segunda-feira, 6 de abril de 2020

INDEFERIMENTO DE PRETENDIDO DIFERIMENTO(ADIAMENTO)DOS PRAZOS DE TRIBUTOS FEDERAIS POR PARTE DE EMPRESA DO SETOR DE SAÚDE


Por Francisco Alves dos Santos  Júnior


Como já dito em publicação de poucos dias atrás, qualquer desoneração tributária necessita de projeto de exclusiva competência do Chefe do Poder Executivo, que dê origem à Lei com a desoneração, isso por força do § 6º do art. 150 c/c art. 165 da vigente Constituição da República e da Lei Complementar 101, de 2000, uma vez que terá implicações nas despesas/receitas orçamentárias. Por outro lado, o argumento de dificuldades em virtude do coronavirus parece não vingar para as Empresas que lidam com prestação de  serviços e venda de produtos do setor de saúde, porque, como se sabe, passaram a praticamente triplicar as suas receitas, quer pelo gigantesco aumento da demanda, quer pelo fenômeno do aumento de preços. 
Na decisão que segue, essas questões são debatidas. 
Boa leitura.



D E C I S Ã O



PROCESSO Nº: 0 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: XXXXXXXXXXXXXXX
ADVOGADO: YYYYYYYYYYYY 
RÉU: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


D E C I S Ã O

1. Breve Relatório
XXXXXXXXXX, Empresa com Atividade no Ramo de Atendimento Hospitalar, qualificada na Inicial, ajuizou esta Ação Ordinária com pedido de Tutela de Evidência para Suspensão de Exigibilidade do Crédito Tributário em face da União/FAZENDA NACIONAL, em virtude do estado de calamidade pública decretada no Brasil por conta do Coronavirus (COVID-19), conforme o Decreto Legislativo nº6, de 2020, vigente a partir de 20/03/2020 até 31/12/2020 (anexo 02).
Sucessivamente, na petição sob id. 4058300.14006098, em sede de aditamento, pugnou pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário no tocante a todos os tributos instituídos pela União, mencionando-se Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS e COFINS, para que União não adote medidas de execução ou cobrança de débitos tributários vencidos, até que seja encerrado o período de calamidade pública decretado (Decreto Legislativo n.º 6/2020), servindo como indicador - pelos fatos e fundamentos esposados.
Teceu outros comentários. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação
2.2. Do pedido de tutela de urgência
2.2.1 - A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual.
O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico da tutela de urgência.
À luz do dispositivo legal em comento, in verbis:
"Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§  2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."
E a pretendida tutela de evidência, encontra-se assim delineada no art. 311 do mesmo diploma processual:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.”.
 O adiantamento promovido pela medida emergencial repousa, assim, sobre eficácias inerentes ao pedido articulado na petição inicial, ou melhor, imanentes à sentença que provavelmente o julgará procedente, no todo ou em parte.
A questão ora analisada, decorrente da pandemia provocada pelo covid-19,  depende de política fiscal do Governo Federal, a ser negociada com as Entidades Empresariais, com  a finalidade de ser resolvida globalmente.
A ora Autora, tudo indica, não fez qualquer pedido, no sentido do pleito da petição inicial, na via administrativa.
Não adianta um Juiz qualquer conceder liminarmente,  tutela provisória de urgência antecipatória ou, como pedido na  petição inicial, tutela  de evidência, a favor de uma ou outra Empresa Contribuinte, se o problema não atinge apenas esta ou aquela Empresa, sendo que umas não estão, sequer,   sofrendo problema nenhum no campo das suas receitas, como as Empresas do setor de saúde, que continuam trabalhando e  agora a pleno vapor, com grande aumento nos seus ganhos, até mesmo pelo fato e que majoraram, como noticia a imprensa,  os preços dos  seus serviços e produtos.
E, pela cláusula quarta do contrato social da ora Autora, acostado sob id 4058300.13929005, encontra-se ela nessa área que findou por ser beneficiada com a mencionada pandemia.
Não há nos autos nenhuma prova de que isso não tenha  acontecido. 
Mas, imaginemos que a ora Autora fosse uma Empresas de um  dos  setores que passaram a ter problemas de caixa, uma vez  que as suas atividades teriam sido totalmente paralisadas.
Mesmo nessa situação, prima facie, não poderia o Judiciário intervir nessa política, típica da Administração Pública ligada à Chefia do Poder Executivo.
Caberá ao Judiciário, sim, decidir no caso de alguma  Empresa, que tenha sido obrigada a parar as suas atividades em decorrência da noticiada pandemia, vier a sofrer penalidades no campo tributário. Cada caso será examinado isoladamente.
No entanto, não pode o Judiciário invadir a competência administrativo-tributária do Poder Executivo em consonância com o Poder Legislativo. É que, como se sabe, qualquer tipo de desoneração tributária depende de Lei (§ 6º do art. 150 da Constituição da República), com projeto de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 165 da mesma Carta), porque diz respeito a assunto orçamentário, envolvendo receita/despesa, sem se descurar das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 2000.
Quanto à Portaria do Ministério da Fazenda nº 12, de 20.01.2012, que foi editada com base no art. 66 da Lei nº 7.450, de  ("art. 66 - Fica atribuída competência ao Ministro da Fazenda para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias.") e no art. 67 da Lei nº 9.784, de 1999("art. 67 - Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem."), pela qual se estabeleceu a prorrogação da data de vencimento dos tributos devidos por contribuintes domiciliados em Municípios  submetidos a  estado de calamidade pública por Decretos Estaduais, e que tal comando seria autoaplicável, não se aplica ao caso, porque aplicável a fatos da época em que foi editada, o já distante ano de 2012.
Note-se que mencionada Portaria foi estendida para todos os setores Empresariais, sediados em Municípios sob calamidade pública, reconhecida por Decreto do Governador, naquele ano de 2012. 
Atualmente, é diferente: como acima demonstrado, algumas atividades empresariais não estão sendo atingidas pela calamidade pública, como, tudo indica, é o caso das Empresas do setor de atividades da ora Autora.
Então, deveria vir à luz outro ato normativo semelhante, especificando quais os setores empresariais que poderão gozar do pretendido diferimento(adiamento) dos prazos tributários.  
Mas, repito, prima  facie, não pode o Judiciário estender a aplicação de tal Portaria para a atualidade, apenas para uma ou outra Empresa, como pretende a ora  Impetrante,  porque feriria o princípio da isonomia e iria  fazer uma  indevida interferência na administração pública tributária.
Por outro lado, não se encontra presente nenhuma das hipóteses descritas nos incisos II e III do art. 311 do vigente CPC, que justificasse a concessão liminar  da pretendida tutela de evidência, como exige o parágrafo único desse dispositivo legal.
 Portanto, não vejo como possa resolver um problema de tanta envergadura numa singela e precária decisão liminar.  

3. Dispositivo
Posto isso:
a) Indefiro o pretendido pedido de tutela de urgência;
b) Deixo de designar audiência de conciliação, pois os interesses em tela não são susceptíveis de harmonização (art. 334, §4º, II, NCPC);
c)  Citem-se as partes rés para os fins legais;
d) Deverá o(a) Réu(Ré), quando da apresentação de sua resposta, trazer aos autos todo e qualquer registro administrativo que possua, relativamente ao objeto do presente litígio, com o fim de facilitar o trabalho judicante;
e) Caso se trate de processo administrativo, anexe cópia integral das peças dos autos.
Intimem-se. Cumpra-se.
Recife, data 03.04.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


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