domingo, 22 de outubro de 2023

Um Caso em que Não Cabe Recurso de Apelação.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue um interessante caso, no qual se reconheceu que não cabe recurso de apelação, mas sim recurso de agravo de instrumento. 

Extrai-se da decisão que segue a importância de o Advogado conhecer bem o Código de Processo Civil. 

Boa leitura. 

 

Obs.: Minuta pesquisada e parcialmente minutada pela Assessora DALMA CAMILA DAMASCENO SILVA

 

PROCESSO Nº: 0813194-52.2023.4.05.0000 - PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO À APELAÇÃO
REQUERENTE: T G F
ADVOGADO: P A M E S Junior
REQUERIDO: UNIÃO FEDERAL e outros
RELATOR: Desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma

 

DECISÃO

 

Trata-se de pedido concessão de efeito suspensivo à Apelação interposta por T G F em face de r. sentença proferida nos autos da ação de procedimento comum cível nº. 0805606-32.2023.4.05.8200, cujo objeto é a obtenção de provimento judicial que conceda à Recorrente o abatimento mensal de 1% do saldo devedor do seu contrato de financiamento estudantil, com a consequente suspensão das cobranças mensais de amortização da dívida, durante a sua atuação como médica em Programa de Estratégia de Saúde da Família.

Vale a transcrição do dispositivo da r. decisão recorrida:

"Ante o exposto:

a) indefiro a gratuidade judiciária.

b) declaro a inexistência de interesse processual quanto ao pedido de concessão de abatimento de 1% do saldo devedor do FIES, extinguindo o processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, do CPC). Prejudicados os pedidos correlatos ao deferimento do abatimento;

c) reconheço o interesse processual do autor em menor extensão, quanto à obtenção de decisão do órgão ou entidade competente sobre o pedido indicado no item anterior, e determino à parte ré que decida o pedido administrativo do autor, no prazo de 30 dias.

Intime-se a parte autora para, em 15 dias, recolher as custas processuais ou comprovar concretamente a impossibilidade de arcar com as despesas deste processo.

Se cumprida a decisão, com o recolhimento das custas, deverá a secretaria prosseguir como segue.

(...)".

No caso, a Autora interpôs, nos autos principais, recurso de apelação, e aqui, pela petição acostada sob id , pretendendo que se dê ao referido recurso de apelação efeito suspensivo.

No referido recurso de apelação, a Autora, ora Requerente, insurge-se contra a parte da r. decisão em que foi declarada a ausência de interesse processual, com a consequente extinção parcial do feito, sem resolução do mérito.

O art. 354, parágrafo único, do CPC, estabelece ser o agravo de instrumento o recurso cabível quando a decisão referente às hipóteses do art. 485 e 487, II e III, do CPC disser respeito a apenas parcela do processo, in verbis:

"Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III , o juiz proferirá sentença.

 Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento".

Na r. decisão ora recorrida,  como vimos, a d. Magistrada Federal de primeiro grau invocou apenas o inciso IV do art. 485 do CPC.

Haja vista que o indeferimento da inicial foi parcial e se deu por decisão interlocutória, a impugnação teria que ter sido feita pela via do agravo de instrumento, razão pela qual  o recurso de apelação ora sob análise não merecer, sequer, ser conhecido.

Portanto, não conheço do noticiado recurso de apelação, acostado sob id 0805606-32.2023.4.05.8200 autos principais e dou por prejudicado o ora analisado pedido de efeito suspensivo do referido recurso.

Intime-se a parte Requerente.

Remeta-se cópia desta decisão para o d. Juízo a quo.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa.

Expedientes necessários.

Recife, data da assinatura.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Desembargador Federal Relator

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

INSS. FALECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. RESPONSABILIDADE DOS CARTÓRIOS DE REGISTRO CIVIL E DO SERVIDOR DO INSS NA BAIXA DO NOME.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue interessante caso, envolvendo o falecimento de pessoa com deficiência, cujo benefício assistencial era recebido pela Mãe, sendo que, não obstante o seu falecimento, o INSS continuou depositando o respectivo valor. O caso envolve a boa-fé da Mãe, que continuou recebendo o valor do benefício, cujo depósito não foi interrompido pelo INSS, e a responsabilidade legal do Cartório de Registro de Nascimento de comunicar o falecimento ao INSS e do Servidor do INSS que, ao receber a comunicação do Cartório, possa não tê-la encaminhado para o setor de benefícios dar a respectiva baixa. 

Boa Leitura. 


PROCESSO Nº: 0801756-77.2017.4.05.8200 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: GERUSA DE NAZARENO
CURADOR À LIDE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Cristina Maria Costa Garcez
 

Relatório

Trata-se de recurso de Apelação interposto por Gerusa de Nazareno (id. 4058200.10668052), ante r. Sentença prolatada pela Dra. Cristina Maria Costa Garcez, MMa. Juíza Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba que, apreciando ação pelo procedimento comum cível proposta pelo INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, em que se buscava provimento judicial que compelisse a ora Apelante a restituir valores sacados, em tese, indevidamente, a título de amparo social à pessoa portadora de deficiência, julgou procedente a pretensão exposta na inicial para condenar a Parte Ré a restituir ao INSS os valores que foram sacados indevidamente, a título de benefício assistencial (NB 87/519.515.102-0), no período compreendido entre 02/09/2011 e 30/11/2012.

Sustenta a Apelante que, de fato, realizou os saques dos valores referentes ao benefício assistencial titularizado por seu filho, mesmo após a sua morte.  No entanto, alega que não agiu de má-fé, visto que houve demora excessiva no trâmite processual que antecedeu a emissão do mandado para assentamento do óbito, expedido somente em 21/09/2012, com registro efetivo apenas em novembro de 2012, não podendo tal demora ser imputada a si.

Afirma ainda que seu núcleo familiar era composto pela Apelante, por seu marido e por seu falecido filho, sobrevivendo eles apenas do benefício assistencial de seu filho. Logo, a família era merecedora de benefício assistencial, tanto assim que, logo que satisfeito o requisito idade, seu marido requereu e foi concedido benefício assistencial pelo INSS.

Assim, quer por ter recebido de boa-fé, quer por ser o núcleo familiar de miserabilidade constatada pelo próprio INSS, tanto que concedeu benefício assistencial a seu marido, requer a Apelante a reforma integral da r. Sentença.

Com contrarrazões (id. 4058200.10955943) pela confirmação da r. Sentença vieram os autos, tocando-me por distribuição por sorteio automático. (id. 4050000.35310069)

É relatório.

 




Voto

O Desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Junior (relator):

Conheço do recurso interposto por GERUSA DE NAZARENO, porque observa o princípio da singularidade, tempestivo, devidamente instruído e com dispensa do preparo, tendo em vista o benefício da gratuidade da justiça concedido pelo Juízo de origem e que se estende a todos os atos processuais e a todas as instâncias (art. 9º da Lei nº 1.060/50).

Trata-se de recurso contra r. sentença da lavra da d. Magistrada Federal CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ, na qual condenou a Recorrente a devolveu ao INSS os valores que recebeu de benefício assistencial, depositado pelo INSS a favor do seu filho, depois do falecimento deste, pelo período de mais de um ano.  

Essa douta Magistrada Federal, depois de invocar regras do código civil, julgado de direito administrativo, firmou o seguinte convencimento:

"Por fim, registre-se que a realização dos depósitos pelo INSS, mesmo se cientificado do óbito, não autoriza os saques por parte da demandada, pelo que a conduta da autarquia promovente não pode ser apontada como causadora do dano, ainda que na forma concorrente. Mesmo disponibilizados os valores na conta do segurado falecido, estes efetivamente só foram sacados porque a ré, por sua própria vontade, tomou para si a responsabilidade pelo ato e pela apropriação dos valores."

E, diante dessa premissa, condenou Dona GERUZA NAZARENO a ressarcir o INSS de todos os valores que recebeu, por mais de um ano, com as atualizações pertinentes.

Examinemos a questão por outro prisma.

O filho da Apelante, Jaime Leopoldino dos Santos Júnior, era titular de amparo social à pessoa com deficiência (NB 87/519.515.102-0), vindo a falecer em 01/08/2011.

Ocorre que o INSS continuou depositando o valor do referido beneficio assistencial por mais de um ano. 

Na época do mencionado falecimento, o Cartório de Registro Civil, por força da regra cogente do art. 68 da Lei 8.212, de 1991[1], na redação então vigente desse dispositivo, tinha a obrigação de comunicar ao INSS, até o dia 10(dez) de cada mês, todos os falecimentos de pessoas cujos registros de nascimento estivesse nele cadastrados, inclusive o falecimento do filho da ora Recorrente, para que o INSS desse baixa e cancelasse o pagamento do benefício.

Na atual redação desse dispositivo legal, o prazo para o Cartório cumprir essa obrigação é de 1(um) dia útil[1].

A responsabilização pelo ressarcimento do INSS, o qual, não obstante o falecimento do Beneficiário, continuou a depositar o valor do benefício ao qual fazia jus quando vivo, deve ser atribuída ou ao Cartório de Registro Civil, caso não tenha efetuado a referida comunicação ao INSS ou, se o fez, ao Servidor do INSS que tenha recebido mencionada comunicação e não a tenha encaminhado ao setor de Benefícios dessa Autarquia para a referida baixa.

Isso deve ser rigorosamente apurado pela Procuradoria do INSS e, apurado o Responsável, contra ele propor a respectiva ação de ressarcimento.

Não se pode direcionar a responsabilidade pelo ressarcimento do INSS à Mãe do de cujus, pois, sendo pessoa muito simples e pobre, continuou a sacar o valor do benefício assistencial, porque era Procuradora do seu falecido filho que, em vida, era pessoa com deficiência, mesmo depois da morte do seu filho, primeiro, porque o INSS continuou a depositar, segundo porque ninguém lhe informou que não poderia mais sacar referido valor, terceiro porque não tinha a informação de que isso não poderia ser feito. Ora, diante da sua precariedade econômico-financeira, certamente pensou que, por isso, o INSS resolvera manter o beneficio assistencial em questão.

Consta na r. sentença criminal: "com efeito, muito embora tenha recebido ilicitamente o pagamento do benefício do filho, não considero que a Ré tenha agido de maneira fraudulenta, omitindo o óbito do filho, com vontade livre e consciente de receber vantagem indevida em face do INSS."[2]

Data maxima venia da d. Magistrada de primeiro grau, não encontro uma única prova de que a ora Autora tinha ciência de que não poderia sacar aqueles minguados reais, depositados espontaneamente pelo INSS.

Note-se que nem mesmo no campo criminal houve possibilidade jurídica de punir essa Mãe, vítima de tantas agruras na sua vida tão nazarena.

Nessas circunstâncias, tenho que o apelo merece ser provido, com reforma da r. sentença,  afastando-se a responsabilidade de Dona GERUSA DE NAZARENO, com pobreza até no sobrenome, e devendo a Procuradoria do INSS fazer as devidas apurações, conforme acima indicado, e buscar responsabilizar o real responsável por tamanha irresponsabilidade.

E também que se dê ciência ao MPF, para as apurações devidas e, se for o caso, para tomar as respectivas providências legais.

É como voto.


_______________________________________

[1] Lei 8.212, de 1991: 

Redação na época do falecimento do filho da Autora:

"Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.                 (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15.4.94) "..

Nova redação a partir de 2019:

"Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais remeterá ao INSS, em até 1 (um) dia útil, pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) ou por outro meio que venha a substituí-lo, a relação dos nascimentos, dos natimortos, dos casamentos, dos óbitos, das averbações, das anotações e das retificações registradas na serventia. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)"

[2] BRASIL. JUSTIÇA FEDERAL DA PARAÍBA. PJe 0802198-09.2018.04.05.8200. Juíza Federal Cristiane Mendonça Lage. Trânsito em julgado em 03.08.2021(sem recurso do MPF).



PROCESSO Nº: 0801756-77.2017.4.05.8200 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: GERUSA DE NAZARENO
CURADOR À LIDE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Cristina Maria Costa Garcez

 

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO. ASSISTENCIAL. MORTE DE BENEFICIÁRIO. CONTINUIDADE DOS DEPÓSITOS, PELO INSS, DO VALOR MENSAL DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESPONSABILIDADE PELO CARTÓRIO DE REGISTRO DE NASCIMENTO(ART 68 DA LEI 8.212, DE 1991) OU, SE FEITA A COMUNICAÇÃO DA MORTE AO INSS, PELO SERVIDOR DESTE QUE TENHA RECEBIDO E NÃO PROVIDENCIOU A BAIXA DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DA MÃE, QUE CONTINUOU SACANDO O VALOR DO BENEFICIO DEPOSITADO INDEVIDAMENTE PELO INSS. ESTADO DE DESINFORMAÇÃO E POBREZA EXTREMA. ABSOLVIÇÃO NA ÁREA CRIMINAL.

1. Recebimento e conhecimento de Recurso de Apelação interposto, a tempo e modo,  por G.N, com dispensa do preparo, tendo em vista o benefício da gratuidade da justiça concedido pelo Juízo de origem e que se estende a todos os atos processuais e a todas as instâncias (art. 9º da Lei nº 1.060/50).

2. Os fatos são absolutamente incontroversos.

2.1 - O filho da Apelante, J.L.S.J, era titular de amparo social à pessoa com deficiência (NB 87/519.515.102-0), vindo a falecer em 01/08/2011.

2.2 - Ocorre que o INSS continuou depositando o valor do referido beneficio assistencial por mais de um ano, ou porque o respectivo Cartório de Registro Civil não cumpriu a regra cogente do art. 68 da Lei 8.212, de 1991[1], que lhe obrigava e lhe obriga a comunicar ao INSS, no prazo de 1(um) dia útil, o falecimento de todo cidadão que nele se encontre com o nascimento registrado, para que o INSS possa dar baixa e cancelar o pagamento de eventual benefício, ou porque algum seu Servidor recebeu a comunicação do Cartório de Registro Civil e não providenciar a baixa do nome do filho da Recorrente, com automático cancelamento do benefício. 

2.2 - A responsabilização pelo ressarcimento do INSS, o qual, não obstante o falecimento do Beneficiário, continuou a depositar o valor do benefício ao qual fazia jus quando vivo, deve ser atribuída ao Titular do Cartório de Registro Civil, caso não tenha efetuado a referida comunicação ou, se o fez, essa responsabilidade cabe ao Servidor do INSS que tenha recebido mencionada comunicação e não a tenha encaminhado ao setor de Benefícios dessa Autarquia para a referida baixa.

2.3 - Isso deve ser rigorosamente apurado pela Procuradoria do INSS e, apurado o Responsável, contra ele propor a respectiva ação de ressarcimento.

3. Não se pode direcionar a responsabilidade pelo ressarcimento do INSS à Mãe do de cujus, pois, sendo pessoa muito simples e pobre, continuou a sacar o valor do benefício assistencial, mesmo depois da morte do seu filho, primeiro, porque o INSS continuou a depositar, segundo porque ninguém lhe informou que não poderiam mais sacar referido valor, terceiro porque não tinha a informação de que isso não poderia ser feito. Ora, diante da sua precariedade econômico-financeira, certamente pensou que, por isso, o INSS resolvera manter o beneficio assistencial em questão.

3.1 - Note-se que nem mesmo no campo criminal houve possibilidade jurídica de punir essa Mãe, vítima de tantas agruras na sua vida tão nazarena. Eis o trecho da r. sentença que trata do assunto: "com efeito, muito embora tenha recebido ilicitamente o pagamento do benefício do filho, não considero que a Ré tenha agido de maneira fraudulenta, omitindo o óbito do filho, com vontade livre e consciente de receber vantagem indevida em face do INSS."

4. Nessas circunstâncias, o voto é no sentido que o apelo merece ser provido, com reforma da r. sentença,  afastando-se a responsabilidade de Dona G. DE NAZARENO, com pobreza até no sobrenome, devendo a Procuradoria do INSS fazer as devidas apurações, conforme acima indicado, e buscar responsabilizar o real responsável por tamanha irresponsabilidade.

4.1 - E também que se dê ciência ao MPF, para as apurações devidas e, se for o caso, para tomar as respectivas providências legais.

5. Recurso de apelação conhecido e PROVIDO, com inversão dos ônus da sucumbência, ficando a verba honorária advocatícia limitada à gradação mínima do § 3º do art 85 do CPC.

FA



 

ACORDÃO

 

Vistos, relatado e discutido o constante nestes autos, em que as Partes são as acima mencionadas, os (as) Desembargadores (as) Federais da QUINTA TURMA do TRF da 5ª Região ACORDAM, por unanimidade, em dar PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto do Relator e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. 

 

Recife, data da validação eletrônica.

 

 

 Francisco Alves dos Santos Júnior 

 Desembargador Federal Relator

 

 






Processo

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DISPENSA DA GARANTIA DO JUÍZO NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL(STJ) E NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO POR FALTA DE DIALETICIDADE COM AS QUESTÕES DOS AUTOS.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

 Segue decisão bem interessante, na qual se aborda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgado de efeito repetitivo,  sobre a possibilidade de dispensa da garantia do Juízo na ação de embargos à execução fiscal e o não conhecimento de apelação em face da inobservância do princípio da dialeticidade recursal. 

Boa leitura.

Obs.:  decisão pesquisada e minutada pela Assessora Ana Carolina Freitas de Souza.

 

PROCESSO Nº: 0801094-43.2022.4.05.8102 - APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: P G R DE M

ADVOGADO: M V R V

APELADO: CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA

ADVOGADO: Carine Furtado Damasceno

RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma

MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador(a) Federal Danielli Farias Rabelo Leitao Rodrigues

JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Flavio Marcondes Soares Rodrigues

 

DECISÃO

RELATÓRIO

1 - Trata-se de recurso de apelação interposto por P G R DE M em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, pela qual se julgou extintos sem resolução do mérito os embargos à execução movidos contra o CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARÁ pelo indeferimento da inicial, na forma do art. 485, I, do CPC. Eis o teor da r. sentença recorrida:

"1. Relatório

P G R DE M ajuizou EMBARGOS À EXECUÇÃO, em face do  CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA em razão de dívida inscrita conforme CDA que lastreia a Execução Fiscal.

O despacho de id 4058102.25988458 determinou a emenda da inicial, a fim de que o Embargante acostasse aos autos prova da garantia do juizo, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito.

O embargante limitou-se a juntar comprovante de citação.

É o relatório, decido.

 2. Fundamentação

Verifica-se que a exordial não atende as formalidades exigidas nem atentou-se o Embargante de emendá-la no prazo estabelecido, conforme determinado.

Desta feita, não resta óbice algum à extinção do presente processo.

 3. Dispositivo

Diante do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 485, inciso I, do NCPC.

Sem custas.

Sem honorários.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

2 - Foram opostos embargos de declaração contra a r. sentença por Périkles Giovanni Rodrigues de Macedo, com fundamento em omissão acerca de precedente do Superior Tribunal de Justiça que flexibiliza a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal no caso de o Embargante não ter patrimônio para garantir o crédito exequendo (id. 4058102.26279175).

3 - Sentença integrativa em id. 4058102.27644558, pela qual se desproveu o recurso de embargos de declaração nos seguintes termos:

"1. Relatório

Trata-se de recurso de embargos de declaração opostos por P G R DE M em face da sentença de id. 26279175.

Sustentou que a sentença incorreu em omissão por não ter se manifestado sobre precedente do Superior Tribunal de Justiça que flexibiliza a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal, no caso de o embargante não deter patrimônio para garantir o crédito exequendo.

É o relatório.

Decido.

2. Fundamentação

Os embargos de declaração podem, excepcionalmente, ter caráter infringente, quando manejados para: a) correção de erro material; b) superação de omissão; c) eliminação de contradição ou obscuridade.

A omissão, primeiro fundamento do recurso, lastreia-se na não manifestação deste juízo federal quanto ao entendimento adotado pela Primeira Seção do e. STJ quando do julgamento da REsp 1.487.772/SE, que entendeu por admitir o afastamento da exigência de garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocamente que o Devedor não detém património para tanto, e que restou assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.

1. 'Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça' (Enunciado Administrativo n. 2 - STJ).

2. Os embargos à execução são o meio de defesa do executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, mas que 'não serão admissíveis ... antes de garantida a execução' (art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80).

3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, 'em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja, o art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.'

4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.

5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.

7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e a ação de embargos à execução por ele oposta não foi recebida, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de garantia do Juízo.

8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato de o Executado, ora Recorrente, ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição da referida ação de defesa sem a garantia do Juízo.

9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (de o Executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, 'tal implicaria em garantir o direito de defesa ao 'rico', que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao 'pobre' por falta de recursos para tanto.

10. Não tendo a hipossuficiência do Executado, ora Recorrente, sido enfrentada pela primeira instância, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.

11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido. (REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019).

Considera-se omissa a decisão que deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos (incidente de resolução de demandas repetitivas, recurso especial e extraordinário repetitivos)[1] ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento (art. 1.022, parágrafo único, inciso I do CPC).

A decisão apontada pelo embargante consiste em precedente persuasivo e não vinculante, ou seja, trata-se de julgado que não impõe aos órgãos do Poder Judiciário o seguimento do entendimento firmado.

Ademais, registro que, em nenhuma das manifestações anteriores ao presente recurso, o embargante arguiu a sua impossibilidade de garantir o juízo.

Tratando-se de embargos à execução fiscal não se prescinde da aplicação do §1º do art. 16 da Lei n. 6.830/1980, que estabelece a inadmissibilidade dos embargos antes de garantida a execução.

Com efeito, a sentença de id. 26279175 indeferiu a ação de embargos a execução oposta em razão do não cumprimento integral do despacho de id. 25988458, notadamente quanto a não comprovação da garantia do juízo, tampouco da juntada do título executivo, uma vez que o embargante se ateve tão somente a colacionar prova da tempestividade.

Não há que se cogitar de omissão.

Destarte, mantem-se hígido o provimento jurisdicional em todos os seus termos.

Cabe a parte que irresignada com o teor decidido dele recorrer, não sendo adequada a oposição de embargos de declaração para tal desiderato.

3. Dispositivo

Ante o exposto, NÃO ACOLHO o recurso de EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, razão pela qual mantenho a sentença em todos os seus termos.

Diante de eventual interposição de recurso de APELAÇÃO, INTIME-SE a PARTE RECORRIDA para, no PRAZO de 15 (QUINZE) DIAS, apresentar CONTRARRAZÕES.

DECORRIDO o PRAZO e independentemente de atendimento do objeto da intimação, REMETAM-SE os autos ao e. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a REGIÃO.

INTIMEM-SE.

Após o trânsito em julgado, BAIXEM-SE estes autos da Distribuição e ARQUIVEM-SE.

Expedientes necessários".

4 - Em suas razões recursais (id. 4058102.28075609), o Particular Apelante sustentou, em síntese, que:

(i) houvera o bloqueio do valor da execução em conta corrente do Apelante, razão pela qual fora garantido o juízo;

(ii) a cobrança das anuidades de 2015 a 2019 seria indevida, na medida em que o Apelante não seria filiado ao conselho apelado, sendo que trabalhou apenas durante três meses como representante em uma empresa;

(iii) considerando o teto legal mínimo para o ajuizamento de execuções referentes a dívidas de anuidades previsto na Lei nº 12.514/2011, o prazo prescricional para o Apelado ajuizar a execução teria início a partir do vencimento da anuidade referente ao ano de 2012 e se esgotaria no ano de 2017, considerando ser quinquenal, na forma do art. 174 do CTN.

5 - Em vista disso, o Apelante requereu "seja conhecido e provido o presente recurso, reformando-se a sentença ora atacada, para que sejam as anuidades de 2015 à 2019 declaradas prescritas, e, consequentemente, seja extinto o executivo fiscal, com a liberação dos valores penhorados".

6 - Contrarrazões do CORE, acostadas sob id. 4058102.28502196, pugnando pela manutenção da r. sentença recorrida.

7 - Em seguida, os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, convém delimitar a extensão do efeito devolutivo deste recurso de apelação.

A r. sentença julgou extinta ação de embargos à execução fiscal oposta pelo ora Apelante porque, apesar de intimado, este deixou de emendar a petição inicial para instruí-la com documentos indispensáveis à propositura da ação.

Assim, a matéria que poderia ser devolvida ao órgão colegiado limita-se à regularidade ou não petição inicial, não dando ensejo a penetrar nas questões de mérito propriamente arguidas nos embargos à execução fiscal, sob pena de supressão de instância.

A simples leitura das razões recursais evidencia que o Apelante não aborda e, consequentemente, não ataca as razões pelas quais o MM. Juízo a quo indeferiu a petição inicial, a saber, descumprimento do despacho que determinou a juntada de cópia do título executivo e da penhora em garantia do juízo, in verbis:

"DESPACHO

A ação de Embargos à Execução Fiscal é ação de conhecimento autônoma que deve preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC.

Sendo assim, determino que o embargante emende a inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, procedendo à juntada de todos os documentos necessários para a instrução do feito e julgamento da causa, a exemplo da prova da tempestividade, cópia do título executivo, bem como penhora realizada, sob pena de extinção, nos termos do art. 321. parágrafo único c/c art. 485, I do CPC.

Após, voltem os autos conclusos"

Com efeito, após ter sido lançado o despacho supra, o ora Apelante limitou-se a juntar cópia da tempestividade dos embargos à execução, permanecendo inerte quanto às demais providências que lhe competiam para emendar a petição inicial a contento, especialmente a juntada de prova de garantia do juízo e do título executivo.

Todavia, ao interpor o recurso de apelação, o Apelante tratou da nulidade da CDA por inexistência de relação jurídica tributária e da prescrição do credito tributário, que são matérias estranhas à r. sentença recorrida.

Destarte, verifica-se que o presente recurso não traz impugnações relativas ao provimento judicial trazido na r. sentença.

Sobre a questão, o art. 932, III, do CPC, dispõe que incumbe ao relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

Na hipótese vertente, restou caracterizada a interposição de recurso com razões dissociadas da matéria decidida na r. sentença recorrida, motivo pelo qual não deve ser este recurso conhecido.

DISPOSITIVO

Posto isso, com base no art. 932, III, do CPC, não conheço da presente Apelação.

Intimem-se as partes e, após o trânsito em julgado, retornem ao juízo a quo.

Retire-se de pauta.

Expedientes necessários.



Recife, data da assinatura.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Desembargador Federal Relator