segunda-feira, 30 de novembro de 2020

DECADÊNCIA DO PODER-DEVER DE ÓRGÃO DA UNIÃO REVER ATO ADMINISTRATIVO QUE LHE CAUSOU DANOS FINANCEIROS.

Por Francisco Alves dos  Santos Júnior


Segue um caso de decadência do poder-dever de Órgão da União refazer ato que lhe causou prejuízo jurídico-financeiro, no campo de progressão funcional de servidor público. 

Boa leitura. 





PROCESSO Nº: 0804757-56.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL 

AUTOR: T B J 
ADVOGADO: T E T V R e outros
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

 Sentença tio A


    EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROGRESSÃO.PROMOÇÃO. REVISÃO DE PROVENTOS PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA.

    - A Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, conforme a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, desde que o faça no prazo legal de 5(cinco) anos(art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999).

    - Reconhecimento da decadência  do direito de a UNIÃO exercer o seu poder-dever revisional dos proventos  do  Autor.

    - Condenação da UNIÃO a restabelecer os proventos do Autor, pagando as respectivas diferenças da noticiada redução, bem como em verba honorária.

     - Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

Trata-se de procedimento comum, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, movido por T B J, em face da UNIÃO FEDERAL. Alegou em síntese, que: a) teria tomado posse no cargo de Analista Judiciário - Oficial de Justiça Avaliador do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em 31 de janeiro de 2005, encontrando-se lotado na 1ª Vara do Trabalho do Cabo de Santo Agostinho; b) ao longo dos anos teria progredido gradativamente nos níveis salariais previstos para o cargo de Analista Judiciário, tanto por progressões funcionais (dentro da mesma classe), quanto por promoções (passagem do último nível salarial de uma classe para o primeiro da classe seguinte); c)teria logrado a promoção para o Nível Salarial 6 em agosto de 2010, através do Ato nº 650/2010, do Presidente do TRT da 6ª Região; d) em agosto de 2019, uma comissão do TRT6 designada para identificar irregularidades em progressões funcionais relacionadas à inobservância do interstício mínimo de 1 ano, teria entendido que a promoção deferida ainda no ano de 2010 ao Demandante padeceu de vício relacionado ao não cumprimento da carga horária mínima de cursos de aperfeiçoamento; e) em 9 de setembro de 2019, o Exmo. Sr. Desembargador Presidente e a Diretora da Secretaria de Gestão de Pessoas do TRT da 6ª Região publicaram atos por meio dos quais anularam a promoção datada de 2 de agosto de 2010 e em razão dessa medida, na prática, o Demandante, que já havia atingido o Nível Salarial 13 (máximo de sua carreira) desde 31 de janeiro de 2017, sofreu significativo descenso em seu nível salarial atual, que passou a ser o NS10, com consequente perda remuneratória; f) teria sido informado, mediante contato telefônico, sobre a intenção do TRT6 de levar a efeito descontos mensais destinados a restituir aos cofres públicos as diferenças remuneratórias que o Tribunal considera indevidas, em razão da anulação da promoção em questão; g) não resta alternativa ao Demandante senão socorrer-se da prestação jurisdicional, a fim de estancar os efeitos do desfazimento da promoção que lhe fora regularmente concedida no ano de 2010, bem como para obstar a realização dos descontos mensais em seus estipêndios. Teceu comentários, citou textos de lei e da jurisprudência dos tribunais em defesa de seu pleito e ao final requereu:

    "a)      Seja deferida, em caráter antecedente e liminar, tutela provisória, com o fim específico de determinar à Demandada que devolva o Requerente ao nível salarial 13, a fim de que volte a receber a remuneração correspondente a esse nível vencimental (em voga antes da despromoção), obstando-se, ainda, a realização de qualquer desconto de valores considerados indevidos pelo TRT da 6ª Região;

    a.1) Subsidiariamente, caso se entenda pela inviabilidade da concessão da tutela provisória com a finalidade de restaurar o nível vencimental do Requerente, postula seja deferia a tutela provisória apenas para obstar a realização de quaisquer descontos dos valores considerados como pagamentos a maior pelo TRT da 6ª Região;

Ao final, requer seja decretada a invalidação dos atos que procederam à anulação do Ato TRT/GP nº 650/2010 e de todas as promoções posteriores, em efeito cascata, confirmando-se, em todos os seus termos, a tutela provisória requerida para devolver em definitivo o Requerente ao nível vencimental 13 (último da carreira a que pertence) e impedir a realização de qualquer desconto de diferenças remuneratórias, condenando-se a Demandada, ainda, ao pagamento de todas as diferenças remuneratórias decorrentes da despromoção (a partir de outubro de 2019) e daquilo que o TRT da 6ª Região venha a descontar dos estipêndios do Requerente, a título de restituição ao erário, incidindo juros de mora e correção monetária até a data do efetivo pagamento."

 Em decisão acostada sob Id. 4058300.13685480, foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, apenas para determinar que a UNIÃO, por seus Órgãos próprios, inclusive  pelo mencionado TRT6R, se abstivesse de efetuar descontos no contracheque do Autor relativos aos valores que lhes  foram pagos em decorrência das progressões vencimentais concretizadas no âmbito do TRT  6ª Região.

A UNIÃO, em petição acostada sob Id. 4058300.13784085, informa que não houve qualquer desconto relativo ao reposicionamento do servidor THIAGO BRENNAND JORGE.

Citada, a UNIÃO apresentou contestação (Id.4058300.13978000). Não apresentou preliminares. Alegou em síntese, que a auditoria do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no exercício de sua competência, constatou a irregularidade nas progressões concedidas aos servidores do TRT6 ao longo de suas carreiras. As irregularidades verificadas foram de natureza operacional, uma vez que a contagem de tempo para a progressão funcional deveria computar apenas o tempo de efetivo exercício, não considerados, obviamente, os períodos de licenças e participação em cursos de formação e em casos de faltas injustificadas. Aduziu ainda, que a Administração Pública não incorrera em erro interpretativo, mas sim de fato (erro operacional), o que permitiria a reposição ao Erário, conforme jurisprudência pacífica dos nossos tribunais. Pugnou pela improcedência dos pedidos.

Certidão acostada sob Id. 4058300.14338101 informando que a Parte Autora interpusera Agravo de Instrumento perante o TRF 5ª Região, em face da decisão de Id. 4058300.13685480.

O Autor apresentou réplica à contestação, anexada sob Id.4058300.14438485, rechaçando os argumentos apresentados na contestação e reiterou os pedidos da petição inicial.

Vieram os autos conclusos.

 É o breve relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do Mérito

Objetiva a Parte Autora provimento judicial para que seja decretada a anulação do Ato TRT/GP nº 286/2019, que procedeu com a anulação do Ato TRT/GP nº 650/2010 e de todas as promoções posteriores, em efeito cascata, confirmando-se, em todos os seus termos, a tutela provisória requerida para devolver em definitivo o Requerente ao nível vencimental 13 (último da carreira a que pertence) e impedir a realização de qualquer desconto de diferenças remuneratórias.

Pelos documentos acostados aos autos, Anexo I do Ato 286/2019, o Ato 650/2010 assegurou ao Autor a progressão funcional do Nível NS05 para o Nível NS06, com início dos efeitos financeiros a partir de 02/08/2010 (Id. 4058300.13978004).

Pelos contracheques anexados aos autos (Id. 4058300.13660491 e 13660482) é possível constatar que a partir de outubro de 2019 ocorreu a alegada redução salarial.

Ou seja, de agosto de 2010 até setembro de 2019, o Autor recebera os seus proventos de acordo com as progressões sucessivas a partir do Ato TRT GP 650/2010.

Portanto, o Autor recebeu seus proventos por 9 anos, sem que Administração tenha exercido no tempo hábil o direito de anulação, qual seja, no prazo de 5(cinco) anos, conforme regra do art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999.

Realmente, conforme assentado na jurisprudência, a Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, e nesse sentido é a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:

 "Súmula n.º 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

Mas, desde que a Administração o faça no prazo legal, acima indicado.

Teria ocorrido a decadência quinquenal para a revisão em tela, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999, conforme alega o Autor em sua exordial?

Creio que sim.

Vejamos.

Eis o texto do art 54 da Lei nº 9.784/1999:

    "Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

    § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

    § 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.".

A UNIÃO, em sua contestação, não enfrentou e nem comentou a alegada decadência exposta pelo Autor na petição  inicial e limitou-se apenas a discorrer sobre a inexistência de erro jurídico de interpretação da Lei por parte da Administração, pois teria havido mero erro material.

Ademais, não se tratou de erro material, como sustentado pela UNIÃO, mas sim de erro jurídico de interpretação das regras legais e administrativas, na  implementação da progressão funcional do Autor. 

Depreende-se que o Autor vem recebendo os seus proventos, de boa-fé, com base no Ato 650/2010 do Tribunal Regional do Trabalho, há 9 anos, sem qualquer impugnação por parte da Administração Pública.

Então, quando o Tribunal Regional do Trabalho baixou o Ato TRT - GP nº 286/2019, em 09 de setembro de 2019, tornando sem efeito o Ato 650/2010 no tocante às progressões/promoções do Autor e concedeu novas progressões fixadas neste mesmo Ato, portanto, 9(nove) anos depois, já não poderia fazê-lo, porque esse seu poder-dever já se encontrava fulminado pela decadência quinquenal legal,  acima apontada.

3. Dispositivo                                               

Posto isso:

3.1. julgo procedentes os pedidos desta ação, com acolhimento da exceção de decadência quinquenal, levantada pela Parte Autora, pronuncio a decadência do direito de a UNIÃO FEDERAL, por seu Órgão  próprio,   exercer o seu poder-dever de editar Ato tornando sem efeito Atos concedidos modificando as progressões/promoções do Autor a partir de agosto de 2010, pelo que cancelo o Ato TRT - GP nº 286/2019 de 09 de setembro de 2019, pela qual mencionada modificação foi concretizada, restabeleço aquele Ato TRT GP nº 650/2010, retornando o Autor ao mesmo nível de vencimentos em que estava até outubro de 2019, quando ocorreu a modificação, e condeno a ora Requerida a restabelecer os proventos do Autor nos valores e parâmetros pagos até outubro de 2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos em datas posteriores, bem como a pagar as diferenças vencidas, retroativamente à data que sofreu redução por conta do mencionado Ato TRT-GP nº 286/2019, de 09 de setembro de 2019, ora cancelado, com correção monetária e juros de mora  na forma indicada no Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, no qual já se encontra incorporado o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal no acórdão relativo ao RE 870.945/SE[1], estendendo-se mencionada atualização até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal [2].

 3.2. Outrossim, com base nos §§ 2º ao 5º do art. 85 do CPC, condeno a UNIÃO a pagar ao(s) Patrono(s) do Autor verba honorária, que arbitro no mínimo legal, observada a gradação do invocado § 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor total das diferenças acima indicadas, bem como sobre as 12(doze) primeiras parcelas das diferenças em questão que voltarão a ser pagas nos proventos do Autor(§ 9º do art. 85 do CPC).

3.3 Se o mencionado agravo de instrumento, interposto pelo ora  Autor, ainda não tiver sido julgado, que se remeta cópia desta sentença para os respectivos autos, aos cuidados do d.  Desembargador Federal Relator, para os  fins  legais.

3.4. Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, porque o valor total não corresponderá ao valor de 1.000 (hum mil) salários mínimos (art. 496, §3º, inciso I do CPC).

Registre-se. Intime-se.

Recife, 30.11.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE.

___________________________________________________

[1]  Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário -  RE nº  870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M

[2] Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

 Acesso em 10.10.2017.







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