Por
Francisco Alves dos Santos Júnior
Na
sentença e no acórdão que seguem, discute-se a impropriedade da escolha de
mandado de segurança para pleito que exige dilação probatória e também a
questão da isenção do IPI quando se sofre de deficiência ocular.
Boa Leitura.
PROCESSO
Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: FCC
ADVOGADO: CF SC
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
Sentença
tipo C
EMENTA:. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE
PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS.
Sem provas pré-constituídas, o mandado de segurança
não é viável.
Indeferimento da petição inicial e extinção do
processo, sem resolução do mérito e denegação da segurança, com ressalvas para
uso da ação própria.
Vistos, etc.
1. Breve Relatório
F C C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de
Segurança em face do Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE.
Aduziu, em síntese, que: conforme laudo médico comprobatório, que estaria
anexando com a peça inicial, ainda na infância perdera a visão do olho direito,
desenvolvendo visão monocular em razão de ambliopia, de sorte a possuir
acuidade visual, com correção, de 20/400; tal situação caracterizaria, conforme
atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho - MG, hipótese
de deficiência visual permanente, catalogada pelo Código Internacional de
Doenças sob o código H53.0; em razão da condição de saúde acima descrita, o
requerente teria experimentado, ao longo de sua vida, limitações em sua
capacidade sensorial, com a alteração das noções de profundidade e distância,
além de vulnerabilidade de ordem biopsicossocial; tais limitações seriam
atestadas, inclusive em sua Carteira Nacional de Habilitação - CNH, conforme
prova em anexo; no presente ano, o impetrante teria tomado conhecimento
de que teria entrado em vigor a Lei nº 14.126/2021, que classificaria a visão
monocular como deficiência para todos os efeitos legais; tal determinação
normativa o teria incentivado a buscar o reconhecimento, por parte do
ordenamento jurídico, da tutela que lhe fora legalmente concedida; ante a
comprovada condição de deficiente visual do impetrante, este, em busca da
efetivação de sua garantia constitucional e legal de tutela e inclusão, teria
requerido à Receita Federal do Brasil, aos 13 de setembro de 2021, a concessão
de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre
veículos automotores; tal pedido contudo, fora denegado pela
Administração Tributária aos 27 de setembro do presente ano; discordando da
decisão administrativa, o autor recorrera à Delegacia da Receita Federal do
Brasil em Recife; contudo fora surpreendido por novo despacho denegatório,
prolatado por esta d. Autoridade, que adjetiva de coatora, aos 30 de
setembro de 2021, sob o argumento de que "O laudo não atesta
deficiência visual na forma da legislação aplicável. Para a isenção requerida,
a Lei nº 8.989/1995 (que permanece me vigor), no artigo 1o, § 2o estabelece que
a acuidade visual deve ser igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no
melhor olho, após a melhor correção. Não é possível concluir que estão
presentes todos os requisitos para ser considerado portador de deficiência
visual no âmbito da legislação isentiva de IPI."
Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:
a) A concessão de medida liminar, para determinar ao impetrado que
imediatamente conceda a isenção tributária ao impetrante, sob pena de multa
diária;
b) Ao final, seja confirmada a liminar e concedida a segurança pleiteada
em definitivo;
c) Seja dada ciência
do presente mandamus à Advocacia Geral da União, órgão de representação
judicial do impetrado, bem como à autoridade coatora, para que prestem as
informações necessárias no prazo legal. Dá-se a causa o valor de R$1.192,40
(mil reais), para fins de alçada.
Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
O Mandado de Segurança é uma espécie de ação constitucional que se
destina à proteção de direito líquido e certo contra ato de autoridade pública
ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público.
Por sua vez, o conceito de direito líquido e certo resulta de fato jurígeno
cuja existência e delimitação são evidentes, posto que passíveis de
demonstração documental, motivo pelo qual deve ser comprovado de plano na peça
vestibular, por meio de prova inequívoca.
No caso em tela, a impetrante defende que DD Autoridade
impetrada teria ofendido o seu direito líquido e certo ao deixar de conceder a
isenção tributária em debate, tendo em vista ser portadora de deficiência
(visão monocular) que assegura o gozo do benefício fiscal, anexando aos autos
laudo médico atestando a sua condição.
No entanto, o portador de visão monocular, por si só, não preenche os
requisitos para a concessão da isenção, sendo necessário, a despeito disso, que
apresente acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no
melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou
ocorrência simultânea de ambas as situações (§ 2º do art. 1º da Lei n°
8.989/1995), para que fosse possível a isenção requerida.
Nos termos em que disposto no art. 1º, IV, parágrafo 2º, da Lei nº
8.989/95, a visão monocular não é suficiente para assegurar isenção do IPI na
aquisição de veículo automotor, devendo ser demonstrado que o outro olho possui
acuidade visual igual ou menor que 20/200 e/ou campo visual inferior a 20º
(tabela snellen)."
Com efeito, da leitura atenta do Laudo de Avaliação para isenção de
IPI, anexado aos autos (Id. 4058300.21158132), vê-se que não houve
qualquer indicação do grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa
informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa
forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental.
Dessa
forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte
impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de
instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de
segurança.
Óbvio que o Impetrante pode e deve buscar os seus direitos pela via
ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive a realização de
perícia.
3. Dispositivo
POSTO ISSO, reconheço a inadequação da via mandamental, indefiro a
petição inicial(inciso V do art. 295 do Código de Processo Civil), denego
a segurança e julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos
termos do § 5º do art. 6º da Lei 12.016/2009 c/c o inciso IV do art. 485 do
Código de Processo Civil.
Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e da
Súmula 512 do STF).
Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.
Intimem-se.
Recife,
22.11.2021
Francisco
Alves dos Santos Júnior
Juiz
Federal da 2a Vara da JFPE
A
Sentença supra foi mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, no acórdão que segue.
PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO
CÍVEL
APELANTE: F C DO C
ADVOGADO: C F S C
APELADO: FAZENDA NACIONAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Vladimir Souza Carvalho - 4ª
Turma
JUIZ
PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior
(Relatório)
O desembargador Vladimir Souza Carvalho
(relator): Trata-se
de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art.
295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante
pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação
probatória, inclusive realização de perícia".
O autor busca com o mandado de segurança aquisição
de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a
sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si
só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto
no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,
"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não
indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação
(4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca
de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta
afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez
que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução
probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.
O apelante, em suas razões recursais, defende que
i) o indeferimento da isenção pleiteada pelo apelante, que é pessoa com
deficiência, contraria a Lei 14.126/2021, que classificou a visão monocular como
deficiência para todos os efeitos legais; ii) o impetrante, ainda na infância,
perdeu a visão do olho direito, passando a ter visão monocular em razão de
ambliopia, com acuidade visual, com correção, de 20/400, o que, conforme
atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho [Estado de Minas
Gerais], caracteriza deficiência visual permanente permanente [CID H53.0],
inclusive com tal condição atestada em sua Carteira Nacional de Habilitação
[CNH]; iii) diante da Lei 14.126/2021, que classifica a visão monocular como
deficiência para todos os efeitos legais, o impetrante busca tutela jurídica;
iv) a ratio normativa que orienta a concessão da isenção em questão é a
proteção e inclusão da pessoa com deficiência, não havendo razão para se discriminar
deficientes que tem cegueira em um dos olhos, situação que causa restrições
sensoriais e vulnerabilidade social; v) a interpretação teleológica do art. 1º,
da Lei 8.989/95 não afronta o art. 111, inc. II, do Código Tributário Nacional;
vi) o art. 1º, § 1º, da Lei 8.989 considera pessoa portadora de deficiência
física aquela que apresenta alteração parcial de um ou mais segmentos do corpo
humano, comprometendo a função física; vii) a ausência de preenchimento dos
campos de indicação da acuidade visual no laudo expedido pela Receita Federal
foi uma opção da equipe técnica, ante a inadequação do referido laudo frente à
inovação decorrente da Lei 14.126/2021, pois tais características não dizem
respeito àqueles que tem "visão monocular" ; e que vii) a via mandamental
é adequada por estar o direito do impetrante demonstrado por prova
pré-constituída; por fim, requer o provimento da apelação, anulando-se a
sentença recorrida e, em respeito à teoria da causa madura, que seja concedida
a segurança, reconhecendo-se o direito do impetrante à isenção, ou caso assim
não se entenda, que a sentença seja anulada, devolvendo-se a matéria para
reapreciação do Juízo a quo.
Ao ser intimada para apresentar contrarrazões, a
Fazenda Nacional apresentou contrarrazões remissivas [conforme autorizado pela
Ordem de Serviço 39, de 25 de maio de 2020, do Procurador-Chefe da Defesa da 5ª
Região] às informações fiscais e à própria sentença; por fim, requer o
desprovimento da apelação do autor.
É o relatório.
(Voto)
O desembargador Vladimir Souza Carvalho
(relator): Conforme
relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial,
nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que
"o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que
comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".
O autor busca com o mandado de segurança aquisição
de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a
sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si
só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do
disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,
"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não
indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação
(4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca
de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta
afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez
que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução
probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.
A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto
sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com
deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV,
o referido benefício diante de veículos com as características ali
especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual,
auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro
autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em
seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(...)".
"De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou
inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e
"as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância,
profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e,
consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum
tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores"
[Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].
Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para
o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que
muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam
consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com
acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a
visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.
Do ponto de vista da literalidade da legislação,
tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a
definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com
Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de
natureza sensorial.
Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989,
concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei
14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular
como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos
legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, §
2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos
para avaliação da deficiência.
Ressalte-se que o dispositivo indicado pela
sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho
igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi
revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.
Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o
dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho",
autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e
ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como
deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos
legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão
monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à
interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e
tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão,
bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].
Passo à análise das provas pré-constituídas.
Embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não
estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o
"campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o
impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação,
expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde
da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando
"acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo
20/20", "deficiência de caráter permanente", sendo que tal
situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de
setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei
8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e
o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.
Há indicação do Código Internacional de Doenças
[CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura
Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes
graus/classificações.
De outro lado, a visão monocular é caracterizada
pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de
Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o
Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.
Dessa forma, é necessária prova técnica que
demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão
monocular, vez que a acuidade indicada parece estar no limiar do que é admitido
para a deficiência apontada.
Por este entender, voto pela manutenção da sentença
que extinguiu o feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade,
conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a
ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.
É como voto.
(Ementa)
Tributário. Apelação de sentença que indeferiu a
petição inicial, denegando a segurança, impetrada para reconhecimento de
isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de
veículo por pessoa com deficiência.
1.Conforme relatado, trata-se de apelação contra
sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, observando que
"o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que
comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".
2. O autor busca com o mandado de segurança
aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de
deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão
monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão,
nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e
que, no caso, "o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o
grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3
Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de
requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta
afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez
que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução
probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.
3. A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por
pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art.
1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali
especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual,
auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro
autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em
seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(...)".
4. "De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual
ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal"
e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância,
profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e,
consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum
tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte:
Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].
5. Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho
para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer
que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam
consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com
acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a
visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.
6. Do ponto de vista da literalidade da legislação,
tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a
definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com
Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de
natureza sensorial.
7. Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei
8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a
Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão
monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os
efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo
art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar
instrumentos para avaliação da deficiência.
8. Ressalte-se que o dispositivo indicado pela
sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho
igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi
revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.
9. Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o
dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho",
autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e
ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como
deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos
legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão
monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à
interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e
tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão,
bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].
10. No que diz respeito à análise da prova
pré-constituída nos autos, embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não
estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o
"campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o
impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação,
expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde
da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando
"acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo
20/20", "deficiência de caráter permanente", sendo que tal
situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de
setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei
8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e
o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.
11. Há indicação do Código Internacional de Doenças
[CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura
Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes
graus/classificações.
12. De outro lado, a visão monocular é
caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a
Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a
20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a
20/400.
13. Dessa forma, é necessária prova técnica, cuja
produção é incompatível com o mandado de segurança, para que se demonstre de
forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a
acuidade indicada nos autos parece estar no limiar do que é admitido para a
deficiência apontada.
14. Apelação desprovida, mantendo-se a sentença de
extinção do feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade,
conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a
ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.
/jsdfb
(Acórdão)
Vistos, etc.
Decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos
do relatório, do voto e das notas taquigráficas constantes dos autos.
Recife, (data do sistema)
Desembargador Vladimir Souza Carvalho
- Relator
22052014445916800000023501837 |