domingo, 28 de maio de 2017

O REMÉDIO DA USP, FOSTOETANOLAMINA SINTÉTICA, CONTRA O CÂNCER. JUDICIALIZAÇÃO DOS PROBLEMAS DA SAÚDE PÚBLICA

Por Francisco Alves dos Santos 


O famoso remédio contra câncer, criado por um cientista da USP, ainda não aprovado pela ANVISA, tampouco incorporado no rol de remédios que devem ser fornecidos pelo SUS, não pode ter o seu fornecimento determinado pelo Poder Judiciário, sobretudo depois que a Lei que o aprovou teve a sua aplicação suspendida pelo Supremo Tribunal Federal. 

Na sentença que segue, essa delicado assunto é discutido. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0802224-66.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR) 


Sentença tipo B, registrada eletronicamente.


EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SUS. FORNECIMENTO DE REMÉDIO NÃO APROVADO PELA ANVISA, NEM ARROLADO NOS PROCEDIMENTOS DO SUS. LEI SUSPENSA PELO STF.
Merece ser mantido entendimento firmado em decisão inicial, na qual se negou tutela provisória de urgência antecipatória, relativa a pedido de fornecimento de remédio não aprovado pela ANVISA, tampouco arrolado em procedimentos do SUS, embora posteriormente aprovado por Lei, cuja aplicação foi e continua suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Improcedência



Vistos, etc.






1. Relatório




A G DA S, assistida pela Defensoria Pública da União propôs esta ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação da tutela em face da UNIÃO e do ESTADO DE PERNAMBUCO. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e da prioridade na tramitação, bem como a dispensa da audiência de preliminar prevista no art. 334, § 3º, inciso II, do NCPC. Alegou, em síntese, que: a) é portadora de Neoplasia Maligna de Mama (CID-C50) em estágio avançado, apresentado metástases ósseas disseminadas, conforme declarado pelos laudos médicos (NUM: 4058300.1828083, NUM: 4058300.1828079, NUM: 4058300.1828073 e NUM: 4058300.1828106), já tendo feito uso de todos os tratamentos médicos e fármacos disponíveis; b) devido à fase em que se encontrava a enfermidade, fora submetida a vários procedimentos médicos no intuito de alcançar a diminuição e controle do tumor, dentre eles, tratamento quimioterápico isolado, com fins paliativos e que visavam controlar e estabilizar a doença, bem como melhorar a qualidade de vida da paciente; c) mesmo assim, não houve qualquer significativa melhora no quadro da doença, contando-se, então, a falência terapêutica; d) devido aos insucessos dos tratamentos terapêuticos convencionais, a médica Dra Janine Aquino (CRM: 10.721), destacou que o caso da ora Autora é de clara falência terapêutica, de modo que a única alternativa viável seria a utilização da Fosfoetanolamina Sintética; e) por essa razão, a referida profissional da saúde prescreveu à Autora o uso de 01 (uma) cápsula, três vezes ao dia, inicialmente por 06 (seis) meses, da substância FOSTOETANOLAMINA SINTÉTICA (NUM: 4058300.1828054), considerando a narrada eficácia dessa substância no tratamento de pacientes com câncer, ainda em fase experimental; f) pela gravidade da doença, e em restando provada a falência de todos os tratamentos convencionais e, portanto, a necessidade da substância pleiteada, propôs a presente ação para que o Poder Judiciário cumpra sua função de garantir o seu direito à saúde e à vida digna. Instruiu a inicial com documentos.



Decisão, acostada sob identificador nº 4058300.1830579, na qual se indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência de antecipação..



A Autora, pela DPU, opôs Embargos de Declaração alegando omissão quanto à existência de um projeto de lei  favorável à tese autoral. (Id. 4058300.1883678).



O Estado de  Pernambuco defendeu a impossibilidade jurídica do pedido, bem como a decretação de  improcedência dos Embargos de Declaração opostos pela autora (Id. 4058300.1929968).



O Estado de Pernambuco apresentou Contestação, aduzindo, em apertada síntese, a impossibilidade de cumprimento da pretensão, bem como a sua ilegitimidade passiva. No mérito, arguiu a ausência de testes clínicos para comprovação do alegado. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.1939344).



A União apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam e litisconsórcio necessário com relação ao UNACON/CACON. No mérito, defendeu a inexistência de comprovação da imprestabilidade do tratamento disponibilizado pelo SUS.  Teceu comentários acerca das especificidades do tratamento oncológico. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.1950488).



Exarada decisão negando provimento aos Embargos de Declaração acima referidos (Id. 4058300.2521210).



A Autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos das contestações e reiterando os termos da Inicial  (Id. 4058300.2913036).



Vieram-me os autos conclusos para julgamento.



É o relatório, no essencial.



Passo a decidir.




2. Fundamentação


2.1. Da inexistência da prevenção acusada pelo Sistema PJE 




Inicialmente, afasto a prevenção acusada pelo sistema PJE, uma vez que não há identidade de pedidos, nem tampouco risco de prolação de decisões conflitantes.




2.2 - Matérias Preliminares




2.2.1 - O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm firme jurisprudência, no sentido de que podem figurar no polo passivo de ações como esta, envolvendo o sempre delicado assunto relativo à saúde pública, tanto a UNIÃO, como os Estados, Distrito Federal e Municípios, isolada ou conjuntamente, porque, no entender dessas Cortes, todos têm responsabilidades pela saúde pública brasileira.



Nessa esteira de raciocínio, tenho que não devem ser acolhidas as preliminares de ilegitimidade passiva das contestações da UNIÃO e do Estado de Pernambuco.



2.2.2 - Há de ser igualmente rejeitada a preliminar com relação à necessidade do UNACON/CACON compor a lide, porque não há dispositivo legal prevendo tal obrigatoriedade, ficando a critério da parte autora a formação do mencionado litisconsórcio passivo facultativo.



2.2.3 - A Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, condição essa não prevista no NCPC,  levantada pelo Estado de Pernambuco se confunde com o mérito, razão pela qual será apreciada no momento oportuno.




2.3. Do mérito propriamente dito




Conforme consta do site do Supremo Tribunal Federal - STF, vê-se que foi veiculada, em 19/05/2016, a seguinte notícia acerca do medicamento pleiteado nestes autos (in http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317011):



"STF suspende eficácia da lei que autoriza uso da fosfoetanolamina

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu nesta quinta-feira (19) medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5501 para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016 e, por consequência, o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como "pílula do câncer". A lei autoriza o uso da substância por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.

A Associação Médica Brasileira (AMB), autora da ação, sustenta que diante da ausência de testes da substância em seres humanos e de desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais como o direito à saúde (artigos 6° e 196), o direito à segurança e à vida (artigo 5°, caput), e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, inciso III). (GN).".



Assim, à luz dos argumento da decisão deste Juízo, sob identificador 4058300.1830579, na qual o pedido de concessão liminar de tutela provisória de urgência de antecipação foi negado, e dos argumentos da veneranda decisão do Supremo Tribunal Federal, acima invocada, suspendendo os efeitos da Lei que aprovou o medicamento em debate, tenho que o feito deva ser julgado improcedente, quer pelo fato de que o Judiciário não pode obrigar a Administração Pública a fornecer remédio ainda não provado pela ANVISA, e também não arrolado entre os remédios que o SUS é obrigado a fornecer gratuitamente, quer pelo fato de que a referida Lei, que autorizou a venda do mencionado medicamento, em face de fortes indícios de inconstitucionalidade, ter tido a sua aplicação suspensa pelo Plenário da mencionada Suprema Corte do Brasil. 




3. Conclusão




Posto isso, afasto as preliminares suscitadas e julgo improcedentes os pedidos desta ação e, sob a condição do § 3º do art. 98 do NCPC, condeno a Parte Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em R$ 5.000,00(cinco mil reais), pro rata, com correção monetária segundo as regras do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, acrescidos de juros de mora, à razão de 0,5%(meio por cento)ao mês, incidentes a partir da data do trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que a mantenha(§ 16 do art. 85 do NCPC). 

A Secretaria deve fazer as anotações pertinentes no sistema para os fins consignados no item 2.1 supra.



Registre-se. Intimem-se.




Recife, 28 de maio de 2017




Francisco Alves dos Santos Júnior




Juiz Federal, 2ª Vara/PE