sábado, 12 de fevereiro de 2022

COTAS SOCIAIS PARA O ENSINO PÚBLICO SUPERIOR.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Nova decisão, com outros argumentos, tratando do delicado assunto Cotas Sociais para o Ensino Público Superior. 

Boa Leitura. 


PROCESSO Nº: 0801927-49.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M C C G E A e outro
ADVOGADO: M N C B H
IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



D E C I S Ã O 

1. Breve Relatório

M C C G e A e S C C G, qualificadas na Inicial, impetraram MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA  em face do pelo Magnífico Reitor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE). Aduziram, em síntese, que: teriam participado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, no Ano de 2021, inscrições sob os números 211018998180 (Maria Costa) e 211019037517 (Sonja Costa); frente à publicação do Termo de Adesão da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE ao Sisu - Sistema de Seleção Unificada, 1ª edição de 2022, realizado pelo Ministério da Educação - MEC, Secretaria de Educação Superior - SESu, as Impetrantes teriam almejado efetuar suas respectivas inscrições para concorrerem ao curso de Medicina, no campus 1153 - Campus Universitário Cidade do Recife (Recife, PE), e/ou ao curso de Medicina, no campus 1051633 - Agreste Caruaru (Caruaru, PE);  conforme Termo de Adesão que segue anexo, a aludida instituição de ensino superior, nos mencionados campi, teria decidido adotar bônus de até 7% e 10% na nota, em razão de "Ações Afirmativas da IES";  em razão da aludida bonificação ilegal, não teria restado, no âmbito da UFPE, relativamente à seleção de candidatos para vagas no curso de Medicina por meio do Sisu, sequer uma única vaga para a ampla concorrência livre de bônus, não existindo na realidade essa modalidade, já que para o Campus Cidade Universitária - Recife, os candidatos que cursaram e concluíram todo o ensino médio (B6305) em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, e/ou aqueles que cursaram e concluíram, no mínimo, 2/3 do ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco (B6306), teriam insuperável vantagem em relação àqueloutros que não estudaram em escolas do valoroso estado de Pernambuco; para o ingresso de candidatos no curso de Medicina da UFPE, campus do Agreste Caruaru (Caruaru, PE), também teria previsto o Termo de Adesão da UFPE ao Sisu 2022.1 a bonificação para aqueles que teriam estudado em escolas regulares e presenciais situadas nas mesorregiões da Zona da Mata pernambucana e do Agreste pernambucano;   por ser desarrazoada e ilegal referida bonificação é que estaria impetrando esse mandamus; tais critérios de bonificação regional, previsto na referida Resolução nº 23/2021 - CEPE/UFPE, e, portanto, adotado no Termo de Adesão, não estaria proporcionado a concorrência isonômica entre os candidatos, tendo em vista que a UFPE teria adotado referida "política de ação afirmativa" de inclusão regional com relação à totalidade das vagas disponibilizadas à "ampla concorrência", alcançando, destarte, todas as 70 (setenta) vagas de ampla concorrência no campus de Recife, além das 40 (quarenta) vagas para ampla concorrência no campus do Agreste Caruaru; a bonificação instituída pela UFPE, que levaria em conta tão-somente o critério regional/geográfico (são agraciados com acréscimo na nota final do ENEM os candidatos que tenham cursado o ensino médio em escolas situadas no Estado de Pernambuco) implicaria, de fato, o pleno tolhimento de oportunidade de concorrência para candidatos que não tivessem cursado o ensino médio em escolas presenciais e regulares situadas no Estado de Pernambuco; as impetrantes, por terem cursado parte do Ensino Fundamental, e a integralidade do Ensino Médio, no Estado do Piauí, à luz do injusto e desigual regramento contido na Resolução nº 23/2021 - CEPE e contemplado no Termo de Adesão, não fariam jus ao aludido bônus, mesmo concorrendo às mesmas vagas que os concorrentes "bonificados" na mesma série classificatória; o critério meramente geográfico não poderia, à luz da Constituição da República, notadamente do Princípio da Igualdade, ser utilizado como justificativa ao estabelecimento de bonificações que, sem dúvida, implicariam a concessão de PRIVILÉGIOS a uns em detrimento d'outros; o termo de adesão, ao adotar a bonificação (acréscimo na nota - argumento de inclusão regional para efeito de classificação quanto ao SISU na UFPE) relativamente a todas as vagas de ampla concorrência (no caso do curso de medicina, nos campi Universitário Cidade do Recife e Agreste Caruaru, um bônus de 7% e 10%, respectivamente, de acréscimo na nota final aos candidatos que cursaram e concluíram todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais, bem como residirem nas mesorregiões pernambucanas, estaria excluindo a possibilidade de ampla concorrência, isto é, afastando a possibilidade de candidatos que não tenham cursado todo o ensino médio em escola situada no Estado de Pernambuco, de concorrerem a uma vaga no curso de medicina na UFPE. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"- Seja concedida TUTELA DE URGÊNCIA, inaudita altera pars, para conceder às Impetrantes, os mesmos bônus de 7% (sete por cento - Campus Recife) ou 10% (dez por cento - Campus Caruaru) nas notas obtidas pelas  Impetrantes, de modo a possibilitar-lhes concorrer, de maneira efetiva e isonômica, às vagas para a graduação em Medicina, em quaisquer dos campi onde tal curso é oferecido, no âmbito da UFPE;

- OU, alternativamente, a concessão da liminar inaudita altera pars, reconhecendo a ilegalidade do ato da Autoridade Coatora, consubstanciado no critério de inclusão regional instituído no Termo de Adesão, 1ª Edição de 2022, da UFPE, para que sejam anulados, sendo vedada a utilização do bônus regional;

- A concessão definitiva do bônus de 7% (sete porcento - Campus Recife) ou 10% (dez por cento - Campus Caruaru) sobre as notas obtidas pelas Impetrantes ou a anulação definitiva do critério de inclusão regional;

- Seja intimada a Autoridade Coatora, bem como a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE para, no prazo legal, apresentar as informações que julgar conveniente. - Findo o prazo a que se refere o inciso I, do art. 7, da Lei 12.016/2009, seja ouvido o representante do Ministério Público;

- Seja ouvido o Representante do Ministério Público competente.

Seja, ao final, julgado procedente o presente mandamus, confirmando o provimento liminar requerido.".

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão da medida liminar, conforme consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.2 - O cerne da questão é análise da constitucionalidade, legalidade da Resolução nº 23/2021 - CEPE , que prevê o seguinte:

Bônus na nota

- Ações Afirmativas

"(...) B6305 - Candidatos para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído TODO o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco Para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído TODO o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco: 1. CÓPIA DIGITALIZADA DO DOCUMENTO ORIGINAL (EM FORMATO PDF, JPEG OU PNG): I - Documento oficial de identidade válido com foto: RG, CNH, passaporte; II - Cadastro de Pessoa Física (CPF), dispensável caso conste na carteira de identidade; III - Certidão de Nascimento ou Casamento; IV - Certificado de Reservista ou Atestado de Alistamento Militar para brasileiros maiores de 18 anos do sexo masculino; V - Histórico Escolar e Certificado de Conclusão do Ensino Médio constando os três anos. VI - Certidão de Quitação Eleitoral fornecida pelo órgão da Justiça Eleitoral ou obtida através do endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (http://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/certidoes/certidao- dequitacao-eleitoral) para brasileiros maiores de 18 anos; VII - 1 (uma) foto 3x4. Obs.1: A entrega de documentos ocorrerá exclusivamente de forma remota, conforme especificada no Edital de Matrícula próprio da UFPE, de acordo com as condições sanitárias no estado de Pernambuco no contexto da pandemia de Covid-19. Obs 2: Os candidatos que forem possíveis beneficiários tanto do argumento de inclusão regional, previsto em Resolução nº 23/2021 (CEPE/UFPE), quanto da política de reserva de vagas definida na Lei nº 12.711/2012, deverão optar, no ato da inscrição, por uma dessas duas ações afirmativas, não sendo permitida a sua aplicação cumulativa. Obs 3: Os candidatos que participaram do programa de intercâmbio estadual "GANHE O MUNDO" não têm direito ao argumento de 7%, mas sim ao de 3%, conforme a Resolução 23/2021 CEPE-UFPE.".

"B6306 - Candidatos para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído, NO MÍNIMO, 2/3 DO ENSINO MÉDIO (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco. Para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído, NO MÍNIMO, 2/3 DO ENSINO MÉDIO (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco. 1. CÓPIA DIGITALIZADA DO DOCUMENTO ORIGINAL (EM FORMATO PDF, JPEG OU 3/32 4 PNG): I - Documento oficial de identidade válido com foto: RG, CNH, passaporte; II - Cadastro de Pessoa Física (CPF), dispensável caso conste na carteira de identidade; III - Certidão de Nascimento ou Casamento; IV - Certificado de Reservista ou Atestado de Alistamento Militar para brasileiros maiores de 18 anos do sexo masculino; V - Histórico Escolar e Certificado de Conclusão do Ensino Médio constando os três anos. VI - Certidão de Quitação Eleitoral fornecida pelo órgão da Justiça Eleitoral ou obtida através do endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (http://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/certidoes/certidao-dequitacao-eleitoral) para brasileiros maiores de 18 anos; VII - 1 (uma) foto 3x4. Obs.1: A entrega de documentos ocorrerá exclusivamente de forma remota, conforme especificada no Edital de Matrícula próprio da UFPE, de acordo com as condições sanitárias no estado de Pernambuco no contexto da pandemia de Covid-19. Obs 2: Os candidatos que forem possíveis beneficiários tanto do argumento de inclusão regional, previsto em Resolução nº 23/2021 (CEPE/UFPE), quanto da política de reserva de vagas definida na Lei nº 12.711/2012, deverão optar, no ato da inscrição, por uma dessas duas ações afirmativas, não sendo permitida a sua aplicação cumulativa. Obs 3: Os candidatos que participaram do programa de intercâmbio estadual "GANHE O MUNDO" terão direito ao argumento de 3%, conforme a Resolução 23/2021 CEPE-UFPE.".

A reserva de cotas no Ensino Superior Público, ora debatida, corresponde a uma das vertentes das "ações afirmativas" e "tutelas étnico-sociais", cujo objetivo é a criação de dispositivos ativos para realizar o princípio da igualdade, tratando os desiguais desigualmente, bem como os princípios da proporcionalidade e de proteção das minorias, no campo econômico-financeiro, social, de gênero e  étnico. 

Trata-se da real concretização desses princípios e das respectivas regras constitucionais estruturadoras. 

As pessoas contemplada pelas referidas normas administrativas infralegais, decorrentes da superestrutura constitucional, plasmada na Lei n.º 12.711/2012), enquadram-se entre aquelas que, segundo essa Lei, tiveram, em suas vidas, reduzidas as chances de acesso ao Ensino Público Superior, quando ainda na fase do Ensino Fundamental e Médio.

Trata-se de clara compensação social, autorizada em diversos dispositivos da vigente Constituição da República, concretizadas nessa Lei e nas debatidas normas administrativas, à luz dos princípios já invocados, principalmente do destacado  princípio de proteção das minorias.[1]

Com efeito, a Lei n.º 12.711/2012 definiu que 50% das vagas dos cursos de universidades públicas federais são destinadas como cotas para pessoas que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e que 50% das vagas das Instituições de ensino técnico de nível médio são destinados como cotas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas.

Definiu, ainda, que as vagas reservadas para a cota de 50% de alunos oriundos de escolas públicas serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a Instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

No caso concreto, verifica-se ainda que a Resolução n.º 23/2021, do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFPE, foi devidamente editada com base no artigo 5º, §3º, do Decreto nº 7.824/2012, o qual regulamentou a Lei de Cotas Federal (Lei n.º 12.711/2012), nos seguintes termos:

"Art. 5º Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de educação de que trata este Decreto indicarão, de forma discriminada, por curso e turno, o número de vagas reservadas.

omissis 

§ 3 º Sem prejuízo do disposto neste Decreto, as instituições federais de educação poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares ou de outra modalidade."(Destaquei).

Nesse sentido,  a citada Resolução criou "cotas regionais", consistente no acréscimo de 10% na nota final do ENEM aos candidatos que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, nos seguintes termos:

"Art. 2º O Argumento de Inclusão Regional será mantido no Sistema de Seleção Unificada (SiSU) para ingresso na UFPE da seguinte forma:

I - para os cursos de Vitória e Caruaru, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais das mesorregiões da Zona da Mata Pernambucana e do Agreste Pernambucano, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula;

II - para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula;

III - para os cursos de Vitória, Caruaru, aos/as candidatos/às que tiverem cursado e concluído no mínimo 2/3 do ensino médio (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais das mesorregiões da Zona da Mata Pernambucana e do Agreste Pernambucano, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula; e IV - para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído no mínimo 2/3 do ensino médio (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula."

Da análise dos dispositivos constitucionais, legais e infralegais que tratam da matéria, conclui-se que não houve violação ao princípio da adequação entre os meios e os fins (art. 2, VI, da Lei n. 9.784/99),  princípio esse que tem que ser sopesado com os temperos dos acima invocados princípios da igualdade, proporcionalidade e de proteção das minorias.

Ausente, portanto, o fumus boni iuris. 

Deixo de tecer qualquer consideração quanto ao periculum in mora. porque só caberia a concessão de medida liminar se aquele e este requisito se fizessem presentes simultaneament, com a ausência daquele resta afastada a possibilidade da concessão de tal medida. 

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto:

3.1 - Indefiro o pedido de concessão de medida liminar.

3.2. - Determino seja notificada  a DD Autoridade Impetrada para prestar as devidas informações legais,  no prazo de 10 (dez) dias, tudo conforme o art. 7º, I e II, da Lei 12.016/2009.

3.3. Cientifique-se, ainda, a UFPE, pessoa jurídica à qual a Magnífica Autoridade apontada como coatora encontra-se vinculada, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.4.   Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal para o r. parecer (art. 12 da Lei nº 12.016/2009).

Cumpra-se. Intimem-se.

Recife, 12.02.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


_______________________________________________

[1] O Legislador Constituinte, visando diminuir as disparidades regionais, autorizou, até mesmo no campo macro orçamentário o tratamento desigual entre as Micro Regiões do Pais, exatamente para tratar desigualmente os desiguais, regra máxima do princípio da igualdade, conforme se vê no § 1º do art. 165 da vigente Carta Magna, verbis:

"Art. 165 - (...).

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.".

De forma que nas Leis quadrienais dos Planos Plurianuais as regiões mais pobres são contempladas com maiores investimentos. 

Obs.: Registre-se que esse dispositivo decorreu de Emenda do então Senador Constituinte Marco Maciel. 

Aliás, esse falecido Político Pernambuco, quando a vigente Constituição de 1988, completou a idade de 20(vinte) anos, escreveu um artigo(Jornal Folha de São Paulo, 05.10.2008, coluna OPINIÃO, TENDÊNCIAS/DEBATES, Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0510200809.htm), no qual, quanto à matéria em foco neste processo, destacou que na mencionada Carta as tutelas sociais não ficaram à margem, verbis:

"A tutela dos direitos sociais, anote-se, está devidamente resguardada, inclusive pelo princípio de proteção das minorias, como crianças e adolescentes, idosos e índios, e o estabelecimento da igualdade étnica.".

Note-se que não se trata de tendência comunista, como alguns apregoam, pois longe dessa vertente estava o  mencionado d. Político Pernambuco, eis que altamente conservador, com carreira política no seio do Regime Militar(1964-1985). Trata-se, sim, da prática da denominada Justiça Social, à luz dos princípios invocados no texto da decisão supra e nas regras estruturadoras da vigente Constituição de 1988.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

BPC. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO DO SEU PEDIDO. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Qual o prazo razoável para que a Gerência Executiva do INSS aprecie o pedido de concessão do benefício da Lei 8.472, de 1993, a LOAS?

Como a Lei que dele trata não fixou prazos, tenho entendido que se aplicam os prazos da Lei 9.784, de 1999, que traça regras gerais sobre o Processo Administrativo. 

Na decisão que segue, essa matéria e dissecada e trata também dos procedimentos para a concessão do BPC - Benefício de Prestação Continuada, regido pela mencionada LOAS. 

Boa leitura. 



 PROCESSO Nº: 0801866-91.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: M X P
ADVOGADO: Bartolomeu Bezerra Da Silva e outro
IMPETRADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AUTORIDADE COATORA: GERENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


 

DECISÃO

 

1. Relatório

M X P, qualificada na petição inicial, impetrou, em 08/02/2022, este mandado de segurança com pedido de liminar em face de ato que teria sido praticado pelo GERENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em Recife/PE, localizado na Avenida Mário Melo, nº 343, Santo Amaro, CEP 50040-010. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: em 27/10/2021 teria protocolado o requerimento de concessão de Benefício Assistencial ao Idoso; o pedido não fora analisado pela Autarquia Previdenciária e o prazo previsto para manifestação teria sido extrapolado. Teceu outros comentários e requereu a concessão de tutela de urgência para que seja determinada, "... liminarmente, a imediata análise do pedido administrativo de concessão do benefício assistencial ao idoso, formulado pelo Impetrante, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), com fulcro no parágrafo primeiro do artigo 536 do Código de processo civil". No mérito, requereu: "a)    Seja a autoridade impetrada notificada para prestar as informações que entender pertinente; b)    Seja concedido a Impetrante o beneplácito da assistência judiciária gratuita, por ser pobre no sentido legal; c)    A concessão da segurança, confirmando a liminar, condenando a autoridade impetrada a promover o julgamento do requerimento protocolado pela segurada, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais); d)    A notificação do Ministério Público Federal." Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 - Ressalto, inicialmente, que não há, no caso concreto, a decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, porque o ato atacado neste writ é omissivo, consistente na inércia na análise do requerimento administrativo do(a) impetrante, sendo que os efeitos dessa omissão são continuados e se protraem no tempo; portanto, renova-se de forma continuada o prazo de 120 (cento e vinte) dias previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009 (STJ, AgRg no RMS 31213/PE; TRF2, AC 00015429320144025101).

2.2 - O benefício da assistência judiciária merece ser concedido, provisoriamente, podendo a Parte do polo passivo impugnar ou não essa concessão.

2.3 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora caberá concessão de medida liminar, conforme consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.4 - Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo teria sido violado por ato do INSS, eis que não teria sido apreciado o seu requerimento administrativo em prazo razoável, em consonância com a própria legislação de regência.

Pois bem, de acordo com o princípio da duração razoável do processo, incluído no art. 5º da Constituição da República/88 pela Emenda Constitucional 45/04, a Administração Pública deve solucionar, em tempo razoável, o processo judicial e o administrativo.

Antes dessa EC, a Lei nº 9.784/99, já estabelecia "normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração" (art. 1º). Essa Lei, em seu art. 49, fixou o prazo de trinta dias para a Administração decidir o processo administrativo, a saber:

"Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada."

O art. 69 dessa Lei estabelece que ela só será aplicada subsidiariamente, de forma que se houver Lei específica as regras desta serão observadas.

No caso, o BPC é tratado em Lei específica, a Lei 8.742, de 1993, a qual,  estranhamente, embora tenha nela estabelecido vários procedimentos, não consta nenhum prazo para tal fim.

Então, tenho que devam ser aplicados os prazos dos arts. 24 e 49 da Lei nº 9.784, de 1999.

No presente caso, da prova colacionada, extrai-se que a Parte Impetrante protocolou requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso, sob o nº 934918852em 27/10/2021, mas ainda não teve o seu requerimento conclusivamente apreciado, encontrando-se com o status "em análise", desde então.

Ora, já transcorreram os prazos dobrados do art. 24 da Lei 9.784, de 1999, para a avaliação social, a ser feita pelo INSS, e para eventual avaliação médica, a ser feita pela Perícia Médica Federal da UNIÃO, previstas no art. 40-B da Lei 8.472, de 1993{1}, bem como o prazo de 30(trinta) dias para julgamento do art. 49 da referia Lei nº 9.784, de 1999, de forma que a DD Autoridade apontada como coatora está em plena ilegalidade, que deve ser reparada por este Juízo.

Trinta dias a mais será bem suficiente para que a referida DD Autoridade faça com que o INSS cumpra com o seu dever legal, inclusive, após a avaliação social, encaminhar o(a) Impetrante, se for necessário, para a Perícia Médica Federal, hoje sob comando do Ministério da Economia, portanto sob responsabilidade da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.

3. Dispositivo

Posto ISSO:

3.1 - Concedo à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita e, preliminarmente, afasto a existência de decadência para utilização do mandado de segurança.

3.2 - Liminarmente, concedo à DD Autoridade Impetrada mais 30(trinta) dias úteis(caput do art. 219 do CPC, prazo processual[2]), contados da notificação para prestar informações e cumprir esta decisão, para decidir o pedido administrativo-assistencial da Parte ora Impetrante, sob pena de o INSS ficar obrigado a pagar, após esse prazo, multa a cada 30(trinta) dias corridos(Parágrafo Único do art. 219 do CPC, prazo não processual[1]) de atraso, no valor de R$ 1.250,00(hum mil, duzentos e cinquenta reais), contado o prazo de 30(trinta) dias para o cálculo e pagamento da multa de forma corridos, com atualização anual pelo IPCA-E, sem prejuízo também da responsabilização da Autoridade apontada como coatora, nos termos do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009, bem como pela possibilidade de o INSS cobrar-lhe regressivamente o valor da multa, que tenha que pagar à Parte Impetrante.

3.3 - Notifique-se a referida DD Autoridade para o cumprimento da decisão supra, sob as penas acima indicadas, bem como para prestar informações no prazo legal de 10(dez) dias, e que também se dê ciência à representação processual do INSS, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei acima referida.

No momento oportuno, ao MPF para apresentação do seu r. parecer legal.

Intime-se.

Recife, 08.02.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E RESPEITO À INDEPENDÊNCIA DO JULGADOR ADMINISTRATIVO

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Nestes trinta e poucos anos de magistratura federal, já vi muitos pleitos estranhos, mas o consignado na petição inicial deste processo, creio que nem F. Kafka seria capaz de engendrar. Quase uma distopia, por sua pretendida antecipação do que poderia vir a acontecer, como que querendo que se escrevesse o que a DD Autoridade ainda iria escrever. 

A pesquisa legal e a argumentação jurídica foi realizada pela competente  Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques, sendo dela também parte da minuta do texto. 

Boa leitura.


 PROCESSO Nº: 0801592-30.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: A. K. P.
ADVOGADO: T C Da C
REPRESENTANTE: A L DA S
IMPETRADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AUTORIDADE COATORA: GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



DECISÃO

1. Relatório

A K P, qualificado na petição inicial, representado por Guardiã, Srª A L da S, impetrou, em 02/02/2022, este mandado de segurança preventivo com pedido de liminar em face do GERENTE GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO DA SRIV, localizado na Av. Dantas Barreto, 300, bairro de Santo Antônio, Recife/PE. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: em 10/01/2022 teria protocolado o requerimento de retificação do CNIS de sua falecida mãe, e o requerimento estaria em análise; deveria ser garantido o seu direito, de maneira preventiva, a uma decisão administrativa fundamentada no "porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, e porque aceita ou não aceita o pedido de retificação do CNIS, devendo realizar a retificação ou não, mas desde que seja fundamentada a decisão"(sic); a não fundamentação da decisão feriria direito líquido e certo do Impetrante, e a decisão de deferir ou indeferir o requerimento deveria ser fundamentada; assim, independentemente do reconhecimento ou não do pedido à retificação do CNIS, a decisão deveria ser fundamentada. Teceu outros comentários e requereu:

"A) Que seja deferido os benefícios da justiça gratuita, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, cumulado com o art. 9 da lei 1060/50, garantindo a gratuidade da justiça em todas as instâncias, em formalidade com o acesso à justiça.

B) Que seja julgado procedente o pedido liminar ora formulado, requerendo que a autoridade coatora ao realizar a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$: 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC.

C) Que seja julgado totalmente procedente a presente ação, para que a autarquia realize a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, desde de que fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC. E) Que seja arbitrado por vossa excelência astreintes como multa por descumprimento de ordem judicial, tanto no pedido de liminar quanto no final da presente ação. (...)"

Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 - Ressalto, inicialmente, que não há, no caso concreto, a decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, porque o ato atacado neste writ ainda vai ser realizado, pois se trata de mandado de segurança preventivo.

2.2 - O benefício da assistência judiciária merece ser concedido, provisoriamente, podendo a Parte do polo passivo impugnar essa concessão.

2.3 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão de medida liminar, conforme consta do inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.4 - Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo estaria prestes a ser violado por ato do INSS, eis que teria direito a uma decisão fundamentada no seu requerimento de retificação do CNIS de sua falecida genitora. E, com esteio no dever de motivação das decisões administrativas, informa o conteúdo que deve estar presente na almejada decisão administrativa, sob pena de malferir direito líquido e certo do administrado.

Como é sabido, o princípio da motivação das decisões, não se aplica apenas ao Judiciário(art. 93, IX e X, da vigente Constituição da República), mas também aos Julgadores administrativos, conforme estabelece o art. 50 da Lei nº 9.784/99.

Assim, os atos administrativos de conteúdo decisório devem conter os motivos que levaram a Autoridade pública a decidir de determinada forma, o que possibilitará o seu controle externo.

Pois bem, sem maiores delongas, ao analisar os documentos anexados, data venia, não há um único elemento que possa indicar que a DD Autoridade apontada como coatora decidirá sem observar mencinado princípio, agasalhado no referido dispositivo legal. .

Por outro lado, não se pode estabelecer, previamente, o conteúdo da decisão administrativa, sob pena de ingerência indevida do Judiciário na Administração.

Com efeito, o controle jurisdicional do ato administrativo, em casos tais, é admitido somente depois de editado, desde que evidenciada flagrante ilegalidade (ausência/deficiência de motivação) ou abuso de poder, o que, repito, data venia,  não se vê nestes autos.

Nessas circunstâncias, não está presente o fumus boni iuris, requisito necessário à concessão da medida liminar.

3. Dispositivo

Posto ISSO:

3.1 - Concedo à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita e, preliminarmente, afasto a existência de decadência para utilização do mandado de segurança.

3.2 - Indefiro o pedido de concessão da medida liminar;

3.3 - Notifique-se a referida DD Autoridade para prestar informações no prazo legal de 10(dez) dias, e que também se dê ciência à representação processual do INSS, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei acima referida.

No momento oportuno, ao MPF para apresentação do seu r. parecer legal.

Intime-se.

Recife, 07.02.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(rmc)