sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Formação de Elementos do Núcleo da Obrigação Tributária: princípios da legalidade, determinação e segurança jurídica

Segue uma sentença, na qual se discute a formação do núcleo da obrigação tributária e a necessidade de que sejam observados os princípios da legalidade e da determinação, como supedâneos de outro princípio, o da segurança jurídica.

O direito material em questão envolve a problemática de delegação, por lei ordinária, de competência ao Poder Executivo para baixar atos infra-legais, visando a formação da base de cálculo da contribuição do antigo Seguro de Acidente do Trabalho-SAT e agora da possibilidade de esse Poder aumentar sua alíquota em até 100%.

Na sentença, chega-se à conclusão que isso não é possível por Lei Ordinária, mas apenas por parte do Legislador Constituinte originário, pois é matéria acobertada por cláusula pétrea.


Boa leitura.



PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Processo nº 0002388-74.2010.4.05.8300 Classe 126 – Mandado de Segurança
IMPETRANTE: R. G. LTDA. E OUTRO
ADV.: Alexandre de Araújo Albuquerque – OAB/PE 025108
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE

Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010

Sentença tipo A

Ementa:- DIREITO CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO. FORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIOs DA LEGALIDADE, DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA DETERMINAÇÃO. CLÁUSULA PÉTREA.

Elementos do núcleo da obrigação tributária não podem ser modificados por ato legislativo infra-legal, exceto quando houver expressa autorização na Constituição da República, por força dos princípios da legalidade, da determinação e da segurança jurídica.

Concessão da Segurança.

Vistos etc.

R. G. LTDA. E OUTRO, qualificados na Petição Inicial, impetraram, em 18/02/2010, o presente mandado de segurança preventivo, contra ato na iminência de ser praticado pelo Ilmº Sr. Delegado da Receita Federal do Brasil em Recife, o qual, no exercício de sua atividade vinculada, deverá impor à parte impetrante, o recolhimento das alíquotas do GIIL – RAT (antigo SAT), majorada pelo FAP, em violação aos princípios da legalidade, publicidade, transparência, contraditório, ampla defesa, motivação, segurança jurídica e separação dos poderes. Alegou, a parte impetrante, em síntese, que, de acordo com o art. 10 da Lei nº 10.666/2006, as alíquotas do GIIL – RAT(Grau de Incidência da Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos de Acidente de Trabalho), antigo SAT (Seguro de Acidente do Trabalho), poderiam ser reduzidas ou aumentadas, conforme disposto em regulamento, sendo esta discricionariedade conferida ao Poder Executivo, o ponto nodal da presente ação; que a possibilidade de o Poder Executivo alterar as alíquotas da mencionada contribuição violaria os princípios acima mencionados. Sustentou a constitucionalidade do “antigo SAT” ; que padeceria de ilegalidade e inconstitucionalidade a outorga ao Poder Executivo do direito de fixar, a seu critério, o valor das alíquotas mínima e máxima, sem que houvesse critério de grau de risco (leva, médio e grave). Invocou o princípio da legalidade genérica (CR/88, art. 5º -II) e o princípio da legalidade tributária (CR/88, art. 150-I) e aduziu que o art. 10 da Lei nº 10.666/03, criou o FAT, dispondo que seria um fator de redução em até 50%(cinqüenta por cento), ou de majoração em até 100%(cem por cento) da alíquota do GIIL-RAT, todavia, não teria fixado a alíquota, nem os critérios para alcançá-la, delegando ao regulamento essa tarefa; que, por força do princípio da legalidade tributária, caberia à lei definir as alíquotas ou estabelecer os critérios para ser alcançada, e não aos decretos e ou regulamentos; que a discussão travada no C. STF em relação ao SAT cingia-se à possibilidade de o Poder Executivo definir os conceitos de atividade preponderante e graus de risco leve, médio ou grave, sendo que as alíquotas de cada um já estariam definidas; que seria deferente o caso dos autos, porque teria sido delegado ao Poder Executivo a própria definição das alíquotas. Transcreveu r. decisão judicial favorável à sua tese e ressaltou que o Poder Executivo, “regulamentando” o instituto, teria criado uma fórmula que seria complexa para alcançar o FAP de cada empresa, formula esta que cujo resultado seria de difícil ou impossível constatação, onde o resultado nunca estaria certo e acabado, porque lhe faltaria um critério que atingisse a isonomia na cobrança; que o conjunto de cálculos afrontaria aos princípios da publicidade e da segurança jurídica; que dois dos critérios utilizados pelo Poder Executivo extrapolariam o que dispõe o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, quais sejam, a trava de mortalidade (Resolução MPS/CNPS 1.308/2009) e de rotatividade (Resolução MPS 1.309/2009), porque não teriam sido contemplados na norma regulamentada. Teceu outros comentários e requereu, a parte impetrante: a) liminarmente, autorização para depositar em juízo a diferença entre o SAT com e sem aplicação do FAP(a parte incontroversa será recolhida normalmente), na forma e para os fins do art. 151-II do CTN; b) a notificação da autoridade impetrada e a ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada; c) a oitiva do MPF; d) a concessão definitiva da segurança, declarando-se, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666/03, no tocante à delegação ao regulamento da competência para dispor sobre os critérios de majoração e redução da alíquota do GIIL-RAT, e, em conseqüência, a declaração de inexistência de relação jurídica válida que obrigue a parte impetrante ao recolhimento do GIIL-RAT sob outros parâmetros senão os dispostos no art. 22-II da Lei nº 8.212/91 ou, sucessivamente, ainda que se considere constitucional o dispositivo, que seja declarada a inexistência de relação jurídica, porque o FAP, definido para a Impetrante, o teria sido à margem dos princípios da publicidade, transparência, motivação e segurança jurídica, assegurando, assim, o direito da Impetrante de não se submeter à regra impugnada, determinando-se à Autoridade Impetrada que se abstenha de exigir o GIIL-RAT majorado pelo FAP e punir a Impetrante pela não sujeição à regra. Requereu, ao final, a liberação dos depósitos a seu favor e a condenação do Impetrado ao ressarcimento das custas processuais. Deu valor à causa e juntou procuração e documentos (fls. 20/67). Comprovou o recolhimento das custas processuais (fl. 68).
À fl. 69, o MM Juiz Distribuidor determinou a livre distribuição do feito.
Às fls. 71/72, decisão interlocutória facultando à parte impetrante a realização do depósito referido na Petição Inicial, juntando aos autos os respectivos comprovantes.
À fl. 76, REFRESCOS GUARARAPES LTDA. ingressou com petição requerendo a juntada de guias de depósitos judiciais (fls. 77/87).
Notificada, a Autoridade Impetrada apresentou Informações às fls. 89/98. Alegou, em suma, que inexistiria qualquer direito líquido e certo da Impetrante a ser protegido mediante o presente mandado de segurança. Fez uma breve digressão acerca do fundamento constitucional e legal da contribuição SAT e aduziu que o C. STF, em regra, teria se posicionado no sentido de reconhecer a validade das normas que regulamentam a SAT; que a aplicação de alíquotas diferenciadas para as contribuições previdenciárias das empresas estaria amparada no princípio constitucional da equidade na forma de participação no custeio(CR/88, art. 194, parágrafo único) e no §9º do art. 195 da CR/88; que o princípio constitucional da equidade na forma de participação no custeio exigiria que o recolhimento fosse proporcional aos infortúnios ocorridos na empresa; que a metodologia adotada pelo FAP (Fator Acidentário de Prevenção) enquadrar-se-ia perfeitamente em mencionado princípio constitucional, porque a alíquota do SAT seria reduzida para aqueles empregadores que tivessem apresentado menores índices de acidentabilidade e majorada para aquelas empresas que apresentassem índices de acidentabilidade superiores à média de seu setor econômico; que a aplicação do FAP às alíquotas do SAT teria como fundamento legal o art. 10 da Lei nº 10.666/2003; que o fato de a lei deixar para o regulamento e para o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) a complementação da metodologia de cálculo dos índices de freqüência, gravidade e custo, não implicaria ofensa ao princípio da legalidade genérica e ao da legalidade tributária; que, com base na delegação legislativa prevista no art. 10 da Lei nº 10.666/03, os Decretos nºs 6042/07 e 6.957/09, teriam regulamentado o FAP, dando nova redação ao art. 202-A do Decreto nº 3.048/99; que a flexibilização das alíquotas do SAT teria sido materializada mediante a aplicação da metodologia do FAP, aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS, consoante as Resoluções CNPS nºs 1308 e 1309, ambas de 2009; que a metodologia aprovada buscaria bonificar aqueles empregadores que tivessem feito um trabalho intenso nas melhorias ambientais em seus postos de trabalho e apresentado no último período menores índices de acidentes e, ao mesmo tempo, aumentar a cobrança daquelas empresas que tivessem apresentado índices de acidentes superiores à média de seu setor econômico; que, portanto, o FAP não seria ofensivo ao princípio da igualdade, porque teria tratado igualmente os desiguais; que a majoração da contribuição relativa ao SAT somente ocorreria se a empresa apresentar índice de acidentes superior à média do seu setor econômico, mas, se passar a adotar medidas de prevenção dos acidentes e doenças do trabalho, a aplicação do FAP poderia reduzir a alíquota do SAT em até 50% (cinqüenta por cento). Teceu outros comentários e requereu o indeferimento da liminar e a denegação da segurança.
À fl. 100, a União tomou ciência da decisão de fls. 71/72, requereu seu ingresso no feito e vista dos autos após qualquer decisão judicial.
Às fls. 102/108, o MPF apresentou Parecer, deixando de opinar sobre o mérito do presente feito, sob alegação de que não haveria interesse a justificar sua intervenção e pugnou pelo normal prosseguimento do feito.
Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.
Passo a decidir.


Fundamentação

1. Do Ponto Fulcral da Questão

As Impetrantes alegam justo receio de virem a ser obrigadas a pagar a contribuição do antigo Seguro de Acidente do Trabalho-SAT, hoje Riscos de Acidente do Trabalho-RAT, com majoração que poderá ser veiculada por meio de Decreto Presidencial, em face do art.10º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003 , que autorizou essa majoração, em até 100%, por meio de regra regulamentar.
Como bem registram as Impetrantes, o Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, quando, no julgamento do RE 343.446-2/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de 04.04.2003, analisou a constitucionalidade de dispositivos então vigentes da Lei nº 7.787, de 1999, e da Lei nº 8.212, de 1991, e concluiu que não eram inconstitucionais, porque definiam, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida, deixando para o regulamento apenas delimitar o que seria “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”.
Mencionada C. Corte decidiu no mesmo sentido, conforme as Informações da Autoridade apontada como coatora, no julgamento do AI-AgR 439713/MG, rel. Min. Celso de Melo, 2ª Turma, DJ de 14.11.2003.
Nessa mesma esteira seguiu o E. Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, dos quais destaco o que segue:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. LEI Nº 8.212/91, ART. 22, II. DECRETO N.º 2.173/97. ALÍQUOTAS. FIXAÇÃO PELOS GRAUS DE RISCO DA ATIVIDADE PREPONDERANTE DESEMPENHADA EM CADA ESTABELECIMENTO DA EMPRESA, DESDE QUE INDIVIDUALIZADO POR CNPJ PRÓPRIO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. A Primeira Seção assentou que: A Lei nº 8.212/91, no art. 22, inciso II, com sua atual redação constante na Lei nº 9.732/98, autorizou a cobrança do contribuição do SAT, estabelecendo os elementos formadores da hipótese de incidência do tributo, quais sejam: (a) fato gerador — remuneração paga, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos; (b) a base de cálculo — o total dessas remunerações; (c) alíquota — percentuais progressivos (1%, 2% e 3%) em função do risco de acidentes do trabalho. Previstos por lei tais critérios, a definição, pelo Decreto n. 2.173/97 e Instrução Normativa n. 02/97, do grau de periculosidade das atividades desenvolvidas pelas empresas não extrapolou os limites insertos na referida legislação, porquanto tenha tão somente detalhado o seu conteúdo, sem, contudo, alterar qualquer daqueles elementos essenciais da hipótese de incidência. Não há, portanto, ofensa ao princípio da legalidade, posto no art. 97 do CTN, pela legislação que institui o SAT - Seguro de Acidente do Trabalho. (EREsp 297215 / PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 12.9.2005). 2. A Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência da Corte, no sentido de que a alíquota da contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT, de que trata o art. 22, II, da Lei n.º 8.212/91, deve corresponder ao grau de risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento da empresa, individualizado por seu CNPJ. Possuindo esta um único CNPJ, a alíquota da referida exação deve corresponder à atividade preponderante por ela desempenhada (Precedentes: ERESP nº 502.671/PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10.8.2005; EREsp n.º 604.660/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1.7.2005 e EREsp n.º 478.100/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28.2.2005). Incidência da Súmula 351/STJ. 3. A alíquota da contribuição para o seguro de acidentes do trabalho deve ser estabelecida em função da atividade preponderante da empresa, possuidora de um único CNPJ, considerada esta a que ocupa, em cada estabelecimento, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos, nos termos do Regulamento vigente à época da autuação (§ 1º, artigo 26, do Decreto nº 612/92). 4. Vale ressaltar que o reenquadramento do pessoal administrativo em grau de risco adequado e a estipulação da alíquota devida, assentados pela instância ordinária com fundamento na prova produzida nos autos, decorre de enquadramento tarifário, restando, assim, inviável o exame da matéria pelo E. STJ, a teor do disposto na Súmula 7, desta Corte, que assim determina:"A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 5. Agravo regimental não-provido".
Mas, agora, como também argumentam com pertinência as Impetrantes, o Legislador Ordinário foi mais longe ainda e autorizou o Poder Executivo a majorar a alíquota do tributo em até 100%, sem base em qualquer regra constitucional.

2. Da Questão no Sistema Tributário Brasileiro

Tenho que, data maxima venia do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, até mesmo para definir o alcance do que é “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”, não se poderia deixar a critério do Poder Executivo, por ser o dirigente máximo da União, titular do sujeito ativo da obrigação tributária, pelo que lhe falta isenção necessária para tomar qualquer decisão sobre elementos essenciais da base de cálculo dessa contribuição, sobretudo nestes tempos de ânsia do Estado Brasileiro por receitas.
Note-se que na quaestio ora sob análise, o Poder Executivo sentiu-se à vontade com o entendimento acima indicado do C.Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, e então avançou, atropelando regras constitucionais do sistema tributário nacional, auto autorizando-se, via Medida Provisória nº 82, de 2002, a majorar a alíquota do tributo sob análise em até 100%, quando se sabe que o Legislador Constituinte deu essa autorização, observados limites e condições fixados em Lei, apenas para os tributos arrolados no § 1º do art. 153 da Constituição da República. E, tendo maioria no Congresso Nacional, extraiu deste a homologação da sua auto autorização, mediante transformação da referida Medida Provisória na indigitada Lei nº 10.666, de 08.05.2003.
A respeito de qualquer delegação ao Poder Executivo no campo tributário, já tive oportunidade de escrever: “...a lei formal deve delinear com certo rigor esse “poder normativo do Executivo”, não lhe dando abertura para instituição de tributo, porque, como vimos acima, o princípio da legalidade figura como garantidor mínimo de liberdades dos contribuintes, de forma que, para sua segurança jurídica, as eventuais indeterminações da lei devem ser esclarecidas pela doutrina e pelo Poder Judiciário, nunca pelo Poder Executivo, por lhe faltar a indispensável imparcialidade”.

3. Breve Histórico Legal

Eis um breve histórico legal do problema:
Atualmente, a Lei nº 8.212, de 24.07.1991, estabelece no inciso II do seu art. 22:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 6
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
O § 3º desse dispositivo legal dá poderes ao Ministério do Trabalho para apuração do enquadramento de cada contribuinte:
§ 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.
E, como já dissemos, a Lei nº 10.666, de 2003, no seu art. 10, foi mais longe ainda:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Mencionada alteração legal gerou modificações do respectivo regulamento, ou seja, no art. 202-A e respectivos parágrafos do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que ficaram com a seguinte redação:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 1o O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 2o Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 3º - (Revogado pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 4o Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 5o O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 7o Para o cálculo anual do FAP, serão utilizados os dados de janeiro a dezembro de cada ano, até completar o período de dois anos, a partir do qual os dados do ano inicial serão substituídos pelos novos dados anuais incorporados. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
§ 8o Para a empresa constituída após janeiro de 2007, o FAP será calculado a partir de 1o de janeiro do ano ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 9o Excepcionalmente, no primeiro processamento do FAP serão utilizados os dados de abril de 2007 a dezembro de 2008. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 10. A metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice composto do FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
E máquina burocrática continuou com a implementação do referido dispositivo legal: o Conselho Nacional de Previdência Social, com base nas novas regras do Regulamento, baixou a Resolução CNPS nº 1.308, de 27.05.2009, cujo anexo foi alterado pela Resolução nº 1.309, de 24.06.2009.
Note-se que todas essas alterações no direito positivo infra-constitucional vieram após os julgados acima referidos das duas maiores Cortes do País.

4. Os Atos Infra-Constitucionais x Princípios Positivados ou Não e a Cláusula Pétrea

Os princípios da determinação e da segurança jurídica orientam no sentido de que todos os elementos da denominada obrigação tributária principal observem o princípio da legalidade, ou seja, tenham o delineamento em Lei e não em atos infralegais, porque nesse sentido é a expressa regra do inciso I do art. 150 da Constituição da República, que, por sapiência do Legislador Constituinte, encontra encartada em uma Seção dessa Carta denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”, título esse claramente inspirado no título de uma obra de um dos nossos maiores tributaristas, o saudoso ALIOMAR DE ANDRADE BALEEIRO, autor do livro “Limitações ao Poder de Tributar”.
É verdade que, como o direito faz parte das denominadas ciências humanas, haverá sempre um item de indeterminação na delimitação da obrigação tributária e, como exemplo, temos alguns itens da Lei Complementar nº 116, de 2003, nos quais são utilizadas expressões tais como “similar”, “do mesmo gênero”, etc. Mas, tratam-se de indeterminações aceitáveis, porque passíveis de enquadramento pela doutrina e pela jurisprudência.
No entanto, é altamente perigoso para os contribuintes que a Lei Ordinária delegue ao Poder Executivo e este a seus Órgãos a delimitação da parte mais importante da obrigação tributária, o modo pelo que se forma partes do núcleo da obrigação tributária, o valor tributável, e agora também a majoração da alíquota em até 100%(cem por cento).
Isso só pode ser admitido excepcionalmente e apenas quando expressamente autorizado pelo Legislador Constituinte originário, como, conforme já vimos, aconteceu com os tributos arrolados no § 1º do art. 153 da vigente Constituição da República.
E a Constituição da República, neste particular, não pode sequer ser alterada para majorar o rol desse seu dispositivo, porque se trata de matéria que envolve as garantias e direitos individuais, portanto, abrangida pela cláusula pétrea do inciso IV do § 4º do art. 60 dessa Carta e, como se sabe, o C.Supremo Tribunal Federal assim já decidiu, quando considerou inconstitucionais diversos dispositivos da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, quando se tentou afastar a aplicação dos princípios da legalidade e da anterioridade do exercício no caso do extinto Imposto sobre Movimentação Financeira-IPMF.

Conclusão

POSTO ISSO, incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, na parte em que autoriza a majoração em até 100% da alíquota da contribuição ali referida por regra regulamentar, e todos os atos infra-legais dela decorrentes e acima referidos, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental, concedo a segurança, autorizando as Impetrantes a continuar recolhendo referida contribuição na alíquota e base de cálculo praticadas antes das alterações da legislação decorrentes do referido art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, e determinando à Autoridade apontada como coatora que se abstenha de autuar as Impetrantes por essa prática, sob as penas das Leis administrativas e criminais.
Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do C.Supremo Tribunal Federal)
Após o trânsito em julgado, caso a União não tenha se utilizado dos valores depositados pelas Impetrantes, como lhe permite a legislação em vigor, que se libere tais valores, a favor das Impetrantes, via alvará deste juízo. Todavia, se a União já utilizou desses valores, que sejam restituídos às Impetrantes, por quem de direito, na forma da respectiva legislação, sob as penas das Leis administrativas e criminais.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição e determino que seja dada ciência à Autoridade do inteiro teor desta Sentença, bem como sejam efetuadas as demais intimações determinadas por Lei.

P. R. I.

Recife, 15 de abril de 2010.

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Juiz Federal da 2ª Vara – PE

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Síntese de Dois Princípios de Direito Financeiro

Por Francisco Alves dos Santos Jr.



Breves Notas Introdutórias

Originariamente, principalmente no período clássico, os princípios de direito financeir tinham a finalidade de controle financeiro do Executivo pelo poder econômico privado, por meio do Poder Legislativo. Atualmente, não se afasta de todo essa finalidade, mas a tendência mais forte consiste no aprimoramento social e da gestão das contas públicas.
Os princípios de direito financeiro encontram-se incorporados no ordenamento jurídico, desde a Constituição da República, passando por Leis, Decretos e etc, incorporação essa, quanto aos dois primeiros diplomas, realizada pelo Poder Legislativo, agora como representante do meio social e não mais apenas do poder econômico, pelo menos teoricamente.
Há princípios que não estão positivados, mas são tão ínsitos a esse ramo do direito, que são naturalmente observados.
Eis uma pequena síntese de dois princípios, que, pensando numa moeda, correspndem às suas duas faces.

Princípio da Exclusividade

Veta a discussão de assuntos alheios ao orçamento na Lei Orçamentária.
Impede a existência das caudas orçamentárias ou dos "rabilongos", assim chamados pelo saudoso-genial baiano Rui Barbosa, que foram expressamente vedados na Reforma Constitucional de 1926. Caudas ou "rabilongos", porque vinham inseridos no final da Lei do orçamento anual, tais como nomeação de parentes, de amigos ou de simples afilhados políticos, modificações das leis civis, para favorecimento de determinadas pessoas, e etc.
Esse princípio, incorporado no ordenamento jurídico pela noticiada reforma constitucional de 1926, encontra-se agasalhado, atualmente, no parágrafo 8º do artigo 165 da vigente Constituição, com poucas exceções, com a seguinte redação: “Art. 165 – (...). § 8º – A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.”
Assim, não se pode colocar, nas Leis orçamentárias, como se fazia antes de 1926, quaisquer assuntos que sejam diversos de receitas, despesas,operações de crédito, créditos públicos, ou antecipação de receitas.

Princípio da Universalidade

Aqui está a outra face da moeda. Todas as receitas e despesas devem ser incluídas na Lei do Orçamento (art. 2º da Lei nº 4.320/64 e § 5º do art. 165 da Constituição), devendo constar no valor bruto, sem dedução ou compensação (art. 6º da Lei nº 4.320/64).
Incluem-se até as receitas não previstas, como as receitas de impostos instituídos após a aprovação da Lei Orçamentária (final do art. 57 da Lei nº 4.320/64).
Visível sua finalidade de consolidação ou totalização das contas públicas para conhecimento dos reflexos da atividade financeira estatal na economia, volume da pressão fiscal, participação do Estado na vida nacional e etc.(art. 111 da Lei nº 4.320/64).
Outras influências desse princípio no Brasil: Secretaria do Tesouro Nacional; Conta Única do Tesouro com Administração do Respectivo Caixa Centralizado (quanto a essa centralização, v. regulamentação na Medida Provisória nº 2.170, de 23.08.2001, ato legal que continua válido, por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001).


Observação: No nosso livro, "Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro", 1ª edição de 2008, publicado pela Editora Livro Rápido, à venda na Livraria Imperatriz, na cidade do Recife-PE, ou no site www.livrorapido.com.br, consta um capítulo inteiro sobre todos os princípios de direito financeiro.