sábado, 4 de maio de 2019

ACUMULAÇÃO DE CARGOS AUTORIZADA PELA CONSTITUIÇÃO E O ABATE-TETO. PRECEDENTES DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


   Por Francisco Alves dos Santos Júnior

  No Brasil, segundo regra da vigente Constituição da República, nenhum Servidor Público pode ganhar mais do que um Ministro do Supremo Tribunal Federal. 
   E quando, por força da própria Constituição, o Servidor Público pode exercer, simultaneamete, dois cargos públicos, indicados na  Constituição, ou um  cargo público e outro privado, como acontece com os Professores, Médicos, Juízes, estes, a magistratura com um cargo  de professor, e etc.?     
   Somam-se os dois vencimentos, para a limitação aos vencimentos de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, ou considera-se isoladamente cada vencimento?
   A opção correta sempre pareceu-me ser a última, até mesmo porque os Ministros do Supremo Tribunal Federal, como Juízes que são, também podem cumular esse cargo com  outro cargo de professor, na área pública ou privada. 
   Na decisão que segue, essa matéria é debatida, indicando-se julgados do Pleno do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto. 
   Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0807229-64.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: N T DE P F 
ADVOGADO: V De A  P 
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



                                                      DECISÃO

1. Relatório

N T DE P F, qualificado na inicial, ajuizou a presente Ação pelo procedimento comum, com pedido de tutela provisória em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Alegou em síntese que: a) seria professor de professor de magistério superior lotado no departamento do centro de ciências, recebendo a remuneração correspondente a tal função; b) estaria recebendo, também, proventos decorrentes de aposentadoria do cargo de professor do magistério superior, matrícula 0384106, atrelado aos quadros da UFPE; c) a Administração Pública vem aplicando ilegalmente o chamado "abate-teto" sobre o somatório da sua remuneração com os proventos de aposentadoria percebidos e assim começou a efetuar descontos mensais em seus rendimentos; d) em face dessa ilegalidade, ingressou com a presente ação judicial para receber sua remuneração e provento de aposentadoria na integralidade, observado o limite do teto constitucional para cada um dos vínculos. Teceu comentários, citou textos de lei e da jurisprudência nacional em defesa de seu pleito e ao final requereu:
"a)   A concessão de tutela provisória de urgência/evidência, inaudita altera pars, para determinar que a demandada se abstenha de efetuar descontos à título d abate teto nos rendimentos mensais da autora, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.;
b) Que sejam julgados TOTALMENTE procedentes os pedidos, para fins de:
b.1) declarar o direito da parte autora à incidência do teto remuneratório estabelecido pela Constituição Federal SEPARADAMENTE sobre a remuneração relativa ao vínculo de Professor do Magistério Superior e os proventos de aposentadoria do cargo de Professor do Magistério Superior;
b.2) determinar à ré que se abstenha de aplicar o teto remuneratório previsto pelo art. 37, XI da CF/88 sobre a soma da remuneração do cargo e dos proventos de aposentadoria percebidos pelo autor;
b.3) condenar a ré, a pagar ao autor o correspondente aos valores indevidamente descontados em face da aplicação equivocada do abate-teto nos termos pleiteados ao longo dessa exordial, até que cessem os descontos indevidos, acrescido de correção monetária e de juros moratórios na forma da lei;
b.4) condenar a parte ré a arcar integralmente com as custas judiciais e honorários advocatícios fixados na forma do §§3º a 5º do art. 85 do NCPC.
c)       A citação da ré para, querendo, apresentar defesa no prazo legal;
d)      prioridade de tramitação do presente feito, conforme dispõe o inciso I do artigo 1.048 do CPC/15;
e)      a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial a prova documental;
f)        a publicação de todas as intimações em nome do procurador VADSON DE ALMEIDA PAULA, OAB/PE 22.405.
Manifesta, desde logo, seu desinteresse na realização da audiência de conciliação, nos moldes do art. 334 do CPC/15."
Vieram os autos conclusos.
É o relatório no essencial. Passo a decidir.

2- Fundamentação

2.1- Da tutela de urgência
Para a concessão da tutela de urgência, o art. 300 do CPC/2015 exige a concorrência de dois pressupostos: a probabilidade do direito; e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.  A ausência de um destes pressupostos prejudica a concessão da tutela de urgência.
Cinge-se o presente feito à análise da possibilidade de direito do Autor ao recebimento dos seus vencimentos do cargo de Professor de Magistério Superior no Departamento do Centro de Ciências da UFPE e dos proventos decorrentes de aposentadoria do cargo de Professor do Magistério Superior, matrícula 0384106, atrelado aos quadros da UFPE, sem que haja o "abate-teto" pela soma de ambos, posto que, segundo argumenta o Autor, o "abate-teto" deve ser considerado com relação a cada desses rendimentos, isoladamente.

Cumpre verificar os dispositivos da Constituição da República que tratam da matéria:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)[...]XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)[...]XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(...)§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)[...]§ 11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)"Por seu turno, dispõe o art. 118 da Lei nº 8.112/90:"Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. § 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios. § 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários. § 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade." (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
A leitura dos dispositivos acima demonstra que o Legislador instituiu, na Constituição da República, simultaneamente, a possibilidade de exercício cumulado de cargos públicos, para algumas Carreiras Públicas, bem como a limitação dos valores percebidos por tais agentes públicos ao teto do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Firmadas essas premissas, no caso concreto, o Autor é Professor lotado no Departamento do Centro de Ciências e é aposentado também como Professor pela mesma Universidade - são cumuláveis, conforme o artigo 37, XVI, "a" da Constituição da República, tratando-se, portanto, de verbas completamente distintas e com acumulação constitucional e legalmente permitida.
Cabe agora analisar a limitação dos valores recebidos.
A matéria objeto dos presentes autos foi analisada em sede de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, nos autos dos Recurso Extraordinário - RE nºs 602.043 e 612.975:
"Ementa: TETO CONSTITUCIONAL - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - ALCANCE. Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido.                                              DecisãoApós o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes, e o voto do Ministro Edson Fachin, dando provimento ao recurso, o julgamento foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falaram: pelo recorrente, Estado de Mato Grosso, o Dr. Lucas Dallamico, Procurador do Estado de Mato Grosso; e, pelo Sindicato dos Médicos do Distrito Federal - SINDMÉDICO/DF, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26.4.2017.
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin, apreciando o tema 384 da repercussão geral, negou provimento ao recurso e fixou a seguinte tese de repercussão geral:
"Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público".[1] 

3. Conclusão


Posto isso, diante desses importantes precedentes do Plenário da Suprema Corte, sob repercussão geral, de observância obrigatória por todo o Judiciário Brasileiro (art. 927, III do CPC):
3.1. defiro o pedido de tutela provisória de urgência antecipatória e determino que a UFPE, a partir da intimação, passe a aplicar aos proventos do Autor, relativos à aposentadoria acima referida, bem como aos seus vencimentos do cargo de Professor que ainda exerce, o teto constitucional na forma do precedente estabelecido pelo STF no julgamento dos REs 602.043 e 612.975, acima invocados, qual seja, aplicando-se o teto constitucional de forma isolada, separada, em relação aos proventos e também de forma isolada com referência aos vencimentos do cargo ainda em exercício,  e não sobre a soma de ambos, tudo sob pena de fixação de multa a ser arbitrada, retroativamente à data do eventual descumprimento desta decisão, sem prejuízo da responsabilização funcional, civil e criminal do Dirigente/Servidor que der azo ao seu pagamento;
3.2. considerando tratar-se de matéria em que não se admite a autocomposição, deixo de determinar a realização de audiência de conciliação (artigo 334, parágrafo quarto, inciso II, do Código de Processo;
3.3. cite-se a UFPE, na forma e para os fins legais e a intime para dar efetivo cumprimento à tutela de antecipação supra. .
3.4) Outrossim, também intime-se o Autor.

Recife, 03.05.2019

Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE

__________________________________________________
[1] - Brasil. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário - RE n° 602.043. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento em 27.04.2017, in Diário Judicial Eletrônico - DJe nº 203, Publicadoem 08.09.2017[Sob repercussão geral]. 





Nenhum comentário:

Postar um comentário