Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Como já dito em publicação de poucos dias atrás, qualquer desoneração tributária necessita de projeto de exclusiva competência do Chefe do Poder Executivo, que dê origem à Lei com a desoneração, isso por força do § 6º do art. 150 c/c art. 165 da vigente Constituição da República e da Lei Complementar 101, de 2000, uma vez que terá implicações nas despesas/receitas orçamentárias. Por outro lado, o argumento de dificuldades em virtude do coronavirus parece não vingar para as Empresas que lidam com prestação de serviços e venda de produtos do setor de saúde, porque, como se sabe, passaram a praticamente triplicar as suas receitas, quer pelo gigantesco aumento da demanda, quer pelo fenômeno do aumento de preços.
Na decisão que segue, essas questões são debatidas.
Boa leitura.
D E C I S Ã O
PROCESSO
Nº: 0 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: XXXXXXXXXXXXXXX
ADVOGADO: YYYYYYYYYYYY
RÉU: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
XXXXXXXXXX, Empresa com Atividade no Ramo de
Atendimento Hospitalar, qualificada na Inicial, ajuizou esta Ação Ordinária com
pedido de Tutela de Evidência para Suspensão de Exigibilidade do Crédito
Tributário em face da União/FAZENDA NACIONAL, em virtude do estado de
calamidade pública decretada no Brasil por conta do Coronavirus (COVID-19),
conforme o Decreto Legislativo nº6, de 2020, vigente a partir de 20/03/2020 até
31/12/2020 (anexo 02).
Sucessivamente, na petição sob id. 4058300.14006098,
em sede de aditamento, pugnou pela suspensão da exigibilidade do crédito
tributário no tocante a todos os tributos instituídos pela União,
mencionando-se Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido, PIS e COFINS, para que União não adote medidas de execução ou
cobrança de débitos tributários vencidos, até que seja encerrado o período de
calamidade pública decretado (Decreto Legislativo n.º 6/2020), servindo como
indicador - pelos fatos e fundamentos esposados.
Teceu outros comentários. Inicial instruída com
procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.2. Do pedido de tutela de urgência
2.2.1 - A característica fundamental do provimento
satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de
procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual.
O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com
a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico
da tutela de urgência.
À luz do dispositivo legal em comento, in verbis:
"Art.
300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.
§ 1º
Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir
caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte
possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente
hipossuficiente não puder oferecê-la.
§
2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação
prévia.
§ 3º A
tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."
E a pretendida tutela de evidência, encontra-se
assim delineada no art. 311 do mesmo diploma processual:
“Art. 311. A tutela da evidência
será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco
ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente
e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula
vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega
do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de
gerar dúvida razoável.
O
adiantamento promovido pela medida emergencial repousa, assim, sobre eficácias
inerentes ao pedido articulado na petição inicial, ou melhor, imanentes à
sentença que provavelmente o julgará procedente, no todo ou em parte.
A questão ora analisada, decorrente da
pandemia provocada pelo covid-19, depende de política fiscal do
Governo Federal, a ser negociada com as Entidades Empresariais, com a
finalidade de ser resolvida globalmente.
A ora Autora, tudo indica, não fez qualquer pedido,
no sentido do pleito da petição inicial, na via administrativa.
Não adianta um Juiz qualquer conceder liminarmente,
tutela provisória de urgência antecipatória ou, como pedido na petição inicial, tutela de evidência, a favor de uma ou outra Empresa
Contribuinte, se o problema não atinge apenas esta ou aquela Empresa, sendo que
umas não estão, sequer, sofrendo problema nenhum no campo das suas
receitas, como as Empresas do setor de
saúde, que continuam trabalhando e agora a pleno vapor, com grande
aumento nos seus ganhos, até mesmo pelo fato e que majoraram, como noticia a
imprensa, os preços dos seus
serviços e produtos.
E, pela cláusula quarta do contrato social da ora
Autora, acostado sob id 4058300.13929005, encontra-se ela nessa área que findou
por ser beneficiada com a mencionada pandemia.
Não há nos autos nenhuma prova de que isso não
tenha acontecido.
Mas,
imaginemos que a ora Autora fosse uma Empresas de um dos setores
que passaram a ter problemas de caixa, uma vez que as suas atividades
teriam sido totalmente paralisadas.
Mesmo
nessa situação, prima
facie, não poderia
o Judiciário intervir nessa política, típica da Administração Pública ligada à
Chefia do Poder Executivo.
Caberá ao Judiciário, sim, decidir no caso de alguma
Empresa, que tenha sido obrigada a parar as suas atividades em decorrência da
noticiada pandemia, vier a sofrer penalidades no campo tributário. Cada caso
será examinado isoladamente.
No entanto, não pode o Judiciário invadir a
competência administrativo-tributária do Poder Executivo em consonância com o
Poder Legislativo. É que, como se sabe, qualquer tipo de desoneração tributária
depende de Lei (§ 6º do art. 150 da Constituição da República), com projeto de
iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 165 da mesma Carta), porque diz
respeito a assunto orçamentário, envolvendo receita/despesa, sem se descurar
das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 2000.
Quanto à Portaria do Ministério da Fazenda nº
12, de 20.01.2012, que foi editada com base no art. 66 da Lei nº 7.450,
de ("art. 66 - Fica atribuída competência ao Ministro da Fazenda
para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias.") e no
art. 67 da Lei nº 9.784, de 1999("art. 67 - Salvo motivo de força maior
devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem."), pela
qual se estabeleceu a prorrogação da data de vencimento dos tributos devidos
por contribuintes domiciliados em Municípios submetidos a estado de
calamidade pública por Decretos Estaduais, e que tal comando seria
autoaplicável, não se aplica ao caso, porque aplicável a fatos da época em que
foi editada, o já distante ano de 2012.
Note-se que mencionada Portaria foi estendida para
todos os setores Empresariais, sediados em Municípios sob calamidade
pública, reconhecida por Decreto do Governador, naquele ano de 2012.
Atualmente, é diferente: como acima
demonstrado, algumas atividades empresariais não estão sendo atingidas pela
calamidade pública, como, tudo indica, é o caso das Empresas do setor de
atividades da ora Autora.
Então, deveria vir à luz outro ato normativo
semelhante, especificando quais os setores empresariais que poderão gozar do
pretendido diferimento(adiamento) dos prazos tributários.
Mas, repito, prima facie, não pode o
Judiciário estender a aplicação de tal Portaria para a atualidade, apenas para
uma ou outra Empresa, como pretende a ora Impetrante, porque
feriria o princípio da isonomia e iria fazer uma indevida
interferência na administração pública tributária.
Por outro lado, não se encontra presente nenhuma
das hipóteses descritas nos incisos II e III do art. 311 do vigente CPC, que
justificasse a concessão liminar da
pretendida tutela de evidência, como exige o parágrafo único desse dispositivo
legal.
Portanto, não vejo como possa resolver
um problema de tanta envergadura numa singela e precária decisão liminar.
3. Dispositivo
Posto isso:
a) Indefiro o pretendido pedido de tutela de
urgência;
b) Deixo de designar audiência de conciliação, pois
os interesses em tela não são susceptíveis de harmonização (art. 334, §4º, II,
NCPC);
c) Citem-se as partes rés para os fins
legais;
d) Deverá o(a) Réu(Ré), quando da apresentação de
sua resposta, trazer aos autos todo e qualquer registro administrativo que
possua, relativamente ao objeto do presente litígio, com o fim de facilitar o
trabalho judicante;
e) Caso se trate de processo administrativo, anexe
cópia integral das peças dos autos.
Intimem-se. Cumpra-se.
Recife, data 03.04.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
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