: no desempenho de seus objetivos contratuais - Comercialização e Importação de Frutas e Alho - visando garantir o desenvolvimento de suas atividades normais, teria realizado operação de importação de alho fresco, oriundo da Republica Popular da China; realizaria, com frequência, a importação de alho fresco, recolhendo todos os impostos e encargos, daí decorrentes, agindo sempre dentro da legalidade; fora surpreendida com a interrupção dos despachos aduaneiros, constantes das Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, retendo 133.855,00 quilogramas de alho fresco, sob a inusitada suspeita de que as entradas relativas a essas importações totalizarariam valores maiores do que suas vendas ao mercado interno, sugerindo que a renda bruta (vendas menos importações) não seria capaz de sustentar sua atividade econômica, conforme termo de inicio de ação fiscal n° 027/2020, ora anexa; segundo a Autoridade Fiscal, sua suspeita se justificaria pelo simples fato de o valor total de venda ser inferior ao custo da aquisição da mercadoria, o que não possuiria, em seu entender, sentido lógico para uma atividade comercial perene, que deveria manter margem de lucro para o setor da atividade econômica; nem sempre a atividade de importação seria lucrativa, pois dependeria, quase que totalmente, do câmbio, em dólar; no caso dos autos, a Autoridade sequer teria justificado efetivamente o motivo das suspeitas, declarando exclusivamente que o impetrante estaria amargando prejuízos; além  de a acusação ser realizada de forma inopinada, sem qualquer documento probatório que respaldasse a referida conclusão, mas tão-somente a rasa menção a prejuizos na venda do alho, demonstrando, assim, que não haveria qualquer Segurança Jurídica na fiscalização; a Impetrante teria apresentado toda a documentação referente a importação, recolhido todas as taxas e impostos e, mesmo assim, as mercadorias, que seriam perecíveis, ainda seguiriam retidas no Porto de Suape, conforme descrição ali constante; a Impetrante estaria com toneladas de mercadorias perecíveis paradas nos navios, aguardando a apuração dos Fiscais; seria desnecessária a retenção das mercadorias para tal apuração; o Impetrante já estaria pagando mais de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) a título de deposito, somado a "Demuge", taxa paga por conteiner, no importe de R$ 200,00 por dia; não seria razoável, tampouco LEGAL, que a Impetrante fosse coagida a concordar com a determinação da fiscalização de reter 133.855,00 quilogramas de alho fresco, com conteiners que já estão parados no Porto de Suape há 43 (quarenta e três) dias, enquanto aguarda, indefinidamente, que os fiscais realizem o procedimento fiscal, que poderia durar meses e, d'outra banda, as mercadorias retidas seriam perecíveis por se tratar de alho fresco; não seria justo que a Impetrante fosse penalizada podendo perder sua mercadoria; os produtos retidos seriam essenciais para a manutenção da atividade da impetrante que já amargaria os efeitos da apreensão em sua saúde financeira, já abalada pela crise ocasionada pela Pandemia; o Superior Tribunal de Justiça e o  Supremo Tribunal Federal já teriam pacificado  entendimento de que as suspeitas não seriam causa de retenção de mercadorias, uma vez que a Receita Federal teria os meios legais para cobrança que entendesse como devida, por meio de AUTO DE INFRAÇÃO; as suspeitas da Autoridade Fazendária não seriam causa de pena de perdimento de mercadorias, mas apenas aplicação de multa e cobrança da diferença tributária, pelo que a retenção da carga para coação ao pagamento de multas e tributos se mostraria totalmente inconstitucional; em que pese o entendimento dos Tribunais Superiores, entendimento, inclusive sumulado, proibindo tal conduta do Fisco, teria necessitado impetrar o presente Mandado de Segurança para ver declarado o direito líquido e certo à consecução regular de sua atividade empresarial, através do desembaraço de seus produtos importados, sem que fosse coagida a concordar, sem o devido processo legal, que tivesse praticado infrações dissociadas da realidade material dos fatos; por se tratar de produto perecível, assim como, pela sempre longa duração do processo administrativo, para apuração do susposto ilícito, não seria razoável que as importações da Impetrante fossem paralisadas até a conclusão do procedimento, que deveria, indispensavelmente, propiciar ao importador o direito ao contraditório e à ampla defesa, através de um regular processo administrativo, aliado ao fato de que as mercadorias já se encontrariam retidas há mais de 40 (quarenta) dias, acarretando, ainda, pesadas despesas de armazenagem. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fosse concedida a medida liminar para: 

"a) determinar à Autoridade Coatora que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das mercadorias consubstanciadas nas Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, devendo, caso entenda necessário, prosseguir com a lavratura de auto de infração como forma de oportunizar à Impetrante o contraditório e ampla defesa acerca das alegações de prática de subfaturamento, caso esse seja o único óbice;

b) Ao final, seja confirmada a medida liminar, por sentença, para declarar o direito da Impetrante em desembaraçar as mercadorias consubstanciadas    na  Declaração de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, independentemente de qualquer suspeita que não esteja sendo discutida através do devido processo legal, caso seja o único óbice."

Decisão sob Id. 4058302.16009652, proferida pelo MM. Juiz TIAGO ANTUNES DE AGUIAR, sob o argumento de que seria  caso de incompetência funcional do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Caruaru-PE, logo caso de incompetência absoluta.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Considerações Preliminares

2.1.1 - Da Autuação da DD Autoridade

De início, proceda a Secretaria à inclusão do Ilmo. Sr. INSPETOR-CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE na condição de autoridade coatora, uma vez que assim foi indicado na petição inicial.  Deve a Secretaria, ainda, fazer as anotações pertinentes no sistema, eis que inexiste a prevenção acusada pelo Pje.

2.1.2 - Da competência do Juízo

 

Data maxima venia do d. Magistrado Federal TIAGO ANTUNES DE AGUIAR, Juiz de uma das Varas de Caruaru-PE, onde se encontra sediada a Impetrante,  uma  Turma do STF e precedente do STJ, mudando antigo entendimento jurisprudencial, passaram a admitir que o mandado de segurança pode ser impetrado no local de residência/sede do(a) Impetrante, ainda que as Autoridades apontadas como coatoras estejam sediadas em outras ou em outra localidade, como no presente caso. 

O Pleno do TRF-5ªRegião remou um certo tempo contra esse entendimento, no entanto, em r. julgado mais recente, em caso específico envolvendo benefício previdenciário, alinhou sua jurisprudência ao que têm decidido as mencionadas Cortes de cúpula do Judiciário Brasileiro, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO DESTINADA À OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E AO PAGAMENTO DE ATRASADOS. AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DO SEGURADO-IMPETRANTE, DIVERSO DA SEDE DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO PACIFICADA PELO STF E PELO STJ. ACESSO À JUSTIÇA E AO SERVIÇO PREVIDENCIÁRIO. TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO.

1. No caso, trata-se de definir a quem compete processar e julgar o mandado de segurança impetrado contra ato imputado a servidor do INSS, que foi ajuizado pelo impetrante no foro do seu domicílio, tendo o Juízo a quem os autos foram distribuídos (21ª/PE - suscitado) afirmado a sua incompetência absoluta e determinado a remessa à Vara com jurisdição abrangente do Município em que sediada a autoridade apontada como coatora (14ª/PB - suscitante).

2. Não é nova a jurisprudência do STF, no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na Seção Judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato/fato que originou a demanda, onde esteja situada a coisa litigiosa ou, ainda, no Distrito Federal, aplicando-se aos mandados de segurança impetrados contra autoridade pública federal a regra do art. 109, parágrafo 2º, da CF/88, admitindo-se, assim, a impetração no foro de domicílio do impetrante (cf. RE nº 509.442 AgR/PE, Relatora: Ministra ELLEN GRACIE, julgado em 03.08.2010).

3. Em julgamento sob a sistemática da repercussão geral, o STF definiu tese jurídica de que "a regra prevista no parágrafo 2º do art. 109 da Constituição Federal também se aplica às ações movidas em face das autarquias federais" (Tema nº 374).

4. Nessa linha, vem entendendo o STJ pela possibilidade de ajuizamento do mandado de segurança no domicílio do impetrante, ainda que não corresponda à sede da autoridade apontada como coatora.

5. No entanto, o Pleno do TRF5 consolidou a sua jurisprudência em sentido diferente, ou seja, de que, "em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento é absoluta, estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade coatora". Este Tribunal considera que "o Juízo que está na sede da autoridade impetrada tem muito mais facilidade na obtenção de acesso à documentação pertinente ao processo, bem como de obter o cumprimento de medidas liminares. Essa é a tese comprometida com a funcionalidade e que, portanto, deve prevalecer" (CC nº 0811813-48.2019.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, julgado em 03/10/2019). Em igual pegada: "Em que pese a 1ª Seção do STJ ter passado a entender que 'o mandado de segurança pode ser impetrado no foro do domicílio do autor, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja diversa da do impetrante, devendo prevalecer a opção prevista na Constituição no art. 109, parágrafo 2º à infraconstitucional' (AINTCC-2016/0324596-5, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Seção, DJe 22.06.2017), o Plenário deste TRF da 5ª Região optou conscientemente por manter a jurisprudência tradicional, isto é, que em se tratando de mandado de segurança a competência, de caráter absoluto, define-se pela sede funcional da autoridade coatora. [...] Firmada a jurisprudência após intensos debates, o Pleno desta Corte deve mantê-la estável, íntegra e coerente, nos moldes do art. 926 do CPC/2015, independentemente da posição pessoal de seus integrantes" (CC nº 0807491-82.2019.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal RUBENS CANUTO, julgado em 01/07/2019). Exatamente nessa direção, veja-se o recente precedente do Plenário: CC nº 0815302-93.2019.4. 05.0000, Relator: Desembargador Federal MANOEL ERHARDT, julgado em 27/01/ 2020, unânime.

6. O entendimento do Plenário conduziria ao reconhecimento da competência da 14ª Vara/PB. No entanto, a particularidade do caso concreto impõe o amadurecimento da posição do TRF5 sobre a matéria.

7. Segundo consta dos autos originários, o impetrante jamais se dirigiu à Agência do INSS localizada em Teixeira/PB; o seu requerimento administrativo foi protocolado na Agência do INSS, localizada na Avenida Mário Melo, no bairro de Santo Amaro, em Recife/PE. Mesmo as informações complementares que foram exigidas do segurado pelo INSS foram prestadas junto à unidade da autarquia previdenciária em Recife/PE, porque o INSS autoriza que o comparecimento para atendimento se dê na Agência mais próxima do domicílio do requerente. Mais ainda, de acordo com os documentos acostados, todos os vínculos laborais do impetrante se deram no Estado de Pernambuco, a maior parte deles na cidade do Recife/PE (e as correspondentes rescisões, idem). Sequer o impetrante é paraibano. A questão é que, uma vez protocolado o requerimento administrativo, ele passa a uma fila nacional, podendo ser vinculado, independentemente da localização, a uma Agência do INSS diversa daquela que recebeu o requerimento administrativo. Em decorrência dessa sistemática, no caso concreto, o pleito administrativo do impetrante foi decidido por servidor da Gerência Executiva do INSS em Teixeira/PB.

8. Nessas circunstâncias, não é razoável se exigir do segurado que se desloque para a Paraíba, para fins de ajuizamento do mandado de segurança, sequer servindo, na hipótese, a justificativa da facilidade de acesso às informações necessárias ao julgamento da demanda. Se, em tempos de tecnologia avançada, havia certa dificuldade de manter essa motivação da proximidade à fonte dos dados informativos, para vincular a propositura do mandado de segurança na sede da autoridade coatora, essa razão perde ainda maior robustez diante da nova sistemática de atendimento e julgamento dos pedidos administrativos de benefício previdenciário.

9. O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a confrontar ato ilegal ou abusivo da autoridade administrativa, de modo que a interpretação das regras de impetração do mandamus não deve privilegiar aquela pessoa sobre a qual pesam as imputações de ilegalidade ou abusividade. Em outros termos, não se coaduna com o Texto Constitucional de 1988 a exegese que dificulta ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário, na defesa de direito alegadamente líquido e certo, supostamente violado pela Administração Pública, dificultando, inclusive, nessa ordem de ideias, o acesso ao próprio serviço previdenciário essencial.

10. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Federal suscitado (21ª Vara/ PE), de domicílio do segurado. (PROCESSO: 08005516720204050000, CC - Conflito de Competencia - , DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Pleno, JULGAMENTO: 13/03/2020, PUBLICAÇÃO:) G.N.”[1]

Pois bem, embora o caso dos autos não envolva, como no acórdão paradigma do Pleno do E. TRF-5ª Região, benefício previdenciário, impõe-se reconhecer, todavia,  que mencionada Corte modificou a sua jurisprudência, de forma que estão superados os entendimentos das Turmas desse Tribunal, cujos julgados foram invocados por referido d. Magistrado Federal.

Também, ainda data maxima venia do referido d. Magistrado Federal de Caruruaru-PE, não é caso de competência absoluta,  é tanto que a Parte Impetrante pode escolher o foro que lhe for mais  confortável e, certamente, menos oneroso.

Todavia, para que este processo não fique "passeando" entre Caruaru-PE e esta bela Capital do Estado de Pernambuco, e ainda considerando que se trata de competência relativa e a que a Parte Impetrante não recorreu da  noticiada r. decisão do d. Juiz Federal de Caruaru-PE, tenho por bem firmar a competência deste Juízo Federal,  ou seja, desta 2a Vara Federal de Pernambuco.

2.2 Do Mérito e da Medida Liminar

A concessão de medida liminar em Mandado de Segurança pressupõe a presença de um conjunto probatório que demonstre a plausibilidade das alegações do impetrante, em grau compatível com a medida requerida, aliado a um fundado e justo receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao objeto da demanda decorrente do tempo para o regular transcurso do processo.

No caso vertente, a medida liminar requerida consubstancia-se na determinação de que a Autoridade Coatora que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das mercadorias consubstanciadas nas Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, devendo, caso entenda necessário, prosseguir com a lavratura de auto de infração como forma de oportunizar à Impetrante o contraditório e ampla defesa acerca das alegações de prática de "subfaturamento"[2],  caso esse seja o único óbice.

Pois bem.

É verdade que a Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal impede a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. A apreensão somente seria devida, portanto,  a título de medida preparatória a resguardar eventual aplicação da pena de perdimento de bens, nas hipóteses cabíveis.

No caso em análise, a Impetrante defende, no corpo da Inicial, de forma categórica, que a Autoridade coatora não teria,  sequer, justificado efetivamente o motivo das suspeitas, declarando exclusivamente que o impetrante estaria amargando prejuízos.

Entretanto, da leitura  do TERMO DE INÍCIO DE AÇÃO FISCAL nº 027/2020 (Id. 4058302.16007057), vê-se que a autoridade alfandegária assim pontuou:

"Ainda que as atividades econômicas decorrentes do comércio exterior revelem saldo deficitário durante o período analisado, poderia se cogitar que a empresa tivesse recursos próprios oriundos da atividade de comércio atacadista (CNAE 4633-8-01) com aquisição de mercadorias no mercado interno para continuar financiando as importações que se seguiram. Entretanto, não há registros de vendas de mercadorias que não sejam as importadas. Além disso seu capital social, alterado de 250 mil reais para 500 mil reais em maio de 2020, se totalmente integralizado, é bem inferior ao recurso necessário para o financiamento de mais de 2 milhões reais de importações concretizadas nos meses subsequentes, sem levar em consideração aquelas que se encontram em despacho e pré-despacho.

Diante desse cenário, vislumbra-se, em tese, que os recursos para o custeio das suas importações podem não ter amparo no resultado da atividade comercial declarada.  

Convém ponderar ainda que a empresa importou nos últimos três meses 218 toneladas de produtos. As datas das notas de saída permitem inferir que as mercadorias deveriam passar por algum estabelecimento para fins de estoque e segregação previamente à distribuição aos clientes em diversas datas. Entretanto, de acordo com a Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) declarada, não constam empregados na folha de pessoal da matriz e filial. Também não constam registros de aquisição de bens patrimoniais, móveis e equipamentos para a atividade logística, o que sugere haver uma incompatibilidade entre o volume de mercadorias e sua capacidade operacional. Diante dos fatos constatados, e para a apuração da regularidade da importação e a instrução do procedimento fiscal, INTIMO o contribuinte para atender, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência deste termo, as seguintes exigências:

1)APRESENTAR contrato social da empresa e de todas as suas alterações, devidamente registrados na Junta Comercial;  

2)COMPROVAR, mediante a apresentação de documentação idônea, a origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos necessários à integralização do capital social;

 3)APRESENTAR os seguintes documentos, para comprovação do efetivo funcionamento da empresa:  

3.1 Faturas de contas de energia elétrica e água dos últimos seis meses;  

3.2 Contrato(s) de locação de imóvel(is) e de pagamentos do aluguel dos últimos seis meses;  

3.3 Relacionar os nomes dos funcionários, cargo e CPF;  

3.4 Fotografia da fachada do estabelecimento do importador;  

3.5 Fotografia do interior do estabelecimento do importador;  

4)APRESENTAR extratos de movimentação de todas as contas correntes bancárias e aplicações financeiras da empresa importadora no período de 11/2019 a 09/2020;

 5)APRESENTAR extratos de movimentação de todas as contas correntes bancárias e aplicações financeiras do único sócio/dirigente José Aguinaldo Cabral. CPF: 843.907.514-68 no período de 09/2019 a 09/2020; 

6)APRESENTAR as faturas comerciais e proforma, os contratos de câmbio e seus respectivos comprovantes de liquidação relativos às DIs e ao Conhecimento de Carga Eletrônico listados na Tabela 01 (DIs atuais) e Tabela 02 (DIs já desembaraçadas).

7)INFORMAR se as operações cambiais (Tabelas 01 e 02), ou parte delas, foram financiadas com recursos de terceiros.

Em caso positivo, APRESENTAR as provas desse financiamento, por meio de instrumento de contrato de financiamento ou de empréstimo, o qual deverá conter:

 7.1 Identificação dos participantes da operação: devedor, fornecedor, financiador, garantidor e assemelhados;  

7.2 Descrição das condições de financiamento: prazo de pagamento do principal, juros e encargos, margem adicional, valor de garantia, respectivos valores-base para cálculo, e parcelas não financiadas; e 7.3 Forma de prestação e identificação dos bens oferecidos em garantia;  

8)INFORMAR se os pagamentos de tributos/multas/despesas referentes às DIs listadas na Tabela 01 e 02 foram realizados mediante débito em conta corrente de titularidade do contribuinte.

Caso tais pagamentos, ou parte deles, não tenham sido suportados por conta corrente do contribuinte, INFORMAR:

 8.1 Os dados da(s) conta(s) corrente(s) originária(s) dos recursos empregados nesses pagamentos (banco, agência, número da conta corrente);  

8.2 O titular dessa(s) conta(s) (CPF/CNPJ e nome); e

 8.3 A relação do titular dos recursos com o contribuinte, acompanhada de documentação que a comprove;  

9)INFORMAR os possíveis clientes (compradores) (CPF/CNPJ e nome) para as mercadorias objeto das DIs e CE da Tabela 01; APRESENTAR informações detalhadas a respeito da relação comercial, o(s) contrato(s) eventualmente firmado(s), os pedidos feitos e correspondências, e-mails e quaisquer outros documentos que registraram as negociações; 10)APRESENTAR os Relatórios de Operações de Câmbio e Transferências Internacionais em nome do CNPJ da fiscalizada e do CPF sócio/dirigente José Aguinaldo Cabral, no ano de 2020, os quais podem ser extraídos gratuitamente no Sistema Registrato do Banco Central do Brasil.".

Então, a DD Autoridade apontada como coatora não só justificou, como demonstrou que há algo de estranho nas atividades importadoras da Impetrante, a ser apurado na via administrativa, pois com tão pequeno capital social, não se sabe como consegue tanto dinheiro para importar alho tão caro da CHINA para  revendê-lo por preço bem abaixo aqui no BRASIL.

Certamente,  nas suas investigações, os Técnicos da Repartição à qual a DD. Autoridade apontada como coatora encontra-se vinculada, aplicarão as regras que envolve o complexo problema dos "preços de transferência", para entender essa engenharia econômico-financeira e tomar, no final,  as providências pertinentes.  

Oxalá,  tudo se apure de forma  favorável à ora Impetrante.  

Mas o certo é que não se trata de um mero problema tributário, como quis fazer crer a Impetrante na sua longa petição inicial, e o alegado direito da ora  Impetrante, neste momento processual,  não é liquido, muito menos certo. 

 

Assim, prima facie, não vislumbro, de plano,  ilegalidade, nem abuso de poder na atuação da DD Autoridade apontada como coatora, situação essa que afasta a existência do fumus boni iuris e impossibilita a concessão da pretendia medida liminar. 

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Preliminarmente, determino que a Secretaria tome as providências indicadas no subitem 2.1.supra e firmo a competência deste Juízo para esta causa;

3.,2 - Indefiro o pleito de concessão de medida liminar;

3.3 - Notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009) e dê-se ciência desde writ ao órgão de representação judicial da UNIÃO (Fazenda Nacional), no caso, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.4 - Decorrido o prazo para as Informações, com ou sem elas, remetam-se os autos para o MPF, para o r. parecer legal, bem como para outras providências legais que entender por pertinentes.

Intimem-se. Cumpra-se, COM URGÊNCIA.

Recife, 24.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(lsc)

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[1] BRASIL. TRUBINAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO.

Disponível em: https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1

Acesso em: 03/08/2020.

[3] Pelo que entendi da petição inicial, parece-me caso de superfaturamento(aquisição por preço superior ao preço de venda no Importador) e não de subfaturamento, como alegado pela Impetrante. Prima facie, parece que a questão envolve o problema de preço de transferência("transfering price"), tratado na Lei nº 9.430, de 1996, art. 18 e seguintes. .