quinta-feira, 4 de junho de 2015

ENSINO SUPERIOR. EXAME VESTIBULAR. FALSA COTISTA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
O candidato a exame vestibular nas Universidades Públicas do Brasil que se inscreve como cotista, porque teria estudado em Escola Pública, e, no ato da matrícula, não consegue comprovar essa situação, perde o direito à matrícula na Universidade, ainda que tenha obtido nota que o habilitaria à matrícula se tivesse feito a inscrição como não-cotista.
 
Na decisão que, um caso concreto é debatido.
 
Boa Leitura.
 
 
 
PROCESSO Nº: 0803519-75.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTORA: R. R. D. S. O.
ADVOGADO: F P C S DE S
RÉU: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO - IFPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

D E C I S Ã O

1. Relatório



R R DOS S O, qualificada na Inicial, representada por sua genitora, C M DOS S, propôs a presente Ação de Obrigação de Fazer em face do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco-IFPE. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita.  Aduziu, em síntese, que: teria logrado êxito no vestibular IFPE 2015, sendo aprovada para o curso de ensino médio técnico 1409 - 1ª Entrada - Mecânica - Integrado - Turno: Tarde - Tipo de Vaga: Cotista - Renda menor ou igual a 1,5 salário mínimo - SM PPI - 1ª Classificada com média: 65,80; quando da realização da matrícula, que, conforme o Edital (Doc. 03, página 17), seria nos dias 19/01/15 e 22/01/15, a Requerente teria se dirigido ao local indicado juntamente com sua vizinha, a Sra. Jásia Ramos Ximenes de Souza, porquanto sua genitora e representante legal estaria hospitalizada  (Doc. 04), recuperando-se de um quadro clínico grave, recebendo alta somente no dia 19/01/15; mesmo apresentadas todas as documentações exigidas, a parte Ré não teria realizado a matrícula da Requerente, sob o argumento de que esta não cursara o ensino fundamental em escola pública, requisito apontado no Edital para o ingresso de alunos cotistas aprovados; após receber alta, a Genitora da Requerente teria tentado, sem sucesso, realizar a matrícula de sua filha no dia destinado às matrículas retardatárias, pois, sob o mesmo argumento, a parte Ré teria rejeitado a concretização da matrícula, o que resultara na desclassificação da Requerente e cancelamento de sua matrícula (doc. 03, página 39, item 11.4); pela nota obtida, a Requerente estaria apta a ingressar nas vagas destinadas pelos alunos não-cotistas; não seria razoável, pois  tal medida sumária, eis que afastaria a exata compreensão da norma constitucional de acesso à educação em prol de certos formalismos, alternativa não restou a requerente senão ajuizar a presente ação, nos termos do fundamento a seguir destacado; não haveria como negar o fato de que a requerente cursara apenas um ano (doc. 05, página 02 - 8ª série, ano 2014) em escola da rede pública de ensino, Escola Roberto Silveira; durante a inscrição; a Requerente teria preenchido ser cotista amparada na renda mensal de sua família, que é inferior a 1,5 salário mínimo, bem como em razão de se autodeclarar da cor negra; devido à sua origem humilde, não percebera que tal condição, de ter cursado em escola pública, deveria abarcar todo o período de ensino fundamental; tal erro, no entanto, não poderia impedir o acesso da Requerente no ensino médio técnico, porquanto a nota obtida por ela se revelaria suficiente para classificá-la entre aqueles aprovados na ampla concorrência, isto é, não cotistas; conforme a relação de candidatos classificados, a Requerente ficaria em 15º lugar, no total de 20 (vinte) vagas (doc. 03 - página 15; Doc. 02) ofertadas para o curso de mecânica, tendo em vista a nota por ela obtida, que fora de 65,80 pontos. Teceu outros comentários. Transcreveu jurisprudência. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, no sentido de condenar a parte Ré a realizar a matrícula da Requerente no curso 1409-1ª  Entrada - Mecânica, Turno: Tarde, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco. Inicial instruída com procuração e documentos.



É o relatório, no essencial. Passo a decidir.



2. Fundamentação



2.1-Justiça gratuita



Merece ser concedido à parte autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente(art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e Lei nº 1.060, de 1950).



Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, pois estas são exclusivas de defensor público ou de quem ocupe cargo equivalente.



2. Do pedido de tutela antecipada



No caso em análise, em um juízo perfunctório, não verifico a presença dos requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada. 



Compulsando a documentação acostada aos autos, notadamente o Histórico Escolar, observa-se que a Autora cursou apenas um ano em instituição pública de ensino: a 8ª serie  (hoje denominada "9º ano") na Escola Roberto Silveira. A despeito de tal situação, a Autora preencheu o formulário de inscrição como se cotista fosse, não atendendo por conseguinte, o requisito previsto em lei, ensejando a sua desclassificação.



Cumpre destacar que o Edital, no item 3, dispõe claramente, verbis:



A Reitora do IFPE, amparada pela Resolução Nº 041/2013 - Conselho Superior- IFPE, expedida no dia 08/08/2013, reserva no mínimo 50% das vagas do Exame de Seleção/Vestibular IFPE 2015 por Curso / Turno / Entrada disponíveis nas diversas modalidades de Ensino no IFPE para alunos oriundos da Rede Pública Estadual ou Municipal do Território Nacional, com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.


Art. 1º: Fixar em 50% (cinqüenta por cento) a reserva de vagas por curso/turno nas diversas modalidades de ensino deste Instituto nos exames de seleção, para fins oriundos de Escolas da Rede Pública do Território Nacional nos Cursos Oferecidos nos Campi do IFPE.


§1º. Para efeitos do disposto na Lei n. 12.711/2012, do Decreto n. 7824/2012, na Portaria Normativa n. 18/2012. e nesta Resolução, considera-se escola pública, a instituição de ensino criada ou incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, nos termos do inciso I, do art. 19, da Lei n. 9394/1996.


§2º. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco reservará, em cada processo seletivo para ingresso nos cursos técnicos e superiores, por curso e turno, o mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham  cursado, integralmente o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio, conforme o caso, em Escolas da Rede Pública do Território Nacional, observadas as seguintes condições:


I - no mínimo 50% (cinquenta por cento) das vagas de que trata o caput serão reservadas aos estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita;e


II - proporção de vagas no mínimo igual à da soma de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, será reservada aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.


III - Os outros 50% (cinquenta por cento) das vagas de que trata o caput serão reservadas aos estudantes com renda familiar superior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita; e


IV - proporção de vagas no mínimo igual à da soma de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da Instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -  IBGE, será reservada aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.


§3º. As vagas reservadas no caput deste Artigo serão preenchidas segundo os critérios estabelecidos a seguir:


I- Para concorrer ao percentual de vagas mencionadas nos subitens I e III, o candidato deverá declarar, em campo próprio, no momento da inscrição, haver cursado integralmente o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio, conforme o caso, em Escolas da Rede Pública do Território Nacional, não sendo aceita qualquer outra forma de declaração posterior à efetivação da inscrição.


II- Para concorrer ao percentual de vagas mencionadas nos subitens II e IV, o candidato deverá se auto declarar preto, pardo ou indígena, em campo próprio, no momento da inscrição


III- Se, na classificação geral por curso, estiverem incluídos candidatos optantes pelo sistema de cotas, em números igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) do total das vagas do curso,considerar-se-á já atendido o sistema específico de cotas.


IV- Se, na classificação geral por curso, estiverem incluídos candidatos optantes pelo sistema de cota s, em número inferior a 50%  (cinquenta por cento) do total de vagas do curso/turno/entrada, será procedida a classificação dos candidatos cotistas em quantidade suficiente para alcançar o percentual de vagas esta belecido para esse sistema de cotas, persistindo a  existência de vagas, essas serão preenchidas pelos demais candidatos, obedecendo-se à ordem decrescente de classificação.


V- A não comprovação pelo candidato da condição descrita nos subitens I e III, no período de efetivação da matrícula, determinará a perda definitiva da vaga no curso pretendido. (original sem grifos)  

No presente caso o Instituto-réu cumpriu mencionada regra, aplicando-a a todos os Candidatos.



Ora, o processo seletivo se inicia no próprio ato de inscrição, no qual se já se pode avaliar o grau de zelo e atenção por parte do candidato. Com efeito, o correto preenchimento da Ficha de Inscrição foi expressamente exigido no Edital do certame, pelo que não poderia a então candidata, ora Autora,  eximir-se de tal incumbência e, posteriormente, postular vaga junto à ampla concorrência, em razão de sua desclassificação como cotista.



Reputo temerário, pois, abrir tal precedente e, por consequência, vulnerar o princípio da isonomia, eis que na harmonização entre este princípio e o da razoabilidade, no caso presente, impõe a prevalência daquele, em nome de outro princípio, o da segurança jurídica e organização do Estabelecimento de Ensino.

Também poderia incentivar, para o futuro, candidatos pouco honestos(o que não parece ser o caso da Autora)a apresentar-se como cotista, ciente de que, caso se concretizasse situação como a da ora Autora, a Justiça dar-lhe-ia uma medida liminar para resolver o seu problema, causando desarranjo jurídico-administrativo na Instituição de Ensino e na vida dos demais Candidatos que fizeram a indicação de forma correta.

O desaconselhável "jeitinho brasileiro" deve ser desincentivado e combatido desde cedo, para que os jovens cresçam com responsabilidade e altivez.



Sublinho, a título de complementação que,  na espécie, o legislador buscou dar concretude aos direitos fundamentais da isonomia e do acesso à educação através do estabelecimento de cotas para egressos do sistema público de ensino e, para isso, estabeleceu a regra constante no art. 1º da Lei 12.711/2012:



Art. 1o  As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.


Parágrafo único.  No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.



Assim, diante de tudo que foi exposto acima, a rejeição do pleito antecipatório é medida que se impõe.



3. Conclusão.



Diante de todo o exposto:



a)      defiro o pedido de justiça gratuita;



b)      indefiro o pedido de antecipação da tutela;



c)      Cite-se o Instituto-réu, na forma e para os fins legais.



Recife, 04 de junho de 2015.

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

                                                                                                                                                            LSC