segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

EX-COMBATENTE FALECIDO. DIREITO À PENSÃO DAS FILHAS: UM CASO DE IMPROCEDÊNCIA.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Quando as filhas de um Ex-Combatente, já falecido, que não recebeu a respectiva Pensão Especial em vida, querem receber a respectiva Pensão, na qualidade de dele dependentes, têm que provar, primeiro, a qualidade de ex-combatente do Falecido, e também que eram dele filhas, suas dependentes e que continuam solteiras e sem emprego, ou seja, que são social, econômica e financeiramente, carentes. 
No caso, analisado e decidido na sentença que segue, as Autoras não fizeram tais provas. 
Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0810004-57.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: M V DA S e outros
ADVOGADO: R V De S
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
 
SENTENÇA TIPO A

EMENTA: - PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. REJEITADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ACOLHIDA. LEI DA DATA DA SUA MORTE. IMPROCEDÊNCIA.
- A pensão especial de ex-combatente pode ser requerida a qualquer tempo, sem prejuízo da prescrição quinquenal das parcelas do período anterior à data do requerimento administrativo, se houver, ou, se não houver, da data da propositura da ação.
- A Lei de regência, vigente na data do falecimento do ex-militar em questão, estabelecia requisitos para a concessão da referida pensão, os quais não foram comprovados como preenchidos pelas Autoras.
- Improcedência.

Vistos, etc.

1. Relatório

M V DA S N, M V DA S F e R L A, qualificadas na petição inicial, ajuizaram a presente Ação Ordinária de Concessão de Pensão de Ex-Combatente em face da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. Inicialmente, requereram a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Alegaram, em síntese, que: a) seriam filhas do Sr. Romão Vieira da Silva (CTPS N.39682 SÉRIE 225),  ex-militar do Exército Brasileiro, que teria servido à Pátria no período que abarcou a Segunda Guerra Mundial, o qual foi a óbito em 31/01/1984; b) não teriam conseguido a Certidão de Tempo de Serviço de Ex-Combatente do seu genitor junto ao Exército; c) teriam direito ao recebimento de pensão especial de ex-combatente decorrente do óbito do seu pai. Teceram outros comentários e requereram a procedência dos pedidos. Deram valor à causa. Instruíram a inicial com documentos.
O despacho de identificador 4058300.2727961 concedeu às Autoras os benefícios da justiça gratuita e determinou a citação da Ré.
Devidamente citada, a União apresentou contestação. Em prejudicial de mérito, suscitou a ocorrência da exceção de prescrição do fundo de direito e da prescrição quinquenal. No mérito propriamente dito, aduziu, em síntese, que: a qualidade de ex-combatente do Genitor das Autoras não teria sido demonstrada, e, mesmo que tivesse sido demonstrada e comprovada, elas não teriam direito à pensão pleiteada, por não preencherem os requisitos para o seu recebimento. Discorreu sobre marco inicial e juros de mora e, ao final, requereu a improcedência dos pedidos (Id. 4058300.2971380).
Em réplica, as Autoras rebateram as alegações da União e requereram o provimento dos pedidos (Id. 4058300.3253841).
Intimadas para manifestar interesse na produção de provas, a União manifestou seu desinteresse (Id. 4058300.4433499), ao passo em que as Autoras requereram a inclusão, no polo ativo, da Sra. M V DA S F, irmã das Autoras (Id. 4058300.4742493).
A União discordou do pedido das Autoras (Id. 4058300.4834576), tendo-se, na decisão de identificador 4058300.5278768,  indeferido o pleito.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação

2.1 - Do Mérito

2.1.1 -  Da Exceção de Prescrição


A União suscitou ocorrência da exceção de prescrição do fundo de direito e das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação.
No que concerne à exceção de prescrição do fundo do direito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido de que a pensão especial de ex-combatente pode ser requerida a qualquer tempo, resguardado o direito à percepção das prestações mensais à prescrição de 5 anos, exceto se houver negativa expressa da Administração Pública do direito reclamado.
Nesse sentido:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO. EX-COMBATENTE. VIÚVA. MAIORIDADE DO FILHO. PEDIDO DE REVERSÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO AFASTADA. PRECEDENTES DO STJ.
1. A instância ordinária decidiu a questão em consonância com a orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal, firme no sentido de que a pensão de ex-combatente pode ser requerida a qualquer tempo, não incidindo à espécie a prescrição do fundo de direito.
Assim, o termo inicial para o pagamento do benefício deve recair na data do requerimento administrativo ou, na falta deste, na data da citação, uma vez que é a partir de um desses eventos que se forma o vínculo entre a administração e o interessado. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.".[1]
Compulsando os autos, verifico que não houve requerimento na via administrativa, com negativa expressa da Administração quanto ao pedido de pensão, haja vista que o documento de identificador 4058300.2715469 refere-se, tão somente, ao requerimento de 2ª Via do Certificado de Reservista do genitor das Autoras.
Assim, deve ser rejeitada a exceção de prescrição do fundo de direito, mas
Noutro vértice, por se tratar de benefício de prestação continuada em que o prazo prescricional se renova a cada mês pela omissão do pagamento, incide a prescrição apenas das parcelas relativas ao quinquênio que antecedeu a eventual requerimento administrativo ou, na sua ausência, a propositura da ação, in verbis:
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação."(Súmula nº 85/STJ)
Assim, considerando que não houve requerimento administrativo e considerando a data do ajuizamento desta ação (15/12/2016), tem-se que se encontram prescritas as parcelas que antecederam o quinquênio da propositura desta ação, ou seja, anteriores a 15/12/2011.
Então, deve ser rejeitada a exceção de prescrição do fundo do direito, mas acolhida a exceção de prescrição quinquenal, com resolução do respectivo mérito.

2.1.2. Da Questão
Cinge-se a controvérsia em saber se as Autoras teriam direito à concessão da pensão especial de ex-combatente decorrente do óbito do seu genitor.
De acordo com consagrado entendimento doutrinário e jurisprudencial, a pretensão das Autoras deve ser apreciada à luz da legislação vigente na data do óbito do ex-combatente. Trata-se da aplicação da teoria do tempus regit actum, conforme decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 21.207-DF.
In casu, verifica-se que o óbito do ex-combatente instituidor da pensão ocorreu em 31/01/1984 (Certidão de óbito do instituidor - Id. 4058300.2715480).
Então, a legislação vigente à época do óbito do instituidor do benefício e que regularia a concessão da pensão especial estava corporificada nas Leis n° 3.765/1960 e 4.242/1963, que devem ser consideradas.
Percebe-se que a Lei 4.242/1963 apresenta, em seu art. 30, os requisitos para a concessão da referida pensão:
"Art 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960.".
Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei nº 3.765, de 1960. (grifo nosso).
Inicialmente, constato, no presente caso, que as Autoras não comprovaram a qualidade de ex-combatente do seu falecido Genitor, pois não juntaram aos autos qualquer documento nesse sentido.
E mesmo que mencionada prova tivesse sido feita, verifica-se que, para a concessão da referida pensão teriam que ser preenchidos os seguintes requisitos: 1) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; 2) ter efetivamente participado de operações de guerra; 3) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência; e 4) não perceber qualquer importância dos cofres públicos.
Ora, diante do caráter assistencial do benefício, bem como da logicidade do sistema, os requisitos de incapacidade e impossibilidade de prover o próprio sustento e de não perceber nenhuma importância dos cofres públicos, que seriam exigidos do ex-Combatente, se vivo fosse,  também teriam que ser exigidos, no caso de sua morte,  dos seus dependentes que viessem a requerer a concessão de pensão.
E como as Autoras não fizeram essa prova, também por essa vertente o feito não procederia.
Conclui-se, então, que as Autoras não se desencarregaram de provar os fatos constitutivos de seu direito, nos termos em que impõe o artigo 373, I, do Código de Processo Civil.
Acerca do tema, colaciona-se recente jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EX-COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. REVERSÃO. FILHA MAIOR DE 21 ANOS E CAPAZ. LEIS N. 3.765/1960 E N. 4.242/1963. INCIDÊNCIA. REQUISITOS LEGAIS. INCAPACIDADE DA BENEFICIÁRIA DE PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO E DA NÃO PERCEPÇÃO DE QUALQUER IMPORTÂNCIA DOS COFRES PÚBLICOS. NÃO COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO INDEFERIDO. PRECEDENTES DO STJ.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.350.052/PE (sessão de 14/8/2014), de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, "[...] assentou o entendimento de que, quando o óbito do instituidor da pensão tiver ocorrido antes da Constituição da República de 1988, como no caso dos autos, devem ser observadas as disposições das Leis n. 4.242/1963 e n. 3.765/1960, as quais estabelecem, em linhas gerais, que a pensão será equivalente à graduação de Segundo Sargento, de forma vitalícia, aos herdeiros do ex-combatente, incluídas as filhas maiores de 21 anos e válidas, desde que comprovem o não recebimento de qualquer importância dos cofres públicos, bem como a condição de incapacidade e impossibilidade de sustento próprio (art. 30 da Lei n. 4.242/63)" (AgInt no REsp 1.539.755/ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 31/3/2017).
2. Esta Corte Superior consolidou a orientação jurisprudencial de que, diante do caráter assistencial do citado benefício, os requisitos de incapacidade e impossibilidade de prover o próprio sustento e de não perceber nenhuma importância dos cofres públicos, previstos no art. 30 da Lei n. 4.242/1963, devem ser preenchidos pelos herdeiros do ex-combatente para que possam habilitar-se ao recebimento da pensão. Nesse sentido: (AgInt no AREsp 1.073.891/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5/10/2017, DJe 11/10/2017) e (REsp 1.683.103/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2017, DJe 11/10/2017).
3. No caso, concluiu a Corte de origem que "não há provas nos autos de que a autora seja incapacitada, sem poder prover seus próprios meios de subsistência, tampouco que não recebe qualquer importância dos cofres públicos", circunstância que resultou no indeferimento do pedido de concessão da pensão especial, nos termos da jurisprudência dominante no STJ acerca do tema.
4. Agravo interno a que se nega provimento.".[2].
Constata-se, então, que os pleitos ainda não prescritos também não prosperam.
3. Conclusão

Ante o exposto:
3.1. Rejeito a exceção de prescrição do fundo do direito,  acolho a exceção de prescrição quinquenal e pronuncio a prescrição das parcelas e diferenças anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento desta ação, ou seja, das parcelas e diferenças anteriores ao dia 15/12/2011, dando, com relação a tais parcelas, o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, II, CPC);

3.2. Com relação ao restante da pretensão, julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC;

3.3. Condeno as Autoras ao pagamento de custas e de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, suspensa, todavia, a exigibilidade de tais verbas em face da gratuidade de justiça deferida(§ 3º do art. 98 do CPC).

Registrada, intimem-se.


Recife, 04.02.2019.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 
_______________________
Notas de Rodapé
[1]  BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. AgInt no REsp 1622111/PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 19/06/2018, in DJe 26/06/2018.

[2] ______________________________. 2ª Turma. AgInt no AREsp nº 725.148/ES, Relator Ministro Og Fernandes, julgado em 02/10/2018, DJe 08/10/2018) (grifo nosso).