Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Quando Maria, proprietária do imóvel, não providencia o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis competente, deixando esse imóvel registrado no nome de João, um dos proprietários anteriores, caso seja penhorado a pedido de Credor de João, se Maria propuser a respectiva Ação de Embargos de Terceiro, mesmo sendo vencedora, arcará com os ônus da sucumbência judicial, por ter dado causa à penhora(princípio da causalidade, com precedente do STJ).
Na sentença que segue, ocorreu esse fenômeno judicial.Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques.
EMBARGANTE: M C M e outro
EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo A.
EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA SOBRE IMÓVEL.
-Embora o contrato de compra e venda do imóvel penhorado não esteja devidamente registrado no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, diante da comprovação da compra bem antes da respectiva penhora e da comprovada boa-fé da Embargante, o pedido procede.
-O MPF, ora Embargado, por meu de sua sensível Procuradora da República, concordou com o pleito, ressalvando a responsabilidade da Embargante pelas verbas de sucumbência, porque causadora da penhora e da origem desta ação.
-Procedência e condenação da Embargante de Terceiro nas verbas de sucumbência, com suspensão da respectiva exigibilidade, calcada no § 3º do art. 98 do vigente CPC.
Vistos, etc.
1- Relatório
M C M, qualificada na Petição
Inicial, assistida pela Defensoria Pública da União, em 29/04/2019
ajuizou esta Ação de Embargos de Terceiro em face do MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. Requereu, inicialmente, a concessão do benefício da assistência
judiciária gratuita e alegou, em síntese, que seria legítima possuidora do
imóvel em questão há mais de dez anos, razão pela qual teria legitimidade para
figurar no polo ativo desta ação; teria sido realizada penhora sobre o
mencionado imóvel, situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº
A-1-2, andar térreo do bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, consoante o
respectivo auto de penhora que estaria anexando; teria comprado o imóvel de
Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho em 27/02/2008, mediante Contrato de Compra e
Venda; antes disso, o imóvel teria sido comprado por Inês Aguiar Cavalcante de
Carvalho a Isaura Maria Bonifácio de Farias em 25/02/2007, que por sua vez o
teria comprado, em 17/03/2005, a E da C L, parte executada
do processo ora embargado, tombado sob nº 0800903-35.2017.4.05.8308; o imóvel
não teria sido registrado em seu nome, em razão da existência de pendência na
documentação do imóvel; salientou que a execução teria sido ajuizada em
23/08/2017, em data bem posterior à realização do Contrato de Compra e Venda.
Teceu outros comentários, e requereu: "a)
Concessão dos benefícios da gratuidade de justiça a terceira embargante, nos
termos do art. 98 e seguintes do CPC; b) a observância de
todas as prerrogativas da Defensoria Pública da União, em especial a intimação
pessoal de todos os atos processuais com entrega dos autos com vista e a
contagem dos prazos em dobro, na forma do art. 44 da Lei Complementar nº.
80/94; c) Seja citado o embargado para, querendo,
apresentar contestação no prazo legal, ficando, desde logo, ciente de que, se
não forem impugnados os fatos alegados, estes serão presumidos como
verdadeiros; d) Que não sejam tomadas medidas de caráter
expropriatório; e) por fim, seja deferida a manutenção
da posse do bem penhorado em favor da embargante, desconstituindo-se o Auto de
Penhora referente ao imóvel Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do
bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do
Recife-PE. f) Caso não reconhecido o
direito sobre a propriedade do imóvel, que seja considerado procedente a
extinção da penhora, por tratar-se de bem de família; g) A
condenação dos réus em custas processuais e honorários advocatícios em favor da
DPU, a serem depositados no fundo específico para estruturação da Defensoria
Pública da União, nos termos da LC 80/94, com redação conferida pela
LC132/2009." Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa e juntou
documentos
Decisão na qual foi reconhecida a prevenção acusada
pelo sistema PJE, desta ação com o Cumprimento de Sentença tombado sob o nº
0800903-35.2017.4.05.8308, movido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de
E DA C L; concedeu-se, provisoriamente, o benefício da
Justiça Gratuita; recebeu-se a ação de Embargos de Terceiro; e determinou-se a
citação do Embargado.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL/Embargado não opôs
resistência ao pedido da EMBARGANTE de levantamento da indisponibilidade sobre
o imóvel identificado como o "Apartamento n° A-1-2, situado no andar
térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na
cidade do Recife-PE", porque, segundo afirma, embora o citado imóvel
esteja registrado, ainda, em nome do executado E da C L,
nos termos do art. 1.245, §1º, do Código Civil), não se poderia fechar os olhos
para a necessidade de proteção do direito de possuidor de boa-fé, e detentor de
justo título; transcreveu a Súmula nº 84 do E. STJ que admite o manejo de
Embargos de Terceiro por promitente comprador, independentemente de registro do
instrumento; a boa-fé da Embargante de Terceiro é extraída pelo fato de a
Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, com presumida quitação integral
do preço do imóvel ter sido formalizada em 2008, muito antes da prolação da
sentença condenatória que originou o débito exequendo; mais do que isso, a
referida Escritura Pública seria bem anterior ao ajuizamento da ação civil
pública, ocorrida em 09 de agosto de 2013; em tais situações, o E. Superior
Tribunal de Justiça estaria admitindo o levantamento da penhora dos bens,
consoante junlgados que transcreveu; ponderou que, admitir a pretensão de
levantamento da penhora não implicaria reconhecer a condenação do Embargado nos
ônus sucumbenciais, pois, em tese, a constrição teria se dado por inércia da
Embargante em proceder ao regular registro do bem, e que os ônus processuais
deveriam ser suportados pela Parte Embargante, conforme requereu.
É o relatório, no essencial.
Fundamento e decido.
2. Fundamentação
2.1- Trata-se de Embargos de Terceiro distribuídos
por dependência ao Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, que
tramita nesta 2ª Vara Federal/PE, cujo respectivo título judicial que a embasa
foi constituído na Ação de Improbidade Administrativa nº
0000828-68.2013.4.05.8308, que tramitou neste Juízo.
Acerca dos Embargos de Terceiro assim estabelece o
Código de Processo Civil:
"Art. 674 - Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.(...)Art. 678. A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido."
Como visto, é possível determinar a suspensão das
medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos Embargos quando suficientemente provado
o domínio ou a posse por pessoa (Terceiro) que não é parte no processo.
No caso em análise, a Ação de Improbidade
Administrativa promovida pelo MPF em face de S J dos S e E DA C L foi ajuizada em 08 de agosto de 2013 (Id. 4058308.3784213); o
respectivo Cumprimento de Sentença proposto pelo MPF em face de E DA
C L foi distribuído em 23 de agosto de 2017 (Id. 4058308.3784182); e o
Mandado de Penhora e Avaliação foi expedido, nos autos do Cumprimento de
Sentença, em 10/12/2018.
Ocorre que os documentos anexados aos autos pela
ora Embargante comprovam, de forma satisfatória, que o imóvel em tela foi
vendido pelo Sr. E n da C L, muito antes da existência da ACP
e do respectivo Cumprimento de Sentença.
A Escritura Pública de Compra e Venda anexada sob o
Id. 4058300.10433808 comprova que o referido imóvel foi vendido pelo Sr.
E DA C L para a Srª ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS em
17/03/2005.
Já a Escritura Pública de Compra e Venda anexada
sob o Id. 4058300.10433764 comprova que o imóvel em tela foi vendido pela Srª
ISAURA MARIA BONIFÁCIO FARIAS para a Srª INÊS AGUIAR CAVALCANTI CARVALHO
em 25/05/2007.
E a Escritura Pública de Compra e Venda do Imóvel
na qual está registrada a compra e venda do "Apartamento n° A-1-2, situado
no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga,
Várzea, na cidade do Recife-PE", comprova a venda do referido imóvel da
Srª Inês Aguiar Cavalcanti de Carvalho, para a Srª MARIA CARLOS MARINHO,
ora Embargante, em 19/03/2008, data também bem anterior à distribuição da
Ação de Improbidade Administrativa ajuizada no ano de 2013, e ao respectivo
Cumprimento de Sentença distribuído em 2017.
Mencionadas Escrituras, ainda que não levadas a
registro no Cartório de Registro de Imóveis, apenas registradas em Cartório de
Ofício de Notas, induzem presunção de efetiva alienação informal do imóvel,
devendo-se, portanto, preservar a posse da ora Embargante de Terceiro, ainda
mais no presente caso em que não há indício de fraude no mencionado negócio
jurídico.
Saliente-se que a Embargante esclareceu não ter
condições financeiras de fazer o registro do Cartório de Imóveis porque recebe
apenas um salário mínimo de aposentadoria, e os custos do registro são
elevados.
Portanto, existindo nos autos documentos que
demonstram a celebração do Contrato de Compra e Venda do Imóvel em data
anterior à distribuição da Ação de Improbidade Administrativa e ao ajuizamento
do respectivo Cumprimento de Sentença e que a Embargante detém a posse do imóvel
desde 19/03/2008, tal como revelam os documentos acima aludidos e
a fatura de conta de energia elétrica do mencionado imóvel em seu nome, merece
prosperar o pedido da Embargante de Terceiro deduzido na Petição Inicial,
devendo ser desconstituída a penhora que se efetivou nos autos executivos,
ocorrida mais de dez anos da venda do bem imóvel pelo Sr. ERILSON DA COSTA
LIRA, e quase dez anos após a aquisição do bem pela ora Embargante de Terceiro.
Ressalte-se que tais documentos também são hábeis a
demonstrar a boa-fé da Embargante, que se encontra impossibilitada, por razões
econômico-financeiras, de providenciar a lavratura, perante o Cartório de
Registro de Imóveis, da mencionada Escritura de Compra e Venda do Imóvel.
E a d. Dra. Sílvia Regina Pontes Lopes, Procuradora
da República, representando o Ministério Público Federal, ora Embargado e
Autor da Ação de Improbidade Administrativa e do respectivo Cumprimento de
Sentença, demonstrando grande sensibilidade social e conhecimento das
deficitárias práticas cartorárias dos cidadãos brasileiros de baixa renda, como
a ora Embargante, não se opôs ao requerimento de levantamento da
indisponibilidade do imóvel em questão, nos seguintes termos:
"À luz do relato e dos documentos mencionados
na inicial, não há resistência à pretensão de levantamento da indisponibilidade
sobre o imóvel identificado como "Apartamento n° A-1-2, situado no andar
térreo do bloco 49, na rua Oswaldo Guimarães, n° 240, Iputinga, Várzea, na cidade
do Recife-PE". (Id. 4058300.10834344).
Portanto, ante o acima exposto, e a concordância
expressa do MPF/Embargado com o pleito formulado na Petição Inicial, é de ser
determinada a desconstituição do Auto de Penhora referente ao imóvel
Apartamento nº A-1-2, situado no andar térreo do bloco 49, na rua Oswaldo
Guimarães, nº 240, Iputinga, Várzea, na cidade do Recife-PE, pois deve ser
protegida a boa-fé da Embargante/Adquirente e a sua posse.
2.3 - Dos honorários advocatícios sucumbenciais
O MPF ressalvou, na sua manifestação, que não
poderia ser condenado em verba honorária, porque foi a ora Embargante que
deu motivo a penhora do seu imóvel e à origem desta ação de embargos de
terceiros, em face da sua desídia em não ter efetuado o registro do imóvel no
Cartório de Registros de Imóveis próprio.
À luz do princípio da causalidade, tem razão o MPF.
Ademais, a esse respeito, o E. STJ pacificou o
entendimento na Súmula nº 303, no sentido de que, em Embargos de Terceiro, quem
deu causa à constrição indevida, deve arcar com os honorários advocatícios.
Ou seja, como a ora Embargante foi a causadora da
penhora e o advento desta ação, será responsabilizada pelas verbas de
sucumbência.
2.4 - Do reexame necessário
Tendo em vista que o valor da dívida consignada no
Mandado de Penhora e avaliação, na cifra de R$ 84.842,99, é inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, esta Sentença não será submetida ao reexame necessário,
e o faço com fundamento no art. 496, §3º, I, do CPC.
3. Dispositivo
POSTO ISSO, julgo procedente o pedido formulado
pela Embargante de Terceiro, desconstituo a penhora efetivada sobre o imóvel
situado na rua Oswaldo Guimarães, nº 240, Apartamento nº A-1-2, andar térreo do
bloco 49, Iputinga, Várzea, Recife-PE, que foi efetivada nos autos do
Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T e reconheço a manutenção
da posse do mencionado Imóvel em favor da Embargante (CPC, art. 681), e
extingo este processo, com resolução do mérito (CPC, art. 487, I), para todos
os fins de direito.
Outrossim, condeno a Embargante nas custas
processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor
atualizado dado a esta casa, mas submeto a respectiva exigibilidade à condição
suspensiva do § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil, por
estar a Embargante no gozo do benefício da Justiça Gratuita, suspensão essa
pelo prazo de cinco anos, como consta do referido dispositivo legal, após o
que, se a condição não for implementada, essa obrigação será extinta, para
todos os fins de direito.
Deixo de submeter esta Sentença ao reexame
necessário, porque o valor da causa não atinge a quantia indicada no
inciso I do § 3º do art. 496 do vigente Código de Processo Civil.
Traslade-se cópia desta Sentença para os autos do
Cumprimento de Sentença nº 0800903-35.2017.4.05.8308T, para que, nos
mencionados autos, produza os efeitos legais de desconstituição da penhora ora
deferida, oficiando-se o Registro de Imóveis competente para o seu
cancelamento; ademais, na hipótese de ter havido restrição via CNIB do imóvel
em tela, deverá a Secretaria do Juízo providenciar o seu imediato cancelamento.
R.I.
Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE