sábado, 29 de maio de 2021

MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE DE MOTOCICLETA FORA DO SERVIÇO. INVALIDEZ PARCIAL PARA A VIDA CIVIL. CASO QUE NÃO GERA DIREITO À REFORMA REMUNERADA.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Militar temporário das Forças Armadas que sofre acidente de moto, fora do serviço, e não fica totalmente inválido para a vida civil, não faz jus à reforma remunerada. 

Veja os detalhes e a legislação na sentença que segue. 

Boa Leitura. 



Obs.: pesquisa e minuta da sentença feita pelo Assessor Antonio Ricardo Ferreira. 


PROCESSO Nº: 0802117-22.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: M D DE A
ADVOGADO: F FP
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



SENTENÇA TIPO A

 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. SERVIÇO MILITAR. REFORMA REMUNERADA.  PERÍCIA MÉDICA. INVALIDEZ NÃO COMPROVADA.

Acidente sem nexo de causalidade com o serviço militar e não sendo incapacitante para todas as atividades laborativas, não gera direito à reforma remunerada de Militar temporário.

O Sr. Médico Perito atestou que o Autor não é inválido..

Improcedência.





Vistos, etc.                                                                         

1. Relatório

M DDE A propôs este PROCEDIMENTO COMUM CIVIL, com Pedido de Antecipação de Tutela e Indenização em face da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO (MINISTÉRIO DO EXÉRCITO). Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: a) possuía graduação de soldado no exército brasileiro quando sofreu acidente de trânsito em 27.06.2014, que lhe teria causado graves seqüelas de forma que atualmente é considerado pelos médicos que existe incapacidade definitiva e permanente para o labor de qualquer atividade da vida civil e militar; b) desde o período do acidente, teria se submetido a vários tratamentos médicos pelo exército, se submeteu a cirurgia e teria passado por inspeções de saúde; c) a sua incapacidade teria decorrido de doença sem relação de causa e efeito com a atividade militar, situação em que faz jus à reforma, pois comprova estar definitivamente incapaz tanto para a atividade militar quanto para as atividades da vida civil; d) o requerente tem assegurado seu tratamento médico total pelo exército, desde o acidente e ainda sofre com limitações físicas; e) possui direito à reforma com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, nos termos do disposto no art. 108, VI c/c art. 111, II, da Lei nº 6.880/80, além de concessão de Auxilio Invalidez. Teceu outros comentários. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos e requereu, ao final:

"1. A reintegração e, consequentemente, a reforma ex officio do Autor, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía respectivamente, com base no art. 108, IV c/c art. 110, § 1º, da Lei nº 6.880/80, ou, caso assim não se entenda, pleiteia-se a reforma com a remuneração integral relativa ao posto que o Autor ocupava, com fundamento no art. 108, VI c/c art. 111, II, da Lei nº 6.880/80;

    2. O fornecimento de medicamentos que se fizerem necessários, bem como o tratamento médico adequado;

    3. A concessão de auxílio-invalidez (art. 126 da Lei nº 5.787/72), com o pagamento das parcelas vencidas e vincendas, desde a data do seu licenciamento indevido;

    4. Seja determinado o pagamento dos valores retroativos da remuneração devida ao Autor, observada a prescrição quinquenal, até a presente data, devidamente corrigido e atualizado monetariamente;

    5. A condenação da ré no pagamento das custas e despesas processuais, bem como, honorários advocatícios de 30%, nos termos da lei;

    6. Caso assim entenda que seja deferida nova Perícia médica a ser nomeado pelo Juízo que seja realizada no militar, ora requerente, com a finalidade de confirmar e atestar a incapacidade laborativa definitiva de forma total e permanente com a devida homologação da Junta Superior de Saúde;.".  

Decisão de identificador 4058300.1823576, na qual foi deferido o pedido de justiça gratuita e deferida em parte a tutela de urgência, para que fosse garantido o tratamento médico-hospitalar ao Autor até seu restabelecimento. Determinou-se a citação da Ré.

Devidamente citada, a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO apresentou contestação, acostada sob Id.4058300.1975380. Defendeu, em síntese: a) a legalidade do ato de licenciamento, e que foi disponibilizado tratamento médico ao Autor até seu restabelecimento e não precisou arcar com nenhum valor para custear seu tratamento médico; b) a inexistência de direito à permanência como adido; c) não foi comprovada a necessidade permanente de cuidados de enfermagem ou internação. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.

A Parte Autora apresentou réplica (Id. 4058300.2080899).

Decisão de identificador 4058300.3354141, na qual foi determinada a realização de perícia médica na especialidade ortopedia.

Laudo Médico Pericial juntado aos autos (Id. 4058300.10224605).

As Partes foram intimadas a falar sobre o Laudo.

A Parte Autora, em petição de Id. 4058300.10363784, pugnou para que o Sr. Perito informasse sobre o grau de debilidade do Autor para a vida civil.

A UNIÃO, em petição de Id. 4058300.10397871, o Laudo Pericial comprovou que não houve relação de causa e efeito com a suposta moléstia do Autor e o serviço militar, tendo ficado consignado, ainda que o Autor não é incapaz para o exercício de qualquer ofício ou profissão.

Despacho de Id. 4058300.12172034, determinando a intimação do Sr. Perito para esclarecer sobre o qual grau de debilidade do Autor para a vida civil, bem como para que informasse se o Autor, por conta da sequela existente, continua necessitando de tratamento médico e/ou fisioterápico ou se a lesão, por já estar consolidada e sem perspectiva de melhora/cura, dispensaria a continuidade do tratamento.

Esclarecimentos complementares sobre o Laudo Pericial, acostado sob Id. 4058300.14513103).

Intimadas as Partes a se pronunciar sobre os esclarecimentos complementares do Sr. Perito, a UNIÃO, em petição de Id. 4058300.14689531, alegou que os esclarecimentos corroboram o alegado na peça contestatória.

A Parte Autora, apesar de devidamente intimada, não se manifestou.

Certidão de juntada do ofício requisitório do pagamento dos honorários ao Sr. Perito.

É o relatório.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

O Autor objetiva como pleito principal: a) sua reintegração e, consequentemente, a reforma ex officio, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía respectivamente, com base no art. 108, IV c/c art. 110, § 1º, da Lei nº 6.880/80; ou, b) a reforma com a remuneração integral relativa ao posto que o Autor ocupava, com fundamento no art. 108, VI c/c art. 111, II, da Lei nº 6.880/80.

2.1. Sobre o tema, a legislação dispõe que o militar temporário, incorporado para prestação de serviço militar obrigatório, não se submete ao mesmo regime jurídico do militar de carreira. À luz do art. 3.º da Lei nº 6.391/1976 o militar temporário é "(...) aquele que presta serviço militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros Oficiais e as diversas qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo".

Dessa forma, os militares temporários, estando submetidos a serviço militar por prazo determinado, não possuem a estabilidade dos militares de carreira, de modo que admissível seu licenciamento antes do decurso do prazo decenal previsto no art. 50, IV, a, da Lei nº 6.880/1980.

Nesta situação está configurado o Autor.

Acerca do licenciamento do militar, dispõe o art. 121 da Lei nº 6.880/1980:

"Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua: 

[...] 

II - ex officio. 

[...] 

§ 3.º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada: 

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio; 

b) por conveniência do serviço; e 

c) a bem da disciplina." (grifo nosso).  

Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada (art. 128 do Decreto n.º 57.654/1966).

O engajamento e os reengajamentos poderão ser concedidos, pela Autoridade Militar competente, às praças de qualquer grau da hierarquia militar, que o requererem, dentro das exigências estabelecidas no Decreto n.º 57.654/1966 e dos prazos e condições fixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica (art. 129 do Decreto n.º 57.654/1966).

As exigências para a concessão do engajamento ou reengajamento do militar temporário estão descritas no art. 130 do aludido Decreto:

"Art. 130. Para a concessão do engajamento e reengajamento devem ser realizadas as exigências seguintes:

1) incluírem-se os mesmos nas percentagens fixadas, periodicamente, pelos Ministros Militares;

2) haver conveniência para o Ministério interessado;

3) satisfazerem os requerentes as seguintes condições:

a) boa formação moral;

b) robustez física;

c) comprovada capacidade de trabalho;

d) boa conduta civil e militar;

e) estabelecidas pelo Ministério competente para a respectiva qualificação, ou especialidade, ou classificação, bem como, quando for o caso, graduação. " (grifo nosso).

Percebe-se, portanto, que o ato decisório quanto ao licenciamento ou reengajamento do militar temporário possui natureza discricionária, conferindo-se à Administração Pública Militar, diante do caso concreto, a possibilidade de aferir a oportunidade e a conveniência da medida.

A sindicabilidade deste ato possui âmbito reduzido, uma vez que é vedado ao Poder Judiciário imiscuir-se na função administrativa, sob pena de vulneração de princípio de matriz constitucional - independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º da Constituição Federal de 1988). Friso que a perquirição quanto à legalidade do ato, com a análise de sua adequação ao tipo legal, é plenamente aceitável. O que se obsta ao Magistrado é adentrar nos meandros da conveniência e oportunidade que nortearam a decisão administrativa, passando a exercer função que lhe é estranha.

No caso em análise, pelo que se depreende dos documentos anexados aos autos, o Autor ingressou no serviço militar em março de 2012 e foi licenciado em março de 2015 (Id. 4058300.1975420 e 1975430).

No dia 27/06/2014, segundo relata na Inicial, teria sofrido acidente de trânsito que lhe causou graves sequelas e que, segundo declara o Autor, estaria atualmente incapacitado definitivamente para o trabalho de qualquer atividade da vida civil e militar.

Sobre este acidente e suas consequências destaco algumas afirmações feitas pelo próprio Autor que ajudará ao deslinde da questão posta nos autos. Vejamos:

a)  "O requerente desde momento do acidente, foi submetido a cirurgia e vem fazendo vários tratamentos médicos pelo exército, inclusive passando por parecer, inspeções de saúde..."(destaquei)

b)  "No caso, a incapacidade do requerente decorreu de doença sem relação de causa e efeito com a atividade militar, situação em que o autor faz jus à reforma, pois comprova estar definitivamente incapaz tanto para a atividade militar quanto para as atividades da vida civil, conforme interpretação dos arts. 106 II c/c 108 , VI , 109 , 110 , § 1º , e 111 , inc. I e II , todos da Lei n.º 6.880 /80"(destaquei);

 Como afirma o próprio Autor, sua incapacidade decorreu de acidente sem relação de causa e efeito com a atividade militar, e, segundo documentos acostados aos autos (Id. 4058300.1975447), que confirmam a sua alegação, ele sofreu uma colisão com a motocicleta que conduzia, em via pública, e que não foi considerado acidente de serviço.

Em face dessa primeira constatação, analisemos os próprios dispositivos de lei invocados pelo Autor para obter seu direito:

Art 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:

II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;

(...)

Art 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;

II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

III - acidente em serviço;

IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada;"

VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.

Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986)

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do art 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho."

Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será reformado:

        I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e

        II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

§ 1º O militar temporário, na hipótese prevista neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado inválido. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

Dessa forma, pelo próprio relato do Autor e pelo corpo probatório anexado aos autos, é possível concluir que, não tendo a enfermidade que causou a sua incapacidade, relação de causa e efeito com o serviço militar desempenhado, ele se enquadraria no inciso VI do artigo 108 da Lei nº 6.880/80.

E, em tais casos, o militar só terá direito à reforma se for estável ou se for temporário, quando considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (art. 111, I e II, § 1º da Lei nº 6.880/80).

Estável, o Autor não era, e, como temporário, há que se analisar seu estado de invalidez.

Submetido à perícia judicial, restou confirmada a existência de uma incapacidade laborativa total e definitiva do Autor para a vida militar, porém, com possibilidade de ser reabilitado para algumas funções na vida civil.

Destaco os seguintes trechos da conclusão do Sr. Perito Judicial no seu bem elaborado laudo:

"Deste acidente resultou em fratura da clavícula direita e trauma no Plexo Braquial direito. Submetido a tratamento cirúrgico para a fratura, porém, a lesão do plexo braquial deixou sequela que permanece até o presente momento, limitando os movimentos do membro superior direito com falta de força no mesmo."

"(...)

Pelo exposto, concluímos que há uma incapacidade laborativa total e definitiva para a vida militar, porém, pode ser reabilitado para algumas funções na vida civil."

"Como informado no laudo pericial, o periciando não tem condições de realizar atividades laborativas que demandem esforço físico com o membro superior direito, porém, pode realizar atividades com uso de informática, como na área administrativa, teleatendimento e outras semelhantes.

Quanto ao tratamento, este encontra-se concluído sendo as sequelas definitivas."

Destarte, em que pese as alegações de que estaria totalmente incapacitado para exercer atividades laborativas por conta dos problemas que lhe afligem, a prova dos autos aponta em sentido diverso.

Assim, não tendo o Autor adquirido a estabilidade militar, tampouco sido considerado inválido, tenho por improcedente o pedido autoral de reforma.

Também não procede o pedido de reintegração por ter sido licenciado sem recuperar sua saúde, pois o tratamento médico foi realizado e acabado, conforme perícia judicial e tendo o Autor permanecido encostado para fins de cuidados da saúde no Exército, conforme atestam os documentos anexados aos autos (Id. 4058300.1975430; 4058300.1975472).

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1. Julgo improcedentes os pedidos autorais, com base no art. 487, I, do CPC, e extingo o processo com resolução do mérito;

3.2. Como consequência, condeno o Autor ao pagamento de custas e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, suspensa, todavia, a exigibilidade de tais verbas, pelo prazo de 5(cinco) anos, após o que extinguem-se,  por que gozo da Assistência Judiciária+

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 29.05.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior.

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE.

 

(arf)

 

 

 

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