Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Na sentença que segue, uma interessante questão é discutida, a respeito do alcance das recomendações da denominada Comissão da Verdade, envolvendo o nome do primeiro Presidente do regime Militar de 1964, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença
tipo A
EMENTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO.
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. RECOMENDAÇÃO Nº 28. CARÁTER NÃO VINCULANTE. .
-As recomendações da Comissão Nacional da Verdade
não têm caráter vinculante e a recomendação referida nestes autos não goza da
unanimidade do que pensam todos os Historiadores, relativamente ao papel do
Marechal Humberto Alencar Castelo Branco no regime militar que se implantou no
Brasil em março de 1964.
-Leis Municipais e Estaduais, relativas à
denominação de próprios públicos, não obrigam a UNIÃO na fixação de nomes para
os seus próprios públicos.
-Improcedência.
Vistos, etc.
1-Relatório
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou esta Ação
Civil Pública com pedido de tutela de urgência em face da UNIÃO, por ato do
Ministério da Defesa - Exército Brasileiro, na qual almeja,
primordialmente:
"(...) a alteração do nome
destinado ao prédio que está sendo construído pelo Comando da 7ª Região Militar
do Exército, 'Edifício Marechal Castelo Branco', no imóvel situado na Avenida
Rosa e Silva, s/n, Bairro da Tamarineira, Recife/PE (em frente ao Hospital Psiquiátrico
Ulisses Pernambucano), obra financiada com recursos federais."
Alegou que a Procuradoria da República no Estado de
Pernambuco instaurou o Inquérito Civil em anexo (IC n.º
1.26.000.002978/2018-81) para "Apurar
notícia de construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, no bairro
da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição da obra indica, além do
financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo
Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves
violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em seu
Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria das graves violações de direitos
humanos"), a fim
de se verifique eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido
Relatório Final da CNV."
E aduziu, em síntese, que: instado a se manifestar,
considerando o teor da referida Recomendação da CNV, o Comando da 7ª Região
Militar do Exército teria defendido a denominação atribuída ao edifício sob os
seguintes argumentos: "i) a União é possuidora de imóveis, Próprios
Nacionais Residenciais (PNR), com a finalidade de moradia para os militares na
ativa; ii) todos os imóveis jurisdicionados ao Exército possuem denominações de
data, fatos ou personalidades históricas; iii) o marechal Humberto de Alencar
Castelo Branco, militar do Exército Brasileiro, foi um dos principais
responsáveis pela campanha do Brasil, por meio da Força Expedicionária
Brasileira (FEB) durante a 2ª Guerra Mundial, tendo a escolha da denominação
considerado a sua carreira militar exitosa; iv) como órgão da administração
pública, está adstrito "a cumprir à lei (em sentido formal), o que não se
subsome ao caso em tela"; v) não houve procedimento formal prévio para a
aludida escolha, tendo a administração militar se valido da discricionariedade
que lhe cabe para optar pelo nome escolhido (OFÍCIO 904/2018 PE-COMANDO -
PR-PE-00057914/2018)"; em seguida, os autos administrativos teriam
sido arquivados pela Procuradora da República oficiante à época; todavia,
apreciando o recurso interposto pelo Exma. Procuradora da República Carolina de
Gusmão Furtado, na condição de noticiante e integrante do Grupo de Trabalho
Direito à Memória e à Verdade, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
(PFDC) decidiu não homologar o arquivamento pelos seguintes fundamentos: "i)
'respeito ao valor jurídico do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade
e postulados da Justiça de Transição; ii) não observância da jurisprudência da
Corte Interamericana de Direitos Humanos; iii) manifestação do Grupo de
Trabalho Memória e Verdade da PFDC" (DECISÃO MONOCRÁTICA 616/2019 PFDC -
PGR-00456662/2019)."; e assim, retomada a instrução dos autos
extrajudiciais, o Comando Militar teria sido novamente instado a prestar
informações atualizadas sobre a obra, bem como para encaminhar cópia do
processo de tombo e do ato de registro do imóvel; em resposta enviada em
25/11/2019, o Chefe do Estado-Maior da 7ª Região Militar teria reiterado as
informações iniciais e acrescentado que "i) a denominação do aludido
edifício é a mesma inicialmente prevista (Ed. Marechal Castelo Branco),
denominação atribuída conforme os requisitos previstos na Portaria Ministerial
nº. 039, de 12 JAN 1996; ii) a obra do Edf. Castelo Branco foi objeto de
inexecução e que a retomada da construção estava prevista para o ano de 2020,
com prazo de 18 (dezoito) meses para a execução dos serviços remanescentes por
nova empresa contratada (OFÍCIO 903/2019 7ª RM/PE -
PR-PE-00059962/2019)."; no curso do procedimento administrativo, a
Assembleia Legislativa de Pernambuco também teria sido oficiada para
informar as providências adotadas com o objetivo de cumprir a Recomendação nº
28 da CNV, e teria aduzido que "i) em 20 de setembro de 2019 foi
promulgada a lei estadual nº 16.629 que proíbe a administração pública estadual
de fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao golpe militar de 1964 e ao
período ditatorial subsequente, incluindo na vedação a atribuição de nome a
prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza de pessoa
que conste no Relatório Final da CNV como responsável por violações de direitos
humanos (art. 1º e parágrafo único); ii) como resultado da Comissão da Verdade
instituída em âmbito estadual no ano de 2017, foi recomendado ao governo do
Estado que promova a alteração de logradouros, vias de transporte, edifícios e
instituições públicas que se referiram a agentes ou particulares que
notoriamente tenham tido participação direta em atos de graves violações de
direitos humanos durante o período de ditadura previsto na Lei nº 12.528, de 18
de novembro de 2018". E prosseguiu: ante o posicionamento do Comando
do Exército local, que teria afrontado a Recomendação nº 28 da CNV, a promoção
dos direitos humanos, assim como a preservação do patrimônio histórico e
cultural imaterial brasileiro, não teria restado ao MPF outra alternativa senão
a judicialização do caso com vistas a impedir que fosse perpetuada e festejada
grave violação de direitos humanos promovida pelo homenageado da ora demandada.
Sustentou a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério
Público Federal para propor a presente ação e transcreveu trecho da Petição
Inicial na ACP nº 1000944-36.2018.4.01.3800, que tramita perante a Justiça
Federal do Estado de Minas Gerais/MG, subscrita pelo procurador da República
Edmundo Antônio Dias Netto Junior, no qual teriam sido abordadas as graves
violações de direitos ocorridas no Brasil durante a ditadura. Transcreveu
trechos de livros do jornalista Elio Gaspari, autor de um conjunto de obras
sobre a ditadura militar brasileira, e acrescentou que: o ex-presidente
Castelo Branco teria sido um dos protagonistas desse período, pois era o chefe
do Estado-Maior do Exército quando eclodiu o golpe militar de 1964, que
derrubou o presidente constitucional João Goulart e teria instaurado a ditadura
militar no Brasil, tendo sido escolhido pelos militares para terminar o mandato
do presidente deposto; assim, teria sido incluído no Capítulo 16 do
Relatório Final da CNV, na qualidade de "responsável
político-institucional pela definição geral da doutrina que permitiu as graves
violações e das correspondentes estratégias, e pelo estabelecimento das cadeias
de medidas que determinaram o cometimento desses ilícitos (Vol. I, p.
844)"; alegou que Castelo Branco, como primeiro presidente da ditadura
militar instaurada pelo golpe de 1964, governou o país entre 1964 e 1967; em
seu governo teriam sido gestados os elementos que teriam constituído o alicerce
do autoritarismo e das ilegalidades, consistentes no completo aniquilamento de
direitos e garantias fundamentais, que teriam marcado esse período de exceção
da história do Brasil; os elementos históricos comprovariam e seriam suficientes
para caracterizar a impertinência jurídica de lhe serem prestadas homenagens
por órgãos componentes da administração pública, seja ela federal, estadual ou
municipal; celebrar Castelo Branco, longe de festejar sua "carreira
militar exitosa", seria promover o desprezo pelas instituições
democráticas e, indiretamente, apoiar a possibilidade de rupturas
constitucionais; lembrou que, à luz da Constituição Federal, sua conduta seria,
nos tempos atuais, um crime inafiançável e imprescritível, nos termos do inciso
XLIV do artigo 5º; tais motivos teriam levado a CNV a relacionar o marechal
Castello Branco entre os autores de graves violações de direitos humanos, e não
poderia ser ignorado pela administração quando da denominação de prédios
públicos e promoção de homenagens. Discorreu sobre: a "democracia como
valor constitucional"; a "Justiça de Transição, direito a
não-repetição e reparação dos danos causados às vítimas", e acrescentou
que: no dia 10/12/2014, a CNV teria apresentado seu Relatório Final, contendo
29 recomendações de ações, medidas institucionais e iniciativas de reformulação
normativa, destinadas à prevenção de graves violações de direitos humanos, bem
como a assegurar sua não repetição e a promover o aprofundamento do Estado
Democrático de Direito; dentre elas, a Recomendação nº 28 que dispõe: "28
- Preservação da memória das graves violações de direitos humanos; com a mesma
finalidade de preservação da memória, a CNV teria proposto a revogação de
medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear
autores das graves violações de direitos humanos; dentre outras, deveriam ser
adotadas medidas visando "b) promover a alteração da denominação de
logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer
natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes
públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a
prática de graves violações"; a conduta perpetrada pelo Comando do
Exército afrontaria a recomendação da CNV, pois teria atribuído ao prédio,
ainda em construção, em homenagem a representante do longo período de ditadura
militar no pais, entre 1964 e 1985, conforme verificar-seia da placa afixada na
obra em imagem extraída do google maps; o relatório da CNV possuiria
valor jurídico e suas conclusões representariam a manifestação oficial do
Estado sobre a violação de direitos humanos durante a ditadura militar,
conforme teria destacado Procurador da República e ex-Procurador Federal dos
Direitos do Cidadão Adjunto, Marlon Alberto Weichert, entre os anos de 2018 e
2020, também coordenador do Grupo de Trabalho Memória e Verdade; os órgãos
civis e militares do Poder Executivo deveriam respeitar as conclusões e as
recomendações da CNV; ao denominar prédio público em homenagem a "reconhecido
agente envolvido na perpetração de graves violações aos direitos humanos, o
Exército Brasileiro, arbitrariamente, viola os postulados constitucionais que
visam o fortalecimento da democracia no país em afronta à preservação e
reconstrução da memória histórica perseguida pelos ordenamentos pátrio e
internacional."; a Corte Interamericana de Diretos Humanos, em
mais de uma oportunidade, teria condenado o Brasil a reconhecer sua
responsabilidade - em âmbito interno e internacional - pelos abusos e violações
de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, a reparar e amparar
as famílias de desaparecidos políticos, para além de investigar e punir os
autores dos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, considerados crimes
contra humanidade, conforme sentenças proferidas nos casos Herzog e outros
vs Brasil e Gomes Lund vs Brasil, em relação aos quais não se
aplicaria anistia, consoante teria entendido a Corte; uma das condenações
visaria justamente a garantia de não repetição desses fatos. Discorreu sobre as
limitações normativas para a nomeação de bens públicos que teriam sido trazidas
pela Constituição da República/88 e afirmou que a Lei nº 6.454/77, na redação
dada pela Lei nº 12.781/2013, proibiria que se atribuísse nome de pessoa viva a
logradouros públicos, mencionaria a atividade dos homenageados e disporia que
aquele que defender ou explorar mão de obra escrava não poderia ter seu nome
atribuído a bens públicos; o Estado de Pernambuco teria editado a Lei nº 16.629,
de 20 de Setembro de 2019 que veda à "Administração Pública Estadual
fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar que sofreu o
Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe e proíbe de
homenagens a pessoas que tenham praticado violações de direitos humanos durante
o período da ditadura militar". Teceu outros comentários, e requereu a
concessão da tutela provisória, tanto na modalidade do art. 300, como na
prevista no art. 311 do Código de Processo Civil, a fim de ser:
"(..)
determinado à União, até julgamento definitivo da ação, obrigação de não fazer
consistente em abster-se de utilizar a atual denominação conferida ao edifício
ainda em construção na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da
Tamarineira, Recife/PE, retirando o nome da placa colocada na frente da
obra.". Requereu,
ao final:
"1)
o recebimento desta petição inicial, do Inquérito Civil nº
1.26.000.0002978/2018-81 que a instrui e demais documentos juntados;
2) a
concessão da tutela de urgência, para determinar à União Federal, por
intermédio do EXÉRCITO BRASILEIRO, que suspenda imediatamente a utilização do
nome "Edifício marechal Castelo Branco" nas placas indicativas da
obra em execução de imóvel destinado à residência militar situado na Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da Tamarineira, Recife/PE;
3) a
citação da demandada para contestar a ação, com as advertências de praxe,
inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia;
4) a
condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO
BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de
nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se
abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva,
s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira,
Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro
personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos
direitos humanos;
6) julgado procedente o pedido, sejam renovados na
sentença os efeitos da tutela liminar concedida, para que sejam mantidos seus
efeitos até o trânsito em julgado da presente ação. Requer-se, ainda, o
julgamento antecipado da lide, conforme art. 335, inc. I do NCPC, por se tratar
de matéria exclusivamente de direito e, caso Vossa Excelência entenda
necessária dilação probatória, pugna pela produção de todas as provas em
direito admitidas."
Juntou o Inquérito Civil - IC
1.26.000.002978/2018-81.
Decisão na qual este Juízo indeferiu o pedido de
tutela de urgência.
Regularmente citada, a UNIÃO apresentou Contestação
na qual levantou preliminar de ausência de interesse processual do Ministério
Público Federal, pois, segundo afirmou, a via utilizada não seria a adequada.
No mérito, alegou, em síntese, que: o pleito do MPF atentaria contra os artigos
2º, 5º e 142 da Constituição da República/88, pois invadiria a seara de ato
interno das Forças Armadas, que teria sido praticado sem qualquer ilegalidade;
imóvel cujo nome estaria sendo questionado na presente demanda se
trataria de um imóvel Próprio Nacional Residencial (PNR),
jurisdicionado ao Exército, com a finalidade de moradia para os militares
na ativa, que seriam frequentemente transferidos de cidades, dentro do Brasil;
no âmbito específico do Comando Exercito, todos os imóveis sob sua
jurisdição possuiriam denominações de data, fatos ou personalidades
históricas, conforme preceituaria a Portaria Ministerial nº 39/1996.
Transcreveu esclarecimento do Comando da 7ª Região Militar, por meio do Ofício
nº 455-Asse Ap As Jurd/Ch EM/7ª RM, sobre o nome do imóvel objeto da
irresignação do MPF, e aduziu que: a atuação da Administração Pública, ao
escolher o nome do imóvel, teria seguido os ditames legais e regulamentares,
razão pela qual não haveria motivo jurídico para a insurgência do MPF, haja
vista que a escolha do nome estaria inserida na seara discricionária do
Exército. Acrescentou que o fundamento da Exordial estaria escorado na
Recomendação n. 28 da Comissão Nacional da Verdade, todavia, as Recomendações
da Comissão Nacional da Verdade, como o próprio nome sugeriria, não vinculariam
a atuação do Poder Público, e apenas teriam caráter sinalizador, consoante se
extrairia da Lei nº 12.528/11, que criou a Comissão Nacional da Verdade;
aduziu que, em caso similar ao presente, em demanda ajuizada pelo MPF em Minas
Gerais, o pedido teria sido julgado improcedente; a
medida proposta pelo MPF estaria inserida na órbita da
discricionariedade administrativa, e representaria ofensa à separação dos
poderes; o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofenderia
mandamento legal e/ou constitucional, de forma que o ato não poderia ser tido
por ilegal; pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na Petição
Inicial, e requereu, ao final: "a) seja acolhida a
preliminar de ausência de interesse processual, na modalidade
"adequação", a ensejar a extinção do processo sem julgamento do
mérito, nos termos do art. 485, VI do CPC; b) caso assim não
entenda, seja reconhecida a total improcedência do pedido formulado, na
forma do art. 487, inciso I, do Diploma Processual em referência."
Protestou o de estilo e juntou documentos.
O MPF comunicou a interposição do recurso de Agravo
de Instrumento em face da Decisão que indeferiu a tutela de urgência. Em
seguida, pugnou pela reconsideração da decisão impugnada.
Decisão do Desembargador Federal Fernando
Damasceno, nos autos do agravo de instrumento nº 0810758-28.2020, negou efeito
suspensivo à decisão deste Juízo de primeiro grau.
Despacho no qual se indeferiu o pedido de
reconsideração formulado pelo Parquet, decidindo-se pela manutenção da
decisão agravada por seus próprios fundamentos; outrossim, determinou-se que o
MPF fosse intimado para se manifestar acerca da Contestação apresentada pela
União.
A União manifestou ciência acerca do despacho
supra.
O MPF apresentou Réplica na qual rebateu a
preliminar arguida pela União ao contestar o feito.
É o relatório, no essencial.
Fundamento e decido.
2- Fundamentação
2.1- Do julgamento antecipado da lide
A hipótese é de julgamento antecipado do mérito,
porque o acervo documental constante dos autos é suficiente ao deslinde da
matéria em apreciação (CPC, art. 355, I).
Destaque-se que a decisão inicial deste Juízo,
negando a pretendida tutela provisória de urgência antecipatória, foi
mantida pelo Desembargador Relator do Agravo de Instrumento, interposto pelo
MPF, conforme acima relatado.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se ao
exame do feito.
2.2- Da preliminar de ausência de interesse
processual por inadequação da via eleita.
A União alega ser necessário, para a propositura da
Ação Civil Pública, que haja o descumprimento de um dever legal que inexistiria
no presente caso, já que não haveria obrigação legal preestabelecida, e o MPF
teria baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que
inviabilizaria o conhecimento da presente demanda.
As razões aduzidas pela União para fundamentar a
preliminar em tela, na realidade, dizem respeito ao mérito desta ACP, a seguir
apreciado. Tanto assim que o MPF, em sede de Réplica à Contestação, rebateu a
preliminar com razões ligadas ao mérito da ação.
Ante o exposto, resta prejudicada a análise da
preliminar arguida pela União.
2.3 - Do Mérito
O Ministério Público Federal - MPF pretende, com a
presente Ação Civil Pública, obter a:
"(...) condenação da União, por intermédio do
Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em
implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade
em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av.
Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses
Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco
ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de
graves violações aos direitos humanos;"
Verifico que não há nos autos elemento novo de
convicção trazido pelas Partes que justifique a mudança de orientação adotada
por ocasião do exame da tutela provisória de urgência antecipada, razão pela
qual reitero as razões aduzidas na Decisão sob id. 4058300.15478349, a
título de fundamentação desta Sentença, in verbis:
"(...)
Do que consta dos autos, observa-se que o Inquérito
Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em
24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército
Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira,
Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos
federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a
finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do
referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de que o ex-presidente da
República estaria relacionado entre os autores de graves violações de direitos
humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final,
Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").
O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão
do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,
promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção
de Arquivamento.
Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC,
pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do
arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em
27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos
declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.
No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que
figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo
Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital
Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do
financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo
Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves
violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade -
CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e
considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício,
apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,
por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC,
que embasa a presente ACP.
Analisa-se, prima facie, se a Parte
Requerida está obrigada a cumprir a Recomendação nº 28 do Relatório Final da
CNV, que assim dispõe:
"28 - Preservação da memória das graves
violações de direitos humanos;
48. Devem ser adotadas medidas para preservação da
memória das graves violações de direitos humanos no período investigado pela
CNV e, principalmente, da memória de todas as pessoas que foram vítimas dessas
violações. Essas medidas devem ter por objetivo, entre outros:
(...)
49. Com a mesma finalidade de preservação da
memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da ditadura
militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos
humanos. Entre outras, devem ser adotadas medidas visando:
a) (...)
b) promover a alteração da denominação de
logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer
natureza, sejam federais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a
particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de
graves violações." (G.N.)
Inicialmente, oportuno registrar que este
magistrado reconhece a importância da Comissão Nacional da Verdade - CNV,
criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, com a finalidade de
examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no
período fixado no art. 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação nacional. (art. 1º).
Reconciliação nacional, destaco.
Uma imagem (print) colada na Petição Inicial
comprova que está afixada uma placa indicativa de uma obra de alvenaria em
execução situada na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n, nesta cidade do
Recife/PE, com a denominação: "EDIFÍCIO MARECHAL CASTELO BRANCO".
O prédio está sendo construído pelo Ministério da
Defesa/Exército Brasileiro, segundo anotado na placa, destinado à residência
militar; trata-se, portanto, de próprio público federal.
A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar
Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (1897-1967) e
Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório
Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos
humanos, descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria
"responsabilidade político-institucional", porque, no período em que
foi Presidente da República, foi criado, em junho de 1964, o
Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do
Estado brasileiro. (Id. 4058300.15403882).
No entanto, como já dito, embora reconheça a
relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com
destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado
instrumento - Recomendação - não tem caráter vinculante para a
Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento.
O fato de o mencionado Militar-Marechal, quando
Presidente da República, ter assinado os atos legais que deram origem ao
Serviço Nacional de Informação - SNI, exatamente para obter dados informativos
tendentes à defesa dos interesses do País, não o acumpliciam a eventuais
desvios que tenham sido praticados por alguns membros desse Órgão de
Informação contra os adversários político-administrativos daquele regime.
Por outro lado, além de a finalidade da Comissão da
Verdade ter sido de buscar a RECONCILIAÇÃO NACIONAL, a Suprema Corte brasileira
já decidiu que a Lei da Anistia teve a força de perdoar e apagar
eventuais males(excessos) da época do regime militar, tanto os praticados
pelos que estavam no poder, como os praticados pelos opositores
daquele regime.
Nesse ponto, conforme muito bem exposto na Promoção
de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as
Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são:
"(...) mera orientação aos órgãos públicos e
entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de
vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao
Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios
(...)" (Id. 4058300.15403709).
Registro que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº
16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de
nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por
violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e
bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública
Estadual direta e indireta. (Id. 4058300.15403732).
Lei recente do Estado do Ceará (Lei nº 16.832, de
14 de janeiro de 2019) e, pelo que se tem notícia, Lei do Estado do Piauí,
também passaram a estabelecer a vedação, mas ainda não veio a lume lei federal
estabelecendo tal vedação.
Note-se que esses Estados, quando do advento de
tais Leis, eram e são administrados por Partidos Políticos cuja orientação era
contrária ao referido regime militar.
Todavia, também cabe registrar, o próprio em
questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem da história do
Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam as
reprimendas das referidas Leis Estaduais."
Aliás, o Marechal Humberto de Alencar Castelo
Branco, cearense de Fortaleza-CE, sempre foi considerado, por vários
historiadores, como um militar moderado que até pensava em realizar eleições
antes do final do seu mandato como primeiro Presidente da República do regime
militar, instalado em 1964, e aventa-se até que, por isso, o acidente de avião
no qual faleceu pode não ter sido um mero acidente.
Então, mencionada Recomendação da denominada
Comissão Nacional da Verdade, além de não ter caráter vinculante, nesse particular,
parece não gozar da unanimidade dos Historiadores.
3- Dispositivo
3.1- rejeito a preliminar arguida pela União;
3.2 - julgo improcedentes os pedidos desta ação e
extingo o processo, com resolução do mérito (CPC, art. 487, I).
Sem condenação em custas processuais ou honorários
advocatícios (Lei nº 7.347/85, art. 18).
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição
obrigatório (Lei nº 4.717/65, art. 19).
Remeta-se, com urgência, cópia desta Sentença
para os autos do recurso de Agravo de Instrumento noticiado nos autos, para os
fins legais.
R.I.
Recife, 01.12.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara Federal/PE
(rmc)
A Sentença supra foi mantida no TRF5R e o respectivo acórdão já transitou em julgado.
Eis o voto condutor e o acórdão
"VOTO
De início,
observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de interesse
processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da via eleita,
pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o descumprimento de um
dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente obrigação legal
preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação da Comissão
Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A meu ver,
tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a analisar.
Na presente
ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada pelo Comando
do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em construção, em
homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello Branco, representante
do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e 1985, afronta
cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV - Comissão Nacional
da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves violações de
direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando promover a
alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e
instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais,
que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham
tido comprometimento com a prática de graves violações.
Conforme
pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a
presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia
da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e
Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica,
além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício
Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual
descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o
fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores
de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade -
CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de
direitos humanos").
O IC teve
regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal
oficiante à época, em substituição, promoveu o seu arquivamento, mediante
apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.
Na fase de
revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por
unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a)
relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator
referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que
apresentou a Promoção de Arquivamento.
No entanto,
no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos
["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...),
cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais,
a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República
relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela
Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão
administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de
substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de
arquivamento, que findou, em 02.09.2019, por ser acolhido, para que se
desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.
Em relação à
questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo sentenciante
no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello
Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967) e Presidente da
República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como
agente público responsável por graves violações de direitos humanos,
descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade
político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da
República, foi criado, em junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação
- SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro; ii) Embora se
reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da
Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o
mencionado instrumento - Recomendação - não tem caráter vinculante para a
Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento.
Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não
prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da
Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades
sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração
Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua
discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)"; iii)
Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a
partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no
Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a
prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza
pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.
O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o referido
Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele
não se aplicam a lei estadual.
Diante desse
contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao
imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou
constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.
Ante o
exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
É como voto.
PROCESSO Nº:
0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos
Santos Júnior
EMENTA:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ALTERAÇÃO DE NOME DE PRÉDIO PÚBLICO EM
CONSTRUÇÃO. RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. CARÁTER NÃO
VINCULANTE.
1. Trata-se
de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido
formulado pelo Ministério Público Federal, em sede de ação civil pública, na
qual se pretende "a condenação da União, por intermédio do Ministério
da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar
a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu
Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av.
Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses
Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco
ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de
graves violações aos direitos humanos".
2. De
início, observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de
interesse processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da
via eleita, pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o
descumprimento de um dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente
obrigação legal preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação
da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A
meu ver, tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a
analisar.
3. Na
presente ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada
pelo Comando do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em
construção, em homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello
Branco, representante do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e
1985, afronta cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV -
Comissão Nacional da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves
violações de direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando
promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte,
edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais,
estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares
que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações.
4. Conforme
pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a
presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia
da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e
Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica,
além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício
Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual
descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o
fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores
de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade -
CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de
direitos humanos").
5. O IC teve
regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal
oficiante à época, em substituição, promoveu o seu arquivamento, mediante
apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.
6. Na fase
de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se,
por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a)
relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator
referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que
apresentou a Promoção de Arquivamento.
7. No
entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos
["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...),
cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos
federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da
República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos
pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão
administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de
substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de
arquivamento, que findou, em 02.09.2019, por ser acolhido, para que se
desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.
8. Em
relação à questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo
sentenciante no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967)
e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório
Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos
humanos, descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria
"responsabilidade político-institucional", porque, no período em que
foi Presidente da República, foi criado, em junho de 1964, o Serviço
Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado
brasileiro; ii) Embora se reconheça a relevância das Recomendações expedidas
pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28,
objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem
caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos
públicos ao seu cumprimento. Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do
MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da
Comissão Nacional da Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos
públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o
condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao
Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios
(...)"; iii) Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629,
passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de
pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de
direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer
natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e
indireta. O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o
referido Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal,
logo a ele não se aplicam a lei estadual.
9. Diante
desse contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao
imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou
constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.
10. Apelação
improvida.
PROCESSO Nº:
0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos
Santos Júnior
ACÓRDÃO
Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos
do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a
integrar o presente julgado.
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Processo:
0812782-58.2020.4.05.8300
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