terça-feira, 19 de julho de 2022

MANDADO DE SEGURANÇA: IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL ESCOLHIDO. ISENÇÃO DO IPI. AUTOMÓVEL. DEFICIÊNCIA OCULAR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

Na sentença e no acórdão que seguem, discute-se a impropriedade da escolha de mandado de segurança para pleito que exige dilação probatória e também a questão da isenção do IPI quando se sofre de deficiência ocular. 

Boa Leitura.  

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: FCC
ADVOGADO: CF SC
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
 

 

Sentença tipo C

 

EMENTA:.  PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS.

Sem provas pré-constituídas, o mandado de segurança não é viável.

Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito e denegação da segurança, com ressalvas para uso da ação própria.

 

Vistos, etc. 

1. Breve Relatório

F C C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Aduziu, em síntese, que: conforme laudo médico comprobatório, que estaria anexando com a peça inicial, ainda na infância perdera a visão do olho direito, desenvolvendo visão monocular em razão de ambliopia, de sorte a possuir acuidade visual, com correção, de 20/400; tal situação caracterizaria, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho - MG, hipótese de deficiência visual permanente, catalogada pelo Código Internacional de Doenças sob o código H53.0; em razão da condição de saúde acima descrita, o requerente teria experimentado,  ao longo de sua vida, limitações em sua capacidade sensorial, com a alteração das noções de profundidade e distância, além de vulnerabilidade de ordem biopsicossocial; tais limitações seriam atestadas, inclusive em sua Carteira Nacional de Habilitação - CNH, conforme prova em anexo;  no presente ano, o impetrante teria tomado conhecimento de que teria entrado em vigor a Lei nº 14.126/2021, que classificaria a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; tal determinação normativa o teria incentivado  a buscar o reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico, da tutela que lhe fora legalmente concedida; ante a comprovada condição de deficiente visual do impetrante, este, em busca da efetivação de sua garantia constitucional e legal de tutela e inclusão, teria requerido à Receita Federal do Brasil, aos 13 de setembro de 2021, a concessão de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre veículos automotores; tal pedido contudo,  fora denegado pela Administração Tributária aos 27 de setembro do presente ano; discordando da decisão administrativa, o autor recorrera à Delegacia da Receita Federal do Brasil em Recife; contudo fora surpreendido por novo despacho denegatório, prolatado por esta d. Autoridade,  que adjetiva de coatora, aos 30 de setembro de 2021, sob o argumento de que "O laudo não atesta deficiência visual na forma da legislação aplicável. Para a isenção requerida, a Lei nº 8.989/1995 (que permanece me vigor), no artigo 1o, § 2o estabelece que a acuidade visual deve ser igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção. Não é possível concluir que estão presentes todos os requisitos para ser considerado portador de deficiência visual no âmbito da legislação isentiva de IPI."

Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

a) A concessão de medida liminar, para determinar ao impetrado que imediatamente conceda a isenção tributária ao impetrante, sob pena de multa diária;

b) Ao final, seja confirmada a liminar e concedida a segurança pleiteada em definitivo;

c) Seja dada ciência do presente mandamus à Advocacia Geral da União, órgão de representação judicial do impetrado, bem como à autoridade coatora, para que prestem as informações necessárias no prazo legal. Dá-se a causa o valor de R$1.192,40 (mil reais), para fins de alçada.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

O Mandado de Segurança é uma espécie de ação constitucional que se destina à proteção de direito líquido e certo contra ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público.
 
Por sua vez, o conceito de direito líquido e certo resulta de fato jurígeno cuja existência e delimitação são evidentes, posto que passíveis de demonstração documental, motivo pelo qual deve ser comprovado de plano na peça vestibular, por meio de prova inequívoca.

  No caso em tela, a impetrante defende que DD Autoridade impetrada teria ofendido o seu direito líquido e certo ao deixar de conceder a isenção tributária em debate, tendo em vista ser portadora de deficiência (visão monocular) que assegura o gozo do benefício fiscal, anexando aos autos laudo médico atestando a sua condição.
 
 
No entanto, o portador de visão monocular, por si só, não preenche os requisitos para a concessão da isenção, sendo necessário, a despeito disso, que apresente acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações (§ 2º do art. 1º da Lei n° 8.989/1995), para que fosse possível a isenção requerida.
 
Nos termos em que disposto no art. 1º, IV, parágrafo 2º, da Lei nº 8.989/95, a visão monocular não é suficiente para assegurar isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, devendo ser demonstrado que o outro olho possui acuidade visual igual ou menor que 20/200 e/ou campo visual inferior a 20º (tabela snellen)."
 
 
Com efeito, da leitura atenta do Laudo de Avaliação para isenção de IPI, anexado aos autos (Id. 4058300.21158132), vê-se que não houve qualquer indicação do grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental.

 Dessa forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança.

Óbvio que o Impetrante pode e deve buscar os seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive a realização de perícia.

 3. Dispositivo

POSTO ISSO, reconheço a inadequação da via mandamental, indefiro a petição inicial(inciso V do art. 295 do Código de Processo Civil),  denego a segurança e julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do § 5º do art. 6º da Lei 12.016/2009 c/c o inciso IV do art. 485 do Código de Processo Civil.

Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e da Súmula 512 do STF).

Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.

Intimem-se.

Recife, 22.11.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

A Sentença supra foi mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no acórdão que segue. 

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: F C DO C

ADVOGADO: C F S C

APELADO: FAZENDA NACIONAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Vladimir Souza Carvalho - 4ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

(Relatório)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

O apelante, em suas razões recursais, defende que i) o indeferimento da isenção pleiteada pelo apelante, que é pessoa com deficiência, contraria a Lei 14.126/2021, que classificou a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; ii) o impetrante, ainda na infância, perdeu a visão do olho direito, passando a ter visão monocular em razão de ambliopia, com acuidade visual, com correção, de 20/400, o que, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], caracteriza deficiência visual permanente permanente [CID H53.0], inclusive com tal condição atestada em sua Carteira Nacional de Habilitação [CNH]; iii) diante da Lei 14.126/2021, que classifica a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais, o impetrante busca tutela jurídica; iv) a ratio normativa que orienta a concessão da isenção em questão é a proteção e inclusão da pessoa com deficiência, não havendo razão para se discriminar deficientes que tem cegueira em um dos olhos, situação que causa restrições sensoriais e vulnerabilidade social; v) a interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.989/95 não afronta o art. 111, inc. II, do Código Tributário Nacional; vi) o art. 1º, § 1º, da Lei 8.989 considera pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, comprometendo a função física; vii) a ausência de preenchimento dos campos de indicação da acuidade visual no laudo expedido pela Receita Federal foi uma opção da equipe técnica, ante a inadequação do referido laudo frente à inovação decorrente da Lei 14.126/2021, pois tais características não dizem respeito àqueles que tem "visão monocular" ; e  que vii) a via mandamental é adequada por estar o direito do impetrante demonstrado por prova pré-constituída; por fim, requer o provimento da apelação, anulando-se a sentença recorrida e, em respeito à teoria da causa madura, que seja concedida a segurança, reconhecendo-se o direito do impetrante à isenção, ou caso assim não se entenda, que a sentença seja anulada, devolvendo-se a matéria para reapreciação do Juízo a quo.

Ao ser intimada para apresentar contrarrazões, a Fazenda Nacional apresentou contrarrazões remissivas [conforme autorizado pela Ordem de Serviço 39, de 25 de maio de 2020, do Procurador-Chefe da Defesa da 5ª Região] às informações fiscais e à própria sentença; por fim, requer o desprovimento da apelação do autor.

É o relatório. 

(Voto)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

"De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

Passo à análise das provas pré-constituídas.

Embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

Dessa forma, é necessária prova técnica que demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

Por este entender, voto pela manutenção da sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

É como voto. 

(Ementa)

Tributário. Apelação de sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, impetrada para reconhecimento de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência.

1.Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

2. O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,  "o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

3. A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

4. "De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

5. Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

6. Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

7. Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

8. Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

9. Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

10. No que diz respeito à análise da prova pré-constituída nos autos, embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

11. Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

12. De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

13. Dessa forma, é necessária prova técnica, cuja produção é incompatível com o mandado de segurança, para que se demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada nos autos parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

14. Apelação desprovida, mantendo-se a sentença de extinção do feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

/jsdfb 

(Acórdão)

Vistos, etc.

Decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, do voto e das notas taquigráficas constantes dos autos.

Recife, (data do sistema)

Desembargador Vladimir Souza Carvalho - Relator



22052014445916800000023501837

 

 

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