JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal : Francisco Alves dos Santos Júnior
Proc. nº 2006.83.00.009430-6 Classe 29 Ação Ordinária
AUTOR: MUNICÍPIO DE BUENOS AIRES
Adv.:Dr. Marcelo Alexandre V. Belchior, OAB-PE 17610
REQUERIDA: UNIÃO
Adv.:Dr. Stevenso Granja Paiva, Procurador da Fazenda Nacional.
Registro nº. ......................
Certifico que registrei esta Sentença no Livro nº. ....................., às fls............
Recife, ....../........../200...
Sentença
Ementa: - DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. COTA DE PARTICIPAÇÃO. FIXAÇÃO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
O Tribunal de Contas da União não pode alterar os coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM no decorrer do exercício financeiro.
Procedência.
O Município de Buenos Aires-PE propôs, em 11.07.2006, esta ação inominada, pelo rito ordinário, contra a União, pedindo, via antecipação de tutela, que a Requerida seja obrigada a lhe repassar as futuras cotas do Fundo de Participação dos Municípios-FPM com o acréscimo dos valores apurados na PLANILHA anexa à petição inicial, sendo que as diferenças que não lhe teriam sido repassadas nos meses de julho a dezembro de 2001 devem ser numa só parcela ou, então, no mesmo número de meses a se vencer e que corresponda ao mesmo número de meses devidos. Requereu ainda que a UNIÃO seja obrigada a lhe informar, mensalmente, quando do repasse dos recurso do referido Fundo, a precisa e discriminada diferença repassada, em decorrência da antecipação da tutela, sob pena de pagamento de multa diária, correspondente a 10% dos valores não repassados no período de julho a dezembro de 2001. E no final que seja a antecipação da tutela convalidada, julgando-se o feito procedente, condenando-se a UNIÃO em verba honorária. Alega que as diferenças do período de julho a dezembro decorreram de modificação dos valores indicados na Decisão Normativa TCU nº. 37, de 2000, modificação essa veiculada na Decisão Normativa TCU nº. 38, de 2001, que teria implicado em redução total da sua cota do FPM em R$ 324.730,35, e contrariado o ordenamento jurídico nacional que trata do assunto, sobretudo o princípio da anualidade, posto que esta última decisão entrou em vigor no mesmo exercício da sua publicação. Contrariado também teriam sido contrariados os arts. 92 e 91, § 3º, do Código Tributário Nacional, bem como o art. 244 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, fixadores de regras que obrigam a observância da anualidade, sendo que este último dispositivo invocado estabelece que referido Tribunal fixará, até o último dia útil de cada exercício, os coeficientes individuais de participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios nos Fundos respectivos, índices esses destinados a aplicação no exercício subseqüente. A inobservância dessas regras, além de contrariar a segurança jurídica, desorganizou o Município Autor em termos orçamentários, posto que foi ilegalmente surpreendido com a redução da cota que lhe caberia no mencionado Fundo. Invocou r. decisão do E. Tribunal Regional Federal 5ª Região e do C. Supremo Tribunal Federal, que já teriam analisado o caso e dado ganho de causa para o Município que propôs ação idêntica a esta.
A UNIÃO contestou, alegando não caber antecipação da tutela, em face da vedação da Lei nº. 9.494, de 1997, e no final o feito deveria ser julgado improcedente, porque a Decisão Normativa TCU nº. 38, de 2001, não fora editada para aumentar ou reduzir o coeficiente de tal ou o qual Município, sendo apenas conseqüência de decisão proferia no Processo nº. 016.530/2000-8, em que teriam figurados como interessados os Municípios de Campos Belos-GO e Touros-RN, gerando a alteração dos coeficientes de participação no Fundo de Participação dos Municípios – FPM todos os Municípios. Na sua decisão, o Ministro Relator do TCU argumentou que os Municípios têm o prazo de 30(trinta) dias para impugnar a Decisão Normativa do TCU que fixa os índices e, embora tenha sido rejeitada, por intempestiva, a impugnação do Município de Touros-RN, o de Campos Belos-GO foi recebido e apreciado, porque tempestivo. Referido Ministro argumentou que, no rateio das verbas do FPM, deve-se levar em consideração o equilíbrio sócio-econômico entre Municípios e como teria recebido informações do censo decenal do IBGE após a Decisão Normativa TCU 37, de 2000, no acolhimento do pleito deste Município, viu-se o TCU obrigado a editar nova Decisão Normativa e o fez na de nº. 38, de 2001. Antes do dado do censo IBGE utiliza-se de estimativas do aumento da população. Mas com tais dados em mãos, do censo de 2000, constatou grandes diferenças entre os índices estimados e os apurados em tal censo. Argumentou referido Ministro que o formalismo da anualidade e dos prazos para o mencionado Tribunal não poderia se sobrepor ao invocado equilíbrio sócio-econômico e à necessidade de um rateio idôneo.
É o relatório.
Fundamentação
Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo, porque, para tanto, não diviso necessidade de qualquer dilação probatória.
1. Insurge-se o Município-Autor contra a Decisão Normativa TCU nº. 38, de 2001, que reduziu os valores de sua cota-participação no Fundo de Participação dos Municípios – FPM, que tinham sido fixados na Decisão Normativa TCU nº. 37,de 2000, para o exercício financeiro de 2001, fixação essa que obedeceu ao princípio da anualidade, aplicável nas finanças públicas por expressa previsão no § 5º do art. 165 da Constituição da República e no art. 34 da Lei nº 4.320, de 1964.
A UNIÃO defende-se, alegando que a modificação decorreu de acolhimento de defesa administrativa do Município de Campos Belos-GO, quando então valeu-se de dados do censo de 2000, então já concluído pelo IBGE, implicando assim em alteração dos valores fixados na Decisão Administrativa TCU nº. 37, de 2000, que tinha sido feita apenas com base em valores estimados, porque, quando foi elaborada, o IBGE ainda não tinha finalizado o censo decenal do ano de 2000.
2. Caso se tratasse de uma questão meramente procedimental, o feito não procederia, porque haveria uma harmonização entre o princípio da anualidade, aplicável com rigor às contas públicas, em decorrência do § 5º do art. 165 da Constituição da República c/c o art. 34 da Lei nº. 4.320, de 1964, com o princípio do devido processo legal, aplicável na apreciação da impugnação feita pelo Município de Campos Belos-GO, com apreciação final quando já em andamento o exercício financeiro de 2001.
No entanto, impõem-se os comandos de regras constitucionais e legais, porque estruturadoras das finanças públicas e orçamentárias de todas as Unidades da Federação, inclusive dos Municípios, caso destes autos, por isso bem superiores às regras procedimentais, estabelecidas em atos administrativos do Tribunal de Contas da União, pelas quais foi a impugnação do Município de Campos Belos-GO admitida e acolhida.
3. O feito envolve os Fundos Constitucionais Tributários previstos no art. 159 da Constituição da República, para os quais a UNIÃO é obrigada a transferir parte de receitas de impostos que serão rateadas, por meio de tais Fundos, para os Estados, Distrito Federal e Municípios.
O art. 92 do Código Tributário Nacional estabelece que o Tribunal de Contas da União, até o último dia útil de cada exercício, comunicará ao Banco do Brasil S/A os coeficientes individuais de participação de cada Estado e do Distrito Federal, calculados na forma do disposto no seu art. 88, e de cada Município, calculados na forma do disposto no seu art. 91, que prevalecerão para todo o exercício subseqüente.
Registre-se que a Lei nº. 5.172, de 1966, pela qual referido Código Tributário Nacional foi aprovado, tem status material de Lei Complementar, conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, em face do sistema constitucional da época da sua edição.
A Decisão Normativa TCU nº. 38, de 02.07.2001, desrespeitou o referido art. 92 do Código Tributário Nacional, pois alterou, em meados de 2001, tais coeficientes para tal ano, que tinham sido fixados pela Decisão Normativa TCU nº. 37, publicada em 30.12.2000, merecendo destacar que esta sim observou o referido dispositivo legal.
3. Os redutores da Lei Complementar nº. 91, de 22.12.1997, podem e devem ser aplicados, mas sempre para o exercício financeiro seguinte, observando-se as regras do Código Tributário Nacional, sendo de se registrar que, no caso em tela, não foi esta Lei Complementar aplicada.
4. Aliás, a atual Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei nº. 8.443, de 16.07.1992, estabelece no seu art. 102:
“Art. 102. A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ou entidade congênere fará publicar no Diário Oficial da União, até o dia 31 de agosto de cada ano, e para os fins previstos no inciso VI do art. 1° desta lei, a relação das populações por Estados e Municípios.
§ 1° Os interessados, dentro do prazo de vinte dias da publicação, poderão apresentar reclamações fundamentadas à Fundação IBGE, que decidirá conclusivamente.
§ 2° Até o dia 31 de outubro de cada ano, a Fundação IBGE encaminhará ao Tribunal de Contas da União a relação referida neste artigo.”.
O mencionado art. 1º-VI dessa Lei reza:
“Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:
VI - efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;”.
Supõe-se que essa sistemática tenha sido observada no ano 2000, para que o Tribunal de Contas da União editasse a Decisão Normativa TCU nº. 37, em dezembro de 2000.
É verdade que o prazo dado ao IBGE, 31 de agosto, para a publicação acima indicada, é por demais prejudicial aos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois essa é a data limite para que os respectivos Chefes do Poder Executivo apresentem os projetos de Leis do Orçamento Anual aos seus Poderes Legislativos(inciso III do § 2º do art. 35 do ADCT da Constituição da República), de forma que estão encaminhando tais projetos utilizando-se de estimativas próprias, antes da publicação oficial do IBGE.
O ideal seria que o IBGE fizesse tal publicação pelo menos até a 15 de março de cada ano, data limite para o Chefe do Poder Executivo apresentarem o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias(inciso II do § 2º do art. 35 do ADCT da mesma Carta).
E o art. 92 do Código Tributário Nacional deveria ser alterado, nele ficando determinado que Tribunal de Contas da União deveria ser obrigado a comunicar ao Banco do Brasil S/A, até a data limite para o Poder Legislativo votar o referido projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, qual seja, 17 de julho de cada ano(final do inciso II do § 2º do art. 35 do ADCT da Constituição da República c/c o art. 57 dessa Carta, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 50, de 2006).
Então, com os dados oficiais do IBGE e do Tribunal de Contas da União, os Chefes dos Executivos dessas Unidades da Federação poderiam apresentar, nos seus projetos da Lei do Orçamento Anual(cuja data limite para apresentação ao Poder Legislativo é 31 de agosto de cada ano, cfr. inciso III do § 2º do art. 35 do ADCT da Constituição da República) , estimativa mais segura da receita relativa à parcela de cada uma no Fundo de Participação dos Municípios – FPM, para o exercício subseqüente.
5. Portanto, em face da sistemática acima analisada, o Município-autor e todos os demais Municípios do País, já são por demais sacrificados quanto aos dados na elaboração da sua legislação orçamentária, de forma que permitir que o Tribunal de Contas da União altere os índices de participação de cada Município dentro do exercício em que as Leis Orçamentárias, editadas no exercício anterior, estejam em plena execução, seria admitir a possibilidade de o Tribunal de Contas da União poder desorganizar por completo as finanças de cada Município, principalmente dos pequenos Municípios, como o ora Autor, que têm nos valores do Fundo de Participação dos Municípios – FPM sua principal receita.
7. Não há dúvida, portanto, que o feito procede e nesse sentido o Município-autor, com propriedade, invocou um r. precedente do C. Supremo Tribunal Federal e outro do E. Tribunal Regional Federal 5ª Região, verbis:
Tribunal Pleno, por decisão unânime, deferiu o Mandado de Segurança, nos termos do voto do Relator, Min. Cezar Peluso. Acórdão de 29.04.2004, D.J.U de 21.05.2004, Ementário nº. 2152-2”.
Conclusão
Posto isso: a) incidenter tantum, declaro a ilegalidade da Decisão Normativa TCU nº. 38, de 2001; b) indefiro o pedido de antecipação da tutela; c) julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a UNIÃO a pagar ao Município-autor as diferenças apontadas na petição inicial e não impugnadas pela Requerida, relativas às suas cotas de participação no Fundo de Participação dos Municípios – FPM do ano de 2001, apuradas no ano de 2000, pelo IBGE e publicadas na Decisão Normativa TCU nº. 37, de 2000, com correção monetária pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, desde a data dos efetivos vencimentos, e acrescidas de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados da data da citação(art. 219 do Código de Processo Civil) e incidentes sobre os valores já monetariamente atualizados.
Outrossim, condeno a UNIÃO em verba honorária que, tendo em vista o esforço e dedicação do Patrono do Município-autor, Dr. Márcio Alexandre Valença Belchior, arbitro em 20%(vinte por cento) do valor total da condenação.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
P.R. I.
Recife, 05 de dezembro de 2006.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE