sexta-feira, 31 de agosto de 2012

MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO PELA ADMINISTRAÇÃO. RESPEITO AOS DIREITOS OBTIDOS PELO CRITÉRIO JURÍDICO ANTERIOR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
 
   Se o Administrado adquire um determinado dirito sob critério jurídico-administrativo então adotado pela Administração Pública, a eventual mudança desse critério não poderá gerar efeitos ex tunc, mas apenas ex nunc. Na decisão que segue, esse assunto é detalhadamente discutido.
 
Boa leitura.


 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª  REGIÃO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

2ª VARA

 

Processo nº 0014533-94.2012.4.05.8300

Classe:    126 MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE: E S DA S e outros

IMPETRADO: VICE-REITOR DA UNIVERSIDA DE FEDERAL DE PERNAMBUCO

 

C O N C L U S Ã O

 

Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR

 

Recife, 30/08/2012


Encarregado(a) do Setor

 

D E C I S Ã O

 

APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

Relatório


E S DA S e outros 36(trinta e seis)impetraram, em 13.08.2012, este mandado de segurança, visando assegurar direito que qualificam de líquido e certo, indicando como Autoridade coatora “o Magnífico Vice-Reitor da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, Professor S R DE B M”. Alegam que disputaram uma bolsa de estudo na pós-graduação da referida Universidade, por critério administrativo até então adotado, mas que, atendendo a pleito administrativo do aluno do 2º ano do mestrado do PPG, A Q DE O F, que, não obstante a manifestação contrária do Coordenador do PPG, Prof. A R e dos Representantes dos Alunos do Mestrado e do Doutorado, gozara de Parecer favorável do Procurador E C N, Parecer esse que teria sido aprovado pelo Vice-Reitor da UFPE; que mencionado aluno fora considerado, erroneamente, pelo referido Procurador como “candidato a bolsa”, quando na verdade já seria bolsista, desde quando propôs o referido processo administrativo; que se pretende, no referido processo administrativo, uma modificação do total de bolsas, de forma que haja igualdade entre o total de bolsas destinadas aos que estão se iniciando no curso de pós-gradução e os que já estão na pós-graduação, porque aqueles estariam sendo contemplados com um maior número de bolsas; que referido aluno ganhara a bolsa pelo critério então existente e, sua eventual alteração, como pleiteara na via administrativa, não iria prejudicá-lo, porque ele iria manter a bolsa que ganhara do CNPQ; que referido aluno teria, portanto, agido de má-fé; que referido aluno não seria parte legítima para o noticiado processo administrativo, pois não recebera procuração dos demais alunos; que o seu pleito administrativo teria sido com relação apenas a bolsas do mestrado, mas o referido Procurador opinara no sentido de que as conclusões do seu parecer também fossem estendidas para doutorado, opinião essa que findou por ser acolhida pelo Sr. Vice-Reitor em verdadeira decisão extra petita; que o critério baseado no parecer desse Procurador seria desprovido de “qualquer racionalidade” e feriria “frontalmente a lógica”, porque estabeleceria um paralelo entre a concorrência direta entre alunos de nos diferentes para alocação de bolsas de um mesmo programa de pós-graduação; que por esse critério, alunos com mais pontuação poderiam perder a bolsa para alunos com menor pontuação, “devido ao fato de que um aluno com pontuação baixa, cursando um determinado ano, não concorrerá com um colega de pontuação alta que esteja cursando outro ano.”; que os Impetrantes, atuais bolsistas, teriam sido notificados do direito à bolsa em 14.03.2012 e passaram a receber o respectivo valor a partir de abril de 2012, já tendo recebido até a quinta parcela, referente ao mês de julho de 2012, pelo que teriam DIREITO ADQUIRIDO à manutenção dessas bolsas, direito esse que seria ferido caso o respectivo pagamento seja interrompido, exclusivamente tendo em vista o pleito administrativo de um único aluno, que não sofrerá nenhum prejuízo; que se trataria de verba alimentar, para o período de mestrado e doutorado; e nesse sentido invocam dispositivos constitucionais e legais, a lição do Prof. Caio Mário da Silva Pereira e r. decisões judiciais; que eventual suspensão do pagamento das referidas bolsas poderia ensejar até mesmo indenização por danos materiais e morais, conforme r. julgados que invocam; que a Portaria 76, de 14.04.2010, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES) deixa a critério do Programa de Pós-Graduação a alocação das bolsas, de forma que não caberia à Reitoria, Vice-Reitoria ou Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPE decidir acerca da adequação dos procedimentos que determinaram a alocação de bolsas, concedidas pelos órgãos de fomento em questão, de forma que o noticiado processo administrativo teria sido dirigido a “foro incompetente”, de forma que os atos nele praticados seriam nulos de pleno direito e desprovidos de efeito; que a noticiada “denúncia” do aluno A Q DE O F, antes de qualquer decisão, teria que ser devidamente apurada, via sindicância, coisa que não teria ocorrido. Por isso, pleitearam medida liminar, determinando “a imediata abstenção da prática do ato ora impugnado, mantendo-se os impetrantes no gozo e no recebimento” dos valores das referidas bolsas de estudo, com cominação de astreintes, a favor dos Impetrantes, para a hipótese de desobediência da decisão.

     A petição inicial veio instruída com procuração e documentos(fls. 29-290).

     Comprovante de recolhimento de custas, à fl. 291.

     O d. Magistrado CLÁUDIO KITNER, que preside este feito, na r. decisão de fl. 293, suspendeu o ato em tela, até ulterior decisão judicial, após ouvida da Autoridade apontada como coatora, no prazo de cinco dias.

     O Exmº Sr. VICE-REITOR, Autoridade apontada como coatora,  prestou informações, que foram acostadas às fls. 309-311, argumentando que os Impetrantes estariam se insurgindo “contra a perspectiva de reformulação da listagem de contemplados com bolsas de pesquisa pagas por órgãos de fomento federal(CAPES e CNPq)”; que referidos contemplados seriam indicados pela Instituição à CAPES e ao CNPq “após seleção que deve obedecer a critérios objetivos e meritórios”; que no caso do Programa de Pós-Graduação(PPG)em Psicologia Cognitiva, os critérios adotados neste ano de 2012 teriam sido iguais aos do ano anterior, mas foram contestados por um dos alunos do Programa junto à Pró-Reitoria de Extensão – PROPESQU, o que ensejara consulta à Procuradoria Federal da Instituição, respondida pelo Parecer n. 787/2012/PEPRF5/AGU, opinando que seriam “viciados os critérios adotados”, pelo que teria sugerido a anulação do resultado e a elaboração de nova listagem, tendo acolhido mencionada sugestão;  informa que o problema estaria no fato de que os alunos do primeiro ano e os alunos que já estão no curso concorreriam à mesma bolsa, mas fariam “provas” diferentes, pois os primeiros seriam avaliados exclusivamente pela nota que obtiveram na seleção para ingresso no Programa e os segundos teriam a nota apurada segundo o respectivo desempenho no curso(prazo, rendimento, produção); que “A Administração não poderia tratar de maneira igual os desiguais” e dá um exemplo entre a opção pela compra de um carro e de um livro; que seria irrelevante se o referido aluno teria ou não interesse, se reclamara apenas quanto ao mestrado, porque se o critério adotado estivesse ferindo a legalidade, a Instituição deveria proceder a correção de ofício, “descabendo falar em ilegitimidade e decisão extra petita”; que, no seu entender, não haveria direito adquirido, porque a cada mês se renovaria a situação ilegal; e, finalmente, pugnou pela negação da segurança.

     Fundamentação

     Noto que, embora o Exmº Sr. Vice-Reitor, ora Autoridade apontada como coatora, fale em legalidade, não indica em qual Lei estaria fixado o critério de seleção dos bolsistas ora Impetrantes.

     Há indícios de que não há Lei a respeito do assunto, tendo o referido critério sido criado pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e tudo indica que o fez com base na Portaria 76, de 14.04.2010, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES), que deu à Instituição de Ensino esse poder-dever, Portaria essa indicada no final da petição inicial.

     Ora, se os ora Impetrantes submeteram-se a um rigoroso exame de mérito(e note-se que quem afirmou isso foi a própria d. Autoridade Impetrada), sob  regras de um critério jurídico-administrativo, adotado por uma prestigiada Instituição de Ensino Superior Federal, e foram vencedores, obtendo uma disputadíssima bolsa de estudos para pós-graduação, prima facie, têm direito adquirido a essa bolsa até o final do curso, e só poderão perdê-la se infringirem alguma das regras administrativas estabelecidas na época em que foram admitidos no curso.

     Se a Universidade quer modificar o mencionado critério jurídico-administrativo, porque um determinado Procurador opinou que ele não seria bom, até pode fazê-lo, mas apenas para fins futuros, vale dizer, com efeitos ex nunc, vale dizer para pessoas que venham a concorrer a novas bolsas depois do novo critério.

     Mutatis mutandis, ao caso se aplica, por exemplo, regra do art. 146 do Código Tributário Nacional, segundo a qual, novo critério jurídico, decorrente de modificação de ofício do Administrador Tributário ou de decisão administrativa ou judicial, só poderá ser aplicado a fato gerador posterior ao novo critério.

     Ademais, no noticiado processo administrativo, os ora Impetrantes não foram sequer ouvidos, em visível ferimento dos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e do contraditório, que hoje têm assento, respectivamente, nos incisos LIV e LV art. 5º da vigente Carta Magna.

     Ainda prima facie, detecto, na situação em debate, caso de claríssimo direito adquirido, que também, por força da referida Carta, não pode ser contrariado nem mesmo por Lei que lhe seja posterior(art. 5º, XXXVI), imagine então por um simples ato administrativo, decorrente da opinião de um Procurador.

     E o referido direito dos ora Impetrantes toma vulto, quando se constata que envolve verba alimentar, de sobrevivência pessoal: muitos deslocaram-se de distantes rincões, modificaram toda a estrutura de suas vidas para, com a noticiada bolsa, freqüentar a pós-graduação na prestigiada Universidade Federal de Pernambuco-UFPE e agora se vêem ameaçados de perda de todos os sacrifícios pessoais e de todas as vitórias meritórias por um simples ato administrativo, modificador de critério até então tido por justo e correto, adotado pela própria Instituição, apenas porque um Procurador opinou em sentido contrário e teve sua opinião acolhida pelo Exmº Sr. Vice-Reitor da mencionada Universidade, ora Autoridade Impetrada.

     Conclusão

     Posto isso, tenho por presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, concedo a medida liminar e determino que o Exmº Sr. Vice-Reitor, ora Autoridade apontada como coatora, abstenha-se de aplicar o novo critério jurídico-administrativo aos ora Impetrantes, bem como abstenha-se de deles excluir o direito à noticiada bolsa de estudo, até ulterior decisão judicial, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

     Com urgência, notifique-se mencionada d. Autoridade desta decisão, para o seu efetivo cumprimento, sob as mencionadas penas.

     Como as Informações já foram prestadas, após referida nova notificação, para os fins supra, remetam-se os autos do Ministério Público Federal, para o r. parecer legal.


P. I.

Recife, 31 de agosto de 2012.


Francisco Alves dos Santos Júnior
             Juiz Federal, 2ª Vara-PE

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