terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

CÁLCULO DAS PARCELAS DE INDENIZAÇÃO PARA FINS DE CONTAGEM RECÍPROCA. LEI DA DATA EM QUE A CONTRIBUIÇÃO SERIA DEVIDA PARA OS PERÍODOS ANTERIORES À MEDIDA PROVISÓRIA 1.523, DE 1996. . SEM JUROS E SEM MULTA EM TAIS PERÍODOS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


A indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991 não pode sofrer incidência de juros de mora e de multa até o advento da Medida Provisória nº 1.523, de 1996, e o valor da apuração deve considerar a base de cálculo e a alíquota da contribuição vigente nos períodos anteriores à referida medida provisória, porque a contribuição previdenciária tem natureza tributária e só pode ser cobrada com base na Lei então vigente e não na Lei da data da apuração do valor da indenização para a referida averbação previdenciária. 

Na sentença que segue, esse interessante tema é debatido, bem como a legitimidade passiva da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL para o caso. 

Boa leitura.


PROCESSO Nº: 0820924-85.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: ROSEANA PINHEIRO DE SOUZA
ADVOGADO: Bruno Vieira Fernandes Pinheiro
ADVOGADO: Guilherme Trindade Henriques Bezerra Cavalcanti
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



SENTENÇA TIPO A


Ementa: - DIREITO PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO.

-Legitimidade da UNIÃO-FAZENDA NACIONAL para responder por restituição/compensaçãode parcelas indevidamente pagas da contribuição previdenciária.

-Até o advento da Medida Provisória nº 1.523, de 1996, não cabia a cobrança de juros e de multa nas indenizações para averbação de tempo de serviço/contribuição para fins previdenciários e as bases de cálculos e alíquotas teriam que ser as da Lei vigente nos períodos anteriores à mencionada Medida Provisória.

-Homologação do reconhecimento de parte do pedido(inexistência de juros e de multa e respectiva restituição), procedência quanto ao resto do pedido(restituição das diferenças entre os valores da base de cálculo e da alíquota utilizada e os valores das bases de cálculo e das alíquotas que deveriam ter sido utilizadas).

-Verba honorária sobre os últimos valores.


Vistos, etc.

1. Breve Relatório 

ROSEANA PINHEIRO DE SOUZA , qualificada na petição inicial, propôs esta ação em 09.07.2019, contra a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, postulando o afastamento da multa e dos juros incidentes sobre contribuições previdenciárias recolhidas em caráter de indenização ao Regime Geral de Previdência Social para o fim de averbação do período de contribuição de 01/1991 a 03/1995. Assevera, em resumo, ser indevida a cobrança de juros e multa nos casos em que o período a ser indenizado seja anterior à edição da Medida Provisória nº 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei 9.528/97. Requer a restituição dos valores recolhidos a esse título. A Autora historiou que: a Autarquia Previdenciária teria achado o valor de contribuição de R$ 1.129,16, utilizando, compulsoriamente, como Base de Cálculo, o teto do INSS, já que o salário da autora seria maior, referente ao seu vínculo de Servidor Público da FUNASA (aplicação do § 3º do art. 45 da Lei 8.212/91), multiplicando-a por 20% (§ 1º desse mesmo artigo, mas que só fora incluso em 2008, pela LC nº 128, de 2008; após várias mudanças no art. 45, teria se convertido ao 45-A), conforme contracheque e conta da ré anexada aos autos; todo esse cálculo teria sido feito sem que houvesse legislação vigente, para o período de 01/1991 a 03/1995, sendo necessário o escalonamento de uma base de cálculo específica; outrora, nem tampouco algum percentual sobre ela, ciente que a parte autora não era servidora pública à época dessas contribuições pretéritas recolhidas; concomitantemente, ao equívoco anterior, a Autarquia Previdenciária ainda teria aplicado indevidamente Juros e Multa, nos cálculos ora reclamados, sem que houvesse legislação que determinasse tal aplicação durante esse período. 

Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"TOTAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS, condenando a adversa parte a, nos termos da fundamentação supra, restituir à parte autora a diferença entre o valor pago e o devido, corrigindo tal diferença, devidamente, pela SELIC.;  

 A condenação da parte ré, em custas e pagamento dos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 3º, do CPC; ".

Citada, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL apresentou contestação sob Id. 4058300.13703389, alegando preliminarmente a ilegitimidade passiva. No mérito, caso superada a preliminar, concordou parcialmente com o pedido formulado pela parte autora, relativamente à exclusão dos juros e multa sobre a indenização das contribuições, no período anterior à edição da MP 1.523/96. Defendeu ainda que, no que se refere ao questionamento acerca da base de cálculo utilizada pelo INSS no levantamento do valor da indenização pretendida, considerando que a demandante é vinculada a regime próprio de previdência social (é servidora da FUNASA, conforme reconhecido na inicial), a base de cálculo da indenização deveria ser calculada tomando-se por base "a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime próprio de previdência social a que estiver filiado o interessado, no caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991".Sustentou, ainda,  a remuneração a ser considerada para o cálculo da indenização seria a atual (a que estiver filiado o interessado), de acordo com a legislação que instituiu essa possibilidade, nos termos do art. 45-A da Lei n. 8.212/91. Teceu outros comentários. Transcreveu legislação. Pugnou, ao final: a) pela extinção do processo sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva ad causam e b) quanto ao mérito, e ser reconhecida a procedência parcial do pedido, posto que é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não incidem juros de mora e multa nos casos de contribuições previdenciárias recolhidas extemporaneamente para fins de contagem recíproca, se o período a ser indenizado for anterior ao início de vigência da MP nº 1.523, de 1996, porém, mantendo-se a base de cálculo utilizada no cálculo da indenização, qual seja  "a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime próprio de previdência social a que estiver filiado o interessado, no caso de indenização para fins da contagem recíproca de que tratam os arts. 94 a 99 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991", observado o limite máximo previsto no art. 28 da lei nº 8.212/91.  

A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.14195456).

É o relatório, no essencial.

2. Fundamentação

2.1 Das questões preliminares

Não merece acolhida as preliminares de ilegitimidade passiva da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, porque se firmou a orientação jurisprudencial consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de se reconhecer que a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda que visa à declaração de inexigibilidade e/ou repetição de juros e multa por recolhimento de contribuições previdenciárias em atraso (REsp 1784582/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 29/05/2019; REsp 1607075/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 05/04/2019). 

Portanto, essa matéria preliminar,  suscitada pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, não merece acolhida.

2.2. Do Mérito 

Quanto ao mérito,  vejo que a União, quando da Contestação, concordou parcialmente com a pretensão veiculada na inicial, especificamente com relação ao pedido de reconhecimento da inexigibilidade da cobrança de juros de mora e de multa sobre a indenização paga em atraso relativa ao período anterior à edição da MP 1.523/96.

Assim, os valores recolhidos a título de multa e juros de mora do período anterior a 11/10/1996 devem ser objeto de restituição à parte autora, atualizados pela Selic, nos termos do art. 89, § 4º, da Lei 8.212/91.

No que se refere à base de cálculo e a alíquota incidente, conforme consignado pela Parte Autora quando da Réplica (Id. 4058300.14195456),  não faz sentido se reconhecer a legislação à época quanto aos acessórios e não quanto ao principal. Com efeito, na contestação a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL reconhece que os juros e multa devem ser aplicados com base na lei da época - que no caso a legislação em vigor da época não os exigia - porém no tocante à base de cálculo e alíquota, vai de encontro à sua própria fundamentação, ao entender que se aplique o art. 45A da Lei 8.212/91, que só foi incluído pela Lei Complementar 128 de 2008, ou seja, que só passou a vigorar 15 anos depois do período do recolhimento em questão.

Como a contribuição em questão tem natureza tributária, aplica-se sempre a Lei da época do fato gerador(art. 114 do CTN) é tanto que, segundo o art. 144 desse mesmo Código,  "Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.".

Então, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL há de restituir as parcelas que cobrou em valor maior que o devido, correspondente às diferenças entre os valores das bases de cálculo e alíquotas vigentes na data do fato gerador e os valores das bases de cálculo e alíquotas que aplicou quando da operação descrita na petição inicial("indenização ao Regime Geral de Previdência Social para o fim de averbação do período de contribuição de 01/1991 a 03/1995.")..

A alegação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL de que o STJ firmou jurisprudência de que não se trataria de matéria tributária, tem em parte razão a UNIÃO: no momento da noticiada averbação, temos uma matéria de direito previdenciário, mas dentro dela, quanto aos valores, a matéria é eminente tributária, pois há exigência de pagamento de diferenças de contribuição previdenciária, que tema natureza tributária, assim reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal desde o início da década de nova do século passado. 

3. Dispositivo

Ante o exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, levantada pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL,  homologo o reconhecimento parcial da procedência do pedido (art. 487, III, "a", do CPC), para o fim de declarar a inexigibilidade de juros de mora e multa sobre os valores pagos a título de contribuições previdenciárias recolhidas em atraso, com relação aos períodos anteriores à edição da MP 1.523/96, e,  quanto ao mais, julgo procedentes os pedidos desta ação, estendendo tal entendimento para a base de cálculo e para a alíquota da contribuição em debate, elementos estruturais da obrigação principal, e condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL à restituir, com atualização pelos índices da tabela SELIC(§ 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995 c/c art. 73 da Lei nº 9.532, de 1997), todos os valores de juros e de multa, cobrados até o advento da referida Medida Provisória, bem como as diferenças entre as bases de cálculo e as alíquotas utilizadas(com observância das Leis da data da averbação) e as bases de cálculo e alíquotas vigentes no período anterior à referida Medida Provisória, facultando-se à Parte Autora optar pela compensação, observadas as regras da Lei que rege a matéria. 

Com referência às parcelas reconhecidas como não devidas pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, não incidirá verba honorária(art. 19, inciso VI e parágrafo 1º, inciso I da Lei nº 10.522/2002), contudo condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo nos percentuais mínimos do § 3º do art. 85 do CPC, sobre as parcelas que terá que restituir, relativamente às mencionadas bases de cálculos e alíquotas, que foram cobradas com base em valores e percentuais diversos dos valores e alíquotas vigentes nas datas dos respectivos fatos geradores, anteriores à data da Medida Provisória 1.523/96., observando-se, quando à apuração, na fase executiva, também as regras dos §§ 4º e 5º do referido art. 85 do CPC, por cálculos dos Contador ou por outra forma que venha a ser fixada em tal fase.

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 16.02.2021.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


 

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