Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue sentença que enfrenta um problema inusitado: o IPHAN propôs uma ação contra um Particular para obrigar este a restaurar um imóvel considerado histórico, por se encontrar em área tombada do bairro do Recife Antigo, na cidade do Recife, no Estado de Pernambuco, Brasil. Mas, no decorrer da tramitação do feito constatou-se que mencionado Particular não tinha condições econômico-financeiras para arcar com as despesas dessa restauração, regra geral altamente custosa. Quando isso acontece, o Decreto-lei nº 25, de 1937, estabelece que cabe ao IPHAN fazer a restauração ou desapropriar o imóvel para tanto, sempre às expensas da UNIÃO. Logo, o IPHAN não pode ser Autor neste tipo de ação.
Boa Leitura.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0020121-87.2009.40.05.8300 Classe 1 Ação Civil Pública
Autor(a): Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN e Outros
Adv.: F J P. A, procurador federal(AGU/PRF 5ªR).
Ré(u): J P B S
Adv.: Ana Carolina C. Erhardt, defensora pública da Defensoria Pública da União.
Registro nº
Certifico que eu, ___________________, registrei esta Sentença às fls. ____________.
Recife, ____/____/20___
Sentença tipo C
Ementa: -
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL HISTÓRICO. PROPRIETÁRIO
POBRE. RESPONSABILIDADE PELA RESTAURAÇÃO: IPNHAN E UNIÃO.
Se
o proprietário de imóvel histórico encontra-se no estado de
miserabilidade jurídica, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO, restaurar
referido imóvel, ou desapropriá-lo para essa finalidade.
Ilegitimidade
ativa ad causam e falta de interesse processual de agir do IPHAN para
acionar judicialmente proprietário naquela situação para a restauração.
Ilegitimidade passiva ad causam do referido proprietário.
Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.
Vistos, etc.
Breve Relatório
INSTITUTO
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL- IPHAN propôs esta ação
contra J P B S, proprietário do imóvel situado na
Rua de Santa Cruz, nº 220, bairro da Boa Vista, Recife-PE, alegando que
se trata de imóvel do sítio histórico, que teria sido descaracterizado,
ilegalmente, pelo Réu e pedindo para condená-lo à respectiva
restauração.
O
Réu foi citado e ofertou defesa via Defensoria Pública da União, quando
então lhe foi concedido o benefício da Justiça Gratuita, em face da sua
reconhecida miserabilidade jurídica.
Mais tarde, o Município do Recife e a FUNDARPE, bem como o Ministério Público Federal integram-se no polo ativo.
O
então d. Juiz Federal Substituto desta Vara, Dr. Cláudio Kitner,
atendendo a pleito da Defensoria Pública da União, que patrocina a
defesa do Réu, determinou a realização de perícia na r. decisão de fls.
187-189.
Tanto
o IPNHAN, autor, como o Ministério Público Federal, integrado no polo
ativo, manifestaram-se no sentido de que essa perícia seria
desnecessária(233-233vº e fls. 246-249vº, respectivamente).
Fundamentação
O feito merece ser chamado à ordem, para os fins que seguem.
Data maxima venia do d. Magistrado acima referido, tenho que realmente não haveria necessidade
de realização de perícia, pois resta incontroverso que o imóvel em
questão faz parte do sítio histórico e está claramente deteriorado e que
foi submetido a reformas que atingiram detalhes da sua configuração
histórica.
Eu disse haveria, porque há outro assunto processual importante que tem que ser enfrentando.
No
decorrer da tramitação deste processo, constatou-se que o ora Réu não
tem a menor condição econômico-financeira para realizar as obras de
restauração do imóvel em questão.
Quando isso acontece, à luz do Decreto-Lei nº 25,
de 30.11.1937, ainda em vigor, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO,
realizar as obras ou desapropriar o imóvel para tal finanldiade, verbis:
“Art.
19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para
proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer,
levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa
correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano
sofrido pela mesma coisa.
§
1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o
diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará
executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro
do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a
desapropriação da coisa.”[1]
Ora, pede-se nesta ação que o Réu, proprietário, seja condenado a restaurar o imóvel em questão.
Sabe-se
que esse tipo de restauração é envolve valores financeiros de monta,
porque exige mão de obra especializada e aquisição de parte do material
no exterior, como, para o presente caso, ocorrerá com os azulejos
portugueses, que foram claramente retirados do imóvel após o ano de
2008.
A
constatação do estado de miserabilidade jurídica do Réu deu-se na
tramitação desta ação, situação essa que caracteriza o superveniente
advento da sua ilegitimidade passiva ad causam, e também as
supervenientes ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse
processual de agir do IPNHAN, uma vez que, diante da situação supra, cabe-lhe a realização das obras, às expensas da UNIÃO, ou providenciar a desapropriação do imóvel para mencionada finalidade.
E
essas situações processuais, detectadas no decorrer da tramitação do
processo, têm que ser levadas em consideração pelo juiz quando da
sentença(art. 462 do código de processo civil).
A
rigor, o IPHAN e a UNIÃO deveriam figurar como Réus, e a ação deveria
ser proposta pelo Ministério Público Federal e/ou pelo Município do
Recife e pela FUNDARPE, que foram integrados no polo ativo na decisão de
fls. 160-160vº, para obrigá-los à noticiada restauração e/u
desapropriação e restauração.
Aliás,
o Ministério Público Federal também pediu sua integração no polo
ativo(fl. 170vº), pedido esse que foi deferido na r. decisão de fl.
187-189.
Na
ação civil pública, processo nº 2003.83.00.009840-2, proposta pelo
Ministério Público Federal contra um Particular, também para condenar
este a restaurar imóvel histórico no bairro do Recife Antigo, na cidade
do Recife-PE, tendo o IPNHAN integrado-se no polo ativo como Assistente,
mas, no decorrer da tramitação do feito, constatou-se que o Particular
proprietário não tinha condições econômico-financeiras para a
restauração, pelo que, via decisão judicial interlocutório, que foi
mantida pelo E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. o IPHAN foi
deslocado do polo ativo para o polo passivo e a UNIÃO foi chamada à lide para este polo e ambos foram condenados à restauração do
imóvel e/ou desapropriação-restauração.[2]
Todavia,
aqui, neste feito, não vejo como tomar a mencionada providência
processual, porque o Autor desta ação é o próprio IPHAN, pelo que me
resta reconhecer sua superveniente ilegitimidade ativa ad causam e falta
de interesse processual de agir, e
a superveniente ilegitimidade passiva ad causam do Réu, com os
consequentes indeferimento da petição inicial e extinção do processo,
sem resolução do mérito.
Conclusão
POSTO
ISSO, chamo o feito à ordem, revogo a r. decisão na qual se determinou a
realização de perícia, reconheço, com base no art. 462 do código de
processo civil, as supervenientes ilegitimidade ativa ad causam do IPHAN e sua falta de interesse processual de agir contra o ora Réu, bem como a ilegitimidade passiva ad causam
do Réu, indefiro a petição inicial(art. 295-II e III do código de
processo civil) e, consequentemente, dou o processo por extinto, sem
resolução do mérito.
Sem custas e sem verba honorária, ex lege.
P.R.I.
Recife, 18 de dezembro de 2013.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE