quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A ESTRUTURA DO SISTEMA (JURÍDICO-CONSTITUCINAL DO BRASIL).

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A Constituição da República Federativa do Brasil não é norma ápice do sistema jurídico nacional, como sustentam alguns, certamente influenciados por Kelsen, mas sim a norma alicerce de sustentação do Sistema e da qual poderão advir as demais normas, que constituirão as paredes e colunas mestras desse Sistema, veiculadas em Leis Complementares(normalmente orgânicas), Leis Ordinárias (geralmente instituidoras), precedidas, em algumas situações, por Medidas Provisórias(que obrigatoriamente, em certo prazo, são transformadas em Leis Ordinárias, ou deixam de existir) Decretos(alguns autônomos, mas na maioria regulamentadores de Leis), Portarias, Resoluções etc. O telhado desse Sistema, que constituirá a sua manutenção e segurança, será o Povo Brasileira, representado pelo Parlamento, mesclado com o Poder Executivo e com a balança do Poder Judiciário. 

Quanto melhor souber, o Povo Brasileiro, escolher os seus Parlamentares e Chefe do Poder Executivo, menos goteiras haverá no telhado do Sistema e melhor será para o Brasil.

Os pesos e contrapesos têm que funcionar muito bem, não devendo nenhum dos Poderes sobrepor-se aos demais, nem invadir as respectivas competências, porque, se isso acontecer, goteiras se abrirão no telhado, enfraquecerão as paredes e o alicerce, as colunas mestras cederão, com o desmoronamento do SISTEMA. 

Recife, 18 9 2024

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE: Um caso no qual não pode ser aplicado.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

O(A) Advogado(a) tem que ter muita cautela quando vai interpor algum recurso, para não incidir no erro apontado na decisão infra. É que nem sempre o Magistrado pode aplicar o principio da fungibilidade, como no presente caso. 

Boa leitura. 

Obs.: Decisão pesquisada e minutada pela Assessora Dalma Camila Damasceno Silva.


PROCESSO Nº: 0800176-61.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: V J A e outros
ADVOGADO: A K P De C S
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF e outro
ADVOGADO: R M Dos S
RELATOR: Desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Júnior 

TRF5R - 5ª Turma

DECISÃO

 

1 - Trata-se de recurso de Apelação interposto por V J A e outros em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, por meio da qual se reconheceu a ilegitimidade da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL para figurar no polo passivo de ação de procedimento comum ajuizada pela Recorrente e, por conseguinte, reconheceu a incompetência da Justiça Federal para o processamento do feito, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual.

2 - Em suas razões recursais (id. 4058300.30240354), os Apelantes alegam, em síntese, haver legitimidade passiva ad causam da CAIXA, tendo em vista que a presente demanda visa a definir responsabilidade da referida Empresa pública, na qualidade de patrocinadora do plano de previdência da FUNDAÇÃO DOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS - FUNCEF, no que diz respeito ao custeio extraordinário dos planos em caso de déficit atuarial.

3 - Em suas contrarrazões, a CAIXA defende a inadmissibilidade do recurso por erro grosseiro, sob o fundamento de que o recurso cabível contra a r. decisão, seria o agravo de instrumento (4058300.31163614).

É o relatório.

4 - Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão ora recorrida tem natureza de interlocutória, uma vez que não encerrou a presente demanda. Ao se declarar a ilegitimidade passiva da CAIXA e declinar da competência, impõe-se a continuidade da demanda promovida pela parte Apelante, com a remessa dos autos à Justiça Estadual.

5 - Nesse contexto, o pronunciamento judicial desafia o recurso de agravo de instrumento. A propósito, impende destacar que o recorrente não foi induzido a erro, tendo em vista que o ato judicial impugnado foi corretamente nomeado como "decisão". Precedente: TRF5, 2ª T., PJE 0802386-09.2017.4.05.8500, rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, assinado em 05/08/2020.

6 - Esta Corte já decidiu: "É evidente que a decisão que declina da competência não possui natureza jurídica de sentença, porque não põe fim ao processo, nem a uma de suas fases. Reconhecida a incompetência do juízo, os autos são remetidos para o juízo competente, onde o processo segue sua marcha regular, no caso, tudo indica que este processo tramita perante o Juizado Especial Federal, que recebeu a demanda por livre distribuição. Trata-se, portanto, de decisão interlocutória, a qual haveria de ser impugnada por meio de agravo de instrumento ou mesmo por mandado de segurança, caso não se admita o agravo." [1]

7 - Nessa linha de entendimento, o eg. STJ decidiu ser "cabível o agravo de instrumento para impugnar decisão que define a competência, que é o caso dos autos."[2]

8 - Com essas considerações, tenho que a interposição de apelação é um erro grosseiro, não cabendo a aplicação do princípio da fungibilidade.

9 - Diante do exposto, não conheço do recurso de apelação com esteio no inciso III do art. 932 do vigente Código de Processo Civil - CPC.

Expedientes de praxe.

Recife, 13.09.2024.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Desembargador Federal Relator


[1] Brasil.Tribunal Regional Federal da 5ª Região - TRF5R. Segunda Turma. PJE 0800226-30.2016.4.05.8311. Relator Desembargador Federal(Convocado) Frederico Wildson da Silva Dantas. Data de assinatura: 17/09/2018.

[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça - STJ. Corte Especial. EREsp: 1730436 SP 2018/0056877-4, Relatora Ministra Laurita Vaz,  Julgamento m 18/08/2021, in DJe de 03/09/2021.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

O ART. 40 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL X O ART. 339 DO CÓDIGO PENAL.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

Não obstante a nova regra do art. 339 do Código Penal, dada pela Lei nº 14.110, de 18.12.2020,  pela qual se criou o tipo conhecido por "denunciação caluniosa", continua em vigor o art. 40 do Código de Processo Penal, segundo o qual o Juiz é obrigado, quando se deparar em autos processuais com indícios de crime, abrir vista ou comunicar ao Ministério Público, Dominus Litis,  para que examine o caso e, se achar pertinente, tomar as medidas legais cabíveis. 

Destaque-se que, nessa situação, não estará o Magistrado a acusar ninguém da prática de qualquer crime, mas sim apenas cumprindo com o seu dever-poder legal de abrir vista dos autos ou comunicar ao Ministério Público de que há indícios nos autos do processo de que alguém, não se sabe por qual motivo, possivelmente poderá ter praticado algum ilícito no campo penal, de forma que caberá ao Ministério Público, como Dominus Litis, examinar e, se for o caso, tomar as providências legais pertinentes. 

Então, que os Magistrados, de qualquer área ou instância, não se sintam inibidos com a "ameaçadora" regra do art. 339 do Código Penal e que cumpram com o noticiado poder-dever do art. 40 do vigente Código de Processo Penal.  

Recife, 10.09.2024.

sábado, 1 de junho de 2024

UMA ANTIGA BATALHA: OS MUNICÍPIOS X A LEI FEDERAL 3.999/61 FIXADORA DO PISO SALARIAL E DA JORNADA DIÁRIA DOS ODONTÓLOGOS(CIRURGIÕES DENTISTAS).

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Se os Municípios do Brasil são obrigados ou não a observar a jornada mínima de trabalho e o respectivo piso salário fixados na Lei Federal nº 3.999, de 1961, é a questão debatida na Decisão que segue, na qual busca-se demonstrar as idas e vindas do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto e o seu último posicionamento.

Boa leitura.  

 

Obs.: A minuta e a pesquisa que deu origem a esta Decisão foi efetuada pela Assessora TARCIANA MAIA DE OLIVEIRA BUONORA.

 

 

PROCESSO Nº: 0806110-63.2024.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE ALTANEIRA-CE

ADVOGADO: Heleno Braga Da Costa Neto e outros

AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO CEARA

ADVOGADO: L S da C e Silva e outros

RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma

PROCESSO ORIGINÁRIO Nº: 0800432-11.2024.4.05.8102 - 16ª VARA FEDERAL - CE

JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal

 

DECISÃO

1 - Relatório

1.1 - Trata-se de Agravo de Instrumento (id. 4050000.44567784), com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo Município de Altaneira/CE em face de r. decisão (id. 4050000.44567792) proferida, nos autos da Ação Civil Pública n.º 0800432-11.2024.4.05.8102, pelo MM. Juiz Federal Fabricio de Lima Borges, da 16ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, por meio da qual deferiu parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência formulado pelo Autor - o Conselho Regional de Odontologia do Ceará - CRO/CE -, para determinar à Edilidade "a retificação do Edital nº 01/2023 quanto ao cargo de cirurgião-dentista, devendo ser observada a jornada de trabalho de 20 (vinte) horas semanais, nos termos da Lei nº 3.999/61", no prazo de 5 (cinco) dias úteis, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Eis o teor da r. decisão recorrida, verbis:

"1. Relatório

Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, proposta pelo CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO CEARÁ em face do MUNICÍPIO DE ALTANEIRA/CE, para obter provimento jurisdicional que determine"que o Promovido retifique imediatamente a remuneração prevista para CIRURGIÃO-DENTISTA, para 03 salários-mínimos (R$3.636,00)/20 horas semanais, ou, por dedução lógica, 06 salários mínimos 7.272,00/40 horas semanais), conforme previsto na decisão proferida na ADF 325, caso o certame tenha sido encerrado com convocação de cirurgião-dentista, que o salário inicial seja o piso previsto na Lei 3.999/61, sob pena de multa diária".

Com a inicial, juntou documentos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 Da tutela de urgência

De acordo com o art. 300 do CPC, são dois os requisitos que sempre devem estar presentes para a concessão da tutela de urgência: a) a probabilidade do direito pleiteado, isto é, uma plausibilidade lógica que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, do que decorre um provável reconhecimento do direito, obviamente baseada em uma cognição sumária; e  b) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo caso não concedida, ou seja, quando houver uma situação de urgência em que se não se justifique aguardar o desenvolvimento natural do processo sob pena de ineficácia ou inutilidade do provimento final. 

No caso, a parte autora pretende que o piso salarial e a jornada de trabalho referente ao cargo de cirurgião-dentista, previsto no edital 001/2024 (id. 4058102.32464852), sejam definidos de acordo com a Lei n.º 3.999/61.

O referido edital visa contratação de odontólogo junto ao Município de Altaneira/CE e estabelece vencimentos básicos de R$ 4.688,35 (quatro mil seiscentos e oitenta e oito reais e trinta e cinco centavos) para o cargo de cirurgião-dentista com carga horária semanal de 40 (quarente) horas.

O autor aduz que o município está descumprindo a Lei Federal nº 3.999/61, a qual prevê o equivalente a 3 (três) salários mínimos para uma jornada de 20 (vinte) horas semanais, totalizando o valor de R$ 3.636,00 (três mil seiscentos e trinta e seis reais), ou seja, para uma carga horária de 40 (quarenta) horas semanais a remuneração seria de R$ 7.272,00 (sete mil duzentos e setenta e dois reais).

O mencionado edital dispõe que "TORNA PÚBLICO que realizará CONCURSO PÚBLICO de Provas e de Provas e Títulos para provimento de Cargos vagos existentes e que vierem a vagar pelo tempo de validade do certame, para o preenchimento de Cargos do Quadro de Pessoal do Poder Executivo do Município de Altaneira (CE)".

A Constituição Federal, em seu art. 22, I e XVI, dispõe sobre a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e as condições para o exercício de profissões. Nesse sentido, quanto à jornada de trabalho do cirurgião-dentista, entendo ser aplicável a jornada laboral de 20 (vinte) horas semanais, prevista na Lei n° 3.999/61, para o cargo de odontólogo do Edital nº 05/2023.

A Lei Federal n. 3.999/61 dispõe sobre a remuneração de médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares, regulando as relações de natureza privada, celetista, afastando sua incidência do regime de natureza pública. (TRF5, Processo 0801044-42.2021.4.05.8202, Apelação Cível, Desembargador Federal Fernando Braga Damasceno, 3ª Turma, Julgamento 27/10/2022).

A ADPF 325 tratou sobre o piso salarial dos profissionais elencados na Lei nº 3.999/61, reconhecendo a compatibilidade do art. 5º da Lei nº 3.999/61 com o texto constitucional.

Nesse julgado, o STF estabeleceu que "o texto constitucional (CF, art. 7º, IV, fine) não proíbe a utilização de múltiplos do salário-mínimo como mera referência paradigmática para definição do valor justo e proporcional do piso salarial destinado à remuneração de categorias profissionais especializadas (CF, art. 7º, V), impedindo, no entanto, reajustamentos automáticos futuros, destinados à adequação do salário inicialmente contratado aos novos valores vigentes para o salário-mínimo nacional". 

Assim, quanto à definição da remuneração para o cargo de cirurgião-dentista, previsto no Edital nº 01/2024, entendo não ser possível a alteração para compatibilizá-la à Lei nº 3.999/61. No caso concreto, somente lei específica pode fixar ou alterar a remuneração de servidores públicos, conforme determina o art. 37, X, da CF. Devendo-se, ainda, observar as regras de dotação orçamentária direcionadas aos entes públicos.

Dessa forma, não cabe ao Poder Judiciário a alteração da remuneração fixada pelo Poder Executivo municipal no Edital nº 01/2024 para o cargo de cirurgião-dentista, sob pena de violação ao princípio da separação do Poderes.

Portanto, verifico que há probabilidade do direito apenas em relação à fixação da jornada de trabalho do cirurgião-dentista, devendo ser observada a jornada laboral de 20 (vinte) horas semanais, nos termos da Lei nº3.999/61. Todavia, entendo que não há probabilidade do direito quanto à fixação da remuneração para o cargo de cirurgião-dentista (Edital nº 01/2023), conforme parâmetros definidos na Lei nº 3.999/61.

De acordo com o cronograma do Edital (id. 4058102.32464853), período de inscrições iniciou em 09 de março de 2024 e encerra e 31/03/2024, sendo a prova objetiva realizada em 28 de abril de 2024. Portanto, no caso, verifico a presença da urgência.

Cumpre ao Poder Judiciário exercer o controle de legalidade, respeitadas a discricionariedade e a conveniência do mérito do ato administrativo.

A jurisprudência do eg. Tribunal Regional Federal da 5ª Região possui entendimento nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO MUNICIPAL. CIRURGIÃO DENTISTA. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 3.999/1961 APENAS EM RELAÇÃO À JORNADA DE TRABALHO. FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO PELO MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.

1. Trata-se de Remessa Necessária e Apelação interposta pelo Município de Pau dos Ferros/RN contra sentença que julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, com esteio no art. 487, I, do CPC, para reconhecer a aplicabilidade da Lei nº 3.999/91, que fixa a jornada e o salário mínimo dos cirurgiões dentistas, aos profissionais contratados temporariamente, e, por conseguinte, determinou que a parte ré adeque as normas do Processo Seletivo Simplificado aos termos da referida lei, fixando a jornada de trabalho e o piso salarial do cargo de Cirurgião Dentista no patamar mínimo de 03 (três) salários mínimos, e jornada semanal de 20h, de forma que a contratação dos cargos de odontólogo obedeça a esses parâmetros.

2. O Conselho de Regional de Odontologia do Rio Grande do Norte afirma que o Município réu, ao publicar o Edital de Processo Seletivo para contratação de cirurgião dentista ofereceu vagas com remuneração de R$ 2.364,00 para uma carga horária de 40 horas semanais. Portanto, aquém dos (03 salários mínimos/20 horas semanais) previstos na Lei nº 3.999/61 para o cargo de cirurgião dentista.

(...)

4. A Constituição Federal, em seu art. 22, XVI, dispõe que compete privativamente à União legislar sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões. Na hipótese, é competência privativa da União legislar sobre o trabalho e condições para o exercício profissional da categoria de Cirurgião Dentista.

5. Assim, constatada a ilegalidade referente à jornada de trabalho dos cirurgiões dentistas, devem ser observados, pelo Município de Lagoa Nova, os ditames da Lei 3.999/1961 no que diz respeito à carga horária semanal dos servidores públicos municipais ocupantes do cargo de Cirurgião Dentista.

(...)

8 No julgamento do Processo n° 0806096-24.2018.4.05.8402, em 27.07.2020, a Quarta Turma, em composição ampliada, consagrou o entendimento no sentido de que o município deve observar a jornada de trabalho da categoria profissional prevista em lei federal, contudo tem autonomia orçamentária para estabelecer a remuneração dos servidores que pretende selecionar por meio de concurso público, não podendo, pois, ser compelido a remunerar seus servidores em proporção maior do que aquela que consta dos seus atos privativos.

9. Registre-se, ainda, que o tema foi novamente levado para julgamento na sessão ampliada desta douta Quarta Turma, no julgamento do Processo 0800104-34.2022.4.05.8205, em 17/04/2023, restando ratificado o referido entendimento.

10. Remessa necessária e apelação parcialmente providas, para adequar o edital à Lei nº 3.999/1961, apenas no que concerne à jornada de trabalho.

LN4

(PROCESSO: 08003574120214058404, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 25/07/2023)

(grifo nosso)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHO PROFISSIONAL. LEGITIMIDADE ATIVA. CIRURGIÃO DENTISTA. CAUSA MADURA PARA JULGAMENTO. ART. 1.013, § 3º, I, DO CPC. APLICAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES IMPOSTAS PELA LEI Nº 3.999/61.

1. Cuida-se de remessa oficial e de apelação manejada pelo Conselho Regional de Odontologia do Ceará - CRO/CE, em face de sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, ação civil pública por ele movida em desfavor do MUNICÍPIO DE ACOPIARA/CE. Objetiva o ora apelante impugnar regras do Edital nº 001/2021, alegando que a carga horária nele estabelecida para o cargo de odontólogo - 40 (quarenta) horas semanais - seria superior à máxima estabelecida na Lei nº 3.999/61, que é de 20 (vinte) horas semanais; destacou, ainda, que não teria sido observado o piso salarial profissional estabelecido no mesmo diploma legal, de três salários mínimos, pois fixado vencimento no edital de R$ 2.684,00 (dois mil e seiscentos e oitenta e quatro reais), para uma carga horária de 40h semanais, quando deveria ter sido previsto o valor de R$ 3.300,00 (três mil e trezentos reais) para a carga horária de 20h semanais, ou R$ 6.600,00 (seis mil e seiscentos reais) para a carga horária de 40h por semana. Requereu, por fim, a aplicação do piso salarial e da carga horária dispostos na Lei 3.999/61, tanto para os servidores odontólogos estatutários, como para os celetistas e contratados que desenvolvam atividades naquele Município;

(...)

4. Estando a causa madura para o julgamento, caberá ao próprio juízo ad quem fazê-lo, nos termos do art. 1.013, §3º, I, do CPC;

5. Considerando que a legislação federal prevalece sobre a municipal, no que concerne ao exercício da profissão, a aplicação da Lei n° 3.999/61 é medida que se impõe, devendo o Edital do certame em questão ser corrigido, para prever a jornada laboral de 20 (vinte) horas semanais para o cargo de odontólogo, que, de igual modo, deve também ser observada por todos os servidores cirurgiões dentistas estatutários, celetistas e contratados do Município apelado;

6. A jurisprudência da colenda Segunda Turma desta Corte Regional é firme no sentido de que não se pode pretender alterar a remuneração prevista para o cargo em questão, adequando-a ao piso salarial da categoria, dado que a fixação ou alteração da remuneração dos servidores públicos apenas é admitida por lei específica, obedecendo, ainda, às regras de dotação orçamentária. Aliás, tudo indica que a fixação de piso salarial em três salários mínimos, por vinte horas de trabalhos semanais e 6 salários mínimos para uma carga horária de 40 horas semanais, na forma estabelecida na Lei nº 3.999/61, não se coaduna com a regra do art. 7º, inciso IV, da Constituição da República, que veda "para qualquer fim" a vinculação ao salário mínimo;

7. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. Sentença cassada. Prosseguimento do recurso com o julgamento do mérito. Pedido parcialmente procedente, apenas com relação à obediência à Lei nº 3.999/61 no concernente à carga horária de 20 horas semanais dos cirurgiões dentistas. Honorários advocatícios, a serem suportados pelo réu, fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fulcro no art. § 8º, do CPC.

NC
(PROCESSO: 08000951220214058107, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 16/05/2023)

(grifo nosso)

3. Dispositivo

Ante o exposto:

I - Defiro, parcialmente, o pedido de tutela de urgência, para determinar a retificação do Edital nº 01/2023 quanto ao cargo de cirurgião-dentista, devendo ser observada a jornada de trabalho de 20 (vinte) horas semanais, nos termos da Lei nº 3.999/61.

II - Indefiro o pedido liminar apenas em relação à fixação da remuneração do cargo de cirurgião-dentista, Edital nº 01/2023, nos termos da fundamentação.

INTIME-SE o MUNICÍPIO DE ALTANEIRA/CE, na pessoa de seu prefeito ou de seu procurador geral do município, para que, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, dê imediato cumprimento desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

CITE-SE a parte ré para, querendo, contestar o feito, no prazo legal.

Após, intime-se a parte autora para aduzir réplica à contestação, no prazo de 10(dez) dias.

Em seguida, intime-se o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) para, em 15 (quinze) dias, apresentar parecer (art. 178 do CPC).

Expedientes urgentes e necessários.".

1.2 - Em suas razões recursais, o Agravante sustenta, em síntese, que:

a) o Município, enquanto Ente Federativo, possuiria autonomia legislativa para fixar a remuneração e a carga horária de seus servidores, as quais só poderiam ser fixadas ou alteradas por lei específica, obedecendo, ainda, às regras de dotação orçamentária;

b) deveria ser mantida a carga horária inicialmente prevista no Edital n.º 01/2024, para o cargo de odontólogo (cirurgião-dentista), tendo em vista que estaria em conformidade com a lei municipal;

c) o Supremo Tribunal Federal já teria se manifestado de que "não cabe qualquer espécie de vinculação da remuneração de servidores públicos, repelindo, assim, a vinculação da remuneração de servidores do Estado a fatores alheios à sua vontade e ao seu controle; seja às variações de índices de correção editados pela União; seja aos pisos salariais profissionais". Citou-se a ementa do Acórdão da ADI n.º 668/AL, proferido pelo Plenário do STF;

d) a r. decisão vergastada também confrontaria o entendimento da Súmula Vinculante 37, que estabelece que "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia";

e) conforme entendimento contido no art. 37, inciso XIII, da Constituição da República, não se aplicaria a Lei n.º 3.999, de 1961, por expressa vedação de vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de fixação de remuneração de servidor público;

f) não houvera a recepção da Lei n.º 3.999, de 1961 pela Constituição da República;

g) o art. 7º, inciso IV, da CRFB, seria claro ao afirmar que é vedado a vinculação do salário mínimo para qualquer fim;

h) a Súmula Vinculante n.º 16 vedaria a indexação de base de cálculo de vantagem de servidor público, de forma que o salário mínimo não poderia ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial;

i) o art. 5º da Lei n.º 3.999, de 1961, fixaria o piso da categoria como sendo o salário mínimo seu indexador;

j) o STF já teria se manifestado no sentido de afastar a Lei anterior à Constituição da República que utilize o salário mínimo como indexador da remuneração dos agentes públicos;

k) a Lei n.º 3.999, de 1991, seria aplicável apenas a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, portanto, não seria juridicamente possível que o Município Agravante fosse compelido a aplicar um piso salarial que somente é devido no âmbito privado, e não na Administração Pública, que possui regramento totalmente diferenciado;

l) existiriam decisões do STF que relativizam regras legais para permitir a sobrevivência dos Municípios de pequeno porte;

m) a r. decisão agravada não observara a situação fática e orçamentária do Ente Municipal e, por tal razão, seria injusta, uma vez que acarretaria situação prejudicial a toda coletividade, que sofreria com a redução de políticas públicas de saúde, tendo em vista insuficiência de recursos da Administração Pública;

n) a vedação ao exaurimento do mérito contra a Fazenda Pública por meio de medida liminar (art. 1º, §3º, da Lei n.º 8.437, de 1992);

o) por fim, defende que o Conselho Agravado não teria demonstrado a probabilidade e a plausibilidade do seu alegado direito, pois haveria vasto entendimento no sentido de que a Lei nº. 3.999, de 1961, não fora recepcionada pela Constituição da República; o STF, apreciando a matéria, já teria entendido que o piso salarial seria estático, não sofrendo seus reajustes nas atualizações que acompanham o salário mínimo; e a Lei n.º 3.999, de 1961, não seria aplicável aso servidores estatutários, tendo em vista precedentes do STF;

p) no que tange ao perigo de dano ao Autor da ação, a urgência no deferimento da liminar restaria afastada, na medida que há bastante tempo o Município Agravante viria pagando tais valores e não se vira nenhuma ação do Conselho da categoria para tentar modificar tal ato;

q) quanto à concessão de efeito suspensivo ao Recurso de Agravo de Instrumento sub judice, defende que haveria a "fumaça do bom direito" pela presença das provas inequívocas e consubstanciadas nas razões antes apontadas, "seja porque a Lei federal que da sustentáculo a decisão não foi recepcionada pela ordem constitucional, seja também pela sua inaplicabilidade aos servidores estatutários". Ademais, aduz que a r. decisão agravada teria natureza satisfativa, impondo uma obrigação à Administração que já teria sido ultrapassada pela avaliação legislativa da Câmara Municipal. E, para mais, a medida deferida contrariaria às disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal;

r) por sua vez, no que tange ao receio de dano irreparável e de difícil reparação para fins de concessão do efeito suspensivo, argumenta que a consequência da r. decisão recorrida importaria em considerável aumento dos vencimentos dos integrantes da categoria de servidores, impactando as já combalidas finanças do Município e que, por possuírem caráter alimentar, mesmo a ação sendo posteriormente julgada improcedente, os beneficiários da decisão não estariam obrigados a ressarcir os gastos feitos pelo Município com o incremento das remunerações deles. Além disso, inexistindo dotação orçamentária suficiente para as projeções de despesa com pessoal, a Administração Pública não poderá conceder qualquer vantagem ou aumento de remuneração, nem criar cargos, empregos ou funções, ou alterar a estrutura de carreiras, bem como admitir ou contratar pessoal, seja a que título for, inclusive efetivo, sob pena de nulidade, conforme o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

1.3 - Requer assim, que:

"a) Considerada a relevância da fundamentação ora trazida, nos termos do artigo 1.015, VIII, do CPC, seja deferido o efeito suspensivo ao presente recurso, com a imediata suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará nos autos da ação nº 0800432-11.2024.4.05.8102 até ulterior deliberação do mérito recursal por este E. Tribunal;

b) Ao final, seja processado, conhecido e provido o presente recurso, determinando a revogação da tutela de urgência deferida, de maneira que o entendimento deste Tribunal seja no sentido de manter a carga horária constante na seleção simplificada regida pelo edital nº 01/2024, em andamento no município demandado, sem qualquer alteração no vencimento base do cargo de odontólogo, de modo a atender entendimento jurisprudencial seguido pelo Supremo Tribunal Federal;

c) Requer-se, ainda, que seja o provimento dado monocraticamente, nos termos do art. 932, V, b, do Código de Processo Civil, considerando, sobretudo, a discordância da decisão recorrida com a jurisprudência dominante.

d) Determinar a intimação da Agravado para, caso queira, ofertar contraminuta ao presente recurso, nos termos da legislação de regência.".

Relatado. Fundamento e decido.

2 - Fundamentação

2.1 - Recurso que observa o princípio da singularidade (recurso próprio para a insurgência), é tempestivo, encontra-se instruído com a documentação necessária e com dispensa legal do preparo (art. 4º, inciso I, da Lei n.º 9.289, de 1996, c/c art. 1.007, §1º, do CPC), pelo que merece ser conhecido.

2.2 - O Código de Processo Civil, no Parágrafo Único do seu art. 995 c/c o seu art. 1.019, inciso I, estabelece que, recebido o recurso de Agravo de Instrumento, o Relator poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz a sua decisão.

2.3 - Nos termos desses dispositivos legais c/c o art. 300 do CPC, para que seja concedida a tutela de urgência, é necessário que coexistam os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano iminente ou risco ao resultado útil do processo.

2.4 - De seu lado, a atribuição do efeito suspensivo pressupõe a demonstração da probabilidade de provimento do recurso ou, uma vez constatada a relevância da fundamentação, que reste caracterizado risco de dano grave e de difícil reparação (art. 1.019, I, do CPC), requisitos esses cuja presença há de ficar patenteada no exame perfunctório que ora é dado empreender.

2.5 - Nessa diretriz, penso que merece reparo a r. decisão agravada. Explico.

2.6 - No caso concreto, o Conselho Regional de Odontologia do Ceará se insurge contra o Edital n.º 001/2024[1], do Município de Altaneira/CE, que instituiu o processo seletivo "para o preenchimento de Cargos do Quadro de Pessoal do Poder Executivo do Município de Altaneira (CE)".

2.7 - O cerne da controvérsia cinge-se à necessidade ou não de adequação do referido Edital à Lei n.º 3.991/61, que fixa o piso salarial para as profissões de médico e cirurgião-dentista, estabelecendo o valor de 3 salários mínimos para uma jornada de 20 horas semanais.

2.8 - Pois bem, as questões postas nos autos, já há algum tempo, vinham sendo enfrentadas pela Quinta Turma desta Corte Regional - inclusive em debates ampliados (composição estendida do órgão julgador - artigo 942 do CPC) -, quando, então, se consolidou o entendimento de que os Municípios não necessitam observar o piso salarial e nem a jornada de trabalho do cirurgião-dentista (odontólogo) fixados na Lei Federal n.º 3.999, de 1961, visto que o Ente Municipal está amparado pela Carta Magna para regulamentar questões de interesse local, não estando a referida Edilidade vinculada à remuneração e jornada de trabalho fixadas por Lei Federal, em face da sua autonomia político-administrativa.

Confira-se a ementa de processo análogo que foi recentemente apreciado e julgado por esta Quinta Turma, verbis:

"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. CONCURSO PÚBLICO MUNICIPAL. CIRURGIÃO-DENTISTA. LEI Nº. 3.999/1961. PISO SALARIAL. JORNADA DE TRABALHO. INAPLICABILIDADE PARA SERVIDORES MUNICIPAIS EFETIVOS (ESTATUTÁRIOS E CELETISTAS) E TEMPORÁRIOS.

1 - Trata-se de recursos de apelação interpostos, a tempo e modo, pelo Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Norte - CRO/RN, com dispensa do adiantamento das custas recursais, por se tratar de ação civil pública (art. 18 da Lei nº. 7.347/1985), e pelo Município de São José do Seridó/RN, com dispensa de preparo em razão da isenção concedida pelo art. 4º, inciso I, da Lei nº. 9.289, de 1996, c/c art. 1.007, §1º, do CPC, pelo que recebidos no efeito legal (art. 1.012, CPC).

2 - Na r. sentença proferida pela MMª. Juíza Federal Titular da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, Drª. Sophia Nóbrega Câmara Lima, julgou-se parcialmente procedente os pedidos formulados na petição inicial, para: "[...] determinar ao Município de São José do Seridó/RN que promova a adequação da jornada de trabalho e do piso salarial dos cirurgiões dentistas eventualmente contratados com base no Edital de Processo Seletivo nº 001/2023, bem assim de todos aqueles vinculados à edilidade, quer sejam efetivos (estatutários e celetistas) ou temporários, ao disposto nos arts. 5º e 8º, alínea a, da Lei nº 3.999/1961 (3 salários mínimos para uma jornada de 4 horas diárias/20 horas semanais), com efeitos a partir do trânsito em julgado desta sentença. Condeno o ente réu no reembolso do valor das custas pagas pelo autor. Ausência de condenação das partes ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, ante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei nº 7.347/1985 (STJ, EAREsp nº 962.250/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, DJe 21/08/2018)".

3 - O Conselho Regional de Odontologia do RN, nas razões de apelação, requereu, preliminarmente, a concessão do benefício da justiça gratuita, com fundamento nos artigos 98 e 99 do CPC e, no mérito, a condenação do Município de São José do Seridó/RN em honorários advocatícios de sucumbência. De sua feita, o referido Ente Municipal, nas razões de apelação, de forma preliminar, suscitou a ilegitimidade ativa do Conselho e, no mérito, pugnou pela total improcedência dos pedidos formulados na petição inicial.

4 - A presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos é direcionada exclusivamente à pessoa natural, nos termos do § 3º do art. 99 do Código de Processo Civil. Para o deferimento da concessão do benefício de justiça gratuita à pessoa jurídica, esta terá que, de plano, comprovar que preenche os requisitos legais, que são distintos daqueles exigidos das pessoas naturais (físicas), exigindo-se, pois, a comprovação de sua incapacidade financeira. Esse entendimento está consagrado no Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula nº. 481, segundo a qual "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais".

4.1 - Não há nos autos provas nesse sentido, não tendo a Autarquia Especial, ainda, feito tal prova na primeira instância. Ademais, quando do ajuizamento da presente ação, a Recorrente recolheu, naquela ocasião, as respectivas custas, conforme se verifica no Id. 4058402.12395258. Então, este pleito não merece acolhida.

4.2 - No entanto, verificou-se que, embora na petição inicial se tenha denominado a ação de "AÇÃO CIVIL COM CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA INCIDENTAL" e nada tenha mencionado sobre a Lei nº. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), em verdade, trata-se de uma ação civil pública, conforme corretamente consignado na r. sentença. E, como tal, não haverá adiantamento de custas, salvo comprovada má-fé da parte, conforme expressa previsão do art. 18 da Lei nº. 7.347/1985.

4.3 - Indeferido o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, feito com fundamento dos artigos 98 e 99 do CPC, porém recebido o recurso de apelação do Conselho Apelante com dispensa do adiantamento das custas recursais, em razão do estabelecido no art. 18 da Lei nº. 7.347/1985.

5 - Os Conselhos Profissionais têm legitimidade ativa para propor ações em que pretendam a observância das normas relacionadas às categorias profissionais que fiscalizam. Entendimento consolidado pelo STJ e pelo TRF5.

6 - O STJ firmou jurisprudência no sentido de que, em razão da simetria, não cabe a condenação em honorários da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, assim como ocorre com a parte autora, por força da norma contida no art. 18 da Lei nº. 7.345/1985.

6.1 - O fato de o Município não ter procedido de acordo com os termos da notificação enviada pelo Conselho não caracteriza má-fé, visto que a Edilidade, compelida pelo princípio da legalidade estrita, cumpria o estabelecido em suas leis municipais específicas, entendendo ser estas aplicáveis ao caso, e não a legislação federal. Tendo a questão sido levada ao Judiciário, configuraria má-fé se, mesmo diante do pronunciamento judicial definitivo, o Município atuasse em desrespeito ao que fora determinado pelo Poder Judiciário, a quem cabe interpretar as leis e aplicar o Direito ao caso concreto.

7 - Nos termos do art. 22, incisos I e XVI, a Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que é competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho e as condições para o exercício de profissões. Ainda, segundo o art. 37, I, da Constituição, o preenchimento dos cargos, empregos e funções públicas se dará na forma da lei, cabendo, portanto, à União, a edição de normas gerais no âmbito nacional.

8 - Não obstante, o art. 39, da CRFB/1988 dispõe sobre a competência dos entes federais para instituírem regime jurídico único, assim como sobre os planos de carreira dos seus servidores, excluindo expressamente, no § 3º, do art. 39, a obrigatoriedade de observância do piso salarial previsto no art. 7º, inciso V, para os servidores ocupantes de cargo público.

9 - Ainda, a CRFB/1988 apenas prevê, expressamente, piso salarial nacional para agentes comunitários de saúde e agente de combate às endemias (art. 198, §5º); enfermeiro, técnico de enfermagem e parteira (art. 198, §12); e profissionais da educação escolar pública (art. 206, inciso VIII, e art. 212-A, inciso XII), categorias em que não se enquadram os cirurgiões dentistas, também denominados de odontólogos ou simplesmente dentistas.

10 - Constatou-se a seguinte evolução da jurisprudência do STF a respeito do assunto:

10.1 - No acórdão da ADI 668/AL, em fevereiro de 2014, o Plenário da Suprema Corte foi incisivo, estabelecendo a plena autonomia político-administrativa e orçamentária dos Estados da Federação relativamente ao assunto.

10.2 - Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº. 325/DF, julgada em 21 de março de 2022, o mesmo Plenário, deixou dúvidas sobre a total mencionada autonomia político-administrativa e orçamentária dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois estabeleceu que nos seus editais de concurso público, teriam que observar o piso salarial da referida Lei Ordinária Federal 3.999, de 1962, pelo menos quando do início da relação contratual estatuária, mas nos reajustes posteriores deveriam seguir os índices fixados na sua própria legislação.

10.3 - No entanto, mais recentemente e por último, o Plenário do Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Provisória 961/BA, julgado em setembro de 2023, em que se decidiu:

"os pisos salariais nacionais criados pela União se aplicam exclusivamente aos empregados do setor privado, tendo em vista a autonomia administrativa dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para disporem sobre o regime remuneratório dos respectivos quadros de pessoal"

11 - Então, constatou-se que resta pacificado, no Plenário do STF, que o Município tem autonomia político-administrativa, quer por força do princípio federativo (art. 1º da vigente Constituição da República), quer por força da regra do inciso I do art. 30 dessa mesma Carta Magna, inclusive no campo orçamentário, para estabelecer a remuneração dos seus servidores, não sendo possível submetê-lo à adequação ao piso salarial da referida Lei Ordinária Federal, tampouco à jornada nela fixada,

11.1 - Concluiu-se ainda que o referido entendimento se aplica não apenas aos cirurgiões-dentistas efetivos(estatutários), mas também aos cirurgiões-dentistas temporários ou celetistas.

12 - A Quinta Turma do TRF5R, em sua composição ampliada, em sessão datada de em 9 de novembro de 2023, nos autos da Apelação Cível nº. 0800125-92.2022.4.05.8404, firmou o entendimento de que não cabe a aplicação do piso salarial constante da Lei Federal nº. 3.999/1961 aos dentistas que têm vínculo com a municipalidade. De igual modo, também não é obrigatória a observância da carga horária decorrente do art. 8º da Lei Federal nº. 3.999/1961 para os servidores municipais, sejam celetistas, temporários ou estatutários.

12.1 - É que, da interpretação dos artigos 4º e 6º da Lei nº 3.999/1961, conclui-se que se trata de normativo aplicável às relações celetistas do setor privado. Ressalta-se, ainda, que esse foi o raciocínio adotado pela Quinta Turma do TRF5R, em sua composição ampliada, na já mencionada sessão de julgamento, consoante bem registrado no voto-vista do Ex.mo Desembargador Rodrigo Antonio Tenorio Correia, nos autos da Apelação Cível nº 0800125-92.2022.4.05.8404, que ao abordar recente julgamento do STF anteriormente citado, dispôs que: "a Min. Presidente Rosa Weber, por ocasião do seu voto, consignou que a aplicabilidade da Lei nº 3.999/1961 estaria restrita ao universo das atividades privadas. O voto, acolhido por unanimidade, embora não tenha abordado a questão da jornada de trabalho com maior profundidade, permite interpretação no sentido de que aqui também não haveria abertura para a aplicação de lei federal".

12.2 - Nesse sentido, confira-se o último julgado da Quinta Turma do TRF5R sobre o assunto: PROCESSO: 08004387120224058204, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADORA FEDERAL CIBELE BENEVIDES GUEDES DA FONSECA, 5ª TURMA, JULGAMENTO: 18/12/2023.

13 - Logo, concluiu-se no sentido de CONHECER dos recursos, rejeitar as respectivas matérias preliminares e, quanto ao mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação do Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Norte - CRO/RN, e DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação do Município de São José do Seridó/RN, reformando-se a r. sentença recorrida, dando-se pela total improcedência dos pedidos formulados na petição inicial,

14 - Sem honorários advocatícios, ante a ausência de condenação em primeiro grau de jurisdição (art. 18 da Lei nº. 7.347/1985).

15 - Rejeição das matérias preliminares. No mérito: Apelação do Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Norte - CRO/RN conhecida e NÃO PROVIDA; e apelação do Município de São José do Seridó/RN conhecida e PROVIDA.".[2](Destaquei).

2.9 - Sendo assim, em exame perfunctório, próprio deste momento processual, vislumbro o preenchimento dos requisitos necessários à atribuição do efeito suspensivo, de forma a suspender os efeitos da r. decisão agravada até ulterior deliberação do mérito recursal por este eg. Tribunal Regional.

3 - Dispositivo

Ante o exposto, conheço do recurso de Agravo de Instrumento sob análise e o recebo no efeito suspensivo, para suspender a r. decisão do Juízo de primeiro grau, ora agravada, com base no parágrafo único do art. 995 c/c o inciso I do art. 1.019, todos do CPC, até o julgamento do mérito recursal.

Comunique-se o d. Juiz de a quo acerca desta decisão, com urgência, para os fins legais.

Às Partes, facultando-se à Parte Agravada oferecer contrarrazões no prazo legal de 15 (quinze) dias (art. 1.019, II, do CPC).

Ao MPF, para Parecer, visto que se trata de recurso que tem por feito originário uma Ação Civil Pública.

Oportunamente, voltem-me os autos conclusos.

Intimem-se.

Recife, 01.06.2024.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Desembargador Federal Relator

 




[1] Id. 4058102.32464852 do processo n.º 0800432-11.2024.4.05.8102 (originário).

[2] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. Quinta Turma. Apelação Cível n.º 0800037-26.2023.4.05.8402, Desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Júnior, julgado em 19.02.2014 e divulgado em 27.02.2024. Disponibilizado em: https://pje.trf5.jus.br/pjeconsulta/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?idProcessoDocumento=95aa097b2f89ba90a05e165c21d0ff98. Acesso em: 1º.06.2024.