quinta-feira, 31 de maio de 2012

A ACUPUNTURA, OS BIOMÉDICOS E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


   Na sentença que segue, é discutido o problema da falta de Lei, no Brasil, regulamentando o exercício da atividade de acupuntura.
   Boa leitura.
   

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA



Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0005996-12.2012.4.05.8300 - Classe: 126 - Mandado de Segurança

Impetrante: CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA – 2ª REGIÃO

Adv.: George Luiz Vidal Wanderley – OAB/PE 21.071

Impetrado: SECRETARIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DO RECIFE
Litisconsorte Passivo Necessário: Município do Recife.


Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2012.



Sentença tipo A



EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

- Resolução do Conselho Federal de Biomedicina não é instrumento normativo apto ao reconhecimento da acupuntura como atividade a ser exercida pelos biomédicos, à míngua de previsão legal.

- Negação da segurança.



Vistos etc.

O CONSELHO REGIONAL DE BIOMEDICINA – 2ª REGIÃO – CRBM2, impetrou, em 06/03/2012, o presente “Mandado de Segurança com Pedido Liminar”, contra ato do SR. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DE RECIFE, aduzindo, em síntese, que a Autoridade Impetrada estaria promovendo concurso público para provimento de vários cargos da Rede Municipal de Saúde do Recife, cujas inscrições seriam encerradas em 12.03.2012; que, consoante disposto no respectivo edital, os biomédicos teriam sido indevidamente excluídos para concorrer à vaga de acupunturista, ofertada apenas aos profissionais com registro em Medicina, Psicologia e Fisioterapia, nos termos do anexo I do aludido edital; que a acupuntura não seria curso de graduação, mas uma habilitação realizada por meio de pós-graduação e factível a vários profissionais da área de saúde, incluindo o biomédico, conforme previsto nos artigos 1º e 8º da Resolução do Conselho federal de Biomedicina nº 78, de 29.04.2002. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Requereu a concessão de medida liminar inaudita altera parte para determinar a imediata retificação do edital do concurso público promovido pela Autoridade Impetrada, de modo a também ofertar aos biomédicos, isonomicamente, a possibilidade de concorrência ao cargo de acupunturista, ou, alternativamente, a suspensão do mencionado concurso público para o referido cargo. Requereu ainda: a notificação do Impetrado e da pessoa jurídica que integra; a ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada; a ouvida do Ministério Público Federal; a procedência dos pedidos, concedendo a segurança definitiva para determinar a participação dos biomédicos devidamente habilitados no certame ao cargo nº 01, denominado “acupunturista”, do edital do concurso público promovido pelo Impetrado. Ao final, requereu que, na hipótese de algum biomédico se inscrever e participar do aludido certame, no prazo previsto de inscrição, e, uma vez aprovado, fosse reconhecido seu direito à vaga ofertada para o cargo em questão. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópia de documentos (fls. 22/162).

A liminar pleiteada restou indeferida na decisão de fls. 164/165-vº.

Notificada, a Autoridade Impetrada apresentou informações, às fls. 176/182, suscitando preliminarmente a inadequação da via mandamental. No mérito, argumentou que as alegações do Impetrante seriam improcedentes; que não haveria qualquer ilegalidade na restrição imposta pelo edital do concurso em questão, relativamente à inscrição de profissionais biomédicos para o cargo de acupunturista; que o Impetrante não teria competência para legislar sobre a profissão, mas apenas fiscalizar as atividades de seus inscritos; que a acupuntura estaria inserida no conceito de ato médico; que apenas uma lei poderia retirar a acupuntura do âmbito de abrangência exclusiva da atuação dos médicos. Fez outros comentários. Ao final, pugnou pela denegação da segurança pleiteada. Ao final, requereu que o MUNICÍPIO DO RECIFE fosse incluído no polo passivo da lide. Pediu deferimento.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou Parecer, às fls. 184/184-vº, opinando pela extinção do processo sem resolução do mérito, em razão de alegada perda superveniente do objeto.

Vieram os autos conclusos para sentença.

 É o relatório. Passo a decidir.

 Fundamentação

 Matérias Preliminares.

 Integração do Município do Recife no Polo Passivo

Este Município, às fls. 181-182 dos autos, pede sua integração no polo passivo, por ser visível o seu interesse na demanda.

Esse pleito merece acolhida, não só por esse visível interesse, mas também porque há regra nesse sentido no arts. 6º e 7º-II, todos da nova Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12.016, de 2009.  

Inadequação da Via Mandamental

A Autoridade Impetrada levantou tal preliminar, sob a alegação de que o Impetrante não teria provado o seu direito líquido e certo. Ocorre, porém, que, saber se o direito é líquido e certo, consubstancia-se no mérito deste tipo de ação. Vale dizer, não pode ser apreciado como matéria preliminar. Logo, esta preliminar não merece ser acolhida.

Extinção do Processo, sem Resolução do Mérito, por Perda Superveniente do Objeto

O Ministério Público Federal sustenta, no seu r. parecer de fl. 184, que o feito deveria ser extinto, sem resolução do mérito, porque houve a negativa da medida liminar e o concurso em questão foi realizado, de forma que não poderia mais ser apreciado o alegado direito líquido e certo dos Biomédicos, porque, mesmo que acolhida a pretensão, não poderiam mais participar do referido concurso. 

Tenho que esta preliminar não merece ser acolhida, porque, não obstante a realização do concurso, o mérito da causa tem que ser apreciado e decidido, uma vez que os Biomédicos tiveram direitos atingidos pela decisão que negou a liminar e, caso haja mudança de posicionamento deste magistrado, mencionados direitos poderão ser reavivados e gerar, até mesmo, indenização perante a pessoa jurídica à qual se encontra vinculada a Autoridade apontada como coatora, pessoa jurídica essa que se integrou no pólo passivo, a seu próprio pedido, conforme se vê às fls. 181-182 destes autos.  

Mérito

1. O Impetrante se insurge contra ato do Sr. SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS DO MUNICÍPIO DE RECIFE, relativamente ao edital do concurso público promovido por esse município, com vistas ao provimento de vagas, para cargos efetivos da Rede Municipal de Saúde do Recife, especificamente para o cargo de “acupunturista”, sustentando que, de maneira ilegal e arbitrária, referido edital teria excluído a participação dos biomédicos para concorrer à vaga ofertada para tal cargo.

2. A questão posta em análise cinge-se em saber se a prática de acupuntura, ramo da Medicina Tradicional Chinesa, pode ser exercida, no Brasil, pelos Biomédicos.

3. No Brasil, não existe legislação federal que proíba a prática da acupuntura por quem não seja médico, tampouco existe Lei que estabeleça ser privativa de médico o exercício dessa atividade.

Encontro no site http://acupuntura.pro.br/legislacao/quem-pode-praticar/#comentar um interessante artigo, indicado como escrito por Nöthlicv, donde colho o seguinte trecho: “A Organização Mundial de Saúde publicou em 2001 um amplo levantamento sobre a situação das medicinas alternativas no mundo, e verificou que somente em dois países a acupuntura é restrita a médicos: Arábia Saudita e Áustria. Tal constatação se contrapõe frontalmente aos radicais que tentam creditar esta técnica milenar como um ato exclusivamente médico. Em mais de 50 países, porém, todo indivíduo com a devida formação em acupuntura pode praticá-la. Assim, não apenas os médicos, mas também, os enfermeiros, os psicólogos, os quiropráticos, os terapeutas e outros profissionais, aplicam esta técnica, além, evidentemente, dos Acupunturistas graduados em uma faculdade própria de acupuntura.”. Mas o articulista lembra que, no Brasil, há necessidade de Lei para regulamentar a matéria, e por isso o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), apresentara “um Projeto de Lei que visa regulamentar o exercício profissional desta atividade, seguindo as orientações da OMS. Pelo projeto, todos poderão exercer esta prática dentro da sua respectiva área. Deste modo, o médico aplicará a acupuntura na sua especialidade (clínica médica, cardiologia, ginecologia, geriatria, etc); o fisioterapeuta aplicará na fisioterapia; o enfermeiro, na enfermagem; o psicólogo, na psicologia; o dentista, na odontologia, o veterinário, no trato de animais; e assim por diante.”.


Câmara dos Deputados:Regulamentação da Acupuntura

O projeto de Aline Corrêa foi nesta quarta-feira, 12 de maio, aprovado na Comissão de Seguridade Social e de Família da Câmara dos Deputados o relatório da deputada Aline Corrêa (PP-SP) que regulamenta o exercício profissional da Acupuntura. A comissão é constituída por muitos deputados médicos era um obstáculo para regulamentação da Acupuntura de forma multiprofissinal O relatório de Aline Corrêa, apresentado como substitutivo ao projeto de Lei 1.549/2003, é considerado histórico por regulamentar a Acupuntura como atividade multiprofissional, assim a acupuntura não será mais uma
atividade exclusiva e ou privativa de médicos. Os demais profissionais de saúde com a aprovação, do parecer, por unanimidade, o substitutivo da Deputada Aline Corrêa, garante o exercícico nos seguintes termos:
I –profissionais de saúde de nível superior, portadores de certificados de conclusão de curso de especialização em acupuntura ou em acupuntura, reconhecidos pelos respectivos Conselhos Federais;
II –portadores de certificado de conclusão de curso técnico em acupuntura, expedido por instituições de ensino oficialmente reconhecidas, que exerçam a atividade até a data de publicação desta Lei;
III –profissionais que, venham exercendo a acupuntura por um período mínimo de cinco anos, até a data de publicação da nova legislação.”

Há outros inúmeros projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional a respeito deste assunto, dentre os quais fiz referência, na decisão inicial, ao Projeto de Lei nº 2.626/2003, que dispõe sobre a regulamentação e fiscalização do exercício profissional da Acupuntura.

E isso demonstra que o assunto é de grande interesse de várias profissões da área de saúde e confere acerto à decisão inicial deste juízo, na qual se negou medida liminar, por faltar Lei que autorize o Biomédico a exercer a atividade de acupunturista.

 4. A profissão de Biomédico é regulamentada pela Lei nº 6.684, de 03.09.1979, a qual elenca as atividades passíveis de ser exercidas por tal profissional:

Art. 4º Ao Biomédico compete atuar em equipes de saúde, a nível tecnológico, nas atividades complementares de diagnósticos.

Art. 5º Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica, o Biomédico poderá: I - realizar análises físico-químicas e microbiológicas de interesse para o saneamento do meio ambiente; II - realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação;

III - atuar, sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado; IV - planejar e executar pesquisas científicas em instituições públicas e privadas, na área de sua especialidade profissional. Parágrafo único. O exercício das atividades referidas nos incisos I a IV deste artigo fica condicionado ao currículo efetivamente realizado que definirá a especialidade profissional.

O Impetrante fundamenta sua pretensão nos artigos 1º e 8º da Resolução do CFBM nº 78, de 29.04.2002, onde foi reconhecida a acupuntura como atividade cujo exercício é permitido ao biomédico.

Ocorre que o Conselho Federal de Biomedicina, assim como todo e qualquer conselho profissional, não tem poder de legislar sobre profissões, mas apenas o de fiscalizar as atividades profissionais daqueles pertinentes à circunscrição de suas respectivas esferas específicas de atribuição. Logo, mencionados dispositivos, nesse particular, são inconstitucionais, pois ferem o princípio da legalidade(inciso II do art. 5º da Constituição da República) e, por isso, desprovidos de qualquer valor.

Destarte, não cabe aos conselhos profissionais extrapolar o âmbito de suas atribuições, sob pena de invadir matéria reservada à lei.

            Tenho que a Autoridade apontada como coatora errou ao especificar, como aptos ao concurso para a função ou cargo de acunpunturista, apenas pessoas formadas em Fisioterapia ou Psicologia ou Medicina e/ou pessoa com certificado ou declaração de conclusão de especialização na área de acupuntura, emitido por instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC, porque:  a) as Leis que regulamentam as três profissões citadas não lhes asseguram a privacidade do exercício dessa atividade; b) não há Lei regulamentando esses cursos de especialização de acupuntura,ainda que autorizados pelo MEC.    

Mas, por outro lado, não pode o Judiciário obrigar referida Autoridade a praticar outra ilegalidade: que Biomédicos possam fazer o concurso para a função ou cargo de acunpunturista, apenas com base em uma Resolução do respectivo Conselho Federal.

            Ora, a Lei que regulamenta a atividade de Biomédico não autoriza esse profissional a realizar a atividade de acupuntura.

            Dessa forma, os arts. 1º, item 22, e 8º e respectivo inciso I, todos da Resolução CFBM nº 78, de 29.04.2002, são inconstitucionais, porque ferem o inciso II do art. 5º da Constituição da República, uma vez que tratam de assunto que só poderia ser tratado por Lei.  

            Nessa situação, não há que se falar em ilegalidade, tampouco abuso de poder por parte da Autoridade Impetrada, por não ter admitido a inscrição de biomédico para concorrer ao cargo para exercer a atividade de acupuntura no mencionado edital.  

 Conclusão

 POSTO ISSO, preliminarmente, determino que a Secretaria, antes da publicação desta sentença, remeta os autos à Distribuição para que esta autue o Município do Recife no polo passivo como litisconsorte necessário, rejeito as matérias preliminares levantadas pela Autoridade Impetrada e pelo Ministério Público Federal,  incidenter tantum,  declaro a inconstitucionalidade do item 22 do art. 1º e o art. 8º e respectivo inciso I, todos da Resolução CFBM nº 78, de 29.04.2002, e, no mérito, julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e NEGO a segurança pleiteada.

Custas, ex lege.

Sem honorários, ex vi art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009[1].

P.R.I.

 Recife, 31 de maio de 2012.

 Francisco Alves dos Santos Júnior
                Juiz Federal, 2ª Vara-PE



[1] Art. 25. Não cabe, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. (G.N.)
  No mesmo sentido, a Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal.

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