terça-feira, 28 de abril de 2020

COMPOSIÇÃO GRÁFICA. QUANDO NÃO INCIDE O ISS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Debate-se, na sentença abaixo, interessantes conflitos entre Entes Tributantes, decorrentes do emaranho legal no qual se transformou a nossa confusa legislação tributária, que torna a sua aplicação difícil até mesmo nos Tribunais Superiores. 

Boa  leitura. 


PROCESSO Nº: 0823580-15.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: F I C DE ELTDA
ADVOGADO:  De F C J
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo A

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. COMPOSIÇÃO GRÁFICA E OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS.
-A Súmula 156 do STJ encontra-se parcialmente sem efeito, em face do novo tratamento legal que as  atividades debatidas neste processo  receberam na Lei Complementar 116, de 2003.
-Improcedência.



1. Breve Relatório


F I C DE E LTDA, qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA LIDE INAUDITA ALTERA PARTE contra a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL). Aduziu, em síntese, que: seria pessoa jurídica  de direito privado que teria por objetivo social 2 (duas) atividades: 1) a fabricação de embalagens ao público geral, também chamada de EMBALAGENS LISAS; e 2)  a prestação de serviços gráficos personalizados e feitos sob encomenda para os seus clientes, contendo estas, na grande maioria das vezes, a logo-marca do cliente - EMBALAGENS PERSONALIZADAS;  no desempenho das suas atividades, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, ora Ré, estaria entendendo que as 2 (duas) atividades estariam sujeitas ao IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI, enquadrando os respectivos produtos,    especialmente, nos itens 39.20 e 39.21, conforme se comprovaria pelas Notas Fiscais em anexo a título ilustrativo (docs. 04); a parte autora estaria sendo compelida a recolher mensalmente o IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI incidente sobre os PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (EMBALAGENS LISAS) e sobre os SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS (EMBALAGENS PERSONALIZADAS); entenderia a autora que, quando produz uma embalagem lisa, sem qualquer logomarca ou estampa, sem sombra de dúvidas estaria diante de um produto comercializável no mercado, onde qualquer pessoa física ou jurídica poderia ter proveito do produto; este entendimento não se aplicaria à atividade de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS; ao atender uma demanda de um cliente seu onde seria solicitado um determinado tipo de embalagem e com a logomarca do seu cliente, vê-se que a Autora não poderia fornecê-lo para mais ninguém a não ser para esse cliente específico; o entendimento da Autora seria de que o fornecimento de embalagens personalizadas, estaria inserido na Nota 2, da Seção VII, da TIPI, que determinaria de forma clara que com exceção dos artigos das posições 39.18 e 39.19, classificam-se no Capítulo 49, os plásticos, a borracha e as obras destas matérias, com impressões ou ilustrações que não tenham caráter acessório relativamente à sua utilização original; o Capítulo 49 elencaria os produtos das INDÚSTRIAS GRÁFICAS, como seria o caso da Autora, o que fizera com que as embalagens impressas e personalizadas estivesse elencados no item 49.11 da TIPI; pensar ao contrário, seria o mesmo que admitir que ao fazer compras no SUPERMERCADO WALMART, este último pudesse fornecer as embalagens impressas com o nome do CARREFOUR, PÃO DE AÇÚCAR, ou qualquer outro supermercado que não fosse o WALMART, o que seria inconcebível; ou o cliente forneceria uma embalagem lisa aos seus clientes (produto industrializado) ou contrataria a Autora para elaborar uma embalagem personalizada (prestação de serviços) seguindo as suas determinações; ao fazer uma minuciosa análise acerca da tributação incidente sobre os seus produtos,  Autora pôde constatar que estaria sendo totalmente lesada pela ora Ré, uma vez que a elaboração de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda do seu cliente constituiria uma atividade de composição gráfica que, para fins tributários, em conformidade com o item 77, da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56, de 15.12.87, reproduzido no item 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.º 116, de 31.07.2003, e, como tal, sofreria a incidência do imposto de competência municipal sobre serviços, ou seja, o ISS, não cabendo a incidência do IPI; além disso, a Autora teria constatado que a matéria objeto da presente ação já que seria objeto da Súmula/TFR n.º 143, Súmula/STJ n.º 156, e ainda, do julgamento do Recurso Especial n.º 1.092.296-SP, este último, que fora julgado com base no rito dos Recursos Repetitivos, bem como no âmbito do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, o que tornaria a matéria totalmente pacífica. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fosse determinada a suspensão da exigibilidade do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre os serviços de composição gráfica de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda dos seus clientes, até o julgamento de mérito da presente ação e, consequentemente, que abstenha o Réu de praticar qualquer ato coativo contra o seu patrimônio. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos. 

Decisão sob id 4058300.12890830, na qual foi indeferida a pleiteada tutela provisória de urgência.

A União (Fazenda Nacional) apresentou  Contestação aduzindo, em apertada síntese, que: a Constituição, o CTN, a Lei nº 4.502/64 e o RIPI deixariam claro que o imposto em questão recairia sobre o produto industrializado, quando se verifica no mundo dos fatos a situação apta a atrair a incidência tributária (o fato gerador), na hipótese, a saída do estabelecimento, sendo irrelevante para tanto que a industrialização que qualificou o produto como industrializado tenha ou não envolvido um serviço, pouco importando também se esse produto foi ou não encomendado; não seria relevante a circunstância em que se dá a industrialização que caracteriza um produto como industrializado, para fins da imposição tributária, pois o IPI incide sobre o objeto final, produto industrializado, conforme disposição literal do art. 153, V, da Constituição Federal de 1988, e não sobre eventual serviço envolvido ou que possa lhe ter agregado valor; Está-se, diante, portanto, de uma atividade mista que envolve a prestação de um serviço, a saída de um produto industrializado e, ao mesmo tempo, o fornecimento de uma mercadoria. Em relação a tal atividade mista existe um impedimento constitucional e legal para a incidência concomitante do ISS e do ICMS, mas não existe qualquer norma que afaste a incidência do IPI; Contudo, a Súmula nº 156 do STJ não pode ser aplicada ao caso, sequer analogicamente, pois não afasta, de modo algum, a tributação pelo IPI, mas tão somente pelo ICMS, uma vez que os precedentes que fundamentaram sua edição decidiram exclusivamente sobre o conflito entre o ISS e o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias) na atividade mista relativa à prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, que envolvesse também o fornecimento de mercadorias; Entretanto, caso assim não se entenda pertinente, ao menos para os casos em que se discute a incidência do IPI na atividade mista que se constitui em uma etapa intermediária do ciclo produtivo, ou seja, sobre a saída de um produto que será posteriormente submetido a novo processo industrial ou destinado à comercialização ou incorporado de alguma maneira a outra mercadoria que será sujeita a posterior circulação, faz-se necessário reconhecer que a Súmula e a jurisprudência do STJ que fundamentavam a não tributação pelo IPI foram superadas e não podem continuar sendo aplicadas; esse modo, o acolhimento do pleito do contribuinte pelo judiciário não encontra respaldo na vedação à bitributação, posto que inocorrente, e viola frontalmente a competência da União para tributar os produtos industrializados, desconsiderando, assim, o silêncio eloquente constitucional que não excetuou essa competência em atividades mistas, bem como ofende o próprio Pacto Federativo, pois significaria estender analogicamente uma disposição relativa às competências tributárias Estaduais e Municipais para a União Federal. Teceu outros comentários. Transcreveu legislação. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.13176583).

A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.13613480).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.


2. Fundamentação 

2.1 - A questão litigiosa circunscreve-se à incidência tributária em relação aos impressos personalizados fabricados pela parte autora.

2.1.1 - Na legislação anterior, Decreto-lei 406, de 1969, com alteração da Lei Complementar 56, de 1987, a matéria era tratada no seu item 77 e tinha a seguinte redação:

 "77 - Composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia".

Aqui, não havia dúvida que deveria incidir apenas ISS.
Até mesmo eventual mercadoria aplicada nessa atividade ficaria à margem da tributação do então ICM e depois ICMS.
O IPI incidira apenas se fosse insumo importador pela Empresa Gráfica, de sua fabricação ou que ele utilizasse na qualidade de Estabelecimento Comercial Equiparado a Industrial.

No extinto Tribunal Federal de Recursos firmou-se a jurisprudência no sentido de que incidiria apenas  o ISS, o qual, a respeito,  baixou a Súmula 143, bem como do atual Superior Tribunal de Justiça, que baixou a Súmula 156, verbis:

"Súmula STJ 156 - A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA, PERSONALIZADA E SOB ENCOMENDA, AINDA QUE ENVOLVA FORNECIMENTO DE MERCADORIAS, ESTA SUJEITA, APENAS, AO ISS.".

Obs.: Essa Súmula originou-se em vários precedentes desse E. Tribunal, cuja numeração e órgãos de publicação encontram-se indicados no respectivo site, disponível em http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf, ao qual acessei no dia de hoje.

Não encontrei, no site do STJ, o REsp 1.092.296, que teria sido julgado sob efeito repetitivo, indicado na petição inicial.

Valho-me, pois, de parte da ementa transcrita pela Parte Autora na sua petição inicial:

"2. As operações de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados e sob encomenda, são de natureza mista, sendo que os serviços a elas agregados estão incluídos na Lista Anexa ao Decreto-Lei 406/68 (item 77) e à LC 116/03 (item 13.05). Consequentemente, tais operações estão sujeitas à incidência de ISSQN (e não de ICMS), Confirma-se o entendimento da Súmula 156/STJ: "A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS." Precedentes de ambas as Turmas da 1ª Seção.
3. Recurso especial provido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08."
 Mencionado d.  julgado, data venia, não se aplica ao presente caso, pelas razões que veremos nos subitens que seguem. 


2.1.1 - Essa matéria, data maxima venia,  recebeu tratamento diferenciado na Lei Complementar nº 116, de 2003, que dela trata no subitem 13.05 da Lista de Serviços a ela anexa, com redação dada pela Lei Complementar 157, de 2016, verbis:

"13.05 - Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS.".

 Então, se o Cliente da Empresa ora Autora utiliza o material de embalagem personalizado na comercialização dos produtos que fabrica ou que apenas compra para revenda, a mencionada operação de composição gráfica deixou de ser submetida ao ISS e foi transformada em operação de industrialização de material de embalagem, sujeita ao ICMS e também ao IPI.

Data maxima venia, parece-me clara a redação do subitem 13.05, acima transcrito, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116, de 2003.

Não desconheço recente julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do d. Ministro Mauro Campbell Marques, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3 DO STJ. PRODUÇÃO DE SACOLAS POR ENCOMENDA E PERSONALIZADAS. NÃO INCIDÊNCIA DE IPI. INCIDÊNCIA APENAS DE ISS. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PERPETRADA PELA LC Nº 157/2016 AO ITEM 13.05 DA LISTA ANEXA A LC Nº 116/2003.
1. A jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a atividade de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, não está sujeita à incidência do IPI, mas apenas de ISS. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.620.382/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 13/10/2017; AgRg no REsp 1.369.577/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 06/03/2014. Afastada a incidência de IPI tão somente no que diz respeito à atividade específica de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, e não à toda produção da empresa, se houver, também, produção que não se enquadre na referida atividade personalizada sob encomenda.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1.730.920/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019)[1]
Li o voto do d. Ministro Relator e deli colho a seguinte passagem:

"A referida alteração legislativa não trata de forma direta de incidência de IPI, sendo descabida sua aplicação no caso dos autos. Ainda que assim não fosse, não se depreende dos autos, a priori, que a produção das sacolas personalizadas se destina a comercialização ou a industrialização, o que igualmente afasta a possibilidade de aplicação da alteração legislação no caso concreto."
Realmente, como o antigo Decreto-lei nº 406, de 1968, a Lei Complementar 116, de 2003, veicula regra de competência apenas com relação ao ISSQN e ao ICMS.
Mas se a Empresa em questão pratica atos que caracterizam  a industrialização, ou é Importadora, ou ainda se encontra enquadrada como Empresa Comercial Equiparada a Industrial, caso aplique algum produto que industrializou, importou ou que com relação a ele é Equiparada a Estabelecimento Industrial, praticará o fato gerador do IPI e deverá lançá-lo na nota fiscal e recolher o respectivo valor na época própria.
E isso independe do que o destinatário vá fazer com o produto que adquire da Autora.
Obviamente, se a Empresa Encomendante, Cliente da Autora,  vai destinar o produto à comercialização, diretamente ou como embalagem das suas mercadorias, praticará o fato gerador do IPI e, à luz do novo item da Lista da Lei Complementar nº 116, de 2003, a cima transcrito, também estará praticando o fato gerador do ICMS, não incidindo o ISS.


No presente caso, a Empresa Encomendante,  Cliente da Autora,  não é usuário final dos produtos personalizados  que adquiriu da Empresa ora Autora, pois utiliza tais produtos como embalagem das suas mercadorias, que são comercializados.

Data maxima venia, com relação a essa operação, a Súmula 156 encontra-se superada pela acima referida regra da Lei Complementar 116, de 2003.
E ainda data maxima venia do d. Relator, acima referido, o IPI submete-se à legislação própria, dele não tratando a referida Lei Complementar nº 116, de 2003. 



3. Dispositivo

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC), condenando a Parte Autora nas custas judiciais e ao pagamento da verba honorária, que, em face da simplicidade do caso, arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, devidamente atualizado(correção monetária e juros de mora), na  forma e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal. .

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, §4º, II do CPC).
Registrada, intimem-se.

Recife, 28.04.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.

_________________________________
[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgInt no REsp 1730920/RN,  DRel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019.



Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp



Acesso em 06/12/2019



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